sexta-feira, 15 de novembro de 2019

NOTÍCIAS SOBRE A DESIGUALDADE NO BRASIL


Subiu o número de brasileiros com mais de US$ 1 bilhão, de acordo a revista Forbes. No ano passado, contavam 42 bilionários; agora são 58.

Os brasileiros bilionários acumulam um patrimônio de US$ 179,7 bilhões (cerca de R$ 679,3 bilhões). Houve aumento de 1,9% em relação ao ano passado, quando os bilionários somavam US$ 176,4 bilhões (R$ 666,9 bilhões).

A maior parte desses bilionários é do setor financeiro: 48 dos 206 que aparecem no ranking.

Ranking dos cinco setores com mais bilionários no Brasil

1 - Setor financeiro: 48 (R$ 345,97 bilhões)
2 - Atacado e varejo: 29 (R$ 114,65 bilhões)
3 - Alimentos e bebidas: 27 (R$ 276,33 bilhões)
4 - Indústria: 18 (R$ 85,14 bilhões)
5 - Diversos: 14 (R$ 64,12 bilhões)

IBGE - Renda do trabalho do 1% mais rico é 34 vezes maior que da metade mais pobre

O rendimento médio mensal de trabalho da população 1% mais rica foi quase 34 vezes maior que da metade mais pobre em 2018. Isso significa que a parcela de maior renda arrecadou R$ 27.744 por mês, em média, enquanto os 50% menos favorecidos ganharam R$ 820.

Contribuíram para esse quadro o aumento de 8,4% na renda das pessoas mais ricas e as quedas nos ganhos das classes que formam os 30% mais pobres, na comparação com 2017. As informações são do módulo Rendimento de Todas as Fontes, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada no dia 16 de outubro pelo IBGE.

A pesquisa também mostrou que os 10% da população mais pobres detinham 0,8% da massa de rendimento, enquanto os 10% mais ricos concentravam 43,1%. Já a massa de rendimento médio mensal real domiciliar per capita, que era de R$ 264,9 bilhões em 2017, cresceu para R$ 277,7 bilhões em 2018.

A média de rendimentos do trabalho do país, para pessoas de 14 anos ou mais, ficou em R$ 2.234, acima do valor inicial da série em 2012 (R$ 2.133), mas abaixo do registrado em 2014, que foi de R$ 2.279. No Nordeste, o rendimento médio era de R$ 1.479, enquanto no Sudeste, chegou a R$ 2.572.

Na passagem de 2017 para 2018, o Nordeste foi a única região onde o rendimento de trabalho diminuiu. “O rendimento do trabalho corresponde a aproximadamente três quartos do rendimento total das famílias. O mercado de trabalho em crise, onde as pessoas estão deixando seus empregos e indo trabalhar em outras ocupações, com salários mais baixos, provoca um impacto no rendimento total”, explicou a gerente da PNAD Contínua, Maria Lucia Vieira.

O índice de Gini, que mede concentração e desigualdade econômica, indo de zero (máxima igualdade) até um (máxima desigualdade), chegou a 0,509 em 2018, para rendimentos de trabalho. O indicador era de 0,508 no Brasil em 2012, depois diminuiu para 0,494 em 2015 e voltou a subir. “Essas variações no índice de Gini têm muito a ver com as flutuações na renda dos mais ricos”, comentou a analista do IBGE, Adriana Beringuy.

Esse aumento na desigualdade, porém, não foi uniforme no país. No Nordeste, o índice caiu de 0,531 em 2017 para 0,520 em 2018. “No Sudeste, o 1% com maiores rendimentos de trabalho cresceu 17,8%. Nesse mesmo período, no Nordeste, o 1% mais rico teve queda de 16,5%. Então, a redução na desigualdade no Nordeste está mais relacionada à queda nos rendimentos de trabalho dos mais ricos, do que numa melhoria nas condições de vida dos mais pobres”, disse Adriana.

População que recebe aposentadorias e pensões chega a 14,6%

Além dos rendimentos com trabalho, que representam cerca de três quartos do total recebido mensalmente pela população, a pesquisa também investiga outras fontes de renda, como aposentadorias, aluguéis e arrendamentos, pensões e mesadas e outros rendimentos, como programas sociais e rentabilidade de aplicações financeiras.

Aposentadorias e pensões foram destaque, atingindo R$ 1.872 em 2018, a maior média entre as outras fontes pesquisadas. Isso significa um crescimento de 3,3% em relação a 2017 e de 7,3% em relação a 2012. Do total da população, 14,6% recebiam esse benefício em 2018, enquanto em 2012 essa proporção era de 13,1%.

“A proporção de pessoas com rendimento de trabalho caiu, e isso tem relação com a perda de empregos. Já a proporção de aposentadorias vem aumentando, o que pode estar relacionado a mais pessoas buscando o benefício e por componentes demográficos, tanto que é mais forte no Sul e Sudeste, onde a população está mais envelhecida”, disse Maria Lucia.

No Sul, a população que recebe aposentadorias e pensões chegou a 18,3%, enquanto no Sudeste, atingiu 15,8%.

Número de beneficiários do Bolsa Família reduz para 13,7%

A pesquisa mostrou também que a proporção de domicílios que recebiam rendimentos do Programa Bolsa Família caiu de 15,9% em 2012 para 13,7% em 2018. O percentual manteve-se praticamente estável com pequena queda em 2013 (15,7%), declínio que se acentuou a partir de 2014 (14,9%) e em 2015 (14%).

O rendimento médio mensal domiciliar dos que recebem dinheiro do Bolsa Família também caiu, passando de R$ 368 para R$ 341, após ter chegado ao pico de R$ 398 em 2014. Os números são bem abaixo do rendimento médio mensal real domiciliar dos que não são beneficiários do programa: R$ 1.565.

A pesquisa revela ainda que os beneficiários do programa social têm menos acesso a serviços básicos de saneamento – água, esgotamento sanitário e coleta de lixo.

Entre aqueles com Bolsa Família, 71,7% tinham abastecimento de água em geral, ante 88,1% dos que não recebem o benefício. Apenas 37,6% dos beneficiários têm acesso a esgotamento sanitário com rede geral ou fossa séptica, frente a 70,9% da demais parcela da população. E 75,7% contam com coleta de lixo, abaixo dos que não têm o benefício, 93,6%.

Editoria: Estatísticas Sociais | Eduardo Peret, com colaboração de Carmen Nery (16/10/2019)

Extrema pobreza atinge 13,5 milhões de pessoas e chega ao maior nível em 7 anos

Em 2018, o país tinha 13,5 milhões pessoas com renda mensal per capita inferior a R$ 145, ou U$S 1,9 por dia, critério adotado pelo Banco Mundial para identificar a condição de extrema pobreza. Esse número é equivalente à população de Bolívia, Bélgica, Cuba, Grécia e Portugal. Embora o percentual tenha ficado estável em relação a 2017, subiu de 5,8%, em 2012, para 6,5% em 2018, um recorde em sete anos.

Os dados são da Síntese de Indicadores Sociais (SIS) divulgada no dia 6 de novembro pelo IBGE. O gerente do estudo, André Simões, ressalta que são necessárias políticas públicas para combater a extrema pobreza, pois ela atinge um grupo mais vulnerável e com menos condições de ingressar no mercado de trabalho.

A Síntese de Indicadores Sociais também apontou que, embora um milhão de pessoas tenham deixado a linha de pobreza – rendimento diário inferior a US$ 5,5, medida adotada pelo Banco Mundial para identificar a pobreza em países em desenvolvimento como Brasil – um quarto da população brasileira, ou 52,5 milhões de pessoas, ainda vivia com menos de R$ 420 per capita por mês. O índice caiu de 26,5%, em 2017, para 25,3% em 2018, porém, o percentual está longe do alcançado em 2014, o melhor ano da série, que registrou 22,8%.

“Em 2012, foi registrado o maior nível da série para a pobreza, 26,5%, seguido de queda de 4 p.p. em 2014. A partir de 2015, com a crise econômica e política e a redução do mercado de trabalho, os percentuais de pobreza passaram a subir com pequena queda em 2018, que não chega a ser uma mudança de tendência”, avalia o analista do IBGE Pedro Rocha de Moraes.

A pobreza atinge sobretudo a população preta ou parda, que representa 72,7% dos pobres, em números absolutos 38,1 milhões de pessoas. E as mulheres pretas ou pardas compõem o maior contingente, 27,2 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza.

Em 2018, a redução da pobreza se deu principalmente no Sudeste, que registrou menos 714 mil pessoas nessa condição, sobretudo no estado de São Paulo (menos 623 mil). Quase metade (47%) dos brasileiros abaixo da linha de pobreza em 2018 estava na região Nordeste. O Maranhão foi o estado com maior percentual de pessoas com rendimento abaixo da linha de pobreza, (53,0%). Já Santa Catarina, que também se mostrou o estado menos desigual, apresentou o menor percentual de pobres. Todos os estados das regiões Norte e Nordeste apresentaram indicadores de pobreza acima da média nacional.

Desigualdade aumenta

Entre 2012 e 2014, o grupo dos 40% com menores rendimentos apresentou aumento mais expressivo do rendimento médio domiciliar per capita, passando de R$ 329 para R$ 370. A partir de 2015, o rendimento médio deste grupo caiu para R$ 339. Já o grupo dos 10% com maiores rendimentos sofreu uma modesta redução do rendimento médio entre 2012 e 2015 (de R$ 5.408 para R$ 5.373), mas passou a subir nos anos seguintes, resultando, ao final de 2018, em um rendimento médio de R$ 5.764, o maior valor da série.

“Em 2018, houve uma melhora nos indicadores do trabalho, embora tenha sido mais relevante no trabalho informal. O valor dos rendimentos cresceu para toda a população, só que foi maior para os 10% com maiores rendimentos que se apropriaram de uma parcela maior do que os 40% com menores rendimentos, ampliando a desigualdade”, diz Moraes.

Rendimento domiciliar per capita médio de pretos ou pardos é metade do recebido pelos brancos

Em 2018, pessoas de cor ou raça preta ou parda tiveram rendimento médio domiciliar per capita de R$ 934, quase metade do rendimento de R$ 1.846 das pessoas de cor ou raça branca. Entre 2012 e 2018, houve ligeira redução dessa diferença, explicada por um aumento de 9,5% no rendimento médio de pretos ou pardos, ante um aumento de 8,2% do rendimento médio dos brancos. Mas tal redução não foi capaz de superar a histórica desigualdade de rendimentos, em que brancos ganham o dobro de pretos e pardos.

Em relação às condições de moradia, 56,2% (29,5 milhões) da população abaixo da linha da pobreza não têm acesso a esgotamento sanitário; 25,8% (13,5 milhões) não são atendidos com abastecimento de água por rede; e 21,1% (11,1 milhões) não têm coleta de lixo.

Tanto em relação às inadequações habitacionais como em relação à ausência de saneamento, as proporções registradas são maiores entre pretos e pardos do que entre brancos. Entre pretos e pardos, 42,8% (49,7 milhões) não são atendidos com coleta de esgoto; 17,9% (20,7 milhões), não têm abastecimento de água por rede; e 12,5% (14,5 milhões) não têm acesso à coleta de lixo.

Editoria: Estatísticas Sociais | Carmen Nery (06/11/2019)

Nota dos editores do blog: Agora deu pra sacar quem vai se beneficiar com as reformas em curso no Brasil?

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA


por Maurício Mulinari

Eu avalio que, a despeito dos dados da economia real, do crescimento econômico e da geração de emprego estar em decadência, as margens de lucro das grandes companhias, tanto brasileiras quanto multinacionais que operam no mercado, isto é, os grandes monopólios, estão crescendo violentamente neste cenário. Eis a tônica da guerra de classes, desde 2012, quando caem os preços das commodoties, produtos de exportação brasileiros: as grandes companhias começam a entrar em choque contra a classe trabalhadora. A gente pode ver isso evidente nos dados das greves. De 1997 a 2011, o Brasil teve uma média de 300 a 400 greves ao ano, muito pouco. Em 2012, imediatamente após a queda dos preços internacionais, as greves saltaram para 900. Depois disso, foram 2000 greves ao ano, até 2017, e, após isso, 2018-2019, 1500 greves – greves de caráter defensivo, ou seja, é o capital avançando contra os trabalhadores para recompor sua margem de lucro. Isso ganha um novo cenário a partir do ajuste fiscal da presidente Dilma, que provoca um desemprego de mais de 12%, que é o que a gente está se defrontando hoje.

A Dilma deu início à guerra de classes, no seu elemento mais sistemático, o Estado entrando como o grande organizador da classe dominante e avançando contra os trabalhadores. A partir disso, a margem de lucro, dos bancos, dos grandes comércios, dos balanços patrimoniais, que são lançados trimensalmente, apresenta uma recuperação, ou seja, uma recomposição da margem de lucro, com base na guerra de classe.

Então isso vem mantendo a margem de lucro, a despeito dos indicadores econômicos, do desemprego e do crescimento econômico estarem em queda ou estagnados. Isto é nítido. A gente vê o desespero da população, da grande massa – que, aliás, é isso que está tirando a credibilidade do teatro parlamentar perante as grandes massas populares. As classes populares estão enojadas com o teatro parlamentar, porque as suas condições de vida objetiva estão num processo acelerado de degeneração como nunca antes visto.

Não é uma degeneração social nos termos dos anos 60 quando mais de 60% da população era agrária, ou nos termos dos anos 80 quando havia uma camada média urbana criada pela própria ditadura militar, formada por bancários, servidores públicos, metalúrgicos, que tinham uma condição salarial mais elevada e até mesmo a capacidade de comprar uma propriedade urbana mais facilmente, porque o preço da propriedade dentro desta lógica da especulação urbana ainda não existia.

Hoje a nova geração da classe trabalhadora está desesperada. É uma geração na casa dos seus vinte cinco a quarenta anos, jogada no mercado de trabalho, que passou por um longo processo de destruição de suas condições de emprego e dos ditos direitos sociais, porque a reforma da previdência é mais um capítulo de um conjunto de contrarreformas da previdência que estão sendo feitas desde 1966, quando da ditadura, e de todos os governos democráticos liberais, como Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma. Todos eles fizeram uma reforma da previdência.

Do outro lado, esta farra da especulação, que joga na impossibilidade esta nova geração de ter emprego, que não tem estabilidade, o salário é menor e não consegue nem ao menos comprar uma propriedade urbana. Então, do ponto de vista do velho Marx, é uma proletarização sem precedentes da população, da força de trabalho brasileira. Proletários, sem nada, a não ser a sua força de trabalho. Diante de uma taxa de desemprego de mais de 13%, diante de cinco milhões de desalentados, que nem mesmo procurar emprego mais buscam, diante de 27 milhões de pessoas que estão no subemprego, que é o que mais cresce no Brasil, que é esse pessoal que bota uma mochila laranja ou verde nas costas e anda de bicicleta, porque até mesmo isso o capital dá uma solução, porque eles não podem comprar um carro ou uma moto, e daqui a pouco vão te que ir a pé, correndo, se quiserem trabalhar; então essa é a nova classe trabalhadora, que se defronta com a crise.

A nova classe trabalhadora está completamente desamparada, pois o congresso, com seu teatro parlamentar, não passa de um covil de ladrões. Quem comanda este processo é a grande finança, que articula todos os setores econômicos. Não é aquela ideologia das finanças contra o mundo produtivo; pelo contrário, qual é o grande negócio dos grandes bilionários brasileiros? Comprar empresas produtivas, fazer reestruturações produtivas, demitir, baixar salário, retirar direitos e vender novamente. É tão somente compra e venda. Então, no Brasil, em bancarrota, a elite econômica compra e vende de qualquer maneira, sem passar pela produção.

A contrarreforma da previdência entra nesse contexto. Qual é a questão de Paulo Guedes quando ele quer economizar um trilhão? E, agora, com toda essa mudança, o teatro das comissões, enfim, deixou de economizar 1,3 trilhão e passou a economizar 900 bilhões em dez anos (Nota). Em cima do quê? De quase 90% de quem ganha até dois salários mínimos, dos benefícios da previdência. E para onde vai esse recurso? Parte expressiva dele vai ser operado pela previdência privada, dos grandes bancos, que vão ofertar esses serviços, que é uma das fronteiras da acumulação capitalista, isto é, a industrialização dos serviços: vender serviços de maneira organizada e mais racional do ponto de vista do capital. A própria proposta do regime de capitalização que foi retirado da comissão era de manter a compulsoriedade da contribuição para o regime de capitalização privado; que, aliás, é isso que vai acontecer.

Toda essa contrarreforma só mexe na destinação do recurso e a compulsoriedade continua muito presente. E já não é de agora, porque, se você pegar a situação das receitas da União, que está desde 95 comendo parte das receitas da seguridade social, que historicamente sempre foi superavitária – o modelo constitucional da seguridade social é superavitário –, todo esse recurso foi desviado para o sistema financeiro; então ela não deixa de ser compulsória.


Esse é o ponto essencial da contrarreforma: não deixa de ser compulsória porque vai continuar descontando do seu salário. Obviamente, isso vai diminuir cada vez mais a arrecadação e exigir, por conta das condições do mercado de trabalho, que piora a inserção da capacidade dos trabalhadores contribuírem, vai exigir novas contrarreformas, sistematicamente. E, diante da grande parcela desses 900 bilhões que deixam de ser pagos para os trabalhadores efetivamente, os beneficiários da previdência pública também vão ser liberados para o jogo da especulação financeira, para os grandes capitalistas, que vão se aproveitar desses recursos, que antes era restrito ao fundo público e passam a ser destinado para acumulação privada.

Isto está em curso no Brasil, é preciso ter clareza, desde a contrarreforma de 1966; porque a previdência não cai do céu, ela é fruto da luta histórica da classe trabalhadora. Alias, em nível mundial, o primeiro momento da organização da previdência pública foi com Bismarck, na Alemanha, como uma resposta à Comuna de Paris. Então, conforme a teorização de Rosa de Luxemburgo, os trabalhadores lutam com força revolucionária e, vencendo ou sendo derrotados, as classes dominantes têm que incorporar suas pautas no Estado. A partir daí começa o processo de reformas. O processo de reformas de constitucionalização da previdência como direito social começa com Bismarck em 1875; vai ter um segundo momento na Inglaterra, em 1945; e no Brasil passa a entrar em cena em 1923 e sistematiza-se em 1930, como resposta a um momento histórico onde a classe trabalhadora tinha um horizonte revolucionário na sua luta.

A partir dos anos 60, de 68 em diante, a classe trabalhadora abdica da revolução como um horizonte histórico e a classe dominante se sente à vontade para começar a promover uma sistemática retirada de tudo aquilo que ela teve de conceder para manter os dedos. Vão se os anéis, mas ficam os dedos, naquele processo, em que a classe trabalhadora queria efetivamente tomar o poder e não só ocupar os aparelhos do Estado, como nos limites do petismo, ao qual entendia o Estado como espaço de contradição e buscava atuar dentro dele, na tentativa de construir um espaço de hegemonia; e, depois que está no Estado, não sabe o que fazer, e acaba operando no mesmo sentido das contrarreformas, destruindo os direitos dos trabalhadores e jogando as novas gerações em condições muito piores que a dos seus pais.

Essa nova camada da classe trabalhadora não encontra as mesmas circunstâncias anteriores, isto é, setores que antes se colocavam como camada média – aquela pequena burguesia ou aquelas classes assalariadas mais bem pagas no mercado de trabalho. Agora a nova geração se vê numa degeneração completa e não conseguem reproduzir nem ao menos as condições de vida de seus pais. É esse setor social desesperado diante dos frutos da globalização; diante dos frutos do liberalismo, tanto do liberalismo de direita, quanto do liberalismo de esquerda. E esse setor, como não identifica uma esquerda de caráter revolucionário, fica à deriva e acaba sendo recrutada pelos setores da extrema direita, que vêm crescendo e apresentando uma crítica a esse liberalismo que se desmoronou.

Esse é o ponto essencial da contrarreforma da previdência; é entender que ela é parte de um processo histórico, e o que Bolsonaro não é novidade, pois muitas contrarreformas já foram feitas. Então, qual é o ideal da contrarreforma da previdência? É destruir completamente a previdência e pegar toda essa capacidade arrecadatória que o Estado detém e destinar exclusivamente para financiar as fusões e aquisições, inclusive, com a desnacionalização do patrimônio. Essa rapina generalizada é financiada pelo próprio Estado brasileiro, que financia os monopólios brasileiros que não conseguem competir na dinâmica da divisão internacional do trabalho, o monopólio da carne, o monopólio da construção civil, e que minimamente vai criar a infraestrura para escoar a produção agromineral, dos latifúndios, da extração de minério, em larga escala. Então o Brasil se especializa com esses setores, que ainda lhe cabem na divisão internacional do trabalho, criando monopólios nacionais e desnacionalizando propriedades que sobraram do Estado brasileiro.

E, como se não bastasse, essa contrarreforma da previdência tem um papel fundamental na capacidade do Estado brasileiro de se endividar ainda mais, para garantir justamente esse processo; porque, quando o Estado brasileiro economiza 900 bilhões em dez anos, ele tá ofertando garantia para a banca financeira, para poder ampliar o seu próprio endividamento e continuar esse processo de destruição e rapina do que sobrou do modelo nacional-desenvolvimentista que foi a tônica de 1930 até o final dos anos 70.

É isso que está sendo destruído, e o liberalismo operou essa destruição, tanto o de direita quanto o de esquerda. É por isso que as massas populares romperam como este formato de fazer política. Por quê, qual é a tônica do liberalismo? É o sistema parlamentar, é o teatro da representação, é a melhor forma de controle burguês, da sociedade por ações, que não tem melhor domínio que o parlamento. Por isso que a burguesia não vai abdicar do parlamento. O parlamento vai fazer todas as negociatas e operar todas as contrarreformas necessárias para o desenvolvimento capitalista brasileiro diante desse novo paradigma.

Isso foi inaugurado a partir da década de 80 e se radicaliza agora. Todos os governos que passaram, é preciso entender isso, inclusive os governos petistas, operaram nessa racionalidade, operaram na racionalidade da austeridade e na racionalidade do cretinismo parlamentar. E nessa racionalidade entregou para a classe trabalhadora o desespero e o sofrimento que ela está vivendo atualmente. Por isso, a classe trabalhadora, em sua grande maioria, rejeitou o PT. Não é por acaso que o PT sofreu as maiores derrotas eleitorais nos redutos proletários, nas cidades de maior caráter industrial, naquelas cidades que tinham um proletariado sólido, inclusive, onde o próprio PT nasceu. Então ele foi repudiado, por quê? Porque aquela classe trabalhadora, que emerge no final da ditadura, foi destruída nesse processo de liberalização da economia, de abertura comercial, de entrega de todas as esferas produtivas para a dinâmica das finanças.

O que não quer dizer obviamente que não haja exploração da força de trabalho, expropriação de riqueza, porque o cortador da JBS, o cara que corta frango aqui no oeste catarinense, está subordinado à lucratividade dos acionistas; a velocidade da linha de montagem tem que aumentar, porque ele precisa mostrar resultado para o acionista. Então as taxas de exploração aumentam, a violência contra a classe trabalhadora, a necessidade do encarceramento de massa, para dar conta dessa miséria, porque se nas camadas médias acontece essa destruição, nas camadas mais empobrecidas a situação é ainda pior.

Essa contrarreforma da previdência vai significar uma deterioração das condições de vida desses trabalhadores brasileiros. Eu apontaria rapidamente quatro movimentos que vão ocorrer necessaria e inexoravelmente como resultado disso: primeiro, aumento generalizado da pobreza, não apenas do aposentado, mas de toda a família, pois empobrece o orçamento familiar; de outro lado joga quatro gerações pra competir no mercado de trabalho, onde um idoso hoje trabalha num caixa de supermercado, e rebaixa também os salários; uma nova onda migratória: o Brasil vive um caos urbano que é produto dessas décadas de austeridade do investimento público; 90% do Brasil é urbano, 50% dele está concentrado em 26 cidades; hoje mais de 70% dos municípios brasileiros têm na previdência o principal recurso, que ainda segura uma parcela da população nas pequenas e médias cidades do interior; isso vai provocar uma nova onda migratória, generalizada; mais pessoas que vão sair das pequenas e médias cidades, buscando as grandes cidades, e vão se defrontar nas grandes cidades com esse caos urbano que já tá colocado: problemas no transporte público, na saúde pública, na educação pública, a violência urbana explodindo, e vai obviamente empurrar a sociedade brasileira paro caos social.

Nota: O governo esperava com a reforma da Previdência uma economia de R$ 1,236 trilhão em dez anos, mas a câmara dos deputados aprovou a cifra de 933,5 bilhões em dez anos, além do combate de fraudes previdenciárias - que gera economia extra de recursos.

Maurício Mulinari é economista do DIEESE e colaborador do IELA – Instituto de Estudos Latino-Americanos – Universidade Federal de Santa Catarina.

O presente texto é a transcrição de um trecho de uma entrevista de Maurício Mulinari concedida ao Duplo Expresso.

ver também: Entenda a reforma da previdência