por Maurício Mulinari
Eu
avalio que, a despeito dos dados da economia real, do crescimento econômico e
da geração de emprego estar em decadência, as margens de lucro das grandes
companhias, tanto brasileiras quanto multinacionais que operam no mercado, isto
é, os grandes monopólios, estão crescendo violentamente neste cenário. Eis a
tônica da guerra de classes, desde 2012, quando caem os preços das commodoties,
produtos de exportação brasileiros: as grandes companhias começam a entrar em
choque contra a classe trabalhadora. A gente pode ver isso evidente nos dados
das greves. De 1997 a 2011, o Brasil teve uma média de 300 a 400 greves ao ano,
muito pouco. Em 2012, imediatamente após a queda dos preços internacionais, as greves
saltaram para 900. Depois disso, foram 2000 greves ao ano, até 2017, e, após
isso, 2018-2019, 1500 greves – greves de caráter defensivo, ou seja, é o
capital avançando contra os trabalhadores para recompor sua margem de lucro.
Isso ganha um novo cenário a partir do ajuste fiscal da presidente Dilma, que
provoca um desemprego de mais de 12%, que é o que a gente está se defrontando
hoje.
A
Dilma deu início à guerra de classes, no seu elemento mais sistemático, o
Estado entrando como o grande organizador da classe dominante e avançando
contra os trabalhadores. A partir disso, a margem de lucro, dos bancos, dos
grandes comércios, dos balanços patrimoniais, que são lançados trimensalmente, apresenta
uma recuperação, ou seja, uma recomposição da margem de lucro, com base na
guerra de classe.
Então
isso vem mantendo a margem de lucro, a despeito dos indicadores econômicos, do
desemprego e do crescimento econômico estarem em queda ou estagnados. Isto é
nítido. A gente vê o desespero da população, da grande massa – que, aliás, é
isso que está tirando a credibilidade do teatro parlamentar perante as grandes
massas populares. As classes populares estão enojadas com o teatro parlamentar,
porque as suas condições de vida objetiva estão num processo acelerado de degeneração
como nunca antes visto.
Não
é uma degeneração social nos termos dos anos 60 quando mais de 60% da população
era agrária, ou nos termos dos anos 80 quando havia uma camada média urbana
criada pela própria ditadura militar, formada por bancários, servidores
públicos, metalúrgicos, que tinham uma condição salarial mais elevada e até
mesmo a capacidade de comprar uma propriedade urbana mais facilmente, porque o preço
da propriedade dentro desta lógica da especulação urbana ainda não existia.
Hoje
a nova geração da classe trabalhadora está desesperada. É uma geração na casa dos
seus vinte cinco a quarenta anos, jogada no mercado de trabalho, que passou por
um longo processo de destruição de suas condições de emprego e dos ditos
direitos sociais, porque a reforma da previdência é mais um capítulo de um conjunto
de contrarreformas da previdência que estão sendo feitas desde 1966, quando da
ditadura, e de todos os governos democráticos liberais, como Fernando Henrique
Cardoso, Lula e Dilma. Todos eles fizeram uma reforma da previdência.
Do
outro lado, esta farra da especulação, que joga na impossibilidade esta nova
geração de ter emprego, que não tem estabilidade, o salário é menor e não
consegue nem ao menos comprar uma propriedade urbana. Então, do ponto de vista
do velho Marx, é uma proletarização sem precedentes da população, da força de
trabalho brasileira. Proletários, sem nada, a não ser a sua força de trabalho. Diante
de uma taxa de desemprego de mais de 13%, diante de cinco milhões de
desalentados, que nem mesmo procurar emprego mais buscam, diante de 27 milhões
de pessoas que estão no subemprego, que é o que mais cresce no Brasil, que é
esse pessoal que bota uma mochila laranja ou verde nas costas e anda de
bicicleta, porque até mesmo isso o capital dá uma solução, porque eles não podem
comprar um carro ou uma moto, e daqui a pouco vão te que ir a pé, correndo, se
quiserem trabalhar; então essa é a nova classe trabalhadora, que se defronta
com a crise.
A
nova classe trabalhadora está completamente desamparada, pois o congresso, com
seu teatro parlamentar, não passa de um covil de ladrões. Quem comanda este
processo é a grande finança, que articula todos os setores econômicos. Não é aquela
ideologia das finanças contra o mundo produtivo; pelo contrário, qual é o
grande negócio dos grandes bilionários brasileiros? Comprar empresas
produtivas, fazer reestruturações produtivas, demitir, baixar salário, retirar direitos
e vender novamente. É tão somente compra e venda. Então, no Brasil, em
bancarrota, a elite econômica compra e vende de qualquer maneira, sem passar
pela produção.
A
contrarreforma da previdência entra nesse contexto. Qual é a questão de Paulo
Guedes quando ele quer economizar um trilhão? E, agora, com toda essa mudança,
o teatro das comissões, enfim, deixou de economizar 1,3 trilhão e passou a economizar
900 bilhões em dez anos (Nota). Em cima do quê? De quase 90% de quem ganha até
dois salários mínimos, dos benefícios da previdência. E para onde vai esse
recurso? Parte expressiva dele vai ser operado pela previdência privada, dos
grandes bancos, que vão ofertar esses serviços, que é uma das fronteiras da
acumulação capitalista, isto é, a industrialização dos serviços: vender
serviços de maneira organizada e mais racional do ponto de vista do capital. A
própria proposta do regime de capitalização que foi retirado da comissão era de
manter a compulsoriedade da contribuição para o regime de capitalização
privado; que, aliás, é isso que vai acontecer.
Toda
essa contrarreforma só mexe na destinação do recurso e a compulsoriedade
continua muito presente. E já não é de agora, porque, se você pegar a situação
das receitas da União, que está desde 95 comendo parte das receitas da
seguridade social, que historicamente sempre foi superavitária – o modelo
constitucional da seguridade social é superavitário –, todo esse recurso foi
desviado para o sistema financeiro; então ela não deixa de ser compulsória.
Esse
é o ponto essencial da contrarreforma: não deixa de ser compulsória porque vai
continuar descontando do seu salário. Obviamente, isso vai diminuir cada vez
mais a arrecadação e exigir, por conta das condições do mercado de trabalho,
que piora a inserção da capacidade dos trabalhadores contribuírem, vai exigir
novas contrarreformas, sistematicamente. E, diante da grande parcela desses 900
bilhões que deixam de ser pagos para os trabalhadores efetivamente, os
beneficiários da previdência pública também vão ser liberados para o jogo da
especulação financeira, para os grandes capitalistas, que vão se aproveitar
desses recursos, que antes era restrito ao fundo público e passam a ser
destinado para acumulação privada.
Isto está em curso no Brasil, é preciso ter clareza, desde a contrarreforma de 1966; porque a previdência não cai do céu, ela é fruto da luta histórica da classe trabalhadora. Alias, em nível mundial, o primeiro momento da organização da previdência pública foi com Bismarck, na Alemanha, como uma resposta à Comuna de Paris. Então, conforme a teorização de Rosa de Luxemburgo, os trabalhadores lutam com força revolucionária e, vencendo ou sendo derrotados, as classes dominantes têm que incorporar suas pautas no Estado. A partir daí começa o processo de reformas. O processo de reformas de constitucionalização da previdência como direito social começa com Bismarck em 1875; vai ter um segundo momento na Inglaterra, em 1945; e no Brasil passa a entrar em cena em 1923 e sistematiza-se em 1930, como resposta a um momento histórico onde a classe trabalhadora tinha um horizonte revolucionário na sua luta.
Isto está em curso no Brasil, é preciso ter clareza, desde a contrarreforma de 1966; porque a previdência não cai do céu, ela é fruto da luta histórica da classe trabalhadora. Alias, em nível mundial, o primeiro momento da organização da previdência pública foi com Bismarck, na Alemanha, como uma resposta à Comuna de Paris. Então, conforme a teorização de Rosa de Luxemburgo, os trabalhadores lutam com força revolucionária e, vencendo ou sendo derrotados, as classes dominantes têm que incorporar suas pautas no Estado. A partir daí começa o processo de reformas. O processo de reformas de constitucionalização da previdência como direito social começa com Bismarck em 1875; vai ter um segundo momento na Inglaterra, em 1945; e no Brasil passa a entrar em cena em 1923 e sistematiza-se em 1930, como resposta a um momento histórico onde a classe trabalhadora tinha um horizonte revolucionário na sua luta.
A
partir dos anos 60, de 68 em diante, a classe trabalhadora abdica da revolução como
um horizonte histórico e a classe dominante se sente à vontade para começar a
promover uma sistemática retirada de tudo aquilo que ela teve de conceder para
manter os dedos. Vão se os anéis, mas ficam os dedos, naquele processo, em que
a classe trabalhadora queria efetivamente tomar o poder e não só ocupar os
aparelhos do Estado, como nos limites do petismo, ao qual entendia o Estado
como espaço de contradição e buscava atuar dentro dele, na tentativa de construir
um espaço de hegemonia; e, depois que está no Estado, não sabe o que fazer, e
acaba operando no mesmo sentido das contrarreformas, destruindo os direitos dos
trabalhadores e jogando as novas gerações em condições muito piores que a dos
seus pais.
Essa
nova camada da classe trabalhadora não encontra as mesmas circunstâncias anteriores,
isto é, setores que antes se colocavam como camada média – aquela pequena
burguesia ou aquelas classes assalariadas mais bem pagas no mercado de
trabalho. Agora a nova geração se vê numa degeneração completa e não conseguem
reproduzir nem ao menos as condições de vida de seus pais. É esse setor social
desesperado diante dos frutos da globalização; diante dos frutos do
liberalismo, tanto do liberalismo de direita, quanto do liberalismo de
esquerda. E esse setor, como não identifica uma esquerda de caráter
revolucionário, fica à deriva e acaba sendo recrutada pelos setores da extrema
direita, que vêm crescendo e apresentando uma crítica a esse liberalismo que se desmoronou.
Esse
é o ponto essencial da contrarreforma da previdência; é entender que ela é
parte de um processo histórico, e o que Bolsonaro não é novidade, pois muitas
contrarreformas já foram feitas. Então, qual é o ideal da contrarreforma da
previdência? É destruir completamente a previdência e pegar toda essa
capacidade arrecadatória que o Estado detém e destinar exclusivamente para
financiar as fusões e aquisições, inclusive, com a desnacionalização do patrimônio.
Essa rapina generalizada é financiada pelo próprio Estado brasileiro, que
financia os monopólios brasileiros que não conseguem competir na dinâmica da
divisão internacional do trabalho, o monopólio da carne, o
monopólio da construção civil, e que minimamente vai criar a infraestrura para
escoar a produção agromineral, dos latifúndios, da extração de minério, em larga
escala. Então o Brasil se especializa com esses setores, que ainda lhe cabem na
divisão internacional do trabalho, criando monopólios nacionais e
desnacionalizando propriedades que sobraram do Estado brasileiro.
E,
como se não bastasse, essa contrarreforma da previdência tem um papel
fundamental na capacidade do Estado brasileiro de se endividar ainda mais, para
garantir justamente esse processo; porque, quando o Estado brasileiro economiza
900 bilhões em dez anos, ele tá ofertando garantia para a banca financeira,
para poder ampliar o seu próprio endividamento e continuar esse processo de
destruição e rapina do que sobrou do modelo nacional-desenvolvimentista que foi
a tônica de 1930 até o final dos anos 70.
É
isso que está sendo destruído, e o liberalismo operou essa destruição, tanto o de
direita quanto o de esquerda. É por isso que as massas populares romperam como
este formato de fazer política. Por quê, qual é a tônica do liberalismo? É o
sistema parlamentar, é o teatro da representação, é a melhor forma de controle
burguês, da sociedade por ações, que não tem melhor domínio que o parlamento.
Por isso que a burguesia não vai abdicar do parlamento. O parlamento vai fazer todas as negociatas e operar todas as contrarreformas necessárias
para o desenvolvimento capitalista brasileiro diante desse novo paradigma.
Isso foi inaugurado a partir da década de 80 e se radicaliza agora. Todos os governos que passaram, é preciso entender isso, inclusive os governos petistas, operaram nessa racionalidade, operaram na racionalidade da austeridade e na racionalidade do cretinismo parlamentar. E nessa racionalidade entregou para a classe trabalhadora o desespero e o sofrimento que ela está vivendo atualmente. Por isso, a classe trabalhadora, em sua grande maioria, rejeitou o PT. Não é por acaso que o PT sofreu as maiores derrotas eleitorais nos redutos proletários, nas cidades de maior caráter industrial, naquelas cidades que tinham um proletariado sólido, inclusive, onde o próprio PT nasceu. Então ele foi repudiado, por quê? Porque aquela classe trabalhadora, que emerge no final da ditadura, foi destruída nesse processo de liberalização da economia, de abertura comercial, de entrega de todas as esferas produtivas para a dinâmica das finanças.
Isso foi inaugurado a partir da década de 80 e se radicaliza agora. Todos os governos que passaram, é preciso entender isso, inclusive os governos petistas, operaram nessa racionalidade, operaram na racionalidade da austeridade e na racionalidade do cretinismo parlamentar. E nessa racionalidade entregou para a classe trabalhadora o desespero e o sofrimento que ela está vivendo atualmente. Por isso, a classe trabalhadora, em sua grande maioria, rejeitou o PT. Não é por acaso que o PT sofreu as maiores derrotas eleitorais nos redutos proletários, nas cidades de maior caráter industrial, naquelas cidades que tinham um proletariado sólido, inclusive, onde o próprio PT nasceu. Então ele foi repudiado, por quê? Porque aquela classe trabalhadora, que emerge no final da ditadura, foi destruída nesse processo de liberalização da economia, de abertura comercial, de entrega de todas as esferas produtivas para a dinâmica das finanças.
O
que não quer dizer obviamente que não haja exploração da força de trabalho,
expropriação de riqueza, porque o cortador da JBS, o cara que corta frango aqui
no oeste catarinense, está subordinado à lucratividade dos acionistas; a
velocidade da linha de montagem tem que aumentar, porque ele precisa mostrar
resultado para o acionista. Então as taxas de exploração aumentam, a violência
contra a classe trabalhadora, a necessidade do encarceramento de massa, para dar
conta dessa miséria, porque se nas camadas médias acontece essa destruição, nas
camadas mais empobrecidas a situação é ainda pior.
Essa
contrarreforma da previdência vai significar uma deterioração das condições de
vida desses trabalhadores brasileiros. Eu apontaria rapidamente quatro
movimentos que vão ocorrer necessaria e inexoravelmente como resultado disso:
primeiro, aumento generalizado da pobreza, não apenas do aposentado, mas de
toda a família, pois empobrece o orçamento familiar; de outro lado joga quatro
gerações pra competir no mercado de trabalho, onde um idoso hoje trabalha num
caixa de supermercado, e rebaixa também os salários; uma nova onda migratória:
o Brasil vive um caos urbano que é produto dessas décadas de austeridade do
investimento público; 90% do Brasil é urbano, 50% dele está concentrado em 26
cidades; hoje mais de 70% dos municípios brasileiros têm na previdência o
principal recurso, que ainda segura uma parcela da população nas pequenas e
médias cidades do interior; isso vai provocar uma nova onda migratória,
generalizada; mais pessoas que vão sair das pequenas e médias cidades, buscando
as grandes cidades, e vão se defrontar nas grandes cidades com esse caos urbano
que já tá colocado: problemas no transporte público, na saúde pública, na
educação pública, a violência urbana explodindo, e vai obviamente empurrar a
sociedade brasileira paro caos social.
Nota:
O governo esperava com a reforma da Previdência uma economia de R$ 1,236
trilhão em dez anos, mas a câmara dos deputados aprovou a cifra de 933,5 bilhões em
dez anos, além do combate de fraudes previdenciárias - que gera economia
extra de recursos.
Maurício
Mulinari é economista do DIEESE e colaborador do IELA – Instituto de Estudos
Latino-Americanos – Universidade Federal de Santa Catarina.
O
presente texto é a transcrição de um trecho de uma entrevista de Maurício
Mulinari concedida ao Duplo Expresso.
ver também: Entenda a reforma da previdência
ver também: Entenda a reforma da previdência
Nenhum comentário:
Postar um comentário