quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Kronstadt: Lamanov, Anatoli Nikolaevich

 

Rebelião de Kronstadt
Lamanov (ou A. H. Лamahob) é o primeiro, à esquerda.

Lamanov, Anatoli Nikolaevich 1889-1921

Uma breve biografia de Anatoli Lamanov, a voz do ideólogo da Revolta de Kronstadt

por Nick Heath

Anatoli Lamanov nasceu em 3 de julho de 1889. Seu pai, Nikolai P. Lamanov, era, em 1913, tenente-coronel e chefe de tripulação da frota russa na principal base naval de Kronstadt. Sua mãe tinha simpatias populistas e seu irmão mais velho era o tenente da frota Piotr Lamanov, que também comandou e participou das primeiras agitações revolucionárias em Kronstadt durante o ano de 1917.

Aluno do terceiro ano da Universidade Nacional de Química, conhecido por ministrar palestras sobre história natural, geografia e tecnologia, durante os anos da guerra, Anatoli Lamanov angariou grande simpatia dos trabalhadores, marinheiros e soldados de Kronstadt. Mas ao contrário de seu irmão mais velho, que tinha envolvimento com os socialistas revolucionários, Anatoli, aparentemente, não manteve ligações diretas com nenhum grupo político.

Ele é descrito pelo inglês Morgan Phillips Price, correspondente em Moscou do Manchester Guardian, como tendo “cabelos compridos, olhos sonhadores e o olhar distante de um idealista”, além de “sério, amigável e um tanto enigmático”.

Lamanov se tornou chefe do treinamento vocacional do departamento municipal de educação em Kronstadt. Ao mesmo tempo, foi eleito para o Comitê do Movimento pelos funcionários do laboratório químico de Kronstadt. Foi presidente do Soviete de Trabalhadores de Kronstadt em março e abril e, a partir de maio, do Soviete de Trabalhadores e Soldados. Nas sessões do Soviete, proferia discursos contundentes, assumindo a liderança, ao lado de Ippolitov, Rivkin e Zverin, de uma facção apartidária. Em agosto, o grupo sem partido mudou de nome ao juntar-se à esquerda radical e à divisão antiparlamentar dos Socialistas Revolucionários, a União dos SR-Maximalistas. Como Getzler afirma: “...o grupo rejeitou o facciosismo partidário, defendeu o sovietismo puro e assim se adaptou admiravelmente na paisagem revolucionária e marcadamente soviética de Kronstadt...” (p. 37).

Lamanov também foi editor do jornal de Kronstadt, o Izvestia. Foi descrito nas memórias do astuto bolchevique F. F. Raskolnikov como sendo um “cem por cento filisteu” (filisteu era uma palavra muito usada na época pelos bolcheviques, especialmente por Lênin e Trotsky, para desqualificar seus oponentes políticos). Entretanto, longe de ser um filisteu, Lamanov foi um incansável defensor da democratização (por falta de uma palavra melhor) da revolução e de uma iniciativa educacional e cultural de massa, inclusive por meio do teatro: “... o teatro complementa o que vemos e ouvimos na vida e lemos nos livros; injeta novas ideias nas mentes dos espectadores, ideias que são novas não por causa de seu conteúdo, mas pelo palco, diante de nós, proporcionar-nos a sua plena incorporação”.

O Soviete abriu-se a muitos oradores de todos os grupos revolucionários, bolcheviques, socialistas revolucionários e anarquistas.

Os bolcheviques sempre foram uma minoria dentro do Soviete de Kronstadt, ainda que tenham feito grandes esforços para manipular e controlar a organização. Mas Lamanov lembrava aos bolcheviques que foi o povo, e não o partido, que fez a Revolução de Fevereiro.

Muito embora os maximalistas mantivessem um grande número de delegados no soviete, ao longo de sua história, Lamanov renunciou ao grupo no final de 1919, já que não queria se associar ao atentado à sede do Partido Comunista de Moscou, condenado e compreendido por ele como sendo obra dos maximalistas.

Lamanov se candidatou a membro candidato do partido bolchevique em algum momento do ano de 1920. Durante o levante dos marinheiros, não participou dos movimentos iniciais da revolta e tampouco integrou o Comitê Revolucionário. No entanto, continuou a editar o Izvestia de Kronstadt e, em suas páginas, sugeriu os lemas “Terceira Revolução” e comunismo sem “comissariocracia”. Lamanov anunciou sua renúncia ao Partido Comunista em março (de 1921), justificando que sempre foi um maximalista. Assim, o Izvestia tornou-se porta-voz dos insurgentes de Kronstadt, enchendo suas páginas com cartas e declarações de muitos dos rebeldes envolvidos na revolta.

Foi preso em 18 de março de 1921, pelas tropas soviéticas. Os rigores do interrogatório da Tcheka parecem tê-lo alquebrantado, pois Lamanov prontamente apresentou provas contra os outros líderes da revolta. A princípio, forneceu o seguinte testemunho: “O motim de Kronstadt foi uma surpresa para mim. Eu o vi como um movimento espontâneo”. Porém, mais tarde, em seu depoimento, afirmou que o motim havia sido planejado desde o início pelos SRs de Esquerda!

Condenado à morte em 20 de abril pela Tcheka de Petrogrado, como “contrarrevolucionário”, foi fuzilado no dia seguinte e seu corpo enterrado em Petrogrado.

Nick Heath

8 de outubro de 2009

Referência:

Getzler, I. Kronstadt 1917-1921: The Fate of a Soviet Democracy. (“Kronstadt 1917-1921: O Destino de um Soviete Democrático”).

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Sobre os autores de "A Verdade sobre Kronstadt" do Volia Rossii

Volia Rossii

Sobre os autores

por Scott Zenkatsu Parker

(Tradução: Fecaloma – punk rock)

Pravda o Kronshtadte, texto original de A Verdade sobre Kronstadt, é uma obra de muitas mãos e fonte primária indispensável para qualquer discussão sobre a Rebelião de Kronstadt de 1921. Partindo-se destas duas perspectivas e a fim de obter uma melhor compreensão do texto, seria útil discorrer sobre várias questões decorrentes da tradução. Quem eram os autores e editores originais das diferentes seções e subseções da obra e quais eram suas visões políticas? Como diferentes pontos de vista concernentes às mudanças na Rússia, o cenário internacional e os objetivos dos autores se combinam para moldar suas interconexões uns com os outros e demais grupos envolvidos durante as grandes convulsões que marcaram a era da Revolução Russa e da Guerra Civil de 1917 a 1921?

Todos os autores do Pravda pertencem a vários ramos do movimento socialista que se desenvolveu a partir do populismo russo do final do século XIX. Para os propósitos deste ensaio, os autores serão descritos e diferenciados politicamente por dois aspectos específicos em suas crenças: suas interpretações de socialismo e do próprio papel das forças não socialistas na revolução. Tais aspectos, entretanto, não descrevem definitivamente as crenças ideológicas dos grupos em questão. São, no entanto, questões importantes para o contexto político da época e que nos ajudam a explicar os principais conflitos e divisões entre os socialistas russos coexistentes. Diferentes grupos socialistas tinham visões muito distintas de como o socialismo poderia e deveria ser alcançado, além de divergirem sobre o que caracterizaria o estado socialista resultante. Ademais, enquanto alguns endossavam a intervenção de forças externas e não recusavam o auxílio de grupos conservadores russos, outros se opunham veementemente a qualquer tipo de concessão do gênero. Essas diferenças contribuíram fortemente para muitas das alianças e inimizades políticas do período, especificamente, para os autores do Pravda.

Mas as condições internacionais e internas mudaram muito durante o período. Além disso, uma vez que uma reivindicação ou objetivo comum era finalmente alcançado, muitas vezes antigos aliados divergiam entre si através novas demandas de caráter oposto à resolução precedente. Em meio ao estresse de tais condições e alianças voláteis, as opiniões dos autores sobre as duas questões colocadas acima, a natureza do socialismo e o papel das forças não socialistas na revolução, também estava suscetível a mudar. As relações dos autores entre si e com outros grupos serão discutidas no âmbito de uma rede de condições, interesses e crenças em transformação.

Quem eram então os autores do Pravda e quais eram suas visões políticas? O primeiro grupo de autores a ser discutido são os rebeldes propriamente ditos, que aparecem frequentemente nas páginas do Izvestiia, por meio de suas declarações e apelos. Em segundo lugar, há os editores do jornal, representados por Anatolii Lamanov, autor de artigos tão importantes como “Por que lutamos” e “Etapas da revolução” (Getzler, p. 232, nota 112). Os líderes militares e civis dos rebeldes, representados por Stepan Petrichenko, presidente do Comitê Provisório Revolucionário, também desempenharam um papel importante por meio de declarações e entrevistas posteriores concedidas ao Volia Rossii. Apesar de algumas questões concernentes às afiliações políticas de Petrichenko, estes três primeiros grupos manifestam opiniões fundamentalmente semelhantes e, muitas vezes, podem ser considerados como um único corpo. Finalmente, há o prefácio do próprio Volia Rossii, que foi um jornal publicado em Praga, pelos socialistas revolucionários de direita (SR), incluindo A. F. Kerensky.

Os marinheiros, soldados e trabalhadores de Kronstadt, cidade portuária, sede da Frota do Báltico, eram talvez o segmento mais educado, politicamente consciente e rebelde de todos os trabalhadores da Rússia. Da população civil de Kronstadt, 50.000 pessoas, a força de trabalho industrial era de 17.000 operários. Havia também 20.000 marinheiros alistados na Frota do Báltico em Kronstadt e, devido às demandas tecnológicas cada vez mais exigidas por uma marinha moderna, trabalhadores industriais compunham cerca de 31% dos convocados entre 1904 e 1916, em comparação com os 3,43% recrutados pelo exército. Apenas 6% dos recrutas da frota eram analfabetos. Os trabalhadores industriais constituíram o principal núcleo de agitação política nos partidos socialistas. Getzler cita uma reclamação do diretor pré-revolucionário do Departamento de Polícia:

“trazer para a marinha... homens que cultivam uma atitude hostil a toda autoridade desde a idade de 12-15 anos; desde quando essa gente se mistura com operários propagandistas?” (p. 10).

Ele observa também que os marinheiros foram largamente educados em escolas navais para cargos técnicos (pp. 1, 10-11).

Kronstadt já evidenciava uma longa e ardente história de rebelião espontânea mesmo antes dos levantes de 1917. Durante as duas primeiras décadas do século XX, grupos clandestinos operavam atividades subversivas na esquadra de Kronstadt. Revoltas espontâneas eclodiram em 1905, e uma rebelião liderada por uma coalizão de partidos ocorreu em 1906. Os marinheiros de Kronstadt desempenharam um papel de liderança nos eventos revolucionários de 1917, culminando em 25 de outubro quando participaram do assalto ao Palácio de Inverno, derrubando o Governo Provisório liderado por Kerensky e colocando efetivamente os bolcheviques no poder.

Apesar das dezenas de milhares de marinheiros da Frota do Báltico que foram lutar nas frentes da Guerra Civil, Getzler relata que a composição da guarnição de Kronstadt não havia mudado significativamente em 1921. De uma população de 50.000, havia 27.000 marinheiros e soldados e 13.000 trabalhadores civis. Trabalhando com fontes ocidentais e soviéticas, incluindo dados de AS Pukhov, estima-se que 75,5% dos que serviram na frota em 1º de janeiro de 1921 foram convocados antes de 1918 (Getzler, pp. 205, 208, nota de rodapé 11). Deve-se notar que, no entanto, o próprio Pukhov, em sua obra, tira conclusões muito diferentes, afirmando que, sem precisar números exatos, “ao longo dos 2 e 3 anos anteriores ao motim, e especialmente no ano de 1920, ocorreram processos na formação da frota que mudaram significativamente o caráter da estrutura de pessoal, essencialmente em relação a uma queda acentuada do indicador qualitativo, tanto da perspectiva da classe social quanto das ideologias políticas” (Pukhov, p. 39).

Acima de tudo, estes marinheiros e trabalhadores de Kronstadt educados, independentes e politicamente conscientes queriam e agiam como baluartes de uma democracia socialista radical e espontânea. As formas clássicas de organização de Kronstadt eram tanto a reunião de massas quanto o comitê (soviete) de deputados com mandatos sujeitos à revogação imediata. Havia livre participação envolvendo todas as classes e partidos socialistas. Os kronstadtinos rejeitavam toda e qualquer autoridade além de seu próprio Soviete e não era incomum que os participantes de uma reunião de massa, inflamada por oradores inspirados, forçassem o próprio Soviete a mudanças políticas repentinas e embaraçosas. Os marinheiros e trabalhadores nutriam um ódio vigoroso e violento à classe burguesa, à nobreza e ao oficialato, rejeitando a mínima participação de qualquer dessas categorias sociais na vida política e econômica de Kronstadt, em seu Soviete e na República em geral. Pois bem, acreditavam na instituição de um governo quase puramente operário, como, de fato, se testemunhou em Kronstadt durante grande parte do ano de 1917. Eles pensavam que instituições geridas por trabalhadores poderiam ser imediatamente implantadas em toda a Rússia pela ação das classes trabalhadoras sem qualquer participação de grupos não socialistas.

Anatolii Lamanov entrou em cena com a Revolução de Fevereiro de 1917 quando o estudante do terceiro ano de química tornou-se presidente do Soviete de Deputados Operários de Kronstadt. Mais tarde, foi eleito presidente do Soviete de Deputados Operários e Soldados de Kronstadt (“Soviete de Kronstadt”) e do conselho editorial do jornal do soviete. Lamanov também liderou o Grupo Sem Partido de Kronstadt, que, em agosto de 1917, juntou-se à União dos Socialista-Revolucionários Maximalistas (Getzler, pp. 30, 37-38, 135).

No que concerne as posições de lideranças exercidas por Lamanov na altamente democrática Kronstadt, é razoável supor que a filosofia propalada por ele refletia também as crenças de um enorme contingente da população da cidadela. Pelos cálculos de Getzler, o Grupo Sem Partido/Maximalistas elegeu 77 delegados dos 280 eleitos do primeiro Soviete em março; 68 delegados no segundo, em maio; e 96 delegados no terceiro, em agosto (p. 36, 65-66, 134). Segundo Getzler, o Grupo Sem Partido de Lamanov:

“... rejeitou o facciosismo partidário, defendeu o sovietismo puro e, por isso, adaptava-se admiravelmente na paisagem revolucionária e marcadamente soviética de Kronstadt...” (p. 37).

“... o seu apelo à moderação, aos laços estreitos com o Soviete de Petrogrado, à ‘unidade do movimento revolucionário nacionalista’; numa palavra, uma voz que alertava sempre contra a ‘desunião e discórdia partidária' que tinha ‘arruinado a revolução da França’” (p.55-56).

Adeptos dos Socialista-Revolucionários Maximalistas, Lamanov, seu grupo e os kronstadtinos em geral, que os apoiavam, faziam parte de um movimento que recebia seu nome em razão ao programa “máximo” do Partido Socialista Revolucionário. Este programa exigia a socialização imediata das fábricas e das terras agrárias. De muitas maneiras, os maximalistas concordaram com os bolcheviques e, em outubro de 1918, apoiaram a derrubada do Governo Provisório. No entanto, como aponta V. V. Garmiz, um escritor soviético, eles diferiam dos bolcheviques porque “não reconheciam absolutamente a ditadura do proletariado, muito menos a necessidade da administração centralizada da economia do país; posicionavam-se também contra o Tratado de Brest [-Litovsk] com a Alemanha”, considerado por eles uma concessão ao imperialismo internacional. Ademais, como sugere seu programa básico, os maximalistas não consideravam necessário um período intermediário de transição, sob a égide de um governo burguês capitalista, para a realização do socialismo (ver Nicoll, 1980a; Garmiz et. al., p. 255).

Assim, Lamanov e os maximalistas, como os marinheiros e trabalhadores de Kronstadt, viam o socialismo como a transformação imediata do país em uma república soviética dominada e liderada por trabalhadores, que varreria o latifúndio e os proprietários de fábricas sem qualquer necessidade de um período de transição ou compensação. Muito embora possam ter concebido um “protagonismo de uma minoria” (Garmiz et al.) que trabalhava na vanguarda para acender a faísca da revolução social, sempre se opuseram a qualquer participação de grupos não socialistas e governos ocidentais nos destinos da Rússia revolucionária.

Com relação a outros líderes de Kronstadt, o caso é um pouco menos claro. Quanto a Petrichenko, sabe-se com certeza que era originário de uma família camponesa ucraniana e um veterano que exercia a função de escriturário. Antes de ingressar na marinha, em 1912, em virtude de sua formação incompleta – cursou apenas dois anos no ensino formal – trabalhou como encanador. Mas, durante a rebelião, foi eleito presidente da assembleia do Petropavlovsk, cuja tripulação aprovou a resolução que serviu de fundação da revolta. Pouco depois, foi presidente do Presidium na Conferência de Delegados que formou o Comitê Provisório Revolucionário. Esses fatos lhe dão a aparência de um trabalhador soviético honesto que se ergue para liderar um movimento de libertação, estando, portanto, de pleno acordo com as opiniões de Lamanov e demais marinheiros de Kronstadt (Avrich, pp. 72-74, 80-82).

No entanto, em um dos primeiros relatos soviéticos sobre a rebelião, Petrichenko é acusado de ser um nacionalista ucraniano, simpatizante dos SRs e dos anarquistas (Pukhov, p. 76-77). Se isso for verdade, poder-se-ia propor que, ao contrário do que ele ou outros kronstadtinos declaravam, isto é, sua postura ideológica não alinhada com nenhum partido, Petrichenko ultrapassou a mera simpatia filosófica para com os SRs e realmente estabeleceu contatos secretos com forças partidárias a fim de realizar sua pretensão de instrumentalizar a rebelião para dar um passo à frente na consolidação de um governo SR sobre a Rússia. Ademais, um simples acordo com a filosofia dos Socialistas Revolucionários de Direita, tal como existia até 1918, apareceria aos olhos de muitos trabalhadores como uma autoacusação condenatória, por razões que serão discutidas abaixo.

Anatolii Lamanov também foi acusado de inclinação partidária, na qual, insinuava-se, era membro de uma determinada organização política (Pukhov, p. 77). Neste caso, porém, a filiação política de Lamanov com os maximalistas não é de forma alguma secreta, sendo anunciada claramente em sua carta de desfiliação do PCR (b.), publicada na terceira edição do Izvestiia do Com. Prov. Rev. (Pravda, pp. 59-60). De qualquer maneira, uma possível conexão secundária com os SRs não significava que as declarações de Petrichenko não devam ser primeiro consideradas e analisadas através das lentes de seu papel indiscutível na liderança do movimento de Kronstadt, de sua qualidade de marinheiro eleito, bem como de sua convivência no meio democrático de Kronstadt. Por causa disso, os trabalhadores e marinheiros de Kronstadt, Lamanov e seu Grupo Sem Partido/Maximalistas e Petrichenko podem ser considerados principalmente partes de uma unidade política e filosófica na maioria dos casos. No entanto, Petrichenko e o Comitê Provisório Revolucionário também devem ser discutidos separadamente, de modo a lançar luz no seu possível papel como apoiador de um ou outro ramo não maximalista do Partido Socialista Revolucionário.

Volia Rossii, editora do Pravda, é ela a própria uma publicação braço direito do Partido SR. Ao contrário de todos os outros livros publicados pelo jornal e vendidos por meio de seus anúncios, o Pravda não tem assinatura. O autor ou autores nunca são indicados, nem no próprio livro nem nas páginas do Volia Rossii. Assim, os artigos podem ser entendidos, tais como os editoriais não assinados da primeira página, em consonância com a linha editorial das principais figuras do jornal.

O que o Volia Rossii expressa em seu cabeçalho é na verdade a opinião “de V. M. Zenzinov, V. I. Lebedev e O. S. Minor”. O crítico literário Marc Slonim, então secretário editorial do jornal, descreve essas três figuras como os editores e observa que A. F. Kerensky também esteve estreitamente envolvido com o jornal (Slonim, p. 291).

Uma discussão histórica destas figuras fornece as respostas para as duas questões colocadas acima: quais eram suas visões de socialismo e que papel na revolução sobrava para os grupos não socialistas. Aparentemente, o membro mais antigo e menos conhecido do grupo editorial era Osip Solomonovich Minor. Estudante da Universidade de Moscou, Minor foi atraído para o círculo revolucionário liderado por V. l. Rosenberg, em 1883, época do assassinato do Coronel Sudeikin. Sudeikin era o chefe de polícia de Kiev e um inimigo ferrenho dos terroristas da Vontade do Povo (Minor, p. 9; Nicoll, 1980b, p. 170). Enquanto o grupo de Rosenberg se autodenominava parte da Vontade do Povo, o assassinato de Sudeikin representava os últimos estertores da organização original fundada em 1879, e presumivelmente foi uma das várias tentativas para dar nova vida a essa divisão moribunda do movimento populista (ver Tvardovskaya, p. 255).

Relatos residuais de que depois de ter sido repetidamente preso e libertado, Minor foi condenado em 1885 a dez anos de exílio no nordeste da Sibéria por “influenciar prejudicialmente a juventude”. Em Yakutsk, conheceu vários antigos populistas e ativistas da Vontade do Povo que o impressionaram profundamente. Lá, ele participou do levante de 22 de março de 1889. Foi condenado à forca por sua participação no levante, mas a sentença foi comutada para trabalhos forçados ilimitados e, posteriormente, para dez anos de exílio a partir do dia da sentença. Em 1898, ele conseguiu retornar à Rússia central, mas permaneceu longe das capitais de São Petersburgo e Moscou (ver Minor).

Tvardovskaya, um escritor soviético, lamenta em relação à Vontade do Povo que, embora seus membros “tivessem reconhecido a necessidade da luta política contra a autocracia”, eles compartilhavam as visões “utópicas socialistas” dos populistas em geral, “sobretudo, a crença na possibilidade da Rússia, contornando o capitalismo, chegar ao socialismo através de uma revolução camponesa” (Tvardovskaya, p. 254). A Vontade Popular e os Populistas também apoiavam a intelligentsia, da qual o movimento populista era amplamente composto. A intelligentsia, por sua vez, estava intimamente ligada à baixa nobreza e à burguesia. P. A. Alekseev, um populista de família camponesa, foi um dos ativistas que conheceu e muito impressionou Minor em Yakutsk. Em discurso de seu julgamento de 1878, Minor declarou que era “óbvio que o trabalhador russo só poderia ter esperança em si mesmo e que só podia esperar ajuda de nossa jovem intelectualidade” (Venturi, p. 534).

Entre as políticas adotadas pela Vontade do Povo, ao menos publicamente, estavam uma Assembleia Constituinte, amplas liberdades fundamentais e transferência de todas as terras e fábricas para o povo. Os populistas e presumivelmente Minor desejavam uma revolução social que derrubasse as classes dominantes. Eles próprios não se consideravam como parte das classes dominantes, mas como uma intelectualidade revolucionária trabalhando ao lado dos trabalhadores e camponeses ou, se necessário fosse, liderando às massas sua luta por emancipação (ver Nicoll, 1980b e Blakely para discussões concisas sobre Populismo e Vontade do Povo).

Embora a autobiografia de Minor termine bem antes dos eventos de 1917 e 1921, a obra é interessante a título de ilustração no que diz respeito às ligações entre o Volia Rossii e o populismo, bem como por tratar a crença dos populistas em assumir um papel de liderança entre a intelligentsia, tanto na revolução social quanto no estado socialista resultante dela. Todos os principais partidos socialistas russos da era revolucionária, incluindo os comunistas, tinham pelo menos algumas raízes no populismo. No entanto, a crença em uma revolução baseada no campesinato, tendo por auxílio ou direção da intelectualidade, foi preservada e defendida de forma particularmente vigorosa pelo Partido Socialista Revolucionário. Esta agremiação incluía as principais figuras da Volia Rossii.

Já Vladimir Mikhailovich Zenzinov, Vladimir I. Lebedev e Aleksandr Fedorovich Kerensky eram figuras mais novas e proeminentes no Partido Socialista Revolucionário do que Minor. Segundo Perrie, Zenzinov tornou-se um membro ativo desde quando ingressou como estudante em 1904. Participou de atividades terroristas e das revoltas de 1905 e 1906. Foi preso e fugiu muitas vezes. Em 1910, foi finalmente condenado a cinco anos de exílio em uma aldeia remota próxima ao rio Indigirka, na Sibéria. Perrie relata que Zenzinov retornou à Rússia no início da Guerra Mundial, ingressando na ala mais conservadora, “defensista” ou de apoio à guerra no círculo do movimento socialista e do Partido SR. Nessa mesma época, tornou-se amigo íntimo de Kerensky (ver Perrie, 1980b; Melancon também fornece um artigo interessante sobre as relações entre os descendentes socialistas do populismo e as divisões intrapartidárias direita-esquerda desencadeadas pela Guerra Mundial).

De acordo com Perrie, após a Revolução de Fevereiro, Zenzinov serviu no Comitê Executivo do Soviete de Petrogrado e recebeu uma nomeação para o Governo Provisório. Na época da Revolução de Outubro, juntou-se ao Comitê de Salvaguarda da Pátria e da Revolução, que lutava contra o golpe bolchevique. Ainda conforme Perrie, após a dissolução da Assembleia Constituinte, em janeiro de 1918, Zenzinov acabou se juntando ao Comitê da Assembleia Constituinte (Komuch) e ao “Diretório Ufa”, que formou um governo de oposição com a participação dos democratas-constitucionais burgueses, constituindo, fundamentalmente, a mesma base do governo que existia antes de outubro. Em novembro de 1918, o Diretório foi derrubado por elementos reacionários e substituído por Kolchak, um comandante branco. Zenzinov fugiu para o exterior (Perrie, 1980b, pp. 17-21).

Segundo Sack, Lebedev lutou na Guerra Russo-Japonesa e, depois de fugir da Rússia por motivos políticos, serviu no Exército Francês desde o início da Guerra Mundial até a Revolução de Fevereiro. Ele retornou à Rússia e ingressou no Governo Provisório como Ministro Adjunto da Marinha no Gabinete da Segunda Coalizão, formado em julho de 1917, muito embora tenha deixado a pasta por discordar com aquilo que acreditava ter sido um tratamento fraco conferido aos bolcheviques após as Jornadas de Julho. Lebedev fez parte da malfadada Assembleia Constituinte e também se uniu a Komuch e ao Diretório, no qual trabalhou como líder militar em coordenação com a Legião Tcheca. Presumivelmente, Lebedev foi deposto na mesma ocasião que os outros socialistas (ver Sack, pp. 3-5).

Kerensky ficou famoso como o primeiro-ministro socialista da coalizão de Governos Provisórios. Segundo Rollins, ele seguiu um caminho semelhante ao de Zenzinov, ingressando no movimento socialista quando era estudante em São Petersburgo, de 1899 a 1904. Participou de atividade revolucionária socialista e liberal, serviu na Duma do Estado, fez-se proeminente como advogado de defesa criminal e foi vítima das prisões costumeiras. Era maçom desde 1912 e membro da ala direita do movimento socialista, apoiando a guerra contra a Alemanha, compreendida por ele como um passo para a libertação política. Ao longo de sua carreira, Kerensky cultivou ardentemente os princípios liberais, em vez daqueles estritamente socialistas. Rollins diz da maçonaria russa que “[seu] objetivo ... não era a democracia popular buscada pela esquerda, mas, sim, uma república dirigida pela intelectualidade liberal. Rejeitando a ação das massas, visava destruir a monarquia, infiltrando-se no governo e transformando a burocracia do alto escalão em instrumento da revolução” (Rollins, p. 109). Servindo em vários governos provisórios como Ministro da Justiça, da Guerra e, finalmente, Primeiro-Ministro, Kerensky foi um dos principais apoiadores da política oficial de concessões aos proprietários de terras e fábricas e de coalizão com os partidários da democracia constitucional e outros grupos não socialistas. Naquela época, nenhum partido, exceto os bolcheviques, acreditava na capacidade dos sovietes para realizar a revolução social sem o envolvimento e a cooperação dos elementos burgueses. Daí porque Kerensky não quis ou não pôde tomar as medidas necessárias para satisfazer as massas em seus anseios de liberdade. Junto com o Governo Provisório, foi apeado do poder na Revolução de Outubro e, como se constatou, foram os marinheiros e soldados de Kronstadt que contribuíram fortemente para derrubar o governo (ver Rollins).

Como proeminentes socialistas revolucionários, Zenzinov, Lebedev e Kerensky se juntaram a Minor em apoio aos velhos ideais populistas de uma revolução social unificada pela base dos operários, camponeses e também pela intelectualidade. O programa oficial do SR aprovado na Primeira Conferência do Partido, em 1905-1906, reivindicava a “substituição da propriedade individual [da terra]... pela criação da propriedade comum do povo" (Sbornik..., pp. 45-46) e reiterava que “o fardo da luta contra o czarismo deve recair sobre os ombros do proletariado – o campesinato, o operariado e a intelectualidade revolucionária” (citado em Melancon, p. 244). Segundo fontes contemporâneas, este programa continuou a ser a visão oficial do partido em 1917 (Morokhovets, pp. 73-74).

Assim, partindo de suas raízes populistas, mantidas pelo menos até 1918, as principais figuras de Volia Rossii acreditavam em um socialismo pelo qual um estado socialista liderado por uma intelectualidade atendesse aos desejos dos trabalhadores. Eles também estavam dispostos a permitir que grupos não socialistas desempenhassem um papel na revolução (ver Perrie, 1980a para uma discussão mais completa do Partido Socialista Revolucionário).

Quando Pukhov acusa Petrichenko de simpatizar com as crenças socialistas-revolucionárias, está se referindo aquelas descritas no parágrafo anterior. Como mencionado acima, com relação a Petrichenko, tal acusação, se verdadeira, seria de fato condenatória para muitos trabalhadores soviéticos e especificamente para a população de Kronstadt, porque as proposições SR estavam em conflito direto com as convicções políticas dos marinheiros de Kronstadt e seus líderes.

Além das diferenças apontadas, havia também outras questões que separavam Kronstadt e seus líderes dos SRs de direita e seu Governo Provisório. Sack descreve Lebedev, ministro da Marinha, ao tomar “medidas rígidas para restabelecer a disciplina da frota russa”. Esta foi uma política extremamente impopular entre os marinheiros independentes de Kronstadt. Prossegue o autor: “Em julho de 1917, o SR de direita estava à frente das forças que reprimiram a revolta bolchevique” (Sack, p. 4). Aqui, novamente, os marinheiros de Kronstadt não foram meros coadjuvantes das Jornadas de Julho, mas protagonistas das manifestações (ver Getzler, pp. 111-124).

Levando-se em conta o desacordo entre Kronstadt e os SRs de direita, relativas às duas questões colocadas acima, isto é, a concepção de socialismo fraco e do papel de grupos não socialistas na Revolução, bem como outros conflitos fundamentais de interesse e princípios, a oposição, em julho e outubro de 1917, de Kronstadt a Kerensky, aos socialistas revolucionários de direita e aos governos provisórios que estes ajudaram a formar é bem explicada.

Em março de 1921, no entanto, a situação mudou drasticamente. Wrangell, o último comandante branco, foi expulso da Crimeia. Os governos ocidentais abdicaram das tímidas tentativas de intervenção e estavam começando a negociar acordos com o novo governo soviético. Ao não permitirem o menor exercício da crítica ao seu governo, os bolcheviques afastaram cada vez mais da vida pública seus aliados socialistas e anarquistas de esquerda da Revolução e da Guerra Civil. Entretanto, rebeliões camponesas despontavam aqui e ali contra a razverstka, a expropriação à mão armada de grãos e outros suprimentos para sustentar o Comunismo de Guerra. Com o término das ameaças internas e externas à República, os camponeses estavam cada vez menos dispostos a aceitar essas políticas coercitivas de requisições.

Operários e marinheiros também foram profundamente afetados com tais adversidades, não só porque o abastecimento de alimentos escasseava ante a ruína econômica provocada pela Guerra Civil e o Comunismo de Guerra, mas pelo fato de que em muitos casos ainda mantinham laços estreitos com as aldeias. Por fim, o Partido Comunista foi acusado de autoritarismo, de burocratizar-se e afastar-se do povo, de ser incapaz de lidar com a ruína econômica que avassalou a Rússia. As declarações de marinheiros, soldados e trabalhadores publicadas no “Izvestiia do Com. Prov. Rev.” tratam reiteradamente dessas questões. Foram repetidos também por Lamanov em sua declaração por ocasião de sua saída do Partido Comunista e nos artigos que escreveu para explicar a causa do movimento de Kronstadt. Algumas dessas questões também são levantadas por Petrichenko no primeiro artigo da primeira edição (ver também “Deixando o RCP”, “Pelo que Lutamos”, “Voz de um iludido”, “Abandonar o Partido”; Pravda, pp. 45, 59, 76, 82, 105, 132). Tais eram as questões que afastaram Kronstadt e seus líderes dos comunistas.

O Izvestiia também indicou que a liderança do levante mantinha algum grau de relação com os emigrados socialistas revolucionários de direita. Na terceira edição, são impressas "saudações à guarnição de Kronstadt", publicadas no Reval (Pravda, p. 57). Aparentemente, este é o texto omitido de uma publicação que Avrich atribui a um grupo que incluía Zenzinov e Kerensky. O texto completo é o seguinte:

“O presidente da Assembleia Constituinte, Victor Chernov, envia suas saudações fraternas aos heroicos camaradas marinheiros, homens do Exército Vermelho e trabalhadores, que pela terceira vez, desde 1905, estão se libertando do jugo da tirania. O presidente oferece ajuda com homens e provisões, através das cooperativas russas situadas no exterior. Informe-nos o que e quanto será necessário para que possamos devidamente auxiliá-los. Disponho-me, em pessoa, a colocar todas as minhas energias e autoridade a serviço da revolução popular. Tenho fé na vitória final das massas trabalhadoras. Salve aquele que primeiro levantou a bandeira da libertação do povo! Abaixo o despotismo da esquerda e da direita!”

Em resposta, Kronstadt replicou: “O Comitê Provisório Revolucionário de Kronstadt expressa a todos os nossos irmãos no exterior sua profunda gratidão pela simpatia que nos é devotada. O Comitê Revolucionário Provisório agradece a oferta de Chernov, mas a recusa momentaneamente, até que novos desdobramentos sejam esclarecidos, tudo será levado em consideração” (Avrich, pp. 124-25).

Assim, Kronstadt não apelou para qualquer ajuda do exterior senão quando o levante já estava perto da derrota, e nunca recebeu nenhum alimento ou socorro dos SRs e grupos mais conservadores, que tanto ansiavam por oferecer (ver Avrich, pp. 115-127). No entanto, os líderes da rebelião não estavam totalmente dispostos a rejeitar a proposta de Chernov. Havia várias razões para sua objeção cautelosa, mas de maneira nenhuma hostil. Em primeiro lugar, apesar dos discursos e publicações afirmando o contrário, a escassez de alimentos em Kronstadt era claramente perceptível nas publicações do Izvestiia (ver “Refutando a calúnia” e “Distribuição”, no Pravda, pp. 156, 169-170). Os líderes rebeldes não estavam dispostos a desperdiçar esta oportunidade de receber ajuda alimentar, se a assistência se tornasse necessariamente dramática.

Em segundo lugar, é provável que os líderes de Kronstadt não considerassem mais os Socialistas Revolucionários um obstáculo tão grande como haviam sido em 1917 e 1918, no que tange o objetivo de Kronstadt de fundar uma república livre. Isso porque fontes soviéticas reportavam seguramente que as forças brancas haviam sido esmagadas e os governos ocidentais negociavam uma paz iminente. Ademais, a conjuntura havia tornado a participação da Rússia em qualquer nova guerra contra a Alemanha uma questão fora de cogitação.

Portanto, como muitas pessoas em Kronstadt eram de fato ex-membros dos partidos SR e dos mencheviques e, como aponta Pukhov, o ativismo político era frequentemente realizado pelos SRs e mencheviques à época, em Petrogrado, o Comitê provavelmente tinha ciência das mudanças de posição dos socialistas revolucionários de direita, claramente constatadas nas páginas do Volia Rossii (Pukhov, pp. 28-29, 34). Por causa dessa traição de seus editores em favor das forças brancas em 1918, o abandono que lhes foi relegado pela Entente, beneficiando os bolcheviques, e também a natureza socialista do novo governo alemão, que suscitava uma atitude dura da Entente em relação à Alemanha (ver, por exemplo, No 127, p. 1, Pered londonskoi konferentsiei), os socialistas revolucionários de direita não perderam nenhuma oportunidade de atacar seus ex-aliados, entre os democratas constitucionais e comandantes brancos (um exemplo particularmente interessante é o nº 2, p. 1, Vse Malo). Por tudo isso, o Comitê Provisório Revolucionário provavelmente acreditava que os socialistas revolucionários de direita não tinham o desejo nem a capacidade de continuar sua linha política de 1917, e, por isso, seriam menos ameaçadores aos objetivos de Kronstadt do que os comunistas. Na verdade, Kronstadt e os SRs agora descobriram que tinham um interesse em comum – a oposição contra os comunistas.

Os editores do Volia Rossii, por sua vez, não acreditando mais no papel da intervenção estrangeira e numa reação dos grupos não socialistas, depositaram todas as suas esperanças na derrubada imediata do comunismo, baseando-se unicamente em suas convicções populistas mais fundamentais referentes ao despertar do caráter revolucionário das massas trabalhadoras. Nos comentários sobre o levante e em entrevistas com refugiados de Kronstadt, o Volia Rossii mostrou como os eventos de Kronstadt e a ação dos rebeldes demonstravam a confirmação de suas convicções, a saber: que o comunismo seria derrubado muito em breve por iniciativa dos trabalhadores e que os trabalhadores também se confrontariam com os inimigos não-comunistas da SR. Em uma história da revolta dividida em série, que está intimamente relacionada ao Pravda, o Volia Rossii cita extensivamente artigos como “Por que estamos lutando” – um das teses definitivas de Kronstadt contra os comunistas – e cita o lema: “Em Kronstadt não há Kolchak, nem Denikin, nem Yudenich. Em Kronstadt há tão somemente trabalhadores” (Volia Rossii, NoNo 160-162, p. 3, “Istoriia Kronshtadtskago vozstaniia”). Um resumo da posição do Volia Rossii, e do que eles acreditavam o que seria o objetivo de Kronstadt, pode ser encontrado no editorial principal de 30 de março de 1921, que afirma:

“... o partido [SR] em sua luta contra o bolchevismo, imbuído de um único espírito, rejeita o trabalho conjunto com partidos não socialistas. Será necessário dizer que os eventos do período recente, e em particular o levante de Kronstadt, corroboram a justeza do ponto de vista do partido?

As massas trabalhadoras russas começaram a reagir através da luta armada contra o bolchevismo, mas rejeitam o trabalho conjunto com... partidos que defendiam objetivos e psicologias estranhas a elas” (Volia Rossii, No 165, p. 1 , “Bolchevique i es-ery”).

O Volia Rossii também sustentava repetidas vezes que os comunistas deviam perder o poder em breve e que as concessões econômicas e políticas impostas a eles por Kronstadt e pelo movimento operário em geral não apenas não poderiam impedir a sua derrocada, mas iriam até acelerá-la. Yakovenko, vice-presidente do Comitê Provisório Revolucionário e camarada muito próximo de Petrichenko, resume melhor essa visão quando diz em uma entrevista: “Os comunistas chegaram ao fim. Digo em alto e bom som: antes que este ano termine, os comunistas serão derrubados do poder” (No 187, p. 1, “Beseda s kronshtadtsami”). Os socialistas-revolucionários estavam ansiosos para saudar como adversários dos comunistas os kronstadtinos, compostos por trabalhadores simples, cujas ações e declarações escritas ou orais eram concordantes com as posições do Volia Rossii.

Este acordo de última hora não era perfeito, no entanto. Enquanto Kronstadt e os socialistas revolucionários de direita compartilhavam um interesse comum contra os comunistas, no qual perpassavam certos conflitos políticos, outras questões ainda separavam os dois grupos. A Assembleia Constituinte é uma dessas questões particularmente evidente em a Verdade, pois revela tanto um conflito contínuo entre os dois grupos quanto os esforços do Volia Rossii para convencer seus leitores de que tais desavenças não representavam um abismo intransponível.

O Izvestiia assume uma posição forte anti-Assembleia Constituinte. Em “Etapas da Revolução”, Lamanov afirma que, antes da Revolução de Outubro, os “[c]apitalistas e proprietários de terras... estavam certamente no controle” (Pravda, p. 127). Quando os membros do Comitê Provisório Revolucionário foram questionados por “Zritel”, um repórter do Volia Rossii, por que não apoiaram a Assembleia Constituinte depois da Revolução, eles responderam que os comunistas conquistariam a maioria das cadeiras através das listas fixas de candidatos apresentados aos eleitores (Pravda, p. 31).

A pergunta de “Zritel” não era retórica, não pretendia mostrar que a Assembleia Constituinte não era avessa a pessoas comuns que o Volia Rossii tomava por representantes de Kronstadt. O jornal era, de fato, fortemente a favor de uma Assembleia Constituinte. A “proclamação dos socialistas trabalhadores da região de Nevsky”, publicada no Izvestiia (Pravda, p. 7), afirmava:

“Sabemos quem tem medo da Assembleia Constituinte. São aqueles que não mais poderão roubar e que serão levados a responder perante os representantes do povo por fraude, roubo e todos os tipos de crimes cometidos. Abaixo os odiados comunistas! Abaixo o poder soviético! Viva a Assembleia Nacional Constituinte."

Esta proclamação também foi impressa no Volia Rossii (No 163, p. 3, “Vozzvaniia sotsialistov v dni petrogradskikh i kronshtadtskikh sobytii”). Lá o texto é atribuído ao “Comitê dos Socialdemocratas de Petrogrado (mencheviques) e aos grupos socialistas de Petrogrado”. A referência a “grupos socialistas”, sem nomeá-los, sugere que os Socialistas Revolucionários podem ter desempenhado um papel direto na publicação original do panfleto. De qualquer forma, a relação entre Volia Rossii e os mencheviques era muito próxima. Os mencheviques nunca receberam os duros ataques que Volia Rossii dirigia aos Kadetes e comandantes brancos. Além disso, o Sotsialisticheskii Vestnik, um órgão do partido menchevique no exterior, chega até mesmo a anunciar no Volia Rossii (ver, por exemplo, n. 224, p. 6) a convocação da proclamação para uma Assembleia Constituinte, em concordância com o editorial do próprio jornal.

O Volia Rossii, portanto, achou necessário explicar por que os marinheiros de Kronstadt e seus líderes, que se opunham à Assembleia Constituinte, não eram iguais aqueles culpados por “fraude, roubo e todos os tipos de crimes”. Tal como acontece com outras situações, em que os operários e camponeses não agiam de acordo com as expectativas dos socialistas revolucionários de direita, o Volia Rossii contornavam isso em parte apontando para a influência corruptora do ativismo comunista na classe trabalhadora (ver, por exemplo, a explicação sobre o malogro dos trabalhadores de Petrogrado quando do auxílio prestado por Kronstadt, em Volia Rossii, n.º 164, página 1, “Petrograd i Kronshtadt”). Em resposta à rejeição da Assembleia Constituinte por Kronstadt, o Volia Rossii afirmava:

“Durante três anos, com o uso das ‘listas’, os bolcheviques conseguiram perverter a própria ideia de eleições livres... [Os trabalhadores] temiam que..., com a dominação comunista nos sovietes, ou na Assembleia Constituinte, eleitos por métodos comunistas, não seria uma assembleia constituinte, mas uma nova variedade do comissariado” (Pravda, pp. 31-32).

O Volia Rossii afirmava que Kronstadt, tendo suas crenças distorcidas pelos comunistas, estava se aproximando da democracia a curtos passos, por meio de novas eleições para os sovietes, e não pelo caminho direto da Assembleia Constituinte. Relevou ainda mais o erro de Kronstadt ao afirmar que os marinheiros, isolados das localidades onde os trabalhadores convocavam a Assembleia Constituinte, “à sua maneira, defendiam o direito do povo ao autogoverno e à autorregulação. Queriam avançar – e já avançavam – rumo ao autogoverno por caminhos diferentes” dos demais trabalhadores (Pravda, p. 35), mas “o objetivo deles... era um e o mesmo, a emancipação do povo. Por isso, independentemente de como eles interpretavam a demanda do ‘poder popular’, todo o movimento de Kronstadt possuía uma grande força de atração” (Pravda, p. 35). O Volia Rossii justificava sua diferença com Kronstadt em relação à Assembleia Constituinte alegando que, por causa da campanha comunista e do isolamento de Kronstadt, os marinheiros e seus líderes estavam relativamente enganados sobre os métodos adequados para a emancipação popular, mas que fundamentalmente desejavam o mesmo que os socialistas revolucionários.

Os autores e editores originais do Pravda o Kronshtadte, ou “A Verdade sobre Kronstadt”, variavam entre marinheiros comuns da Frota do Báltico a até ex-ministros de governo. Eles eram todos descendentes políticos do populismo russo do final do século XIX, mas se dividiram em ramos separados sob a influência de diferentes interesses, crenças e de eventos como o da Primeira Guerra Mundial. A população de Kronstadt era democrata radical e intimamente relacionada à União dos Socialistas-Revolucionários Maximalistas, que lhes forneceu uma de suas principais figuras, Anatolii Lamanov. Os editores do Volia Rossii eram socialistas revolucionários de direita, de orientação liberal e inclinados a fazer concessões e alianças com grupos aos quais Kronstadt rejeitava. Stepan Petrichenko, presidente do Comitê Revolucionário Provisório de Kronstadt, foi influenciado até certo ponto pelas ideias socialistas revolucionárias, mas foi principalmente um representante e um exemplo dos marinheiros de Kronstadt que foram liderados por ele.

Diferenças políticas relacionadas às visões dos autores sobre o socialismo e o papel apropriado das forças não socialistas, juntamente com outras questões, como apoio ou oposição à guerra, motivaram a tornar Kronstadt e o Governo Provisório Socialista-Revolucionário de Direita violentos inimigos em 1917. Em 1921, no entanto, no contexto de uma combinação de realidades internas e externas alteradas, visões e interesses transmutados, um inimigo comum, constituído pelos comunistas, forneceu-lhes uma base para a cooperação mútua. Kronstadt decidiu que seus antigos inimigos não eram mais tão perigosos quanto antes e que a necessidade potencial de suprimentos de comida exigia que as propostas fornecidas socialistas revolucionárias não fossem completamente rejeitadas. Por sua vez, o Volia Rossii descobriu que, apesar da necessidade de explicar as divergências contínuas sobre questões como a Assembleia Constituinte, os rebeldes ganhavam para eles um status de grande importância, pois proporcionavam uma fonte de ações ou declarações, tanto escritas como orais, que legitimavam as convicções do SR de direita.

Notas

Nota do editor

A Rebelião de Kronstadt

O Pravda o Kronshtadte é uma descrição da rebelião de marinheiros que ocorreu em março de 1921, no porto naval de Kronstadt, localizado na ilha de Kotlin, perto do Golfo da Finlândia.

A rebelião foi organizada e conduzida em grande parte pelos marinheiros da base naval. Inicialmente, eles apoiaram os bolcheviques na Revolução de Outubro, mas, diante das greves dos trabalhadores que despontavam no período, formaram o Comitê Provisório Revolucionário, sob a orientação anarquista, depois da recusa do governo bolchevique em suspender as políticas que provocavam uma escassez crítica de alimentos e energia, em consequência da repressão política e de uma regulamentação trabalhista irracional.

A tomada efetiva do governo da cidade de Kronstadt foi pacífica; não os fatos subsequentes.

Leon Trotsky e Mikhail Tukhachevsy enviaram tropas para esmagar a revolta. Ao longo do cerco de duas semanas, a maioria dos rebeldes foi capturada ou morta, enquanto alguns conseguiram fugir para a Finlândia.

Embora os bolcheviques tenham reprimido com sucesso a rebelião, eles finalmente perceberam que precisavam lidar com as crises econômicas que alimentavam o desencanto da população para com o governo. Eles adotaram a Nova Política Econômica no mesmo mês em que ocorreu a rebelião.

Pravda o Kronshtadte

Sem surpresa, a maioria dos documentos soviéticos existentes dão um relato negativo da Rebelião de Kronstadt – que é descrita como um exemplo de que os corajosos bolcheviques prevaleceram sobre um bando de criminosos.

O fato de Pravda o Kronshtadte ser uma peça rara de propaganda pró-rebelião é uma das razões pelas quais seu interesse enquanto documento histórico apresenta um valor ímpar. Foi publicado após a revolta pelo jornal Volia Rossii (“Vontade da Rússia”) e inclui no apêndice todos os quatorze números do diário pró-rebelião Izvestiia, do Comitê Provisório Revolucionário. De acordo com a página de rosto, todos os lucros da venda da publicação foram destinados aos “refugiados de Kronstadt e suas famílias”.

Este trabalho também é interessante por apresentar um relato das condições políticas e econômicas durante os anos de 1921. O conteúdo do Izvestiia fornece informações sobre a escassez de alimentos, a resposta do povo perante os estado calamitoso gerado pela crise econômica, a estrutura política dos órgãos governamentais e as atividades dos habitantes de Kronstadt na época da revolta.

Volia Rossii

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sábado, 1 de outubro de 2022

A Rebelião de Kronstadt, por Stepan Petritchenko

(Tradução e Diagramação: Ateneu Diego Giménez COB­AIT Piracicaba, 2011).

A VERDADE SOBRE KRONSTADT

por Stepan Petritchenko

Ao levar a cabo a Revolução de Outubro de 1917, os trabalhadores da Rússia e da Ucrânia esperavam obter sua emancipação completa. Depositaram todas as suas esperanças no partido bolchevique, porque parecia responder aos seus interesses.

O que é que este partido, dirigido por Lenin, Trotsky, Zinoviev e outros, lhes retribuiu nos três anos e meio que detém o poder?

O caminho bolchevique não conduziu à emancipação dos trabalhadores, mas a uma  escravidão  ainda  maior   do  proletariado.  Em  lugar  da  monarquia  policial,   os trabalhadores conhecem agora o temor permanente de cair nas mãos da Tcheka, que supera bastante a crueldade da polícia do regime czarista. Agora são conscientes dos fuzilamentos e das humilhantes vexações dos carcereiros tchekistas. Se o trabalhador se atreve a expressar a dolorosa e pesada verdade, é então associado aos contrarrevolucionários, aos agentes da Entente etc., recebendo como recompensa uma descarga de fuzil ou a prisão, ou seja, a morte por inanição.

Os bolcheviques aprisionaram os operários às oficinas, com a ajuda dos sindicatos corruptos, fazendo com que o trabalho deixasse de ser criativo e estimulante para converter­se, como antes, em uma nova e insuportável escravidão.

Os bolcheviques responderam aos protestos dos camponeses, que se manifestavam com revoltas espontâneas, e dos operários, obrigados a recorrerem à greve para melhorar suas condições de vida, com fuzilamentos em massa, incontáveis encarceramentos e internações em campos de concentração.

Como vivem os camponeses e o que obtiveram do novo regime?

Conseguiram a escravidão dos trabalhos forçados, sem distinção de idade, sexo ou situação familiar, a pilhagem completa das colheitas, do gado e das aves de curral, levadas a cabo por inumeráveis requisições e confiscos e pelo controle de todos os deslocamentos, mediante incalculáveis destacamentos de inspeção.

Foi generalizado o reinado da arbitrariedade. Se um camponês tem três de seus filhos no Exército Vermelho e um deles volta ao seu povoado por contra própria para conhecer a situação; então, sem ter em conta que os outros dois filhos permanecem no serviço, o sítio familiar fica liberado, por efeito da deserção de um de seus membros, à pilhagem total.

Não obstante, o exército e as forças armadas de nada sabiam sobre a verdadeira situação do país. As informações que chegavam eram muito confusas e imprecisas; era difícil   fazer   uma   ideia exata baseando­se nos rumores ou no correio familiar “censurado”.

Durante todo este tempo, os bolcheviques enganaram sua gente, esboçando quadros idílicos em seus periódicos.

Se eram lançadas queixas contra os abusos, as autoridades centrais respondiam dizendo que seriam tomadas as medidas oportunas, mas tudo ficava no papel. Pelo contrário, quando o comissário local se inteirava que tinha sido tramitada uma queixa contra ele, se ocupava de perseguir os querelantes por todos os meios ao seu alcance, tornando as suas vidas impossíveis.

Ninguém estava em condições de conhecer a situação e os meios de vida de sua família: não concediam nenhuma permissão por causa da tensão militar e a censura impedia que passassem as cartas que expunham a amarga verdade. Somente os periódicos e a literatura bolchevique tinham curso livre, e, segundo eles, tudo ia bem por todas as partes.

Por tudo isso, as tripulações se encontravam na incerteza: alguns confiavam na propaganda oficial, mas outros não. Teve lugar uma desmoralização parcial do exército e foram concedidas breves permissões, limitadas a dez por cento dos efetivos. Aqueles que tiveram a sorte de aceder a elas estavam perfeitamente a par da situação real do país ao regressarem, ao ter tido ocasião de tomar consciência da imbecilidade, da arbitrariedade e da violência repressiva da comissariocracia. Estes explicaram aos seus camaradas a repressão e as injustiças que reinavam no país. Deste modo, a amarga verdade começou a ser conhecida nas unidades de Petrogrado e Kronstadt.

Os ucranianos, por sua vez, se negavam a regressar ao terminar sua permissão. Alguns deles contaram que os pais maldiziam os seus filhos por terem defendido essa cambada de bandidos e canalhas que tinha levado a Rússia à ruína geral, a uma situação de violência espantosa e a uma opressão e uma arbitrariedade desconhecidas até então. Assim chegamos ao conhecimento da verdade e nos pusemos a discuti­la coletivamente,   apesar   da   proibição   a   reuniões ou concentrações, ditada pelos comissários e comunistas. As assembleias passaram a ter cada vez maior participação, chegando sempre à desaprovação unânime e indignada do regime bolchevique.

Petrogrado e Kronstadt sofreram nesse período, como anteriormente, uma grave crise de abastecimento. Todos se indignaram contra a “ordem bolchevique”, graças à qual os operários se encontravam esfomeados, com frio e aprisionados às suas fábricas, nas quais deviam esgotar as suas últimas forças.

A paciência chegou ao limite: nos dias 25 a 28 de fevereiro, greves irromperam em Petrogrado. O poder respondeu com prisões em massa e disparos de fuzil contra os operários.

As fábricas foram colocadas sob a vigilância dos tchekistas e dos  kursanti [1]; disseram   aos   operários que voltassem ao trabalho, mas eles se negaram. Nossa tripulação soube com indignação o que acontecia em Petrogrado no curso das reuniões espontâneas, as quais estavam, não obstante, formalmente proibidas pelos comissários; então exigimos a estes o envio de uma comissão, composta por gente sem partido, a Petrogrado, com o objetivo de se informar a respeito do que acontecia na realidade, porque os bolcheviques tratavam de nos fazer crer que agentes e espiões da Entente tinham tentado organizar greves em Petrogrado, mas que tudo havia voltado à normalidade e as fábricas funcionavam de novo sem problemas.

Em Petrogrado, os operários eram ameaçados com a intervenção de Kronstadt, a Vermelha, a qual os obrigaria a voltar ao talho se persistissem em sua atitude grevista. Por isso soubemos que, de modo geral, os bolcheviques tinham transformado Kronstadt em um espantalho em toda a Rússia para apoiar sua política; a indignação das tripulações ao ter notícia destes fatos foi enorme, porque este papel não podia de modo algum ser de Kronstadt.

No dia 27 de fevereiro, foram celebradas duas reuniões espontâneas, primeiro entre as tripulações dos encouraçados Petropavlovsk e Sevastopol e, mais tarde, entre os componentes da 1ª e da 2ª brigada de destruidores, durante as quais todo mundo exigiu aos comissários de modo imperativo a eleição de uma comissão de delegados sem partido para visitar as fábricas e os acantonamentos da guarnição de Petrogrado.

Não podendo fazer de outro modo, Kuzmin, o comissário do Poubalt, que acabava de chegar em Petrogrado em companhia de outros notáveis bolcheviques, se viu forçado a autorizá­la. Foi eleita uma delegação de 32 membros.

O comissário da frota do Báltico ordenou que estes delegados se apresentassem perante todos os Sovietes da região e perante os comitês de fábrica. Assim fizeram ao chegarem a Petrogrado, onde lhes foi declarado que a cidade estava em estado de sítio e que, por consequência, as reuniões e os encontros estavam formalmente proibidos. Os delegados insistiram em querer se reunir com os operários nas fábricas. Então os bolcheviques utilizaram um subterfúgio: organizaram por conta própria reuniões nas quais apresentaram falsos delegados de Kronstadt, apesar deles serem membros do partido, pretendendo dessa forma semear a confusão; não obstante, os delegados de Kronstadt puderam facilmente fazer esta manobra grosseira fracassar.

Nas assembleias de fábrica nas quais os bolcheviques apresentaram delegados falsos, declararam que Kronstadt não permitiria que os distúrbios em Petrogrado continuassem; mas os delegados autênticos conseguiram desmascará­los em boa parte dos casos. Por fim, as assembleias foram autorizadas, frente à insistência dos delegados, mas com a presença dos membros da Tcheka, dos Sovietes locais, dos comitês de fábrica e de funcionários dos sindicatos estatais para intimidar os operários. Estes temiam falar com os delegados, fazendo­lhes compreender que não lhes era possível fazê­lo em presença de todos esses  esbirros;  de fato, aquele que ousava protestar ou denunciar a situação se encontrava na noite seguinte na prisão de Gorokhovaya 2, onde cerca de mil camaradas seus já se encontravam há alguns dias.

Nestas condições, os delegados exigiram que os membros da Tcheka e outros sicários  abandonassem as reuniões. Estes últimos recusaram, declarando que as conversas só podiam ser realizadas em sua presença.

Em uma reunião, os delegados pediram aos operários que expressassem o que tinham a dizer, prometendo­lhes defendê­los para afugentar seus temores, mas somente alguns puderam responder por meio de suas lágrimas, o que demonstrava fidedignamente até que ponto se sentiam abatidos e impotentes.

Os delegados de Kronstadt propuseram aos operários e soldados que enviassem delegados a Kronstadt. Em 28 de fevereiro, os delegados voltaram a Kronstadt, acompanhados por outros de Petrogrado, expondo seu informe nos cascos; como consequência, o Petropavlovsk e o Sevastopol adotaram  uma   resolução  que   exigia, principalmente, a eleição de novos Sovietes locais mediante voto secreto.

A resolução foi aprovada por unanimidade, sem ter em conta as manobras de diversão e obstrução de Kuzmin e outros notáveis bolcheviques de Petrogrado que assistiam às assembleias. Kuzmin e seus colegas chegaram a tal extremo de cinismo em suas intervenções e manobras que os marinheiros, indignados, tiveram que lhes interromper em mais de uma ocasião. Nesta reunião, foi decidido convocar uma Assembleia Geral de toda a população de Kronstadt para o dia seguinte, 1º de março, na Praça da Âncora.

Kalinin, o Hierarca de Todas as Rússias [2], compareceu a esta assembleia geral da guarnição e da população de Kronstadt. Pronunciou um discurso, esforçando­se em fazer a reunião fracassar. Quando se deu conta de que isso não era possível, se recusou a falar na Praça e exigiu que a reunião fosse transferida para o posto de manobras da marinha, mas os participantes se negaram e insistiram em que a reunião continuasse na Praça da Âncora.

Diversos oradores intervieram nessa assembleia. A resolução proposta pelos encouraçados foi adotada por unanimidade, com os únicos votos contra de Kalinin, Kuzmin e Vassiliev, este último Presidente do Soviete de Kronstadt. Ao constatar semelhante unanimidade da assembleia, Kalinin e Kuzmin declararam que “se Kronstadt diz branco, nós dizemos preto” e que “Kronstadt não representa por si só toda a Rússia e portanto não será levada em consideração”.

Essas palavras agitaram ainda mais os participantes; então, alguém lhes perguntou por que os bolcheviques tinham afirmado até esse momento que Kronstadt era o centro da revolução e o seu mais fiel bastião e por que tinha sempre apoiado Kronstadt. Não houve resposta.

A reunião decidiu proceder à eleição de um novo Soviete no dia seguinte, através dos representantes de cada uma das companhias, dos grupos profissionais e de fábrica, à razão de dez delegados por unidade.

Os membros do partido comunista estiveram reunidos toda a noite de 1º a 2 de março,   decidindo morrer antes de entregar o poder; durante o resto da noite se dedicaram a armar quem acreditavam ser mais confiáveis: os clubes dos Sovietes e outras instituições. Kalinin saiu de Kronstadt nessa mesma noite sem que ninguém o impedisse.

Em 2 de março, às onze da manhã, os delegados designados foram ao encouraçado  Petropavlovsk. Todos eram independentes. Havia cerca de 250 pessoas, sendo insuficiente o espaço do casco, por isso foi proposto aos delegados transferir a reunião para a casa de cultura e às duas da tarde foi aberta a sessão.

Foi designada a presidência e quando se chegou à discussão da situação atual, Kuzmin e Vassiliev pediram a palavra para intervir a respeito. A assembleia assim concordou e ambos se puseram a repetir as mesmas ameaças que haviam lançado na Praça da Âncora, tendo o maior cuidado de evitar responder as perguntas diretas que lhes eram dirigidas. A assembleia pediu então sua prisão imediata e seu desarme, o que foi executado pela presidência.

Pouco depois, começaram a chegar mensagens e telegramas de caráter provocador. A intenção manifesta dos bolcheviques era sabotar a reunião. Assim, por exemplo, chegaram informações nas quais se afirmava que a escola do partido e os comissários estavam se armando fortemente e se aprontavam para cercar o edifício onde ocorria a assembleia de delegados; ou ainda, que dois mil cavaleiros de Boudienny se acercavam às portas da cidadela. A assembleia se indignou ao ter conhecimento destes rumores e alguns começaram a ficar nervosos, mas o presidente da sessão conseguiu restabelecer a calma e os debates continuaram.

Todo mundo sabia que os bolcheviques tinham se armado durante a noite e que um  ataque era possível. Os debates se estendiam, mas finalmente se propôs não perder tempo, visto que os bolcheviques atuavam, e nomear rapidamente um Comitê Revolucionário. Cinco membros foram eleitos para este Comitê: Petritchenko, presidente, Yakovenko, Tukin, Arkhipov e o professor Oreshin.

Ao final da reunião, às cinco da tarde, o Comitê Revolucionário (CR) se instalou no encouraçado Petropavlovsk, onde foi formado um estado­maior militar. 

Os destacamentos militares vieram para se colocarem à disposição do Comitê Revolucionário. Em uma hora foram reunidos oitocentos homens, recebendo a ordem de ocupar todos os pontos estratégicos da fortaleza: a central telefônica, os locais da Tcheka, o arsenal, os depósitos de abastecimento, as padarias, as estações elétricas, as cisternas de água, os estados­maiores, a defesa antiaérea, a artilharia etc.

Às nove da noite, a cidade estava totalmente controlada, sem disparar um tiro nem derramar uma gota de sangue. Nenhum dos edifícios armados pelos bolcheviques opôs resistência, porque os militantes de base do partido se negaram a disparar contra seus camaradas. A partir desse momento, não sobraram mais que cinquenta dirigentes e duzentos estudantes da escola do partido, tentando por todos os meios ao seu alcance recuperar o poder que lhes escapava.

O Comitê Revolucionário (o Revkom) decidiu que fossem ocupados os fortes, depois de terem ocupado a cidade, sendo igualmente tomados sem fazer um único disparo, já que o grupo de bolcheviques não tinha tido maior êxito que o que tiveram com os marinheiros. Quando a guarnição dos fortes quis proceder à prisão dos bolcheviques, estes se refugiaram na costa do golfo e conseguiram se apoderar do forte Krasnaya Gorka (a colina vermelha), por ser um grupo suficientemente numeroso para surpreender a guarnição de um único forte, ainda vacilante nesses momentos. Uma vez com o posto em seu poder, procederam à prisão e à execução daqueles que achavam suspeitos.

Assim foi como a cidade e os fortes de Kronstadt passaram para as mãos do Comitê Revolucionário.

Nesse mesmo dia, até a meia noite, o Comitê Revolucionário pediu que um destacamento de cinquenta marinheiros e seis delegados fosse até Oranienbaum, na outra ribeira do golfo. O destacamento percorreu cinco verstas [3], até que foi recebido com um nutrido fogo de metralhadoras, ao chegar a uma versta e meia da costa. Os seis delegados seguiram sozinhos, mas os kursanti nem sequer se deram ao trabalho de discutir com eles, pegando três, enquanto os outros escaparam e alcançaram o destacamento.

Os marinheiros tentaram pôr os pés na ribeira de Oranienbaum em outro lugar, mas tampouco tiveram êxito e ao amanhecer se viram obrigados a voltar a Kronstadt.

Nesse exato momento chegaram três delegados da divisão aérea de Oranienbaum, que comunicaram a intenção da divisão de unir­se a Kronstadt. Quando voltaram, foram  imediatamente aprisionados e fuzilados. Em seguida, quarenta e quatro camaradas seus foram igualmente executados.

Em Kronstadt tudo estava tranquilo. Só foram presos os bolcheviques que tinham abusado da confiança do Comitê Revolucionário.

No entardecer de 2 de março, o Comitê Revolucionário convocou os responsáveis do estado­maior da fortaleza, assim como os especialistas militares, explicando­lhes a situação e propondo­lhes que participassem da preparação e do reforço da defesa de Kronstadt, o que aceitaram. É necessário afirmar, a esse respeito, que Kozlovsky não veio à reunião do Comitê Revolucionário nesta ocasião, mas à que uma parte deste celebrou no dia seguinte às três da tarde e que tão só foi responsável pela artilharia e não por toda a defesa da fortaleza, como os bolcheviques fizeram crer.

Em 3 de março, circularam por toda a cidade rumores que afirmavam que os bolcheviques aprisionados tinham sido torturados e fuzilados, sofrendo todo tipo de violência. Membros do grupo dirigente do Partido Comunista se apresentaram ao Comitê Revolucionário para que lhes fosse permitido visitar o edifício onde haviam sido encerrados os comunistas aprisionados. Dois membros do Revkom se uniram a eles para dirigirem­se em direção ao local. Tendo sido convencidos das boas condições em que os comunistas aprisionados se encontravam e informados de sua situação, os membros do coletivo comunista redigiram um chamado à população da ilha em que eram desmentidos os rumores provocadores e afirmavam que os comunistas aprisionados se encontravam em boas condições, todos sãos e salvos, e que nenhuma violência tinha sido exercida contra eles. Este chamado foi assinado por membros muito conhecidos do Partido: os operários Ylyin, Kabanov e Pervushin.

O Comitê Revolucionário emitiu um primeiro chamado dirigido à guarnição da cidade.   Nele, pedia­se que os operários não abandonassem o trabalho e se apresentassem nas oficinas; aos marinheiros e soldados vermelhos, pedia­se que permanecessem em seus postos nos cascos e nos fortes; e a todos os estabelecimentos públicos pedia­se que continuassem com sua atividade habitual.

Em seguida, o Comitê Revolucionário fez um chamado a todas as organizações de trabalhadores da Rússia, insistindo que procedessem à convocação de novas eleições, mais representativas, nas fábricas, nos sindicatos e nos sovietes. O Comitê Revolucionário fez também um chamado à ordem, à tranquilidade, à firmeza e um novo e honesto trabalho socialista, em prol de todos os trabalhadores.

Sob a presidência do Revkom, foi celebrada uma primeira reunião para tratar os problemas militares, no curso da qual foi elaborado um plano de autodefesa. Ao anoitecer, todos os destacamentos foram armados e ocuparam os seus postos na cidade e nos fortes. Se soube que às quatro da tarde um grupo inimigo havia se aproximado de Totleben; alguns marinheiros   saíram   do   forte   e   regressaram   sem   que   houvesse enfrentamento armado. Além disso, nos chegou a informação de que o trem blindado Tchernomoretz acabara de chegar com uma companhia de kursanti.

Durante toda a jornada, foram chegando reforços bolcheviques a Oranienbaum, Sestroretsk   e   Lissy   Noss,   constituídos   principalmente   de  kursanti  de   Orloff, Nijnegorod e Moscou. E também destacamentos de elite bolcheviques, da Tcheka e dos funcionários dos Sovietes locais, assim como dois trens blindados. Durante a noite, grupos de exploradores se aproximaram do forte nº 1, para retroceder em seguida, depois de encontrarem­se com nossos destacamentos.

Assim teve começo a insurreição de Kronstadt.

Como esta foi apresentada pelos bolcheviques? A partir de 3 de março, na rádio de   Moscou   havia sido anunciado que um complô de Guardas Brancos e um amotinamento do casco Petropavlovsk, sob a direção do ex­general Kozlovsky, acabava de se instalar em Kronstadt; este complô havia sido tramado por agentes e espiões da Entente.   A   rádio   difundia   a   confiança em que esta rebelião dos Socialistas Revolucionários e de um general fosse muito em breve liquidada.

A seguir, podia ser lido na “Gazeta Vermelha” e em Pravda que os principais atores da insurreição haviam distribuído a hierarquia entre si, que eram burgueses e filhos de papas, possuidores de numerosas propriedades. Os periódicos insistiam em seu passado criminoso e assim sucessivamente. Deste modo os bolcheviques apresentaram a revolta de Kronstadt.

4 de março

Neste dia, o Comitê Revolucionário se deslocou do encouraçado Petropavlovsk à Casa do Povo, onde permaneceu até o último momento. Foi recebido um telegrama do Soviete de Petrogrado, propondo o envio de uma delegação a Kronstadt.

O Comitê Revolucionário enviou uma mensagem por rádio dizendo que a delegação seria muito bem recebida, mas que seria desejável que a mesma fosse eleita por representantes do povo, ou seja, por trabalhadores, marinheiros e soldados vermelhos e que fosse incluído nesta delegação um total de 15 % de comunistas. O Soviete de Petrogrado não respondeu à proposta.

O Revkom tinha muito cuidado em tentar evitar todo derramamento de sangue inútil.

Em Kronstadt tudo estava tranquilo. Todos os serviços funcionavam e o trabalho não era detido em absoluto.

Durante os três primeiros dias não foi disparado nem um único tiro. As ruas estavam animadas e as crianças brincavam agradavelmente.

Às quatro da tarde, os delegados de todos os estabelecimentos, empresas, sindicatos e unidades militares se reuniram no clube da guarnição.

Ao abrir a sessão, o presidente informou a assembleia sobre a situação militar e o abastecimento. Também foi tratado o problema do combustível. Foi proposto aos operários que se armassem e ocupassem os postos de guarda da cidade, a fim de liberar a guarnição, que podia então ocupar posições nos postos mais avançados.

Os operários aprovaram a proposta por unanimidade.

A reunião se desenvolveu em meio a um grande entusiasmo e todos se separaram com a consigna de “vencer ou morrer”.

No curso da mesma, o Revkom foi completado, por proposta do Presidente, com a inclusão de dez novos membros.

Durante a noite, um grupo inimigo de exploradores tentou se aproximar dos fortes.

5 de março

Pela manhã, um avião sobrevoou Kronstadt lançando panfletos: “eles conseguiram”, onde os bolcheviques tentavam demonstrar que tínhamos sido enganados por generais czaristas, acrescentando que Kronstadt tinha sido completamente cercada e que portanto seríamos reduzidos por fome, já que na cidade não havia reservas suficientes de comida, e convocavam a rendição e o desarme e prisão dos dirigentes criminosos. Aqueles que se rendessem seriam perdoados por seu erro. O Revkom ordenou que não metralhassem o avião. Os panfletos foram amplamente difundidos entre a guarnição e a população. Uma emissão de rádio do mesmo estilo foi captada pelo Petropavlovsk, sendo igualmente difundida. Indignada pela ignomínia dos bolcheviques, a guarnição quis responder por meio de um fogo de artilharia sobre Oranienbaum. O Revkom teve necessidade de pedir constantemente que se acalmasse e recuperasse o domínio dos nervos, até que foram tomadas algumas disposições.

O Revkom enviou uma mensagem por rádio: “A todos! A todos! A todos!”, na qual assinalava que estava certo da justiça de sua causa, que Kronstadt celebrava o poder dos Sovietes livremente eleitos em detrimento dos partidos e que somente tais Sovietes seriam capazes de expressar a vontade dos trabalhadores e não dos bolcheviques.

Fazia um chamado para que entrassem imediatamente em contato com Kronstadt e que enviassem delegados, os quais lançariam luz sobre o movimento de Kronstadt etc.

Assim transcorreu a jornada do dia cinco.

6 de março

Pela manhã, nos chegou a notícia: em Petrogrado, eram feitas prisões em massa das famílias dos habitantes de Kronstadt. O CR enviou através do rádio um protesto contra o encarceramento dos familiares e exigiu sua liberação, acrescentando que, entre nós, os comunistas dispunham de completa liberdade, que seus parentes tinham sido deixados completamente à margem de tudo e que este procedimento era, sob qualquer ponto de vista, covarde e vergonhoso.

Ao meio dia, o Petropavlovsk recebeu a mensagem de rádio que transmitia o ultimato de Trotsky, ordenando a rendição imediata de Kronstadt e dos cascos amotinados à República Soviética, que entregassem as armas e obrigassem os obstinados a fazê­lo, pondo­os nas mãos das autoridades soviéticas: Trotsky acrescentava ainda que tinha ordenado a preparação do esmagamento militar dos amotinados. O prazo para a recepção da delegação de Petrogrado em Kronstadt tinha sido fixado às seis da tarde deste dia.

Às três, um avião sobrevoou de novo Kronstadt e lançou a ordem de Trotsky já impressa. Uma emissão da rádio de Moscou foi também captada: ela dizia que agentes franceses tinham se infiltrado em Kronstadt e que corrompiam com ouro os seus habitantes, junto com outras mensagens do mesmo gênero.

Tudo isto foi amplamente difundido entre a população e a guarnição de Kronstadt, provocando uma indignação crescente contra a infâmia dos bolcheviques.

Nos foi informado que as forças inimigas chegavam cada vez em maior número ao redor   de   Kronstadt.  Trotsky e Dibenko, assim como outros conhecidos dirigentes chegaram a Oranienbaum. Foi interceptada a ordem de começar uma ofensiva contra Kronstadt.

O Revkom se reuniu com o estado­maior da defesa e comunicou a todos os insurgentes a ordem de se manterem em alerta para repelir o inimigo. Na cidade, todos estavam certos de que o primeiro disparo não tardaria em ser produzido.

Pela noite, foram descobertos grupos inimigos de reconhecimento.

7 de março

Um belo e ensolarado dia. Em Kronstadt, reinava uma grande animação devido ao bom tempo. As crianças estiveram brincando na rua o dia inteiro. Ninguém teria podido imaginar que Kronstadt estava assediada e que em qualquer momento podia cair um obus que não perdoaria a ninguém. Os serviços públicos e as oficinas continuaram sua atividade com toda normalidade. Um dos fortes nos informou que uma reduzida unidade de kursanti tinha se aproximado de nossos postos avançados, trocando propaganda e retirando­se.

Ao longo da jornada, até o entardecer, duzentos delegados foram enviados de Kronstadt em todas as direções, com documentos e periódicos. Deles, só retornaram dez.

Às 18h45min, o inimigo abriu um fogo nutrido sobre a cidade e os fortes a partir de Sestroresk e Lissy Noss. Os fortes responderam ao convite, silenciando o inimigo.

Ao ver isto, o forte de Krasnaya Gorka abriu fogo, recebendo uma adequada resposta do  Sevastopol, e logo houve troca de artilharia de todas as partes, de forma intermitente, prolongando­se até o cair da noite.

Os obuses caíram sobre o porto da cidade e nas proximidades dos fortes sem causar nenhum dano; dois soldados vermelhos foram feridos nos fortes e transportados ao hospital. A população e a guarnição aceitaram o tiroteio com tranquilidade e reagiram assim: “por fim, a sorte foi lançada, começou o grande combate”, “toda a responsabilidade recairá, perante o mundo inteiro, sobre aqueles que começaram primeiro”, “nós não queríamos derramar sangue, mas se Trotsky nos obriga a fazê­lo, então defenderemos nossa justa causa”.

O som dos canhões continuou a ser escutado durante toda a tarde, mas a população manifestou mais curiosidade que espanto. Apesar da proibição do Revkom, as pessoas foram à costa e ao posto para ver o fogo inimigo. Muitos proferiram maldições contra os bolcheviques, verdugos da Revolução.

Os comunistas que se encontravam em Kronstadt dispunham de completa liberdade e igualmente se indignaram contra um ato de tal natureza, unindo­se à luta contra seu próprio partido.

É preciso assinalar que muitos deles demonstraram grande heroísmo e abnegação no combate.

Deste modo, foi disparado o primeiro tiro de canhão... Afundado até a cintura no sangue dos trabalhadores, o sanguinário marechal Trotsky foi o primeiro a abrir fogo contra Kronstadt, sublevada contra o domínio bolchevique, para restaurar o autêntico poder dos Sovietes.

Sem um único disparo, sem um único derramamento de sangue, nós, soldados vermelhos, marinheiros e operários de Kronstadt, tínhamos abatido o domínio dos comunistas, respeitando inclusive suas vidas. Sob a ameaça das armas, queriam de novo nos aprisionar ao seu poder. Tentando evitar qualquer derramamento de sangue, tínhamos   pedido   que   fossem enviados a Kronstadt delegados do Proletariado de Petrogrado que não pertencessem a nenhum partido, com o fim de que constatassem que Kronstadt lutava pelo poder dos Sovietes livremente eleitos. Mas os bolcheviques ocultaram tudo isso dos operários de Petrogrado e tinham aberto fogo; a resposta habitual de um governo, supostamente operário e camponês, às exigências das massas trabalhadoras.

Nossa posição era a seguinte: que todo o mundo trabalhador saiba que nós, defensores do poder dos Sovietes dos trabalhadores, nos unimos para salvaguardar as conquistas da revolução. Venceremos ou pereceremos sob as ruínas de Kronstadt, combatendo pela justa causa do povo trabalhador. Os trabalhadores do mundo inteiro nos   julgarão, mas o sangue dos inocentes recairá sobre a cabeça dos bolcheviques­verdugos embriagados de poder. Viva o Poder dos Sovietes!

Com fogo de artilharia terminou, portanto, a jornada de 7 de março. O tiroteio da cidade e dos fortes mostrava claramente que seria produzido um ataque na manhã do dia seguinte; nos preparamos para isso.

8 de março

Às 4h30min da  manhã,  o inimigo desencadeou uma  ofensiva  contra o  forte Totleben, e a parte leste de Kotlin, em direção às portas de Kronstadt. Uma grande parte dos assaltantes foi aniquilada, o resto fugiu. Foram feitos prisioneiros cerca de 200 homens.

Alguns kursanti se esconderam nos diques – e em breve foram desalojados. Os prisioneiros foram levados em grupo ao picadeiro.

Ao mesmo tempo foi lançado um assalto contra os fortes do sul; o inimigo foi repelido e foi feito um grande número de prisioneiros. Do mesmo modo se levou a cabo várias tentativas de ofensiva em outros pontos, mas sem êxito. As ofensivas custaram ao inimigo grandes perdas em mortes, feridos e afogados – houve oitocentos prisioneiros.

Depois de tal desastre, o inimigo enviou uma grande cadeia de Oranienbaum [4].

Quando estiveram sob o fogo da artilharia de Kronstadt, levantaram uma bandeira branca, e começaram a se mover em direção a Kronstadt.

Dois membros do Comitê Revolucionário saíram ao seu encontro, Vershinin e Kupolov;  tão  logo quanto estiveram à vista da cadeia, soltaram suas armas e se dirigiram temerariamente   ao seu encontro. Mas sem ter tempo de dizer alguma palavra, os cercaram e prenderam Vershinin; Kupolov conseguiu escapar.

Utilizando este meio covarde e vil foi como os bolcheviques capturaram um dos melhores membros do Comitê Revolucionário: combatente exemplar, orador veemente e entregue inteiramente à causa da revolução e da humanidade.

Pudemos constatar que se as cadeias inimigas, subindo ao assalto, não suportavam nosso fogo, e tentavam retroceder, disparos de artilharia e de metralhadora vindos da orla vedavam sua retirada para obrigar­lhes a atacar de novo.

Tampouco podiam voltar já que por trás deles marchava uma cadeia de comunistas selecionados que disparavam por suas costas.

Os prisioneiros nos explicaram que se nos regimentos surgiam dúvidas ou hesitações e rejeitavam a subida ao assalto, então fuzilavam um de cada cinco. Foi o que aconteceu nos regimentos de Orchanski, Nevelski e Minsk. Os assaltantes eram sobretudo kursanti, tropas de elite de comunistas seguros, tchekistas, permanentes da burocracia dos Sovietes, destacamentos de pedágio e outras tropas selecionadas cuja fidelidade estava a toda prova.

O 561º regimento de Kronstadt figurava no número dos atacantes; quinhentos homens foram feitos prisioneiros.

Até o meio dia, cessaram todas as tentativas de assalto do inimigo. Durante todo o dia, aviões sobrevoaram, mas suas bombas não causaram nenhum dano na cidade, caindo em sua maior parte fora de Kronstadt, já que as baterias antiaéreas não permitiam que voassem por cima da cidade.

Uma única bomba caiu sobre a cidade às 6 da tarde, e como resultado destroçou a cornija de uma casa, danificou uma fachada, rompeu os cristais de várias casas, e por sorte não feriu mais que muito levemente uma criança de treze anos.

Durante todo o dia houve fogo de artilharia. Nossa artilharia provocou um incêndio e a destruição da via férrea sobre a ribeira de Oranienbaum. Kronstadt e os fortes não sofreram danos sérios.

Alguns fugitivos nos indicaram que naquele dia o inimigo tinha concentrado 15.000 homens sobre a ribeira sul e 8.000 ao norte, com 20 baterias e 4 trens blindados, um dos quais foi posto fora de combate por nossa artilharia.

O inimigo recebia reforços incessantemente.

Em todos os serviços públicos, sindicatos e unidades militares de Kronstadt, foram designada troikas revolucionárias, entre as quais não havia nenhum comunista.

Estas troikas eram encarregadas de aplicar sobre o lugar as disposições tomadas pelo Revkom.

O trabalho não cessou nos serviços públicos, só fecharam as escolas e os cursos para adultos. Os alunos das classes terminais eram voluntários, assim como os adultos, nas milícias da cidade.

No Comitê Revolucionário, se trabalhava dia e noite.

Visto a falta de botas de couro entre os defensores de Kronstadt, o Revkom ordenou recolher as dos bolcheviques detidos, dando­lhes em troca laptis [5]; isto proporcionou 280 pares de botas que foram distribuídos entre a guarnição.

Pela mesma razão, o Revkom se dirigiu à população a fim de que aqueles que possuíssem vários pares lhes dessem aos defensores; isto proporcionou cerca de outros 400 pares de botas.

Estas botas eram trocadas por sapatos de feltro dos marinheiros, dos quais não podiam servir­se na cidade.

Procedeu­se também à divisão do abastecimento para o período de 8 a 14 de março, segundo as normas seguintes: a guarnição terrestre e marítima recebeu, em lugar da ração de pão anterior, pão e café, meia libra de maçãs desidratadas, meio pote de conserva de carne e um quarto de libra de carne por dia. A população civil de categoria A recebeu meia libra de pão, meio pote de conserva, meia libra de carne; a de categoria B: uma libra de centeio, meio pote de conserva de carne, um quarto de libra de carne, e, durante algum tempo, meia libra de açúcar e meia de manteiga salgada.

Às crianças de série A: a cada dia farinha, cevada, ou meia libra de biscoitos, meio pote de conserva de carne, e, durante algum tempo, como complemento, um pote de leite em conserva, meia libra de açúcar e um quarto de libra de manteiga. Para as de série B e C, diariamente, a mesma ração, salvo meia libra de carne no lugar do pote de leite. Eis aqui então em que condições Kronstadt tinha que viver; e tudo isto sem um murmúrio nem da população nem da guarnição. Cada um declarava firmemente: “Sabemos em nome de quê suportamos estas privações”. Assim terminou o dia 8 de março.

9 e 10 de março

O inimigo abriu fogo de artilharia, ora intermitente, ora contínuo e intenso, sobre a cidade e os fortes.

As tentativas de assalto, levadas a cabo no sul e no norte, foram repelidas com grandes perdas do inimigo. Nossa artilharia respondia sem cessar. Tivemos, nesses dois dias, 14 mortos e 46 feridos.

O Revkom enviou uma mensagem por rádio a todos os proletários de todos os países, na qual eram destruídas as mentirosas calúnias dos bolcheviques, se declarava a todo o mundo que nenhum General Branco nos dirigia, e que estávamos organizados por nós mesmos; que não tínhamos nos vendido à Finlândia, e que não mantínhamos nenhum contato com ninguém para uma eventual ajuda militar, que Kronstadt tinha derrubado o jugo dos bolcheviques e tinha decidido lutar até o fim.

Com certeza, se a luta se prolongasse por muito tempo, nos veríamos obrigados a pedir ajuda exterior para o abastecimento, ao menos para nossos feridos.

Na cidade reinava a calma. Quanto mais a luta se prolongava, mais estreitamente se uniam a população e a guarnição.

Cada um pretendia ajudar a causa comum com todos os seus meios.

Constantemente, os aviões sobrevoavam, mas sem causar danos sérios.

11, 12 e 13 de março

O inimigo submeteu a cidade e os fortes, durante estes três dias, a um fogo de artilharia às vezes intenso, às vezes intermitente. Algumas tentativas inimigas de continuar o assalto tiveram lugar no norte e no sul da ilha. Os aviões sobrevoaram Kronstadt sem parar e lançaram bombas. A todos estes ataques terrestres e aéreos e ao fogo da artilharia inimiga, a guarnição de Kronstadt respondeu com a artilharia da fortaleza e a dos cascos, com as baterias aéreas, as metralhadoras e os fuzis.

Com exceção da destruição de várias casas, não houve danos materiais consideráveis. As bombas mataram e feriram várias pessoas. O Revkom enviou uma mensagem por rádio, em 12 de março, a todo o mundo, convocando a protestar contra os assassinos da população pacífica da cidade, contra a destruição de casas e pedindo que fosse manifestado apoio moral aos insurretos.

14 de março

Cedo, na manhã de 14 de março, o inimigo tentou, por duas vezes, realizar o assalto, mas foi repelido por nosso fogo.

Às 13 horas, começou um dilúvio de artilharia, ao qual nossos canhões responderam.   Isto durou até às 7 da tarde, depois houve calma. Os aviões não apareceram. Na cidade, tudo estava tranquilo. A população havia se habituado de tal modo aos tiros de canhão que todo mundo se movia livremente pela cidade como se fosse um dia de festa. As crianças brincavam de guerra de bola de neve na rua do Soviete e na avenida Lenin. As pessoas limpavam a neve e o gelo das calçadas.

O Revkom se dirigiu por rádio aos periodistas de todos os países lhes propondo que viessem a Kronstadt para se convencerem de por que lutavam.

Procedeu­se a uma segunda divisão do abastecimento, já que o primeiro tinha terminado em 14 de março.

Esta divisão foi feita assim: um pão grande aos militares marinheiros e operários, de 15 a 21 de março inclusos, meia libra de pão ou um quarto de biscoito, uma quarta parte de um pote de conserva e três oitavos de libra de carne por dia. Às crianças de série A: uma libra de leite em conserva, duas libras de farinha, uma de carne de frango, e três ovos. Tudo isto até 1º de abril. Às crianças de série B: meia libra de cevada por dia, um quarto de frango, um quarto de libra de carne por dia, e um quarto de libra de queijo; tudo isto até 1º de abril. Às crianças da série C: meia libra de cevada, meia de carne por dia e uma vez uma libra e meia de ovas de peixe.

Além disso, um quarto de libra de manteiga, como suplemento, para todas as crianças, assim como meia libra de açúcar. Assim foram repartidas as últimas reservas de abastecimento.

15 de março

Exploradores inimigos tentaram se aproximar, em certos lugares, de nossos postos de guarda, mas foram dispensados por nosso fogo e fizemos prisioneiros. Das 14 às 17 horas houve um débil fogo de artilharia. Depois das 18h30min, os aviões sobrevoaram três vezes despejando bombas; foram repelidos por nossas baterias antiaéreas. A cidade estava em calma, o estado de ânimo era excelente. Às 20h teve lugar o transporte dos mortos do hospital à catedral marítima, assim como os preparativos dos funerais do dia seguinte, na Praça da Âncora. Na rua Pesotchnaia, durante o transporte dos mortos, um avião inimigo laçou uma bomba, que por sorte não explodiu.

16 de março

O inimigo tentou levar o assalto a pontos distintos mas foi repelido por nosso fogo de artilharia. Os aviões começaram seus ataques de manhã, sem causar grandes danos à cidade.   Às 9 da manhã, a partir de Lissy Noss, de Sestroretsk, de Oranienbaum, e de Krasnaya Gorka, começaram os tiros de canhão da cidade e dos fortes. Nossa artilharia respondeu e em certos lugares fez a artilharia inimiga se calar.

Ao meio dia, a hora marcada para os funerais das vítimas da Terceira Revolução, sem prestar atenção nos bombardeios da cidade, a população e as unidades militares  que não estavam em serviço chegaram  à Praça da Âncora pelo lado da catedral marítima. Depois da cerimônia, os vinte e um féretros, envoltos em tecidos vermelhos,  foram transportados à fossa comum fraternal preparada na Praça. Os marinheiros faziam filas de honra até a tumba. Toda a população de Kronstadt e o CR assistiram aos funerais. Os féretros foram introduzidos na tumba fraternal e cobertos de terra. As unidades armadas os saudaram. Em seguida, foram pronunciados discursos na tribuna, nos quais os oradores punham em destaque os acontecimentos em curso e sublinhavam a ferocidade sanguinária dos dirigentes bolcheviques.

No intervalo dos discursos, uma orquestra tocou melodias revolucionárias.

Durante todo o tempo que os funerais e os discursos duraram, o inimigo submeteu a cidade a um bombardeio intenso; os obuses caíam muito proximamente. Um marinheiro foi ferido por um estouro. De todas as formas, a multidão conservou um sangre frio notável até o final e não se separou mais que uma vez depois de acabarem os discursos dos oradores.

Até a tarde, o bombardeio da cidade foi intensificado.

Do Krasnaya Gorka, um obus de 12 polegadas caiu sobre a ponte do encouraçado Sevastopol; 14 marinheiros morreram e 36 foram feridos.

Ao cair da noite, o bombardeio de todas as partes da cidade e dos fortes foi ainda mais intenso. Nossa artilharia respondeu e esta troca durou até as 3 da manhã, depois cessou.

Na cidade, houve casas destruídas e incêndios que foram rapidamente controlados; um obus caiu  sobre o edifício do Revkom, ferindo dois marinheiros e deixando um soldado vermelho com concussão. Também houve feridos nas casas destruídas. A população ajudou ativamente a retirar os escombros, a evacuar os feridos para o hospital e a retirar os corpos, assim como a apagar os incêndios; tudo isto sob o fogo mortífero dos canhões inimigos. Esta ajuda aliviou em uma grande maneira a guarnição da fortaleza e da cidade, que não podia se ocupar de tudo de uma vez.

17 de março

Às 4h30min da manhã, o inimigo lançou uma ofensiva geral enviando numerosas levas de assaltantes em mortalhas brancas sobre um grande espaço para apoderarem­se de Kronstadt pelos lados sul, oeste e leste. As levas de atacantes foram recebidas pelo fogo de nossas baterias e de nossas metralhadoras.

Os assaltantes caíam como feixes de searas ceifadas, mas os que escapavam continuavam avançando, dispersando­se em todos os sentidos. O inimigo conseguiu refugiar­se próximo ao quartel de instrução, graças a uma grande evasiva e às mortalhas brancas que os soldados carregavam, sem que fosse percebido.

Encontrando­se, assim, no flanco da sexta bateria disposta próxima às portas de Petrogrado, sobre o depósito de carvão, o inimigo apoderou­se com um rápido ataque, passando pela fábrica de gás. Os assaltantes forçaram as portas de Petrogrado sofrendo grandes perdas; todavia, conseguiram apossar­se do quartel de instrução.

O quartel do norte foi deixado para trás; 60 marinheiros tinham se refugiado ali, somente 4 puderam sair.

Tendo ocupado o hospital, o quartel de instrução e a central telefônica, os bolcheviques exigiram que os empregados, sob ameaça de morte, transmitissem tudo o que lhes era comunicado.

Esta ação introduziu uma certa confusão na defesa Kronstadt. O inimigo liberou os 174 bolcheviques, detidos na prisão, e apossou­se da sala de armas, do depósito de alimentos, da escola de máquinas e de todo o bairro até o polígono de tiro. Grupos de inimigos isolados puderam chegar inclusive até o estado­maior militar e a catedral marítima. Instalaram duas metralhadoras na casa do antigo Moltchanoff, mediante as quais controlavam toda a rua.

Simultaneamente, uma grande ofensiva teve lugar sobre o porto militar sobre o reservatório italiano, sobre a Bolsa, e sobre as portas da cidadela, do lado do forte Piotr. Igualmente, os fortes do sul e as baterias 4, 6 e 7 foram intensamente atacadas.

A cidade estava um inferno. Os canhões trovejavam por todas as partes. As metralhadoras crepitavam e os fuzis disparavam. As balas silvavam por todas as partes. Tinha sido criada uma terrível confusão. Por todas as partes, tinham lugar lutas enfurecidas. Era difícil o reconhecimento já que os comunistas tinham deixado suas mortalhas brancas ao se dispersarem pela cidade. Além disso, evidentemente, deve­se dizer também que os bolcheviques que não foram detidos antes desempenharam um papel nada menosprezável, disparando nos insurretos pelas costas, o que propagou o pânico e a confusão entre a guarnição. Em um momento, o inimigo pôde apossar­se das portas da cidadela, e avançou rapidamente em direção à via férrea a fim de tomar as portas de Kronstadt, mas o impedimos. As perdas inimigas ali foram enormes. O combate era particularmente sangrento pelos dois lados. Fora da guarnição, operários, mulheres e até adolescentes combatiam. Às 14h, conseguimos desalojar o inimigo deste bairro.

Fizemos mais de 1.200 prisioneiros. O resto do inimigo recuou até os fortes do sul. Então começamos a limpar a parte sul da cidade: o depósito de alimentos, a sala de armas, e uma parte da rua Pesotchnaia foram liberados; ainda fizemos 2.200 prisioneiros na praça próxima à catedral.

Pela manhã, a sexta bateria norte foi tomada pelo inimigo, depois a quinta, que tinha apenas uma metralhadora. A quarta tinha sido abandonada sob a pressão inimiga.

Os comunistas lançaram um assalto sobre a parte oriental de Kotlin, mas foram repelidos e se refugiaram nas baterias 4, 5 e 6.

Próximo às portas de Petrogrado, o combate continuava com nossa vantagem, mesmo que chegassem reforços ao inimigo sem cessar. Às 5 da tarde, tendo recebido reforços, o inimigo lançou um novo assalto contra as portas da cidadela, apossando­se dela, e se dispôs próximo do laboratório, mas nossas reservas sobreviveram e os repelimos de novo. Os comunistas conseguiram apoderarem­se dos fortes do sul 1 e 2.

Neste momento, foram apercebidos reforços inimigos pelo lado de Oranienbaum; as reservas foram enviadas ao seu encontro até a parte oeste  de Kotlin.  Sem cessar, chegavam reforços sobre  a ribeira  norte dos fortes 6 e 7; notou­se um importante movimento de tropas na região de Oranienbaum e de colunas de cavalaria pelo lado de Petrogrado. A cidade, os fortes e o povo eram bombardeados pela artilharia sul e norte, assim como pelos trens blindados. Krasnaya Gorka atirava unicamente sobre o porto.

Nossa artilharia – do Petropavlovsk, do Sevastopol e dos fortes – disparava exclusivamente sobre a ofensiva inimiga, fazendo com que o gelo rachasse, e afogava os assaltantes. Apesar disso, as cadeias inimigas se disseminavam cada vez mais e acediam como formigas sobre o gelo.

Às 6 da tarde, restavam em nossa posse os seguintes fortes: Constantine, Riev, Totleben, Maritimen e Krasnoarmeetz; porém, alguns destes fortes estavam dispostos de maneira que não podiam se defender além do lado do mar, e não todo de todo o seu redor.

Havia também os fortes Chanets e Milyutin, sem importância militar; além dos encouraçados  Petropavlovsk  e  Sevastopol. Às 6 da tarde, chegaram petições do forte Topleten: “Enviem­nos 200 homens e 5 metralhadoras, já que só nos resta um canhão”; do forte Riev: “Pedimos um reforço de 100 homens com duas metralhadoras já que as peças dos canhões estão começando a funcionar mal”; do forte Constantine: “Pedimos um reforço de 150 homens com metralhadoras, de outra forma não poderemos conter a pressão inimiga e teremos que evacuar o forte”.

Pedíamos reforços por todas as partes para compensar as perdas: comandantes, artilheiros, metralhadoras; o Sevastopol nos disse que não restavam mais de três obuses de doze e que não tinham nada para disparar. Além disso, muitas peças de artilharia estavam defeituosas, os compressores rotos, os suportes partidos, alguns canhões apresentavam fendas, e nestas condições não podiam ser carregados.

Algo parecido nos chegava do Petropavlovsk. A ancoragem dos cascos constituía um grande inconveniente, já que estavam bordo contra bordo, e só podiam disparar de um único lado. Além disso, era impossível separá­los já que não restava carvão no Sevastopol, e ele utilizava a energia elétrica do Petropavlovsk; no fim, não havia um quebra­gelo para liberar a passagem dos cascos.

Os combates se prolongavam em torno das portas de Petrogrado. Os operários levavam a cabo uma luta desesperada, aliviando muito a guarnição as mulheres participavam dos combates recolhendo os cartuchos dos mortos para os dar àqueles que combatiam, já que as munições começavam a faltar, os operários tinham os assaltantes sob o fogo das metralhadoras do alto dos tetos e dos celeiros.

Dois esquadrões de cavalaria que tinham adentrado Kronstadt foram imediatamente varridos por seus habitantes. Do alto da cidade, se via como chegavam os reforços inimigos que se agrupavam em torno dos fortes, cercando a cidade.

A guarnição da cidade era pouco numerosa, composta do 560º regimento e de grupos de marinheiros, com um total de 350 fuzis. Muitos marinheiros estavam, por assim dizer, descalços [6], e não podiam participar do combate. Nos faltavam especialistas e enquadramento. Uma escassa ração, um serviço ininterrupto durante 15 dias, um combate de 10 dias, em particular no último dia, desde as 4h30min da manhã até a tarde, o combate de rua, tudo isto rompeu definitivamente as forças da guarnição. A diminuição da guarnição como consequência dos ataques; a ausência de reservas e de esperança de abastecimento e ajuda militar exterior; tudo nos fazia entender que não podíamos repelir outro ataque, que seria continuado com outros assaltos.

O presidente do Revkom, tendo analisado a situação com o responsável da defesa, decidiu retirar­se, ao cair da noite, para os fortes de Krasnoarmeetz, Riev e Totleben, de onde tentaríamos resistir. Foram convocadas urgentemente todas as troikas  revolucionárias e se colocaram de acordo para colocarem­se em ordem de batalha, ao cair da noite, nos fortes designados; recomendou­se que não se propagasse o pânico já que neste caso todas as unidades e a guarnição podiam perecer inutilmente. Foram enviados emissários ali onde tinha sido cortada a comunicação. Foi comunicado ao comando da cidade que esta tinha que ser abandonada e com ela todos os operários que desejassem, já que estavam sob sua responsabilidade.

O estado­maior da defesa se dividiu em dois grupos, um que deveria ir ao forte Krasnoarmeetz e tomar suas próprias disposições, e outro que deveria ficar em seu lugar para transmitir todas as disposições ao forte Krasnoarmeetz.

Desta maneira, às 8h10min da tarde, eu abandonava Kronstadt com o responsável pela defesa e nossos colaboradores para ir ao forte anteriormente citado.

Pela estrada, os grupos marchavam em direção aos fortes, mas 2 km antes de chegar, vimos um grande movimento de grandes massas de homens nas imediações do forte.

Choviam os obuses fazendo numerosas vítimas. O forte se calou bruscamente.

Ao chegar ao forte, vimos que a estação elétrica estava destruída, os fios telefônicos cortados e 6 pesados canhões inutilizados; os canhões de maior calibre não giravam e estavam orientados em direção ao mar. Eram por volta de 9h30 da tarde. A estrada que ia do forte a Kronstadt estava cortada e só restava uma saída: ir em direção à fronteira finlandesa.

Foi assim como o primeiro grupo do estado­maior, aquele em que me encontrava, abandonou Kronstadt.

O segundo grupo saiu de Kronstadt às 10h30 da tarde e chegou também à Finlândia; 4 membros do Revkom não puderam se juntar a nós. Sua sorte me é desconhecida.

Segundo disseram os últimos prisioneiros que fizemos, o inimigo dispunha, além de uma numerosa artilharia, de 4 trens blindados e de 8 canhões em cima de tratores, e que haviam sido concentrados na região de Oranienbaum cerca de 50 mil fuzis, e 30 mil em Sestroretsk e Lissy Noss, além de um número indeterminado de cavalaria. As tropas eram compostas principalmente de kursanti, de membros do Partido Comunista, de tchekistas, de destacamento de pedágio, de permanentes dos Sovietes locais, de mongóis, de bachkirs e  de outras tropas asiáticas. Do mais profundo da Rússia tinham sido levados regimentos inteiros, mas não eram enviados todos de uma vez, cada regimento era dividido em vários grupos e misturados com outros regimentos, e quando iam a um assalto, bolcheviques comprovados iam atrás deles.

Os bolcheviques persuadiam os soldados de que eles iam combater com bandos de oficiais que tinham se valido de Kronstadt e que tinham detido todos os marinheiros, que já havia soldados finlandeses convocados por estes militares rasteiros. Para convencer ainda mais os soldados, vestiam membros do Partido Comunista com uniformes de oficiais com dragonas e medalhas, e os passeavam perante as tropas declarando que eram prisioneiros de Kronstadt e que era contra eles que era preciso lutar.

Da mesma forma, vestiam outros comunistas com uniformes finlandeses, passeando­os da mesma forma perante as tropas e com as mesmas palavras. Diziam por exemplo que os marinheiros e os soldados vermelhos tinham deixado Kronstadt há muito tempo e tinham se refugiado na Finlândia, que só restava um bando de oficiais que seria fácil liquidar. Contavam também aos asiáticos que o golfo era um grande campo e que atrás dele havia uma grande cidade que era preciso tomar, já que um bando de espadachins a tinha tomado e fazia o terror reinar contra a população.

Por exemplo, um mongol explicou: “Estive em muitas frentes, vi muitas cidades, mas nunca uma tão grande. Eu vi muitos obuses mas nunca como esses, já que quando explodem fazem um grande buraco na água e nos fazem cair nela. Nunca tinha visto obuses aquáticos como esses. Eu prefiro disparar de um único sítio, sentado e estirado, enquanto ali a água me despediu nove vezes” [7].

Mediante diferentes pretextos e enganos enviavam as pessoas sobre o gelo. E uma vez ali não podiam retroceder, porque então os bolcheviques abriam sobre eles um fogo de metralhadoras e artilharia. Sua situação era verdadeiramente espantosa já que, se quisessem retroceder, a cadeia bolchevique que lhes seguia abria fogo sobre eles. Os prisioneiros contaram também que se aparecessem dúvidas em um regimento ele era desarmado imediatamente e enviado para não se sabe onde, ou então era fuzilado um de cinco, enviando o resto ao assalto.

Ninguém conhecia realmente a verdadeira situação de Kronstadt. Estávamos absolutamente separados do mundo exterior. Não tendo nem um único avião, não podíamos informar ninguém.

É preciso assinalar que os bolcheviques não puderam enviar tropa alguma de Petrogrado e de sua região, nem de infantaria nem de marinheiros. Em Petrogrado, compreendeu­se em seguida que os marinheiros tinham se sublevado. Os torpedeiros ancorados em Petrogrado foram desarmados e os percutores dos canhões foram retirados.

Da mesma maneira, estava inutilizável tudo o que poderia servir nos encouraçados Gangut e Poltava que de todas as maneiras não podiam funcionar pois estavam pendentes de reparos. As equipes dos cascos foram detidas e evacuadas de Petrogrado para um local desconhecido. As unidades militares da guarnição foram aquarteladas, sem armas nem uniformes, sob uma forte vigilância.

Quando começaram as reuniões em Kronstadt, ou seja, a partir de 27 e 28 de fevereiro, a situação dos bolcheviques começou a não ter saída. Tentaram obter pequenas permissões para os marinheiros enviando­os ao país, a Petrogrado, a Oranienbaum e a outras localidades vizinhas. Conseguiram assim retirar de Kronstadt mais de mil marinheiros, o que debilitou consideravelmente a guarnição, especialmente porque entre os que conseguiram permissões havia especialistas indispensáveis como os galvanômetros, os metralhadores etc., que teriam sido de grande valor em Kronstadt. Os comissários fizeram isto então com conhecimento de causa.

Eis aqui então as condições e as circunstâncias nas quais Kronstadt se encontrou antes da formação do Comitê Revolucionário, durante sua existência e até sua saída. Só acrescentarei que a honra e a glória dos habitantes de Kronstadt, ao defenderem o autêntico poder dos Sovietes livremente eleitos e não o poder dos partidos, foi ter demonstrado a todo o mundo como sem nenhuma violência e com a consciência tranquila o povo trabalhador pode levar a luta em direção à sua emancipação total.

Foi demonstrado, em particular aos membros do Partido Comunista Russo, que, ainda que sejam os mais ferozes inimigos do povo trabalhador, este mostrou mais uma vez, ao longo de um combate desesperado, sua grandeza de alma russa, e sua força, provando que é realmente capaz de perdoar seus inimigos não em palavras e sobre o papel, mas de fato.

Kronstadt custou caro aos bolcheviques. A queda de Kronstadt é a queda dos bolcheviques.

Os bolcheviques podem fuzilar os rebeldes de Kronstadt, mas não poderão jamais fuzilar a verdade de Kronstadt.

Notas

1Lembremos que os kursanti eram os cadetes militares, os novos “junkers” do Exército Vermelho, submetidos a um férreo doutrinamento.

2Presidente da República “Soviética”.

3Medida de longitude do antigo sistema russo. Uma versta = 1,06 km.

4Cadeia significa neste contexto várias fileiras de assaltantes, espaçados entre si por dois ou três metros, apresentando­se frontalmente ao objetivo (N.T.).

5Sapatos trançados com fibras de cânhamo.

6Os marinheiros que faziam o serviço nos cascos usavam botas de feltro que eram imprestáveis na neve ou no gelo (N.T.).

7Os mongóis falavam pouco ou nada de russo. Petritchenko recolhe as explicações do prisioneiro tal como as ouviu, o que explica o estilo direto e confuso desta passagem (N.T.).