segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O QUE PODEMOS APRENDER COM RACISMO NO BRASIL


No mês do Dia da Consciência Negra o país foi surpreendido por um vídeo cujo conteúdo apresentava o âncora de um dos Jornais de maior audiência da TV, Willian Waack, numa clara manifestação de racismo. No vídeo, o jornalista prepara-se para realizar uma entrevista com um convidado quando alguém ao lado de fora do estúdio toca uma buzina de um automóvel várias vezes. Willian Waack olha para o lado de fora e diz: “Tá buzinando por quê, seu merda?” Depois diz: “Eu sei quem você é”, olha para o entrevistado e completa, quase sussurrando: “É preto”. O convidado faz-se de desentendido e aproxima-se de Waack que repete, “é preto”. O homem solta uma risada, talvez consentindo, talvez constrangido, e Waack conclui, entre risos: “É coisa de preto. Com certeza!”

As imagens viralizaram na internet e soube-se, então, que o vídeo havia sido abafado pela emissora de televisão responsável pelo jornal por mais de um ano. Diante da repercussão negativa, a emissora de televisão, que, aliás, quase não tem negros em seu quadro de funcionários de destaque, afastou o repórter e emitiu uma nota em tom formal na qual afirmava que a política da empresa é “visceralmente contra o racismo e afasta o jornalista Willian Waack até que a situação seja esclarecida... no vídeo alguém dispara uma buzina e Waack, contrariado, faz comentários, ao que tudo indica, de cunho racista... Waack afirma não se lembrar do que disse já que o áudio não tem clareza mas pede sinceras desculpas àqueles que se sentiram ultrajados pela situação. Willian Waack é um dos mais respeitados profissionais brasileiros, com um extenso currículo de serviços prestados ao jornalismo [retifica-se: à emissora em questão] e blá, blá blá para conversar com Waack e decidir como se desenrolarão os próximos passos”. Ou seja, tergiversou, tergiversou, e não admitiu o erro do apresentador. Tal nota não poderia ser mais oportuna, Willian Waack é conhecido por suas posições de direita e defesa intransigente dos interesses da emissora na qual trabalha, como as reformas impopulares do governo Temer. Porém, não deixa de ser descabida. Se, “ao que tudo indica”, Waack não se lembra e o áudio não tem clareza, então por que as sinceras desculpas àqueles que se sentiram ultrajados, não pela situação, mas por comentários de cunho racista? E o fato do jornalista ser considerado pela emissora um dos mais respeitados profissionais brasileiros não justifica sua atitude. No mais, passos não se enrolam nem se desenrolam... Ganhar tempo e esperar baixar a poeira é o real conteúdo da nota. Mas temos uma sugestão ainda melhor à emissora: contratar um perito, destes mercenários, como aquele ex-professor, que conseguem provar até que o 7 a 1 da Alemanha contra o Brasil na Copa do Mundo foi miragem provocada por uma ilusão de óptica graças a um defeito coletivo na lente das câmaras...

O mais espantoso, porém, é que toda a imprensa marrom se solidarizou com o jornalista. Alguns colegas de profissão, todas brancos, também vieram em sua defesa. Notórios pela parcialidade e discursos que fomentam o ódio, estes colegas tentaram desviar o foco da polêmica com argumentos dos mais estapafúrdios e disparatados, minimizando o fato do repórter ter cometido um crime. Pouco importa se Waack é ou foi racista, a culpa é da esquerda, dos policamente corretos, das feministas, dos negros!

Sim, a culpa é dos negros, que ousam reivindicar por direitos iguais... De fato, é coisa de preto!

A reação da imprensa apenas expressa bem a mentalidade perversa e escravocrata de alguns setores da sociedade brasileira. O que podemos aprender com o racismo brasileiro é que o Brasil é um grande latifúndio tal como descreve José Saramago no seu romance “Levantado do chão”. A mensagem é implícita, mas inequívoca. Diz o seguinte: um homem branco e rico pode ser, sim, racista, mas desde que em seu foro íntimo, entre amigos e familiares, nunca em público, pois é preciso manter o manto da hipocrisia, o mito do homem cordial e a democracia racial, e outras bobagens do gênero.

Nada mais racista do que afirmar que no Brasil não existe racismo.


A Liberdade é Negra
Fecaloma
 
Vivemos numa democracia racial
A lei diz que o branco é meu igual
A estatística diz que sou a maioria
A ideologia diz que sou a minoria
A mídia diz que no Brasil não há preconceito
Não há luta de classes, tudo é perfeito
Mas a televisão não é meu espelho
A televisão não é meu espelho
O galã da novela não é negro
Mas parece gringa aquela modelo
Na revista de bacana só lourinho na capa
Sorrisos indígnos sem vergonha na Caras

Na política , não sou eu que estou lá
Na universidade não me deixaram entrar
Na rua ou no shopping, seguem meus passos
A polícia espreita tudo que eu faço
E a história esconde que fomos seqüestrados
Por uma elite de brancos civilizados
Que a custa do nosso trabalho enriqueceu
Nos expulsou da festa e a maior fatia do bolo comeu

Negro, negro é lindo mas se tenta ser alguém
Acusam-lhe de racista e não pode ser ninguém
Negro, ponha-se no seu lugar
E o seu lugar é a liberdade, lutar por identidade
Negro, negro é lindo mas se tenta ser alguém
Acusam-lhe de fascista e não pode ser ninguém
Mas você, você tem raça
E eu também, também sou negro
E me chamo, me chamo Liberdade

E ninguém vai descolorir

Porque eu sou livre
Livre! Livre! Livre! Livre!

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

ATRAVESSANDO A GEOGRAFIA, MARX, LEFEBVRE E OS SITUACIONISTAS


Atravessando a Geografia, Marx, Lefebvre e os Situacionistas (volume 1 – 2017), publiciza artigos cuja marca é a formação de longa duração propiciada pelo encontro dos pesquisadores no Laboratório de Geografia Urbana – LABUR – do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. O livro é composto por nove artigos que, valendo-se dos conteúdos mais íntimos da Geografia – principalmente a Geografia Urbana -, de Karl Marx e de Henri Lefebvre, apresentam uma leitura possível do real. Metodologicamente, a costura mais interna consiste em “partir de”: os textos partem dos autores lidos, sem com eles se conformar, pois buscam atualizar – seja a ciência, seja o pensamento de Marx, seja o de Henri Lefebvre. Por fim, trata-se do primeiro volume da série, ou volume de inauguração de um projeto editorial que pretende, igualmente, ser persistente – e de longa duração – motivando assento aos novos pesquisadores, bem como assegurando espaço àqueles que são as referências, a partir de quem tudo foi possível.

Compreende o livro os seguintes escritos:

Prefácios
O conhecimento como histórico, social e coletivo e os grupos de formação acadêmica do LABUR  – Amélia Luisa Damiani
Atravessados pela Geografia, invadidos pela autogestão – Ricardo Baitz


Atravessando a Geografia, Marx, Lefebvre e os Situacionistas

Ou é centro, ou é não centro. Ou é centro, ou é periferia. – Alexandre Souza da Rocha

(Des)encontros entre a Geografia e o urbano: a contribuição de Henri Lefebvre – Amélia Luisa Damiani

Espaço e Paisagem: rascunhos para estudo “espaço” e da “paisagem” – Jean Pires de Azevedo Gonçalves (colaborador deste blog).

Diferença e diferencialismo: para uma crítica da homogeinização – Marcio Rufino Silva

Urbanização e Marxismo – Odette Carvalho de Lima Seabra

O trabalho de campo em geografia urbana: da quantidade à qualidade, ou dos procedimentos formais à implicação e transdução – Ricardo Baitz

O espaço contraditório da mobilidade urbana – Evânio dos Santos Branquinho


Cartografia influencial: notas de um trabalho de campo – Alessander David Figueiredo Junior, Guilherme Leria Sanches, Marcelo Baliú Fiamenghi, Marcus Vinicius Bortoli de Moraes e Tomás Carrera Massabki

Outros escritos

Momento Situacionista Autônomo Temporário: notas sobre as possibilidades de um espaço-tempo revolucionário – Rachel Pacheco Vasconcellos

Exílios e pseudo-vida: ações possíveis entre hegemonias totalizantes – José Dario Vargas Parra

Permissão de reprodução


As orelhas do livro, que anunciam os termos que articularam os autores e a perspectiva dos textos, é feita pelo Memorial de Concurso de Alexandre Souza da Rocha, a quem a obra é dedicada.


O lançamento do livro está programado para a ocasião do XV Simpósio Nacional de Geografia Urbana (SIMPURB) que ocorrerá entre os dias 20 a 23 de novembro, em Salvador, Bahia.

sábado, 4 de novembro de 2017

A ESTÓRIA DA RIQUEZA DO BRASIL


Mal o livro do sociólogo Jessé Souza “A elite do atraso: da escravidão à lava jato” saiu do prelo, a reação das elites não se fez por esperar, com a publicação de “História da riqueza do Brasil”, de Jorge Caldeira. O lançamento do referido livro não poderia ter sido mais bizarro: no televisivo Programa do Bial, e contou com a aparição de uma das figuras mais sinistras do mundo universitário. Quem? FHC. Elementar, meu caro Watson! O coronel tucano, que se tornou, graças aos dólares da CIA, via Fundação Ford, o “príncipe da sociologia (sic)”... quer dizer, “privataria”, foi convocado pelo intelectual de Big Brother... [pausa para rir]... Pedro Bial, numa das situações mais insólitas e patéticas da sociologia made in Brazil, para referendar o tal livro como, em suas palavras, um “clássico”. (Em se tratando de Fernando Henrique, melhor seria dizer crássico). Como se um livro se tornasse clássico, de um dia para a noite, por decreto, e prescindisse do debate intelectual, do tempo histórico, da repercussão acadêmica e social etc. etc. etc. Curiosamente, assim como o livro de Jesse Souza, o de Caldeira também se pretende revisionista, mas, sub-repticiamente, reforça todos os preconceitos da literatura canônica que “A elite do atraso” joga por terra. Na verdade, a “História da riqueza do Brasil” é uma total impostura. Nietzsche costumava criticar a tendência moderna em que o estilo jornalístico torna-se modelo de professores universitários como degeneração da cultura e da arte em entretenimento. Mas o que diria o grande filósofo alemão do marketing substituir a pesquisa acadêmica? É bem disso que se trata a “História da riqueza do Brasil”: uma obra de marqueteiro. Primeiro, porque o autor trata a velha econometria como se fosse uma grande novidade metodológica. Sim, o tal Jorge Caldeira relativiza a exaustiva pesquisa documental e deduz suas conclusões de preguiçosos modelos matemáticos e estatísticos. (Diga-se de passagem, nem os neoliberais da Escola Austríaca dão qualquer crédito à econometria, facilmente manipulável). Daí em diante tudo é permitido, como a singular afirmação de que os tupis eram empreendedores... (Desculpem-me, mas vou ter de usar de um expediente adequado a tamanha, digamos assim, trollagem: kkkkkkkkkkkkkkkkkk). Sim, pois, tais quais as inúmeras pérolas de FHC, nas palavras do autor, “tecnicamente, um catador de papelão é um empreendedor”. (kkkkkkkkkkkkk). Talvez, deva ter sido por isso que o capitalismo desenvolvido no Brasil nunca vingou, haja vista que, após o genocídio indígena, apenas 0,4 da população brasileira é atualmente composta por estes arrojados empreendedores nativos que, suponha-se, graças à catequese jesuítica (não a calvinista!), descobriram em si, no fundo de suas almas, o espírito capitalista na fumaça do cachimbo do pajé. Mas o genocídio é apenas um detalhe e racismo é tudo que não existe na sociedade brasileira, como todos nós, obviamente, sabemos! Continuando, segundo Caldeira, no Brasil, desde tempos imemoriais... sempre reinou a boa e velha democracia!... quer dizer, excetuando o “Estado Novo” (Getúlio). A julgar por esta afirmação, o voto de cabresto e de clientela é a mais pura definição de democracia e que Rousseau vai plantar batatas! Depois destes e outros disparates, que Marx chamaria de robsonadas e um historiador sério, anacronismos, o autor sustenta que, entre o fim do século XIX e 1970, o Brasil foi o país que mais cresceu economicamente no mundo e coloca todos os governos nacionalistas como responsáveis por desastres econômicos, ou melhor, as figurinhas carimbadas de Jango, Geisel, Lula e Dilma. Elementar, meu caro Watson! Na verdade, o livro de Caldeira segue a tradição que vai desde Joaquim Nabuco, Barão de Rio Branco e, claro, FHC, e, portanto, apregoa uma estreita dependência do Brasil aos EUA, sob o eufemismo de globalização. Outro argumento interessante é a afirmação de que, enquanto o executivo sempre foi instável, o parlamento sempre funcionou muito bem. Sem dúvida, com os milhões de reais pelos quais cada parlamentar recebe à surdina para legislar em causa própria e a favor da impunidade, nada poderia ser mais estável! Ora, se o executivo é frágil e o parlamento é forte, então presidente para quê? Sim, se você pensou no parlamentarismo, touché! Eis o programa completo do PSDB!!! Mas você deve estar se perguntando quem é esse Jorge Caldeira – e eu também me fiz essa pergunta – e a resposta, depois de muito procurar no Google, pode ser encontrada num verbete de cinco linhas da Wikipédia. Aqui vai o principal sobre o autor: “consultor do Projeto Brasil 500 Anos, da Rede Globo, editor-executivo da Revista Exame, editor do Caderno Ilustrada e da Revista da Folha, do jornal Folha de S. Paulo, editor de economia da Revista Isto É e editor da Revista do Cebrap” (Fonte: Wikipédia). Viu? Só gente fina. Quanto ao Cebrap, de FHC, é o caminho mais fácil para ser aprovado num concurso do prédio do meio... Ainda na entrevista ao intelectual de Big Brother Bial, o tal Jorge Caldeira mostrou-se alinhado com as reformas do governo Temer, e vangloriou-se por ter trabalhado 45 anos (o número não é apenas uma coincidência) e estar prestes a se aposentar com 50, contribuindo religiosamente a previdência social. (Evidentemente, FHC, em sua catedrática manifestação, omitiu o detalhe de que ele, FHC, se aposentou aos 37 anos). Esta afirmação de Jorge Caldeira é mais uma de suas sandices. Como se a atividade suave e bem remunerada de porta voz da mídia pudesse ser comparada ao trabalho suado e mal remunerado de um trabalhador braçal da construção civil, da metalurgia, da agroindústria canavieira, ou de motorista do transporte coletivo, ou mesmo professor do ensino público etc., etc., etc. O destino da miséria de a “História da riqueza do Brasil” já está traçado. Vai parar ao lado dos crássicos de seu mestre FHC: ninguém lê.