RATZEL VERSUS VIDAL DE LA BLACHE
Autor: Jean Pires de Azevedo Gonçalves
Observação: Este estudo é uma
continuidade de meu ensaio intitulado ATUALIDADE DA GEOGRAFIA, disponível AQUI.
Ao meu ver, um dos
maiores equívocos da história do pensamento geográfico foi ter atribuído à
geografia o status de ciência
positivista por excelência. Além do anacronismo evidente em tal associação
(aliás, os geógrafos nunca conseguiram estabelecer ao certo o surgimento da
geografia, ora aduzindo a um passado remoto na Antiguidade, ora à
sistematização de Humboldt, ora ao determinismo e o possibilismo, ora a uma
ontologia etc.), o erro pode ser facilmente corrigido pelo simples fato de que
a geografia não tomou parte no quadro das ciências positivas, proposto por Auguste
Comte, o qual, para recordarmos, partia do conhecimento mais geral ao mais
particular, ou seja, da matemática, passando pela astronomia, física, química,
biologia, até a sociologia (moral).
É muito provável que Comte
entendia a geografia como uma generalização da astronomia ou mesmo um conhecimento antigo, não moderno (tendo-se em conta a Querelle do XVII), portanto, a meio
caminho do estado metafísico (aristotélico, por assim dizer) e do estado positivo,
não merecendo, por isso, o rótulo de ciência propriamente dita e particular. De
fato, Comte denomina a “grande ciência inorgânica” de Estudos da Terra ou, mais propriamente, de Cosmologia, de onde desmembra estudos celestes, a astronomia e a física,
e estudos da terra, a química, e rejeita a designação “geologia” pela
imprecisão e generalização confusa feita pela academia[1].
Admitindo-se a última
hipótese, a geografia moderna – isto é, a do XIX – realmente descendia de uma
tradição que remontava ao humanismo greco-romano, resgatado, artificialmente, durante
a Renascença, e, também, em grande parte, das necessidades de aparato técnico
surgidas no período das grandes navegações e dos descobrimentos ultramarinos, impulsionadas
pelo amadurecimento do capitalismo comercial na Europa. Suas grandes referências
foram sem dúvida os textos clássicos, de Heródoto, Estrabão, mas,
principalmente, de Ptolomeu. Para reforçar o que foi dito, cito Cai Prado
Junior: “Isto que podemos chamar de geografia clássica se forma, como todas as
demais ordens do conhecimento moderno, neste período do pensamento ocidental
que se segue ao século XV. A geografia também se constituirá, tomando de início
por modelo, como se deu em todas as instâncias, os atures da antiguidade
clássica, e Ptolomeu em primeiro e principal lugar. Este geógrafo, como aliás
os outros do período da ciência Greco-romana e romana a que ele pertence,
afastando dos modelos gregos anteriores, orientou-se sobretudo para fins
estritamente utilitários. Ptolomeu, antes um cosmógrafo, em nossa terminologia
moderna, e por derivação matemático e astrônomo, tinha por objetivo essencial a
fixação do ‘ecúmeno’, isto é, a parte então considerada habitável da Terra. A
delimitação dele, a localização relativa de suas várias partes constituíam seus
fins essenciais. Assim a cosmografia e a astronomia, meios necessários a chegar
a tal objetivo, e a cartografia, expressão concreta de seus resultados,
ocupariam a maior parte do pensamento e de suas obras... [Caio Prado Junior
omitiu os estudos de Ptolomeu sobre a posição dos astros para decifrar o
destino humano; também a astrologia foi largamente utilizada pelo cosmógrafo
real, na era absolutista, para atender aos anseios da nobreza]... A posição de Ptolomeu
diante do problema geográfico coincidirá perfeitamente com as necessidades da época
em que renascem os estudos de geografia. Inaugurava-se a grande navegação
oceânica, a exploração dos mares, de rotas e terras desconhecidas; havia que se
preocupar, acima de tudo, com os dados e conhecimentos necessários à realização daquelas tarefas. A cosmografia
se tornará o capítulo principal da geografia, e com ela a cartografia em que se
concretiza. E ambas terão desenvolvimento que todos conhecem, desde a segunda
metade do século XV”. (CAIO PRADO JÚNIOR, Aires
de Casal, o pai da geografia brasileira, e sua Corografia Brasílica, in
“Evolução política do Brasil e outros estudos”, São Paulo: Editora Brasilense,
1966). Diante disso, é evidente que o positivismo, que é tipicamente moderno e
tende para as especializações, não podia introduzir a geografia junto às demais
ciências, tampouco enquadrar objetivamente suas extensas descrições de mundos “bizarros”
e “exóticos”, habitados muitas vezes por monstros e canibais, pelos quais
arrojados viajantes desbravavam e tanto fascinavam a curiosidade do europeu
“civilizado”: um verdadeiro almanaque de informações, coleções e catalogação de
fatos etnográficos, botânicos, zoológicos, climatológicos, mineralógicos,
geomorfológicos, etc.
De certa forma, o
positivismo pagou todos os pecados da herança iluminista e do cientificismo do
século XIX, e, mal interpretado, por seu viés ostensivamente conservador, tornou-se
vilão da ciência, ou, na melhor das hipóteses, vulgarizador dos vícios e
limitações da escola naturalista (que também bebeu na fonte positivista), quando,
na verdade, o positivismo nada mais foi do que uma filosofia da história
arrastada pelo turbilhão de seu tempo. Sob uma atmosfera preconceituosa, não
sem alguma razão, a grande contribuição de Comte (juntamente com a do
socialista Saint-Simon) para a história das ciências, isto é, a inauguração da
sociologia (ciências humanas), quando não esquecida, foi relegada a um segundo
plano. Nesse sentido, sim, pode se afirmar que o positivismo abriu as portas do
método cientifico para os estudos da sociedade. Todavia, a reconstrução tardia
da história da geografia, no intuito de incluí-la no campo das ciências
modernas, enquanto disciplina acadêmica regular, absorveu exatamente os
preconceitos envoltos sobre o positivismo, do qual avocou sua origem, sem, no
entanto, demonstrar fundamentação para isso, e a partir daí se afirmou,
contraditoriamente, sob o embaraçoso título de “ciência de síntese”. Ou seja,
buscou-se uma identidade científica onde não existia, num conceito vago, e,
pior, ia-se num sentido diametralmente oposto ao da modernidade. Em virtude
disso, perante as outras ciências, a geografia, na situação mais honrosa,
pagaria um alto preço por ser crônica e irremediavelmente um conhecimento
superficial. Diante de tal fragilidade epistemológica, incompatível com a
tendência de especialização das ciências, a geografia não pôde produzir senão um
simulacro científico para o qual, entretanto, serviu de instrumento de
racionalização do processo neocolonialista e, sobretudo, da dita “missão
civilizadora”. Diante disso, o espaço geográfico, conceito moderno e
inexoravelmente vinculado à formação dos Estados nacionais no Ocidente, seria
traçado, a ferro e fogo, pelas potências imperialistas, que dividiriam o mundo
a seu bel prazer em territórios, possessões e colônias, sob a tutela de suas
autoridades. (Nem mesmo Kropotkin e Reclùs foram capazes de perceber, não
obstante suas convicções e militância anarquistas, a essência nacional e
colonialista inerente à geografia [espaço] e o que isso implicava: o genocídio.
Isso porque levaram a sério demais o programa iluminista, não compreendendo a
ciência como ferramenta de dominação eurocêntrica, o que os fez pensar a
revolução social sob as luzes quando na verdade, se se deixassem guiar apenas pelos
ideais anarquistas, de modo irrestrito, teriam de abolir a geografia em nome da
liberdade e das diferenças). Assim como na história só há um narrador, o
vencedor; também a geografia é a cartografia dos tiranos!
Feitas
essas considerações introdutórias, duas correntes paradigmáticas e divergentes,
tendo sempre por pressuposto o Império Romano e a “teoria da evolução das
espécies”, de Charles Darwin (mas também a teoria de Lamarck), justificaram,
cada uma à sua maneira, duas tendências no plano da política e da economia a
que conduziriam os rumos do capital monopolista, na segunda metade do século
XIX e início do XX: uma fortemente estatal e outra econômica. Vejamos:
A primeira pode ser
identificada à tradição germânica na figura de Ratzel e reflete, enquanto
contribuição específica na área das ciências geográficas, os esforços conjuntos
de intelectuais alemães engajados pelo projeto de unificação e constituição do
Estado nacional na Alemanha. Esta geografia de formação bastante eclética – mas
longe de ser positivista – tem essencialmente em suas raízes as ideias
econômicas e políticas de Fichte e, também, do historicismo alemão, sendo, ora romântica-teológica, ora
naturalista-antropológica, fruto “da época mercantilista (tardia)” [expressão
de Robert Kurz] que grassou na Alemanha durante todo o século XIX e iria por
fim desembocar no nazismo. Assim, o ideal de Estado absolutista estaria na base de suas concepções, pelas quais
são totalmente condizentes, num nível ideológico, a uma perspectiva
político-nacional alternativa ao laissez-faire,
na qual projetava por se sair exitosa e fazer frente na corrida por novos
mercados, através da execução de medidas protecionistas e, sobretudo,
expansionistas, que visavam instaurar, nos territórios conquistados, o
monopólio de matéria-prima e a mobilização de mão-de-obra barata (no limite,
escravizada). A perspectiva pessimista de Malthus é então tomada de empréstimo
devido à centralidade em que ocupa a agricultura nas relações econômicas e,
principalmente, por respaldar o conceito de recurso natural limitado em
oposição a um crescimento demográfico ilimitado. É nesse sentido que a ideia de
espaço vital ratzeliana ganha força e
justificação teórica, compondo assim um importante elemento no agressivo
nacionalismo alemão. Imerso nesta atmosfera de matriz mercantilista e
malthusiana, Ratzel diverge da opinião consensual de que a civilização está
diretamente associada a uma liberdade progressiva das necessidades naturais
(instintos). Ao contrário, para Ratzel – e eis o ponto central de sua geografia
– quanto maior o desenvolvimento e a
complexidade de uma civilização, maior também será a sua dependência em relação
à natureza. Para exemplificar de modo didático o que acaba de ser exposto, pode
se pensar, primeiro, numa comunidade tribal em que sua subsistência estaria
concentrada em atividades muito “simples” e de recursos rudimentares, de “fácil”
acesso, como, por exemplo, a extração de madeira, de pedras para o fabrico de
ponta de lanças ou abrigo, a pesca, a coleta, a agricultura predatória etc. Já numa
sociedade de tipo industrial, diferentemente, os vínculos de dependência com a
natureza seriam muitos mais abrangentes e, digamos, drásticos, pois resultam em
necessidades refinadas que não podem ser satisfeitas imediatamente senão por
meio de expedientes sofisticados que pressupõem um envolvimento cada vez mais
“íntimo” de apropriação e transformação da natureza, como poderiam ilustrar as
atividades que cercam uma mina de carvão ou uma usina de petróleo e assim por
diante. Assim, a evolução de uma
civilização é uma questão de grau de adaptação e especialização a um maior
número possível de diferentes meios ambientes, fontes de riqueza. Daí que a
busca de um determinado grupo humano por recursos naturais é insaciável e
inevitável, já que os laços de sua dependência à natureza são sempre
crescentes, conforme “evoluem”. Dentro de tal perspectiva, o aumento
demográfico aparece como mais um elemento complicador e pode se deduzir que,
uma hora ou outra, diferentes grupos humanos entrarão em choque, numa disputa
por áreas territoriais, condição imprescindível de sua sobrevivência.
Fundamentalmente, a
ênfase da geografia de Ratzel está situada nas relações de força, base do
desenvolvimento social ou, se se quiser, do progresso de um povo, e definem num
sentido mais amplo sua geopolítica, que nada mais é do que o saque e a guerra.
As relações de poder são encarnadas no Estado, que é, dessa maneira, comparado
a um organismo vivo que luta ferozmente contra outros Estados, para subjugá-los
ou simplesmente destruí-los, com a finalidade de incrementar e assegurar maior
extensão do território sob seu domínio (maior diversidade disponível de
recursos humanos e naturais).
A despeito de seu corolário
sofismático, o escopo de tal argumento é o político, reduzindo a antropogeografia
a uma doutrina de fundo biológico da lei do mais forte. Quando o III Reich
anexa a Áustria (Anschluss) e ocupa a
Tchecoslováquia, Polônia, Dinamarca, Noruega, países Bálticos, Holanda e
França, os nazistas nada mais fazem do que por em prática ações que em nada
divergem dos ensinamentos de Ratzel. Curiosamente, os ecos mercantilistas iriam
orientar perspectivas no âmbito do capital monopolista e do totalitarismo,
culminando tragicamente nas duas guerras mundiais. Em vistas disso, Ratzel não
pode ser absolvido pelo tribunal da história, a não ser que o fascismo retorne
a pautar a agenda política num cenário ultraconservador e, por conseguinte,
também a ciência.
A outra geografia a
qual me referi é a da escola de Vidal de La Blache. Esta geografia, embora comprometida
também com um projeto nacional, no caso o francês, surpreendentemente canta as
glórias, por dizer assim, do império britânico. De fato, após a Guerra
Franco-Prussiana, a França não podia mais aspirar à condição de potência
continental e, desse modo, rivalizar com a Inglaterra na disputa pela hegemonia
política e comercial do mundo. Por isso, Vidal de La Blache acolhe as teses do
livre mercado formuladas pelo liberalismo clássico e, mais do que isso,
encontra no trabalho a fonte da produção de paisagem, enquanto produto do fator
social. Nesse sentido, para a geografia vidalina, é o trabalho que modela e
transforma a matéria natural, e, desse encontro, engendra um determinado gênero
de vida. Vejamos:
Grosso modo, Vidal de
La Blache compreende o progresso de uma civilização como uma conquista não de
um povo sobre outro, mas do domínio e controle dos elementos naturais (fogo,
terra, água e ar). Sob esse pressuposto, a luta pela sobrevivência, entre sociedades
humanas e natureza, conduz a um gênero de vida (cultura) que espelha essa
relação conflituosa. Dependendo das condições ambientais, isto é, das
características do clima, da vegetação, do relevo, da fauna etc., uma
comunidade criará um gênero de vida específico e adaptado às circunstâncias
naturais em questão. Entretanto, não haveria aí uma relação de consequência
intrínseca entre o meio e um gênero de vida – e eis a pedra angular do possibilismo –, pois, como assevera
Vidal de La Blache, “as riquezas minerais abundam na China, não fizeram do
chinês um mineiro”. O gênero de vida pode então ser decadente, estável ou
dinâmico, isto é, quando há movimento inercial ou de superação dos atritos
naturais, tendo por efeito estagnação ou autonomia tendencial de um gênero de
vida frente aos determinismos da natureza. Neste último caso, a paisagem pode
ser totalmente transformada. O fator primordial, e condicionante, é a
alimentação, que gera o primeiro traço distintivo entre as populações que
habitam a face da terra. Os grupos nômades, por exemplo, desenvolveram uma
dieta vinculada às mudanças sazonais, que sinalizavam períodos de caça e coleta
ou grandes movimentos migratórios. Após assegurar a provisão de alimentos, de
forma relativamente satisfatória, outras necessidades vão surgindo e,
possivelmente, supridas, como a carência por abrigos, vestimentas, conhecimento
baseado nas observações dos movimentos celestes, das estações do ano etc. Todos
estes fatores são respostas de um gênero de vida às adversidades ambientais
que, se superadas, representam um passo na conquista da natureza em direção à
civilização. Portanto, o meio ambiente fornece a matéria, o gênero de vida,
enquanto fator social, o trabalho. Assim sendo, para ilustrar o que foi dito,
pode se conceber uma cadeia de montanhas rochosas onde as casas serão feitas de
pedras; uma floresta, de casas de madeira; na região ártica, os iglus dos
esquimós; e assim por diante. Porém, a cada etapa vencida – por exemplo, o frio
é mitigado pela vestimenta etc. – um determinado ambiente, seja ele hostil ou
ameno, é tornado habitável e o gênero de vida enriquecido. Todavia, como já se
afirmou acima, um gênero de vida pode não responder satisfatoriamente às condições
apresentadas e estagnar, simplesmente sucumbir ou seu subjugado por um gênero
de vida superior.
Na história da
civilização, o primeiro degrau importante na escalada do desenvolvimento social
é a descoberta da agricultura e, por consequência, o sedentarismo. A revolução
do neolítico não só possibilitou uma inovação da técnica sem precedentes até
então, mas, acima de tudo, uma maior independência em relação aos ritmos
impostos pela natureza. A vida sedentária implicou uma maior apropriação, pelo
trabalho, da terra e, por conseguinte, do cultivo de vegetais e criação de animais.
(É interessante notar como do latim a forma nominativa cultura [de colo, e cultus, cultum] formou uma grande família de significados que vão desde
“cultivo da terra”, “cultura agrícola”, “reverência religiosa”, “erudição”
[culto], “arte”, “educação”, “civilização” etc. De fato, em tempos remotos, a
agricultura tinha íntima relação com a religião, que organizava a sociedade, o
campo e a cidade [civis, civitas – daí civilização], a política
[do grego polis], etc.). Nesse
contexto, a domesticação de animais e o plantio, a colheita e o armazenamento permitiram
também as trocas de produtos por dois ou mais gêneros de vida e, com isso, uma
intensificação significativa da ocupação do solo pela circulação e o
intercâmbio de mercadorias.
Como é possível
perceber, o que subjaz todo conceito de gênero de vida é o fato de ser uma
expressão do ecúmeno (parte habitável da terra pelos seres humanos), que tende,
através da civilização, para a universalização (urbe et orbi), à qual se dá por via econômica. Isso ocorre numa
escala gradual e não homogênea – não são todos os gêneros de vida que se tornam
versáteis. O gênero de vida humaniza a
natureza. Numa visão estritamente determinista, o ser humano, dada suas
limitações físicas, estaria condenado a interagir com a natureza apenas em
regiões restritas, continentais de clima favorável etc. Mas, mesmo sendo um
animal terrestre, desprovido de pelagem, garras etc., graças a condições
biológicas específicas conferidas pela evolução das espécies (um ser capaz de
produzir cultura) e ao desenvolvimento de um gênero de vida, o ser humano
supera suas limitações anatômicas e se lança a todas as partes do globo, até
conquistar os oceanos, adaptando-se também ao ambiente aquático, através da
transformação de elementos estranhos (materiais) que se tornam extensões de seu
corpo. (À época de Vidal de La Blache, a aviação apenas engatinhava e a
atmosfera era a última fronteira natural a ser conquistada. “Princípios de
geografia humana”, livro póstumo, foi publicado em 1921 quando Santos Dumont
apenas dava seus primeiros voos). Esta tendência progressiva de tornar
habitável regiões da terra até então inóspitas é o que Vidal de La Blache
denomina de humanização da natureza. Neste
sentido, a importância da circulação é tão grande, enquanto elemento geográfico,
que a geografia vidalina é seguramente uma precursora das teorias da globalização (ou mundialização): “Uma das consequências mais importantes do
desenvolvimento da rede mundial foi o estabelecimento de contatos que tendem
para a formação de uma espécie de
economia internacional. (...) De todos esses sistemas de comunicações forma-se uma rede que podemos qualificar de
mundial” (Vidal de La Blache). Na corrida regulada pela seleção natural, a
evolução da espécie humana passa o bastão para a da civilização (cultura), que
tem seu motor nas categorias econômicas: trabalho e circulação.
Tendo em vista o que
foi exposto, entende-se porque a geografia de Vidal de La Blache não aspira
grandes pretensões geopolíticas. Reflexo das condições da França na virada do
século, que, historicamente, durante o colbertismo, optou pela manufatura de
artigos de luxo e, no século XIX, apresentava baixos índices de densidade demográfica,
o que explica, em partes, sua industrialização tardia (Henri Lefebvre, ao
estudar a historiografia revisionista sobre a Comuna de Paris [1971], constatou uma industrialização incipiente
numa França majoritariamente rural, fato que o fez pensar na Comuna não como uma revolução
proletária, mas urbana), a geografia
de Vidal de La Blache parece não ir muito além de um capitalismo mercantil (circulação
de mercadorias) e de um panorama rural. Talvez por isso esta geografia enveredou-se
por caminhos que buscavam antes afirmar a identidade nacional e territorial, por
meio de levantamentos regionais detalhados e reconhecimento de limites
fronteiriços (pós Tratado de Frankfurt, 1971), até mesmo para se fazer valer o
direito internacional no que diz respeito à soberania territorial de uma nação,
conceito chave do Estado moderno.
Assim, a geopolítica em
La Blache tem como pré-requisito a conquista da natureza, já assinalado acima.
Uma nação é desenvolvida na medida em que desenvolveu um gênero de vida capaz
de dominar as quatro forças naturais, tendo, por mérito, adquirido um direito
natural de governar, enquanto potência político-econômica, outras nações que
não atingiram o mesmo estágio de desenvolvimento na evolução social. Ou seja,
quanto maior for seu domínio da natureza, maior também será sua força
geopolítica. Na sua época, a nação que enfrentara o maior de todos os desafios
naturais da espécie humana, de modo bem sucedido, inclusive vencendo
concorrentes poderosos, isto é, a conquista dos mares, era a Inglaterra. (Seria
interessante fazer um paralelo com a Guerra Fria, em que, como artifício
ideológico e propagandístico, URSS e os EUA se lançaram na corrida espacial que
simbolizava não só supremacia tecnológica, mas a do mundo). Neste sentido, para
se opor à ameaça crescente representada por uma Alemanha protecionista e
beligerante, Vidal de La Blache é o arauto, na França, do livre mercado inglês.
Acredito ter aqui
rascunhado minha interpretação sobre o essencial das duas correntes que
dividiram a geografia justamente quando esta se empenhava em adequar-se às
exigências da ciência moderna no âmbito das humanidades. A despeito de seus
esforços, o fato é que a geografia fracassou no seu intento, e tanto o
determinismo quanto o possibilsmo não foram além das fronteiras ideológicas que
consistiam em dar sustentação na esfera simbólica, por meio de uma infinidade
de mistificações científicas (inclusive do positivismo), às práticas
imperialistas dos Estados nacionais que estavam prestes a quebrar o frágil
equilíbrio da denominada paz armada. Tal
programa foi um fenômeno tipicamente europeu e colonialista.
Não obstante suas
implicações ideológicas, para a geografia, ainda hoje, a ciência tem sido um
álibi acima de qualquer suspeita e testemunha idônea a favor de seu projeto
perverso. Portadora de uma “racionalidade” supostamente neutra e imparcial, a
ciência aparece, em última instância, como autoridade máxima em sua qualidade
exclusiva de proferir juízos e sentenças “verdadeiras” e, portanto,
inapeláveis. Seu impacto, em outras visões de mundo não ocidentais, é tão
arrebatador que pode ser comparado a um verdadeiro genocídio cultural. (Não por
acaso, a resistência toma forma hoje em fundamentalismo religioso). Detentora
do monopólio da verdade, a ciência amordaça vozes dissonantes, substituindo-as
por padrões sociais, políticos e econômicos heteronômicos, avalizados pela
sacrossanta razão instrumental. Omite-se, porém, a violência histórica,
naturalizada pela reconstrução histórica e, principalmente, geográfica, do
processo de ocidentalização do mundo. Tanto é, assim, que, mesmo na
universidade, supostamente o lugar do livre pensamento, o essencial de todo o
legado bibliográfico, filosófico e científico, é assinado por nomes de autores
estrangeiros, principalmente, franceses, alemães e ingleses (não por acaso
nacionalidades relativas às principais nações imperialistas, desde a Revolução
Industrial). (Sem contar o embaraçoso e inútil Abstract a que toda tese ou artigo científico está obrigado a
submeter no prólogo do texto. Seria o caso de se indagar se alguma universidade
ou revista científica estadunidense constrange seus pesquisadores a escrever um
resumo em seus trabalhos em língua portuguesa!) A imposição destes padrões
aparece como superioridade cultural, ainda que não admitida expressamente mas
de modo sorrateiro, para a qual encontra amplo amparo numa espécie de
subserviência “nativa”, até mesmo por grande parte de uma intelectualidade mais
crítica. (Ao escrever isso, me vem à memória a importância da obra de Eduardo Viveiro
de Castro, como forma, dentro da academia, de relativizar estes padrões).
Por tal crítica, não se
quer propor que simplesmente se abandone as contribuições positivas da ciência.
Ao contrário – poder-se-ia listar aqui, só no campo da medicina, inúmeros e
inegáveis benefícios à humanidade, em que se pese ainda a influência da
indústria farmacêutica. Mas que se questione, sim, o discurso teleológico e
imparcial, situando seu contexto geográfico e histórico, bem como suas
implícitas finalidades políticas e econômicas, que permeiam sua profissão de fé
supostamente desinteressada.
No caso da geografia, o
quadro é ainda mais grave, pois, sem ao menos alçar a reputação do status de ciência, pela sua própria
condição fragmentada (clássica, enciclopédica, humanista, universal), a
geografia tenta a todo custo se legitimar enquanto ciência e, ao ir longe
demais e perder o chão, constata a impossibilidade de tal anseio, consolando-se,
então, com o papel servil de agente ideológico do Estado (ao atuar no segundo e
terceiro escalão do planejamento e, principalmente, no ofício pedagógico e
doutrinário). Desacreditada pelas demais ciências (inclusive, o positivismo) e
pela irrelevância de sua produção acadêmica perante a sociedade, todavia, resta-lhe,
à geografia, unicamente a esperança de encontrar autoafirmação numa insistente
e redundante apologia da geografia, à
qual parece ganhar sentido somente dentro da própria corporação profissional e nos
congressos de geografia, verdadeiras torres de Babel, cuja única finalidade
parece ser apenas o de “bater meta” no currículo Lattes. Este corporativismo,
que mais se assemelha a uma ordem jesuítica, desvinculado do real, delirante,
alienado da sociedade e da natureza, não pode produzir senão uma catequese
doutrinária, vazia e laudatória de si mesma, exultante ao apego da autoridade e
de repulsa às atividades criadoras, cujos efeitos assemelham-se a uma cortina
de fumaça às voltas de um acirrado jogo de política departamental. Sua
insistência em formar um consenso em torno de sua cientificidade, ainda que
falsa, e na retórica sobre a importância da geografia ou do “espaço” para se
“entender a sociedade”, apenas escamoteia seus insucessos e desvia o foco de
sua realidade burocrática e clientelista.
Enfim, a geografia
crítica até esboçou uma dura resistência à vocação da geografia na defesa dos
interesses dos poderosos, mas, nas atuais conjunturas sociais, de ascensão
conservadora, foi cedendo terreno e quase totalmente aniquilada dos estudos de
geografia, os quais muitas vezes até ensaiam uma crítica radical para, no
entanto, salvaguardar cuidadosamente os valores mais retrógrados que sedimentam
o status quo. Não é por coincidência
que, justamente quando o fascismo e a intolerância crescem no mundo inteiro,
cresce também o interesse e os estudos pela obra de Ratzel – com o intuito de
absolvê-lo, enquanto grande pensador no panteão das ciências, das críticas
justas como as que já feitas por Nelson Werneck Sodré e outros.
*******
Para resumir, pode-se
considerar, de maneira bem esquemática e redutora, mas de bastante utilidade
sistemática, a geografia de Ratzel fundamentada no espaço (político), enquanto a de Vidal de La Blache, na paisagem (trabalho). Desde meu trabalho
de conclusão de curso, tenho procurado refletir no espaço geográfico através do binômio espaço X paisagem, enquanto
categorias contraditórias e dialéticas, porém, sem levar muito longe, ainda,
todas as derivações daí surgidas. Independente desta perspectiva, o fato é que
o espaço geográfico não é um dado
natural, mas uma realidade social, político e econômica datada historicamente.
Para a geografia voltar a ter relevância, é preciso ter sempre em conta e, ao
mesmo tempo, recusar seu papel histórico de apoio à atuação dos Estados
nacionais, bem como abandonar sua pretensão científica (vontade de ciência), assumindo de uma vez por todas sua total
ausência de método e de produção caótica de conhecimento (o mapa (anexos) é,
portanto, o único recurso epistemológico que confere caráter de geograficidade
a uma pesquisa em geografia), e, por último, romper para sempre os grilhões que
a aprisionam à cartografia, instrumento imprescindível do Estado na repressão e
manutenção da ordem social. Para responder satisfatoriamente as questões mais
fundamentais que tangem a humanidade, isto é, sociedade de classes e sociedade-natureza,
a geografia deve implodir-se e renascer, como Fenix, de suas próprias cinzas,
enquanto conhecimento holístico, interdisciplinar e artístico. Porém, isso é,
talvez, assunto para um outro ensaio.
Deixo
aqui transcritos alguns excertos do estudo realizado das obras RATZEL, F.,
“Ratzel: Geografia”, São Paulo: Ática, 1990; e VIDAL DE LA BLACHE, P.,
“Princípios de geografia humana”, Lisboa: Cosmos, 1954.
Pontos
a problematizar:
-
geografia não é uma ciência positivista;
-
geografia é herdeira da cultura renascentista;
-
querela do século XVII (Querelle des
anciens et des modernes);
-
Ratzel mercantilista e La Blache liberal.
Os
comentários entre colchetes [...] são observações minhas.
[Um
conceito importante que não deu para falar ontem é o de ecúmeno, que é uma noção formulada pelos gregos e que significa a parte habitável em relação ao todo da
superfície da Terra. O possibilismo vai no sentido da universalização do
ecúmeno, superando assim os determinismos naturais].
[Não
esquecer que tanto a geografia de Ratzel como de Vidal de La Blache justificam,
cada uma ao seu modo, um projeto nacional].
Noção
de gênero de vida:
Rousseau:
“Os homens, até então errantes nos bosques, tendo adquirido uma situação mais
fixa, aproximam-se lentamente, reúnem-se em diversos grupos e formam, enfim, em
cada região uma nação particular, unida pelos costumes e pelos caracteres, não
por regulamentos e por leis, mas pelo mesmo gênero de vida e de alimentos e
pela influência comum do clima” (A origem
das desigualdades entre os homens).
Gênero
de vida – conjunto de adaptações ou elementos materiais e espirituais que são
transmitidos pela tradição, hábitos e costumes, assegurando o domínio da
natureza pelas sociedades humana. [Essa definição pode ser substituída
tranquilamente pelo conceito de cultura].
La
Blache e Ratzel: evolução = progresso
LA
BLACHE, “Princípios de geografia humana”.
XVI
– Costumes dos habitantes merecem especial relevo nas narrativas e compilações
legadas pelos quinhentistas, porém, quando não é o maravilhoso, é o anedótico
que nelas predomina (...).
(Atenção:
o livro é todo permeado de ilustrações e exemplos concretos que não transcrevi
aqui)
-
Distribuição da espécie humana na
superfície da terra.
-
Grupos moleculares – estão na manifesta dependência da natureza da natureza das
regiões. Tal como as plantas definham por falta calor ou de umidade, assim os
grupos humanos se encoscoram (criar rugas) em idênticas condições.
-
Grupo nomadizantes – estão em determinada relação com uma certa porção de
espaço. Tem noção ou reivindicam espaço próprio.
- Relações dos grupos
entre si.
-
Acumulação in situ – só a vida
sedentária dá consistência à ocupação do solo.
-
Os grupos e os meios.
Sob
este nome de meio, grato à escola de
Taine, sob o de environment, de
emprego frequente na Inglaterra, ou mesmo sob o de ecologia que Haeckel introduziu na linguagem dos naturalistas
(...). O homem faz parte deste encadeamento; e nas suas relações com o que o
rodeia, ele é, ao mesmo tempo, ativo e passivo.
[Taine
era positivista e bastante determinista. Ecologia:
descrição do meio em função das características do ser que nele reage]
-
No ponto de vista geográfico, o fato de
coabitação, quer dizer, o uso comum de um certo espaço, é fundamento de tudo.
-
Adaptação das plantas e dos animais ao
meio.
-
Este poder dos meios faz com que os seres vivos procurem adaptar-lhes, usando
das faculdades de que dispõem.
-
A adaptação equivale a uma economia de esforços que, uma vez realizada,
assegura a cada ser, por um dispêndio mínimo, a realização tranquila e regular
das suas funções.
-
Algumas experiências mostram que plantas transportadas da planície para a
montanha eram capazes de, em poucos anos, modificar os seus órgãos exteriores,
de modo a relacioná-los com o novo habitat.
-
Adaptação do homem ao meio.
-
Darwin notara que quanto mais baixo está um grupo humano na escala das
civilizações tanto mais é incapaz de aclimatação.
-
Formação dos grupos étnicos complexos.
-
Acima de todos estes fenômenos, que vivem e atuam às nossas vistas nas diversas
partes da Terra, paira a influência soberana dos meios. (...) Mas deste exemplo
conclui-se também a importância do que podemos chamar o fator social.
-
Enquanto certos meios nos mostram grupos entricheirados e como encerrados numa
ciosa autonomia, outros, pelo contrário, imprimem às sociedades que lá se formara
um cunho de sincretismo que, sem dúvida, é e será cada vez mais a marca da
humanidade futura.
(...)
Em
suma, realizou-se um trabalho que representa outros tantos ensaios
independentes para resolver em comunidade o problema da existência sob a
pressão das influências geográficas. (p. 175).
[Aqui
a palavra “trabalho” foi sublinhada por mim].
No
entanto, quer sejam pobres ou ricas, estas coleções evocam sociedades que
viveram e evoluíram, que sofreram tanto a ação do tempo como a dos lugares (p.
175)
Quando
uma ideia metódica presidiu à classificação, não tardamos a compreender que uma
relação íntima une os objetos de mesma permanência. Isolados, impressionam-nos
apenas pela sua bizarria; agrupados, revelam um caráter comum. Pouco a pouco,
pela comparação e pela análise, o cunho geográfico concretiza-se. (p. 176)
Mas,
sob a influência dos diversos meios, a atividade e a indústria humana
orientaram-se em sentidos divergentes; agiram sugestões locais, e, para
efetivar os desígnios que surgem, foram imaginados instrumentos. Em suma,
realizou-se um trabalho. (p. 175)
[“Trabalho”
sublinhado por mim].
A
emancipação do meio local não é assim tão absoluta quanto no-lo fariam crer os
nossos olhos citadinos. (178)
Tipos de alimentação
De
todos os caracteres pelos quais os homens se distinguem e se assinalam entre
si, este é o que mais impressiona os observadores primitivos, como são prova
bastante os nomes de ictiófagos, lotófagos, galactófagos, que nos legou a
nomenclatura dos antigos, as indicações etnográficas de Heródoto sobre os povos
da Cítia, ou a menção de antropófagos prodigamante espalhada nos mapas do séc.
XVI. (195)
(...)
a nossa intenção é mostrar como persistem, sob este aspecto, certas influências
do meio. (195)
O
homem cinzela e amolda a matéria bruta; comunica à pedra e aos metais as formas
plásticas que lhe convêm; mas relativamente às espécies vivas, sobretudo quando
se trata das plantas anuais mais sensíveis e mais submetidas ao seu cuidado
vigilante, ele faz mais. Cada momento da
evolução daquelas oferece-lhe a oportunidade de intervir; e daí, penetrando,
por assim dizer, na intimidade do seu ser, identificando-se com elas, consegue modificar numa certa medida as
operações sucessivas dos seus ciclos de existência. (213)
Os materiais de
construção
-
Madeira, pedra etc.
Os estabelecimentos
humanos
Uma
cidade, uma aldeia e as casas são um elemento descritivo; quer se considerem as
suas formas e os seus materiais, a sua adaptação a um modo de vida, rural ou
urbana, agrícola ou pastoril, as povoações esclarecem as relações do homem com
o solo. Há, pois, uma grande variedade de estabelecimentos humanos; mas importa
abrangê-los em conjunto para dar a cada elemento e lugar que lhe convém. (239)
-
Modificação da paisagem – Assim, pelo
princípio de combinações, tanto o arranjo como a composição das paisagens foram
modificados. O homem reuniu à sua volta das habitações um conjunto compósito de
árvores e de plantas, enquanto, longe da periferia habitada, dispunha o espaço
para as suas culturas. (254)
- Habitat
A evolução das
civilizações
-
Modos de vida diretamente inspirados no meio ambiente.
Lançai
em seguida um olhar à vossa volta; vede essas regiões de alta civilização, onde
os nossos campos, os prados e mesmo as florestas são, em partes, obras
artificiais, onde nossos companheiros, animais e vegetais, são exclusivamente
aqueles que nós escolhemos, onde os produtos, os instrumentos e o material são
mais ou menos cosmopolitas. (273)
(...)
Entretanto, cada um destes tipos de civilização provém de desenvolvimento que
têm as mesmas raízes. Foi no meio ambiente que, por toda a parte, os grupos de
homens começaram a buscar os meios para prover às necessidades de sua
existência. (273 e 274)
-
Civilizações primitivas
Todavia,
mesmo aí o instrumento que supre o que falta ao homem em força e velocidade
aparece em toda a parte como um germe donde, por muito rudimentar que seja,
pode sair, sendo favoráveis as condições, uma longa sucessão de progresso, como
um ato de iniciativa, uma força de vontade. (174)
[“Vontade”
é um conceito clássico da filosofia que está associado à liberdade].
Contudo,
a natureza age só como estímulo. Ao criar instrumentos, o homem tinha em vista
um desígnio. (174)
Há
com certeza desigualdades e graus diversos na invenção, mas, por toda a parte,
o estudo do material etnográfico denota engenho, mesmo num círculo restrito de
ideias e necessidades. (174)
A
mão do oleiro indígena, na Guiana assim como no Peru, molda a matéria ao sabor
da sua fantasia e das suas
necessidades. (275)
Assim,
através dos materiais que a natureza lhe fornecia, e, por vezes, a despeito da
rebelião ou da sua insuficiência, o homem procurou realizar certas invenções, fez arte. (276)
Obedecendo
aos seus impulsos e aos gostos próprios, humanizou,
para seu uso, a natureza ambiente, e assim vemos, em graus diversos, uma série
de desenvolvimentos originais. (276)
Estas
civilizações rudimentares, que nos reportam aos períodos arcaicos das nossas
próprias civilizações, são já, não obstante, um ponto de chegada, um resultado
de progresso, para os quais contribuem visivelmente a iniciativa, a vontade e o
sentimento artístico. (276)
- Estagnação e
isolamento
Nas
próprias regiões de civilização avançada, o círculo dos modos de vida
fechou-se. As riquezas minerais abundam
na China, não fizeram um chinês um mineiro. (277)
[Nessa
passagem, há claramente uma reação ao determinismo geográfico].
-
Caráter geográfico do progresso
Todavia,
há partes da Terra onde, através de muitas vicissitudes, os progressos só raramente
foram detidos, onde, e não sem acidente, o facho foi passado de mão em mão. A
que se deve este privilégio e por que existem tais diferenças? Há, nestes
fatos, uma distribuição relativamente à qual as cousas geográficas não devem
ser estranhas. (285)
-
Os núcleos
Roma
teve o seu celeiro no Egito (Anteriormente, na Sicilia. N.T.), tal como a nossa
Europa urbana e industrial tem o seu para além dos mares. (278)
[Justificativa
do imperialismo moderno tendo Roma como exemplo].
A
convergência de formas de configurações e de relevo, a proximidade de regiões
descobertas e de regiões arborizadas, prepararam um concurso de relações e de
energias geográficas que nenhuma outra região do globo conheceu no mesmo grau.
(288)
.............................
Heidegger
sobre o “grande estilo”, em Nietzsche:
“O
grande estilo é o sentimento mais elevado de poder. (p. 114)
Se
a arte tem sua essência propriamente dita no grande estilo, então isso
significa agora medida e lei, não são colocados em vigor senão na subjugação e
na contenção do caos e de elemento próprio à embriaguez. (p. 115)
A
arte do grande estilo é a quietude simples da subjugação que preserva a suprema
plenitude da vida. (p. 115).
.....................................
A circulação
-
Os meios de transporte – 1. O homem
Em
todas as regiões onde o destino o levou, o homem empenhou-se desde o princípio
na resolução dos problemas do transporte e circulação. Para isso, utilizou
inicialmente as possibilidades que lhe oferecia o próprio corpo, e a adaptação
deste aos instrumentos que foram inventados para lhe servirem de auxiliares foi
a primeira causa de diversidades. (291)
-
A estrada (Cap. II)
A
estrada imprime-se no solo, semeia germes de vida: casas, lugarejos, aldeias,
cidades. (307)
A
rede de estradas reais com que Colbert e mais tarde o departamento de Pontes e
Calçadas dotaram a França foi a expressão do Estado centralizador, cuja força
se fazia sentir fortemente desde a capital às fronteiras. Os caminhos de carro
que Napoleão construiu no monte Genebra, no monte Cénis e no Simplo, ligando
mais intimamente a Itália ao corpo da Europa, abririam campo a novas relações.
(315)
A
estrada é o instrumento empregado pela colonização europeia nos seus primeiros
passos. (315)
A
via romana é sobretudo uma obra de imperialismo, um instrumento de domínio que
aperta nas suas malhas todo um feixe de regiões diversas e longínquas. (313)
[Estradas
transpões obstáculos da natureza. Mas de certa forma, Vidal de La Blache se
serve da via romana para naturalizar a circulação de pessoas e mercadorias do
mundo moderno].
-
Os caminhos de ferro (Cap. III)
-
A ideia nacional e estratégica
Os
nossos velhos países da Europa tiveram de lutar contra outras dificuldades. Não
fora em vão que vários séculos de história haviam trabalhando para fixar a
configuração dos Estados e o sítio das cidades. (326)
Cada
Estado abordou a construção dos caminhos-de-ferro segundo as suas necessidades
e os seus meios. (326)
A
Inglaterra insular, mais avançada do que o continente no caminho da indústria e
mais familiarizada com o poder do seu crédito, decidiu-se resolutamente,
e logo Birmingham e Liverpool realizaram a ligação entre o principal foco
industrial e o seu principal centro de comércio. (326)
[“poder
do seu crédito”, sublinhado por mim].
A
Rússia teve como primeiro cuidado a ligação direta das suas capitais, e, de
1843 a 1851, construiu a linha de Petersburgo a Moscou; e somente mais tarde se
empenharia na luta contra o seu principal inimigo, a distância. A ideia
estratégica de conservação, de defesa, impôs-se como uma necessidade primordial
na maior parte dos países da Europa. (326-327)
Em
cada ser é instintivo prover antes de tudo à sua segurança pessoal: os Estados
não constituíram exceção. (327)
-
A origem das linhas férreas
Os
dois elementos que constituem o caminho de ferro – o carril e a locomotiva –
tiveram pátria comum. Foi os locais onde era necessário efetuar o transporte de
matérias pesadas que principiou a usar os carris. Nas minas da Grã-Bretanha, a
zona sobre calhas funcionava debaixo da terra antes que se tivesse visto
estender à superfície a fita de vias férreas. (319)
É
inseparável dos fatos precursores, nos quais se manifesta nitidamente, sob
impulso da natureza, o gênio mecânico da raça. (E sobretudo peculiares condições
de estrutura e conjuntura econômicas, sociais e de civilização. A criação da
rede ferroviária, como a da indústria elétrica no fim do século XIX,
realizou-se em período de movimento de baixa dos preços de longa duração [até
cerca de 1850] e foi o motor da inflexão para a alta que triunfa de 1850 a
1872. Foi Jean Lescure quem melhor explicou a gênese e a função econômica do
caminho-de-ferro). (319)
Sete
linhas irradiam de Paris para a Inglaterra, a Bélgica e a Alemanha, para o
Oceano Atlântico (Nantes) e para o Mediterrâneo (Marselha). E a estas
acrescentavam-se pelo título primeiro da lei de 11 de julho de 1842, uma linha
de Bordeus a Marselha e uma outra de Lião a Mulhouse. A ideia basilar é a da unidade nacional. (328)
-
Correntes internacionais do antigo mundo
Uma
das consequências mais importantes do desenvolvimento da rede mundial foi o
estabelecimento de contatos que tendem para a formação de uma espécie de economia internacional. (333)
[Aqui
La Blache já concebe a ideia de globalização ou mundialização, que pode ser
entendida como a universalização do ecúmeno].
Formou-se
e desenvolve-se na Europa uma política internacional dos caminhos-de-ferro,
cuja ideia essencial é o avanço para o leste, como na América é o arranque para
o Ocidente. (334)
[A
circulação é um elemento essencial em La Blache, assim também para Ratzel –
difusão].
-
Grandes linhas marítimas e grandes linhas continentais.
Conclusão
Assim
atua, desmentindo ou ultrapassando as previsões, uma força geográfica de que
nada permitia apreciar efeitos. De todos esses sistemas de comunicações forma-se uma rede que podemos qualificar de
mundial. (344)
O
que devemos ver na variedade dos obstáculos vencidos é o desejo de realizar adaptações capazes de reduzir ao mínimo
tudo o que anexa o tráfico de produtos alimentares, e de molde a evitar à
circulação o maior número possível de transbordo e de gastos acessórios.
(345-346)
Em
consequência desta penetração íntima dos países, deste contato universal a que
bem pouco ainda escapa, há em toda a parte uma carga a transportar, transações
a efetuar, necessidades a satisfazer. E é assim que um fermento novo se
introduz a atua em todas as regiões do globo. (346)
O MAR
(Cap. IV)
- A origem da navegação
marítima
Pelo
seu corpo, órgãos e aparelho respiratório, o homem é um ser terreno, agarrado à
parte sólida da terra. (347)
Se
unicamente as terras oferecem o homem a possibilidade de imprimir o seu cunho,
de enraizar as suas obras, não obstante, mercê de uma série de conquistas nas
quais resplandece a centelha do gênero humano, os mares foram abertos a uma
circulação sem limites. (347)
O
instinto do caçador, a experiência do montanhês adquirem-se e transmitem-se
individualmente, ao passo que nos domínios dos mares, onde, em enormes distâncias,
nenhum ponto de referência fere os sentidos, foi só pela ciência que o homem
alcançou encontrar as rotas capazes de diminuir os riscos. (347)
De
todas as atrações, a mais poderosa para a humanidade primitiva foi
provavelmente a exercida pela pesca. (347)
Revelou-se
outro ponto de vista logo que o comércio se desenvolveu. É a vantagem que
oferecem as superfícies ilimitadas dos mares para o transporte longínquo e a
preços módicos dos produtos do solo ou da indústria. Indubitavelmente, a
riqueza só pode resolver-se em terra, e porque há Babilônias e Egitos é que
existem Fenícias; mas é o mar que traz os metais da Hespéria e das Cassitérides
até estas longínquas sociedades orientais. (349)
Uma
vez confiada a mercadoria aos porões do navio, algumas centenas de quilômetros
a mais ou a menos pouco importam. (348)
- Frete baixo
-
A navegação à vela
O
emprego da força mecânica do ar para
vencer a resistência a água, quer dizer, a vela, continha o germe de todos os
progressos futuros. (348)
-
Domínios de navegação
O
mar torna-se o traço de união por excelência. (354)
Só
o mar é capaz de permitir o estabelecimento de comunicações regulares e
permanentes entre as diferentes ecúmenas distribuídas à superfície das terras.
(354)
-
A ideia da hegemonia pelo Oceano
Com
a fusão dos domínios marítimos num conjunto ilimitado de mares e de oceanos,
aparecem novas perspectivas políticas mal desponta a aurora dos tempos
modernos. Os sonhos de hegemonia mundial, cuja a exiguidade dos continentes e
com os limites impostos pelas suas configurações geográficas, deixaram de
parecer quimeras. O império dos mares parecia realmente poder ser conquistado
por um povo. Um contemporâneo de Cromwell, Sir James Harrington, tinha
encontrado um nome que convinha: Oceana (J. A. Froude, “Oceana or England and
her colonies”, Londres, 1866). A ideia de hegemonia, fermento sempre ativo nas
criações da geometria política,
ampliou-se à medida dos oceanos. (356)
Que
se tenha formado em Londres um entreposto universal onde, durante muito tempo,
a indústria das outras nações teve de abastecer-se, é a lição que demonstra,
pela primeira vez, a força de transporte que o mar podia pôr à disposição do
homem. (358)
-
Relações continentais
A
terra e o mar aprenderam assim a penetrar-se entre esses dois mundos que se
tocam, o contato transformou-se em aproximação íntima. (358)
Essas
mudanças que a geografia física constata entre os climas, realiza-as a
geografia humana com os produtos. Este
novo estado, que é o resultado do progresso das comunicações, da indústria
do despertar de atividade, tem, como natural, o seu eco na política. Tantas
novas forças entraram em jogo que o estabelecimento de uma hegemonia única
deixou de corresponder às possibilidades e possivelmente às concepções mais
ambiciosas. Outros impérios coloniais foram fundados ou se preparam lado a lado
daquele que é ainda o maior de todos. (359-360) [Refere-se à Grã-Bretanha]
O
movimento e a vida aceleraram-se consequentemente. (361)
(Abismos
oceânicos)
Só
temos uma arma para entrar neste mundo fechado. É o espírito, apetrechado pela
ciência, capaz de invenção, estimulando hoje pela consciência mais nítida de
tudo quanto oculta energias à volta de nós. No mundo dos mares, como no dos
ares, as conquistas do espírito e as aplicações práticas a que deram lugar são
os mais altos símbolos da grandeza do homem. (361)
É
por elas que se torna verdadeiramente cidadão do mundo e as modificações
operadas pela ciência são as mais rápidas: a utopia de ontem é a realidade de
amanhã. (361)
“Vidal
de La Blache falou das combinações entre boas e más áreas em nosso solo, são
associações de gêneros de vida entre os quais se estabeleceu uma troca de
serviços – sem excluir a frequência das migrações” (Sorre)
RATZEL
Apresentação:
Tonico
[Embora
particularmente eu considere esta apresentação um dos melhores textos escrito
sobre Ratzel, tenho alguns pontos de divergência que me proponho a discutir].
A
importância de sua obra também emerge por ela ter sido uma das originárias
manifestações do positivismo nesse campo do conhecimento científico. (7)
Temas
como o Estado, das relações internacionais, das fronteiras, ou da guerra, entre
outros, estão no centro de suas considerações. (8)
Ratzel
escreve inclusive um trabalho com o título até então inédito, de Geografia política. (8)
De
acordo com Ratzel, a perspectiva telúrica diferenciaria a ótica do estudo
geográfico. Essa disciplina teria por campo material a Terra, abarcando, porém,
a análise do homem, posto como um ser “terrestre”.
-
ciência humana e da Terra.
Geografia:
geografia física, biogeografia e atropogeografia.
Estas
três vertentes da ciência geográfica foram concebidas como estudos sintéticos
(que buscam relações entre fenômenos diversificados) e explicativos (capazes de
gerar leis), que, por sua vez, subdividir-se-iam em variadas geografias
especiais – tópicas e descritivas. A unidade do conhecimento geográfico estaria
assegurada na perspectiva telúrica, a Terra associando os fenômenos dos três
reinos da realidade.
O
tema mais fundamental de indagação dos geógrafos seria o da questão da
influência que as condições naturais exercem sobre a humanidade, ou, em outras
palavras, das condições que a natureza impõe à história.
1ª.
Ação da natureza sobre a humanidade; 2ª. Distribuição e difusão dos povos sobre
o espaço; e 3º. Formação dos territórios
(conceito capital).
-
natureza-ser humano – difusão-distribuição – território
Também
a ideia de predestinação dos lugares,
elaborado por Ritter, foi alvo de seu ataque, ao qual não escaparam as colocações
deterministas de Montesquieu.
O
homem, na concepção de Ratzel, é um ser da natureza que possui instintos,
necessários e aptidões. – “animal favorecido”: liberdade – É um ser terrestre,
que a Terra como “mãe provedora”, “sua morada”, enfim, como suporte de sua
vida. (11)
Os
condicionamentos da natureza são, portanto, atuantes na vida material dos
homens através de suas necessidades, como recursos. (11)
A
influência das condições naturais não seria o motor da história, sua única
causa. Ratzel acata explicitamente a ideia da “força da densidade”, formulada
por Comte e trabalhada por Durkheim.
Ratzel
– materialista.
Não
transita em sua argumentação nenhum elemento de metafísica ou de subjetivismo.
(12)
O
positivismo domina completamente a concepção ratzeliana do método a ser
assumido pela antropogeografia. A adesão de Ratzel a esse método é explícita e
ele afirma textualmente que nos autores positivistas, pela primeira vez no
panorama do conhecimento humano, a questão das influências vai aparecer de uma forma
científica. (“O estudo do qual nos ocupamos aqui encontra sua particular e
ampla aplicação por obra dos filósofos positivistas franceses” [Ratzel,
“Geografia dell’uomo”, Turim, Frafecli Bocca, 1914]).
[É
provável que Ratzel tenha mais em vista o positivismo de Taine do que de Comte.
Porém, o positivismo não é um método, mas uma doutrina filosófica, uma apologia
das ciências, uma filosofia da história. O método
científico, isto é, experimental,
foi desenvolvido por Galileu Galilei, entre os séculos XVI e XVII).
São
inúmeras as passagens que Ratzel elogia Comte, de quem vai tomar a visão
orgânica de sociedade, a concepção do método científico, além de vários
conceitos como, por exemplo, a “força da densidade” e “meio intelectual”.
Outros autores positivistas, especialmente historiadores como Taine e Spencer,
são bastante citados em seus trabalhos. Enfim, pode-se tranquilamente
identificar Ratzel como seguidor da “filosofia positivista”, sendo um dos seus
introdutores no seio do debate geográfico. (12)
A
evidência mais fundamental dessa filiação ao positivismo está no fato de Ratzel
professar o princípio da unidade do método científico, isto é, a existência de
um único método comum a todas as ciências – aos quais seriam, consequentemente,
definidas por seus objetos próprios. Esta postura positivista introduz um
acentuado ranço naturalista na própria antropogeografia de Ratzel, à medida que
descaracteriza as qualidades próprias dos fenômenos humanos e impele sua
análise para a analogia com os procedimentos das ciências naturais (a física
fornecia o modelo, por excelência, do método científico). Dessa maneira, a
geografia dedicada ao estudo dos fenômenos humanos foi por ele equacionada de
dentro dos cânones metodológicos da análise da natureza. Tal reducionismo
naturalizante – comum a todo positivismo – acentuou-se pelas características
próprias da ciência geográfica, que por si mesma já alimentava esta visão
associativa entre fenômenos naturais e sociais. (12)
[Para
mim, o pensamento de Ratzel é muito mais uma mistura do romantismo (alemão) e
do naturalismo do que uma filiação consciente ao positivismo. Não se pode
atribuir ao positivismo todo o cientificismo do século XIX que já vinha desde o
iluminismo. Esse positivismo vulgarizado, de Spencer, Taine, Lombroso e outros,
não pode obscurecer a maior contribuição de Comte {juntamente com Saint-Simon},
que é a fundação deliberada da sociologia,
marco inaugural das ciências humanas. Tal afirmação, não quer dizer que se
admite as ideias do positivismo mas apenas que se reconhece sua importância na
história das ideias].
-
antropogeografia – “ciência empírica”
– observação e indução.
Ratzel
se posicionou radicalmente contrário ao uso de procedimentos dedutivos, ao
levantamento de hipóteses lógicas e à especulação em geral.
O
trabalho deveria partir da descrição minuciosa, de quadros espaciais
circunscritos, vistos como conjuntos de elementos diferenciados entre os quais
os fenômenos humanos. À descrição seguiria a comparação tendo por meta a
classificação.
[Aqui
há uma contradição com o que será dito mais à frente: que a obra de Ratzel é
dedutiva].
-
indução – geografias especiais – a classificação seria o limite destes estudos
tópicos.
De
posse desses resultados, o pesquisador deveria retornar à escala local e à
consideração de um povo específico, tentando identificar aí os nexos causais
existentes.
[Outra
contradição, se Ratzel se posiciona contra a metafísica, então não caberia em
seu método “identificar os nexos causais existentes” que foram tão combatidos
pelo empirismo de Hume e que são próprios do racionalismo e da metafísica. Na
verdade, tal concepção de conhecimento fundado na classificação e no princípio
da causalidade (matéria, forma, essência etc.) vem muito mais de Aristóteles e
do aristotelismo da escolástica, dos árabes e da Renascença, do que da ciência
positiva propriamente dita].
Visão
da causalidade – nó górdio – Ratzel:
mais um condicionamento que um determinismo rígido
[A
causalidade foi banida do materialismo vulgar e da filosofia empirista inglesa,
como herança da metafísica. Qual a diferença entre condicionamento e determinismo?].
-
determinismo – evolução das sociedades humanas
-
causa e efeito
A
visão positivista de causalidade introduz um empobrecimento na formulação
ratzeliana que anula sua rica e complexa proposta do objeto.
[Rica e complexa proposta do objeto? Que
proposta? Que objeto? A superfície terrestre? A “visão” de causa e efeito não é
positivista, mas aristotélica (escolástica) e racionalista. Não sei, posso
estar enganado, mas tenho a impressão de que aqui há uma confusão entre
aristotelismo e positivismo. A noção de causalidade, em Comte, não seria
própria ao estado metafísico? (Tenho que pesquisar mais). Já a classificação,
no positivismo, é uma parte do método científico mas não aquilo que o
caracteriza (a experiência). A propósito, dentro do quadro evolutivo das
ciências, em Comte, que vai do geral, a matemática, ao particular, a
sociologia, a geografia não tem lugar. Penso que a geografia se adequaria mais
às ciências astronômicas. A geografia dos séc. XVI e XVII (e talvez XVIII), ou
melhor, a cosmografia, era um conhecimento tão genérico que incluía até a
astrologia. Sem dúvida, os representantes mais renomados do positivismo,
Durkheim e Mauss, nunca aceitaram a geografia como uma ciência de fato e, para
entenderem as relações entre sociedade e espaço (natureza), conceberam a morfologia social. Este embate, entre
positivistas e geografia, foi pormenorizadamente descrito por Lucien Febvre.
Porém, é Febvre que parte em defesa da geografia, não a de de Ratzel – “manual
do imperialismo”, mas a de La Blache].
........................................................
“A
visão positiva dos fatos abandona a consideração das causas dos fenômenos
(procedimento teológico ou metafísico) e torna-se pesquisa de suas leis,
entendidos como relações constantes entre fenômenos observáveis” (Introdução a
Auguste Comte, Os Pensadores).
............................................................
-
normatização mecanicista – as condições
naturais passam a ser vistas como o locus
da determinação, como elemento de causação a partir do qual a história
humana se movimenta.
-
sociedade – elemento passivo – que reage a uma causalidade que lhe é exterior.
O
homem torna-se, assim, efeito do ambiente.
-
traduzir em leis as influências das condições naturais sobre a evolução dos
povos.
Ele
alertou com clareza que a expulsão generalizadora na antropogeografia não
poderia se valer do recurso à matemática e à experimentação como outras
ciências. (14)
[Comte,
que era engenheiro de formação, entendia a sociedade como uma física social, embora regida por leis
próprias (moral) em um contexto de leis universais (matemática), e sendo uma
particularidade da biologia, ciência imediatamente anterior à sociologia. Já a
sociologia durkheimiana se vale bastante da estatística para estudar os
fenômenos sociais].
-
leis “advindas da paciência”
Ratzel:
geografia – ciência em formação.
Após
haver apontado a “força da densidade” (crescimento populacional) e a “força do
meio” (o condicionante ambiente) como os elementos desse processo, Comte,
segundo Ratzel, constrói sua teorização levando em conta apenas o primeiro
fato. (14)
[Vale
novamente lembrar que Comte é o fundador das ciências humanas. Em Comte é a divisão do trabalho que é fator de
progresso, mas ele recusa veementemente a redução do social ao fator econômico,
que ele conhecia de sua leitura dos liberais clássicos. (A divisão do trabalho
será central na sociologia de Durkheim). Ratzel me parece, como todo o
historicismo alemão, muito mais um mercantilista (ou, no máximo, um fisiocrata),
e sua demografia me parece mais próxima de Malthus do que dos positivistas.
Dessa perspectiva malthusiana resulta o conceito de espaço vital de Ratzel].
Ratzel
vai superestimar o “condicionante ambiente”. Observa-se, assim, uma inversão de
perspectivas: Comte, preocupado com a formulação de uma sociologia, desprezou a
ação dos fenômenos naturais; Ratzel, às voltas com a elaboração de uma
geografia do homem, minimizou os fenômenos especificamente sociais. Nos dois
casos, o método impele a análise para uma concepção unicausal. (14)
[Ao
superestimar o “condicionante ambiente”, o tal condicionante não se torna um determinismo! Não será só um jogo de
palavras?].
A
própria tradição do pensamento geográfico forneceu-lhe embasamento. Os autores
pioneiros do processo de sistematização da geografia moderna equacionaram a
problemática dessa ciência em moldes naturalistas. Para Humboldt, o homem era
um elemento a mais da paisagem, sendo esta o objeto de interesse do geógrafo.
Na proposta de Ritter, a tese da “predestinação dos lugares” ocupa um lugar
essencial, evidenciando o determinismo natural ali defendido. Na concepção
kantiana, o estudo geográfico estava limitado à analise da natureza, na medida
em que os fenômenos humanos constituiriam o campo da antropogeografia. Peschel
entendia a geografia como estudo das formas existentes na superfície terrestre,
estando o homem englobado apenas enquanto criador e transformador de tais formas.
Os exemplos poderiam se multiplicar, todos, apontando para uma ótica
naturalista. (14-15)
Ritter
é a inspiração de Ratzel.
(...)
há uma continuidade temática nítida entre os dois autores. (15)
Ratzel:
Seu aprendizado universitário havia versado, basicamente, nos campos da
geologia e da zoologia. (15)
Aluno
de Haeckel – formulação ecológica
Este
pensador, um dos introdutores do evolucionismo na Alemanha, exerceu viva
influencia sobre as ideias de Ratzel. (15)
-
ecologia – associação dos organismos entre si e com o meio
Amizade
com Moritz Wagner
A
análise das obras de Ratzel mostra ainda que seu conhecimento da produção da
natureza do século XVIII e da primeira metade do século XIX era considerável.
(15)
Ratzel:
geógrafos-“evolucionistas”; antropólogos-“difusionistas”
Na
verdade, Ratzel elogia bastante Lamarck, de cuja obra vai tomar a teoria da
adaptação e muitos elementos do conceito de meio (ao qual adiciona
contribuições de Comte e Haeckel). (16)
De
todo modo, não há como negar uma certa ótica evolucionista que permeia o
raciocínio ratzliano. (16)
-
Filósofo Herder (XVIII) – romantismo – crítico do iluminismo
Ratzel
antiiluminismo – iluminismo, cosmopolitismo e universalismo.
No
cerne da crítica à Ilustração, um ideal nacionalista – (...) – alimentava as
formulações dos dois autores. (16)
Herder
– “mais artista que cientista” – o homem em unidade com a Terra; história: “uma
geografia em movimento”; Terra – “teatro da humanidade” (Ratzel)
Essa
visão herderiana foi também explicitamente assumida por Ritter. (17)
Ele
(Ratzel) endossou plenamente a concepção de progresso de Heder.
No
que tange a discussão do método, Ratzel foi bastante crítico com relação ao
filósofo, cujas considerações nesse particular ele avaliou como
“não-científicas”, num juízo distinto do de Ritter. (17)
Eis
as principais correntes do pensamento ratzilano. No nível do objeto, a
filosofia da história de Herder e a geografia comparada de Ritter. No nível do
método, a filosofia positivista de Comte e a ecologia de Haeckel,
principalmente. (...) Dessa maneira, na proposta de Ratzel relaciona-se com
orientações díspares: temática vem do idealismo transcendental, e seu
tratamento é proposto em moldes positivistas, tendo por modelo os estudos das
ciências da natureza. A antropologeografia visava realizar um projeto teórico
romântico com um instrumental positivista. (17)
[Herder,
poeta, filósofo, teólogo, era de fato um romântico, apesar de ser aluno de
Kant. Mas o “idealismo transcendental” ou, melhor, o realismo kantiano, não é
romântico, embora tenha originado o tipo de romantismo como o de um
Schopenhauer. Mas, antes, originou o idealismo alemão de Fichte, Schelling e
Hegel, que, principalmente neste último, é um recrudescimento do iluminismo
(razão e lógica) e, portanto, não é romântico. Entendo que o idealismo
transcendental não é, rigorosamente, romântico.].
Ratzel
inaugurou alguns problemas (dualismos).
Na
verdade ele chegou a elaborar, se bem que de forma assistemática, uma teoria da
história, em que o Estado vai aparecer como agente privilegiado de
impulsionamento do progresso.
-
unidade da espécie humana
A
aceitação do racismo, de certa forma, fecharia a possibilidade de uma
explicação geográfica da história ao colocar a chave de sua interpretação num
patamar da biologia. (20)
Ratzel,
“As raças humanas”: pretensiosa e atrevida teoria da evolução. (16)
Destarte,
a divisão existente na humanidade seria aquela entre os “povos naturais” e os
“povos civilizados”.
Civilização
– “a soma das conquistas cultas” – produto histórico – progressivo intercâmbio
entre os homens e a natureza. – “Utilização consciente da natureza”. “Firme
apoio da natureza”. Liberta da produção espontânea.
Povos
naturais – produção espontânea.
Os
dons da natureza passam, com a civilização, a ser resultantes do trabalho
humano.
Trabalho humano
– “imitação da natureza”, um fator do domínio de seus recursos e de suas
condições.
[Os
fisiocratas também entendiam o trabalho como fonte de riqueza, mas somente
aquele trabalho relacionado à agricultura [do grego, physis é “natureza”]. Para Smith, é o trabalho em si – subjetivo, força de trabalho – toda a fonte de
riqueza].
“Energia
do povo” – motor fundamental do progresso. Seria a associação de tal energia
com a fertilidade do meio o elemento explicativo central do variado
desenvolvimento da humanidade. (21)
As
condições naturais do meio aparecem como um dos fatores do progresso. (21)
Ratzel
só é rígido na avaliação das condições de penúria absoluta dos recursos
ambientais, segundo ele, sem alguma riqueza não há momento de descanso e sem
esses não existe possibilidade de progresso intelectual. (21)
As
condições naturais são entendidas como estímulo ou freios ao desenvolvimento
dos povos. (21)
O
condicionamento natural também manifestar-se-ia, tomando-se um outro exemplo,
através de estímulos como aqueles que demandam o trabalho coletivo e a divisão
do trabalho que, para Ratzel, constituem necessidades benéficas à civilização.
(22)
-
complexidade de formas de cooperação social – elemento primordial do progresso
civilizatório – diferenciação social como elemento de progresso (similaridade
com Durkheim).
Formas
complexas de associação – família ao Estado.
“Força
da densidade” – progresso – “favorabilidade do meio” – mobilidade na superfície
terrestre – evolução dos povos – excedente econômico – meio mais pobre para
outro mais fértil.
-
difusão espacial – vital para o progresso. (coerentes)
-
“Coerência”, isto é, os movimentos como os de colonização ou de expansão
contígua que matem laços com um centro irradiador (as formas de difusão
“incoerentes” seriam, exatamente, aquelas que levam à “desagregação” do grupo
social). (22)
-
Mobilidade dos povos – acelera o curso da história.
-
Patrimônio cultural – acumulação in situ.
a)
Exaustão do meio pelo uso intensificado dos povos civilizados. Ratzel denomina
“incremento das áreas étnicas”. (23)
b)
pressão demográfica.
-
Miscigenação é positiva em Ratzel.
Daí
a visão de Ratzel da “unidade telúrica” entre história da humanidade e a do
planeta. A Terra é posta como substrato indispensável da vida humana, sua
condição de existência. (23)
[Isso
me parece óbvio. Não é possível imaginar a existência da vida humana, pelo
menos nas condições atuais e anteriores, fora do planeta Terra].
O
espaço, segundo ele, encerra as condições de trabalho da sociedade, que
aumentam progressivamente com o seu desenvolvimento. (23)
-
“ser terrestre” – “teatro” – “unidade telúrica”.
De
tal modo que a civilização, ao libertar os povos do domínio do meio, os torna
mais dependentes dele. Logo, a questão do domínio do espaço ocupa um lugar
central na história. (23)
-
dois conceitos fundamentais: território
e espaço vital.
-
O território seria, em sua definição, uma determinada porção da superfície
terrestre apropriada por um grupo humano. (23)
Observa-se
que a propriedade qualifica o território, numa concepção que remonta às origens
do termo zoológico e na botânica (onde ele é concebido como área de dominância
de uma espécie animal ou vegetal). (23)
O
conceito de espaço vital Ratzel toma de Fichte, e lhe dá maior substantivação.
(23)
[Fiz uma pesquisa e
não encontrei o conceito de “espaço vital” (Lebensraum) em Fichte. É
mais provável que o termo tenha sido mesmo cunhado por Ratzel e em Fichte é
apenas um esboço. De fato, as concepções econômicas de Fichte eram
mercantilistas [ver Kurz, em o “Colapso da Modernização”] e os nazistas tinham
neste filósofo um dos principais precursores do ideário do nazista, que ia
desde o ocultismo à ufologia. O mercantilismo tardio na Alemanha era mais uma
forma ideológica de se opor ao liberalismo inglês [ver Pierre Rosanvallon, em
“O liberalismo econômico: história da ideia de mercado”, sobre publicações de
livros mercantilistas na Alemanha do século XIX] e daí a justificativa de um
Estado forte (absolutista). Acredito que a oposição dos nazistas ao capital
financeiro vai na mesma linha. Era mais uma forma de ocupar terreno no cenário
geopolítico e justificar os interesses do Estado alemão].
- espaço vital –
necessidade territorial – equipamento tecnológico – efetivo demográfico –
recursos naturais disponíveis.
Seria assim uma
relação de equilíbrio entre a população e os recursos, mediada pela capacidade
técnica. (23)
A
defesa do território é entendida como um imperativo da história, a qual passa a
ser delineada como uma luta pelo espaço. (Nota: Semelhante à luta pela vida,
cuja finalidade básica é obter espaço, as lutas dos povos dão-se quase pelo
mesmo objetivo. Na história moderna a recompensa pela vitória sempre foi, ou
tem pretendido ser, um proveito territorial {Ratzel apud Sodré, N. W. “Introdução à geografia: geografia e
ideologia”}).
O
direito de um povo a uma dada porção da superfície terrestre repousaria no
trabalho ali despendido e, principalmente, no poderio bélico. (23)
Tanto
a propriedade quanto a luta são colocadas como naturais à história. (23)
Com
relação à propriedade, Ratzel, aproximou-se das colocações de Locke, argumenta
que seu fundamento está no trabalho, definindo-se a posse pelo esforço de se
tirar um objeto da natureza. (24)
[Isso
me parece contraditório com tudo o que foi dito até aqui. Se a fonte do
progresso em Ratzel é o Estado, a conquista, o espaço, então não cabe eleger
uma categoria econômica (trabalho)
como fundamento da propriedade. Gostaria de ver a fonte dessa afirmação].
Ratzel
também considera a violência, guerra e a conquista como componentes naturais da
história humana. (24)
[Mais
uma vez uma ontologia do político].
-
guerra – povos naturais X povos cultos.
-
povos naturais – saque e escravidão.
-
povos cultos – conquistas territoriais.
Nesse
juízo o elogio ao colonialismo adquire uma clareza meridiana. (24)
A
identidade étnica é recompensa daqueles que possuíram energia para conter as
forças em expansão, pois, segundo Ratzel, é a luta que faz merecer a liberdade
(outro raciocínio que sub-repticiamente, justifica a escravidão como resultante
da fragilidade social). (24)
-
conquista é inevitável.
Além
de inevitável, ela é benéfica em sua opinião, pois impele o conquistado a um
estágio superior de civilização. (24)
A
fé na positividade do progresso é tão forte em Ratzel que ele chega a defender
explicitamente o trabalho compulsório como acelerador de tal processo. (25)
[“trabalho
compulsório” eufemismo de escravidão.
Novamente, o que define o trabalho para os liberais é trabalho livre,
assalariado, isto é, o trabalho enquanto mercadoria].
Ele
afirma que a sede dos povos conquistadores é o hemisfério norte e o Ocidente,
definindo as demais localidades da Terra como “áreas de expansão”. (25)
As
formulações ratzelianas a respeito do desenvolvimento histórico da humanidade
desembocam numa teoria do Estado. (25)
[Ou
seja, a ênfase é o político e não o econômico].
O
aparecimento do Estado é, inicialmente, posto como um momento no processo
civilizatório. (25)
A
sua existência é, na verdade, o principal elemento diferenciador entre os povos
naturais e os civilizados; sua gênese é vista, assim, como ponto de inflexão da
história humana. (25)
O
surgimento do Estado demandaria já um certo patrimônio cultural acumulado e
teria por pressuposto a delimitação do território. (25)
Isto
porque a defesa do espaço vital da sociedade seria, segundo Ratzel, a causa e a
função precípua de sua existência. (25)
Ele
afirma que, quando a sociedade se organiza para defender o seu território, ela
se transforma em Estado. (25)
Seu
aparecimento, por outro lado, resulta num aumento da coesão social do grupo.
(25)
-
O Estado se torna autônomo
O
Estado subjuga a sociedade – “egoísmo político”.
Torna-se,
finalmente, o agente primordial do processo histórico, acabando por monopolizar
integralmente a arena política. (25)
-
“Apetite territorial”
Sua
lógica intrínseca é garantir e aumentar o espaço vital. (25)
É
pautado nessa lógica que passa a dirigir o conjunto social, por estabelecer uma
meta que se coloca acima dos interesses particulares dos grupos existentes numa
sociedade já civilizada (logo complexa). (27)
É
ela que comanda e organiza os objetivos de “todo o povo”, na inevitável luta
com as demais nacionalidades. (25)´
É
a respeito de tais juízos que Durkheim, comentando um texto de Ratzel, afirma:
“Ao observar a exposição da política contida em sua geografia parece-nos ouvir
falar um romano, que não veria para seu país glórias maiores que as conquistas”
(Durkheim, E., “Ratzel – La mer comme source de la grandeur dês peoples”).
Vê-se
que a formulação de Ratzel atribui à essência do Estado aquelas características
latentes do Estado alemão no período bismarkiano. (26)
-
O belicismo expansionista – tutela integral da sociedade.
-
intelectual orgânico da política dos junkers.
-
situação alemã – elo débil da cadeia imperialista.
-
relatividade das fornteiras (seu caráter circunstancial – inevitabilidade da
guerra)
[Essas
características são latentes?]
Febvre
e Sion definem a geografia política de Ratzel como “um manual do imperialismo”.
Sobre
a retomada das teorias ratzelianas pelos nazistas pode-se consultar a obra
citada do Nelson Werneck Sodré.
-
Kulturkampf
Resta
salientar que, em sua produção empírica, Ratzel não consegue realizar os
horizontes teóricos propostos. (26)
No
nível do trabalho empírico, Ratzel, em grande parte, não conseguiu ir além de
uma “geografia de posição”. (26)
[Último
texto da coletânea: descrição minuciosa de uma localidade].
-
princípios normativos contidos na proposta de Ratzel:
-
ciência de síntese
-
unidade – perspectiva telúrica: superfície terrestre
-
(caráter não sistemático) não “excepcionalidade”
-
adesão ao método científico
-
peculiaridade do objeto – ciência de contato entre os fenômenos naturais e
sociais
-
ciência empírica (indutivo)
Tais
princípios, que na verdade reforçam preceitos de autores anteriores
(notadamente Humboldt e Ritter), se agregam profundamente no pensamento
geográfico posterior. (27)
Ratzel
– precursor da geografia humana (de matriz predominantemente francesa) que
surge em oposição à sua proposta).
Ratzel
também vai influenciar, aí de uma forma antagônica desse embate: a “escola
determinista” de Semple, Huntington e outros. (27)
De
qualquer modo, observam-se as ideias de Ratzel presentes nos dois polos da
principal polêmica geográfica da primeira metade do século XX. (27)
Em
termos de metodológicos, seu pioneirismo reside na introdução explícita do
positivismo. (27)
[...!]
............................................................
“Ratzel
se propõe a estudar todas as influências que o solo pode exercer sobre a vida
social em geral. Um tal projeto é quimérico” (Durkheim).
.............................................................
A
questão da influência das condições naturais sobre o desenvolvimentismo dos
povos perpassa todo o trabalho ratzeliano. (27)
Ratzel:
12. Karl Ritter
– “Como disciplina histórica, a geografia até hoje não passou de uma mistura
variada, sem qualquer lei interna; sob o peso de escórias que a recobrem,
aguarda polimento que deverá transformá-la num sólido corpo científico” (Karl
Ritter). (...) Karl Ritter tem o mérito de haver reforçado o laço insolúvel que
liga a geografia e a história, reconhecendo a importância geográfica dos problemas
que constituem o terreno comum às duas ciências, abrindo assim um amplíssimo
campo do estudo à geografia. (46)
-
espaços terrestres
-
cartografia histórica – Ortelius (2ª. metade do XIX)
Para
perceber a simples relação que se dá entre a superfície estável da Terra e a
humanidade em transformação sobre ela, Karl Ritter deveria ter abandonado a
concepção tecnológica, a partir da qual ele considera os processos históricos
como partes preordenadas de um grande plano de educação da humanidade. (48)
A
escola de Ritter progrediu, vivificando o árido material de estudo e do ensino
da geografia que se limitava a nomes e cifras. (49)
34. A geografia do
homem é uma ciência descritiva – Assim como toda a
geografia, também a geografia do homem é principalmente uma ciência descritiva.
(94)
Por
isso um bom trabalho descritivo pressupõe a existência de uma classificação
(...). (95)
35. A classificação
antropogeográfica – A vida dos povos e dos Estados que
possuem territórios semelhantes entre si apresenta também fenômenos análogos
entre si que são por isso suscetíveis de uma classificação antes de prosseguir
no estudo científico. (95)
36. O método indutivo –
A classificação representa o primeiro passo do método indutivo. (...) O mapa
etnográfico representa o instrumento de indução próprio da geografia do homem.
(96)
-
Geografia comparada – Ritter
Mas
estaremos correspondendo melhor à verdadeira natureza da geografia, se à
geografia de Ritter demos simplesmente a denominação de “sintética”. (96)
Se
para a geografia a possibilidade do estudo experimental fosse tão ampla como
para as outras ciências, a necessidade do procedimento comparativo seria menor.
(97)
[Ratzel,
de fato, estabelece a comparação e a classificação para se chegar à indução,
como um critério de cientificidade. Mas a analogia indutiva é uma generalização
não de casos gerais e conhecidos, mas particulares e desconhecidos, e conduz
sempre a conclusões apenas prováveis e, muitas vezes, equivocadas. Se através
da observação constato que as folhas das plantas são verdes, não posso inferir
daí que todas as coisas de cor verde são folhas de planta. Ou se observo que
todos os animais que têm bico são pássaros, não posso afirmar que um
ornitorrinco é um pássaro. No método científico, o salto indutivo permite apenas a formulação de hipóteses. (Assim como
o raciocínio dedutivo também, contudo, de modo inverso, partindo do universal e
conhecido, sendo melhor empregado para formular leis). Porém, é apenas uma
etapa do procedimento científico. É a experimentação que vai testar a hipótese,
e confirmar ou não sua validade. Ratzel tem plena consciência deste princípio
da ciência (a experiência), porém, reconhece a impossibilidade de aplicá-lo à
geografia. Sem desconfiar, acaba por destituir, contraditoriamente, toda a
cientificidade da geografia].
(...)
impossível a repetição experimental dos fenômenos da vida com dimensões
telúricas. (97)
Para
o estudo destes fenômenos só pode servir o experimento
que nos apresenta a natureza mesma mediante o repetir-se de processos
análogos em condições diversas de posição, de espaço e geográficas em geral.
(97)
[Ratzel
atribui uma cientificidade inerente à natureza esquecendo que o método
cientifico é uma criação histórica e social, não natural].
Do
que se deduz que a geografia deve realizar um amplo trabalho de comparação sem
deixar de examinar um só ângulo da Terra (Nota). (97)
[Mas,
reproduzindo o próprio Ratzel, as próprias “dimensões telúricas” tornam
impossível a comparação e o exame de todos os ângulos da Terra!].
-
Nota: Já Comte indicou explicitamente como um dos métodos da sociologia o experimento indireto, isto é, o estudo
de certos desvios de desenvolvimento normal de um determinado fenômeno. (97)
Se
é verdade que a geografia observa os mesmos fenômenos que são estudados também
por outras ciências, seu método contudo se distingue sempre por esta sua
tendência natural a ampliar seu ângulo de visão, a realizar uma observação que
eu diria hologeica, isto é, que
abarca toda a Terra. (97)
[Enquanto
as ciências – e o positivismo – tendem a especialização, Ratzel propõe
exatamente o movimento inverso do proposto por Comte].
De
tal forma que da comparação nasce a síntese, cuja legitimidade, ou melhor, cuja
necessidade dentro do estudo geográfico nasce da difusão de alguns fenômenos
para toda a Terra, ou pelo menos para uma grande parte dela. (97)
[A
geografia, no sentido de Ratzel, no máximo poderia aspirar apenas à condição de
ciência de probabilidades. Por exemplo: se houve um terremoto em determinado
lugar, é provável que num outro lugar de condições semelhantes possa ocorrer
também um terremoto].
Em
uma época como a nossa, na qual, em consequência da especialização, cada
ciência se fraciona em grande número de pequenos estudos particulares, é uma
verdadeira felicidade que na geografia, este fracionamento não seja todavia
muito acentuado, de tal modo que o estudo aqui possa ser sempre iniciado e
conduzido sobre bases de amplitude geral, permanecendo a possibilidade de
descobrir materiais de estudo completamente novos. O que porém não nos pode
levar a esquecer que o método natural da pesquisa antropológica é sempre aquele
que impulsiona pela determinação exata dos fenômenos singularmente
considerados. (98)
38. Necessidade de uma
visão retrospectiva à história da Terra – natureza inorgânica
e os fenômenos da humanidade – parentesco telúrico (ambos têm sua raiz na
Terra).
-
evolução
-
nexo entre a Terra e a humanidade
(...)
a influência ou não do território e todo o ambiente físico exercem sobre a
história, sobre os povos, sobre os Estados, sobre a sociedade humana. (100)
Neumann,
baseando-se na falta de um nexo entre a divisão do gênero humano em raças e as
condições geográficas presentes, tira daí a conclusão segura de que a
etnografia científica deve se apoiar unicamente no exame comparado das línguas.
Mas se este cientista fosse levado a examinar um vale árido, estaria ele
impedido de constatar a falta do nexo visível entre este efeito e uma outra
causa qualquer não mais visível, ou não teria ele também tentado encontrar uma
causa determinada, que tivesse dado lugar à formação do vale e tivesse mais
tarde cessado? Do mesmo modo deve-se dizer que para a antropologia o problema
de como se deva explicar a difusão dos povos não é isolada, mesmo que nas
atuais condições não pareça possível aqui solução. (10)
-
antropogeografia – difusão da espécie humana.
22. As influências do
ambiente físico se modificam com a história – (...) Com
isso ele vai se tornando sem dúvida mais independente da sua constituição
natural. (71)
Contudo,
para conquistar esta liberdade é necessário por outro lado que utilize
habilmente os recursos que a natureza circundante oferece. Portanto esta
liberdade no fundo não é senão um dom da natureza, não porém um do espontâneo,
mas tal que deve ser conquistado a duras penas. (71)
A
afirmação de que os povos vão se tornando gradativamente cada vez mais
independentes da natureza que constitui seu substrato e seu ambiente é sem
dúvida errônea. (71)
-
(não é liberdade absoluta)... na medida em que a atividade econômica dos povos
está ligada mais intimamente do que qualquer outra à natureza do país onde se
manifesta. (71)
-
progresso da civilização – importância da vida econômica
A
denominação de “povo primitivo” (povo
natural) não indica um povo que vive na relação mais íntima possível com a
natureza, mas antes um povo que, se se nos permite a expressão, vive sob o império desta. Ora, alguns etnógrafos
sustentam que o progresso da civilização não consiste senão em maior libertação
do povo das condições naturais do território; ao contrário, podemos afirmar que
as diferenças entre povo primitivo e povo civilizado deve ser buscada não no
grau mas no tipo de ligação que existe entre o homem e a natureza. A
civilização é independente da natureza no sentido da completa liberdade, mas no
sentido de uma ligação mais diversificada, mais ampla e menos imperiosa. (72)
Examinar
mais fundo a natureza e desfrutá-la com mais perspicácia não servem para nos
libertar dela, mas para tornar mais independentes de cada uma de suas
manifestações ou influências acidentais, pelo fato de se multiplicarem assim os
nossos laços com ela. (72)
3. O povo e o seu
território
23. O território e a
sociedade – Que o território seja necessário à existência do
Estado é coisa óbvia. Exatamente porque não é possível conceber um Estado sem
território e sem fronteiras é que vem se desenvolver rapidamente a geografia política (...). (176)
-
com o Estado, estamos tratando de uma natureza orgânica. (176)
(...)
os Estados dependem, em forma e tamanho, de seus habitantes, isto é, eles
conformam à mobilidade de suas populações, tal como se expressa especialmente
nos fenômenos de crescimento e declínio. Um certo número de pessoas está ligado
à área do Estado. Elas vivem em seu solo, dele retiram seu sustento e, além
disso, estão ligadas por relações espirituais. (176)
-
o povo – corpo vivo.
As
populações estão em contínuo movimento interno. Ele se transforma em movimento
externo, para diante ou para trás, quando se ocupa um novo trecho de terra ou
se abandona uma possessão. (177)
-
causa especiais
Nesta
causa espacial há duas tendências alargamento e reprodução, ambas operando continuamente como estímulos à
mobilidade. (177)
Aos
motivos já citados, acrescenta-se um terceiro, o sistema, ou a natureza das relações do Estado com o território
que determina o ritmo do crescimento e, em particular, a estabilidade do seu
resultado. (177)
[Não
quero aqui, com minhas críticas à pseudocientificidade da geografia,
reivindicar uma condição rigorosa de ciência à geografia. Não. Na verdade, a
ortodoxia do método científico é uma construção da filosofia da ciência e não
existe e nunca existiu (somente existe nas pesquisas medíocres que jamais
descobrem nada e só repetem aquilo que já se sabe). O que proponho é o contrário,
isto é, a negação da insistência da geografia tal e qual uma ciência como a
engenharia. Na verdade, proponho a abolição do estatuto científico da geografia
de uma vez por todas, algo que, diga-se de passagem, já acontece na prática.
Portanto, mais arte e menos ciência!].
[1] Na biblioteca positivista consta
apenas O dicionário geográfico, de
Rienzi, e O resumo de geografia universal,
de Malte-Brun. Este último, grande compilação de dados sobre a superfície da
Terra para a qual serviu de modelo a muitos trabalhos posteriores em geografia.
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