terça-feira, 15 de outubro de 2019

POBRES PAGAM MAIS COM ALIMENTAÇÃO E HABITAÇÃO


Famílias com até 2 salários gastam 61% do orçamento com alimentos e habitação


As famílias com rendimento de até dois salários mínimos (R$ 1.908) comprometem uma parte maior de seu orçamento com alimentação e habitação que aquelas com rendimentos superiores a 25 salários mínimos (R$ 23.850).

Somados, os dois grupos representam 61,2% das despesas das famílias com menores rendimentos, sendo 22% destinados à alimentação e 39,2% voltados à habitação. Entre aquelas com os rendimentos mais altos, a soma atinge 30,2%, sendo 7,6% com alimentação e 22,6% com habitação.

É o que mostra a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, divulgada hoje pelo IBGE.

O gerente da pesquisa, André Martins, diz que “o entendimento do orçamento doméstico, no que se refere às despesas, muda de acordo com a classe de rendimento das famílias”.

É o caso da alimentação. Para as famílias que formam a classe de maiores rendimentos, as despesas com alimentação (R$ 2.061,34) são mais que o triplo do valor médio do total das famílias do país (R$ 658,23) e mais de seis vezes o valor da classe com rendimentos mais baixos (R$ 328,74).

Para André, quando se olha para despesas, como as de saúde (6,5%), a participação percentual é bastante parecida entre os dois extremos de rendimento, mas os valores em si são em níveis e tipos diferentes. “Nas famílias de maiores rendimentos, essas despesas vão para plano de saúde [2,9%]. Nas famílias com menores rendimentos, são despesas com remédios [4,2%]”, ressaltou.
Segundo a POF, alimentação, habitação e transporte comprometiam, em conjunto, 72,2% dos gastos das famílias brasileiras, no que refere ao total das despesas de consumo, ou seja, aquelas utilizadas para a aquisição de bens e serviços.

No caso da alimentação, a proporção nos gastos totais das famílias em situação rural (23,8%) superou a da urbana (16,9%), bem como as despesas com transporte (20% rural e 17,9% urbano). Educação (4,7%) foi o grupo que apresentou a diferença mais relevante entre as participações da situação de residência urbana (4,9%) e da rural (2,3%).

Brasileiros investem menos e pagam mais dívidas

A participação das despesas destinadas ao aumento do ativo, como aquisição e reforma de imóveis, foi de 4,1% em relação ao total das despesas. Esse grupo teve forte queda ao longo dos quase 30 anos que se passaram entre o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef), com 16,5%, e a POF de 2003, com 4,8%. Para o período mais recente, o percentual vem apresentando menor variação, atingindo 5,8% em 2009 e 4,1% em 2018.

Já a diminuição do passivo, que inclui pagamentos de débitos, juros e seguros com empréstimos pessoais, apresentou menores variações na tendência histórica. Após uma manutenção na participação em 2003 (2%) e 2009 (2,1%), o percentual foi um pouco maior para 2018, chegando a 3,2%. Esse percentual está próximo do observado no Endef, quando representava 3,6% da despesa total.

Para o gerente da pesquisa, “quando se compara com o Endef, reparamos que a parcela destinada ao aumento do ativo era maior, quando comparada com a pesquisa de 2003. De 2009 a 2018, vimos um pequeno aumento com as despesas para pagamento de empréstimo”.

Como as despesas correntes comprometem 92,7% das despesas do domicílio, “sobra essa outra parcela para dividir entre investimentos e a diminuição do passivo”, concluiu André, lembrando que os gastos correntes incluem, além das despesas de consumo, impostos, contribuições trabalhistas, serviços bancários e pensões.

Brasileiro gasta, em média, R$ 4,6 mil por mês

A despesa total média mensal familiar no Brasil foi de R$ 4.649,03 em 2018, sendo 7,2% mais alta nas áreas urbanas (R$ 4.985,39) e 45,3% menor nas áreas rurais (R$ 2.543,15). Os maiores valores ocorreram nas regiões Centro-Oeste (R$ 5.762,12) e Sudeste (R$ 5.415,49). Norte (R$ 3.178.63) e Nordeste (R$ 3.166,07) ficaram abaixo da média.

André disse, ainda, que “essa pesquisa trabalha com despesas monetárias e não monetárias, que são as parcelas em que as famílias têm a aquisição de determinado produto, mas não precisaram desembolsar determinados valores para isso. E têm tido uma importância de cerca de 18% em relação às despesas totais”.

No Brasil, as despesas monetárias, realizadas mediante pagamento em dinheiro, cheque ou cartão de débito ou crédito, representam 81,9% do total. Já as despesas não monetárias representam 18,1%, aquelas provenientes de produção própria, retiradas do negócio, troca, doação e outras formas de obtenção que não envolveram pagamentos em dinheiro.

As despesas não monetárias têm uma participação maior nas áreas rurais (22,5% contra 17,7% nas áreas urbanas). A região Centro-Oeste mostrou o menor percentual (15,9%), enquanto o maior foi registrado no Norte (19%).

Editoria: Estatísticas Sociais | Diana Paula de Souza | Arte: Simone Mello

Fonte: IBGE 04/10/2019

APOSENTADORIA SUSTENTA A ECONOMIA


Quase 25% da renda de mais pobres vêm de aposentadorias e programas sociais


O valor médio mensal recebido pelas famílias brasileiras alcançou R$ 5.426,70 em 2018, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, divulgada hoje pelo IBGE. Entre os lares mais pobres, que recebem até R$ 1.908, quase um quarto da renda (24,3%) vem de aposentadorias, pensões e programas sociais, mas essa dependência chega a 28,8% quando se consideram todas as transferências levantadas pela pesquisa.

Considerando as fontes de renda de todas as famílias, as transferências equivalem a 19,5%, e o rendimento não monetário, que são as aquisições que as famílias não precisaram pagar, representa 14,5%. O rendimento de trabalho foi a principal fonte, responsável por 57,5% do total recebido.

O gerente da pesquisa, André Martins, destacou que há diferenças em relação a origem dos valores recebidos de acordo com a classe de rendimento das famílias: “além do rendimento de trabalho, nas famílias de menores rendimento vemos também a importância das transferências e do rendimento não monetário, que complementa o orçamento familiar”.

Já nas famílias de maiores rendimentos, a importância do trabalho é maior, além da variação patrimonial. “Na variação patrimonial estão incluídos os saques de poupança e, em geral, as famílias de maiores rendimentos têm essa disponibilidade. E também vendas de imóveis e bens de valores mais altos, heranças”, disse André.
Famílias de zonas rurais ganham pouco mais da metade das áreas urbanas

A pesquisa mostrou diferenças regionais e em relação a situação de domicílio: as famílias em situação rural recebiam pouco mais da metade (52,3%) do valor recebido em áreas urbanas. Centro-Oeste (R$6.772,86) e Sudeste (R$6.391,29) foram a regiões com maiores rendimentos, enquanto Nordeste (R$ 3.557,98) e Norte (R$ 3.647,70) apresentaram os menores valores.

“A gente também vê diferenças de contribuição das regiões para a formação do rendimento médio mensal familiar. A região Sudeste representa mais da metade dessa média, com 51,4%. Já a região Norte, com 4,9%, é a que menos contribui”, explicou André Martins

Apenas 2,7% das famílias se apropriam de 20% da média global do rendimento

Quando se observam as famílias por classes de rendimento, 23,9% das famílias recebiam até R$1.908,00 (dois salários mínimos) e contribuíam com apenas 5,5% do valor médio recebido no Brasil. Ou seja, da média mensal global de R$5.426,70, apenas R$297,18 vêm deste grupo.

Na última classe estão apenas 2,7% das famílias brasileiras, que recebiam mais de R$23.850,00 (25 salários mínimos). Este grupo contribuiu com R$1.080,26 para média global de R$5.426,70. Dessa forma, este grupo se apropria de quase 20% de todos os valores recebidos pelas famílias.

“Isso mostra como os extremos são desiguais na hora de colaborarem para rendimento médio mensal das famílias brasileiras”, concluiu André.


Editoria: Estatísticas Sociais | Irene Gomes | Arte: Simone Mello

Fonte: IBGE 04/10/2019 

terça-feira, 1 de outubro de 2019

GEOGRAFIA E ANARQUISMO


por Amir El Hakim de Paula

Alguns geógrafos, embora com uma carreira brilhante e de grande reconhecimento, ao morrerem tiveram certo silêncio sobre a sua representatividade perante a academia científica. Isso se aplica, pelo menos, aos geógrafos anarquistas, se podemos assim chamar dois eminentes cientistas que conquistaram enorme sucesso enquanto vivos, mas que hoje têm pouquíssimo reconhecimento, sendo, às vezes, citados esparsamente nos cursos de história do pensamento geográfico.

Um deles, Élisée Reclus, um dos principais expoentes daquilo que se chamou de Geografia Social, embora acessasse o cargo de professor apenas no final de sua vida, aparece em alguns periódicos de Geografia contemporânea quase sempre atrelado ao seu envolvimento com as ideias ácratas. [1]

Com importância tão grande para as ciências humanas e naturais quanto para seu companheiro de ideias, é estranha a tênue receptividade de Piotr Kropotkin no Brasil, tendo seus escritos pouca ressonância nos cursos de graduação em Geografia. Nesse sentido, faz se necessário apresentar uma curta biografia desse importante pensador russo.

Piotr Kropotkin nasceu em Moscou no ano de 1842, no seio de uma família nobre (Rurik) que por mais de oitocentos anos governou as terras russas e ucranianas.

De origem abastada, desde tenra idade, recebeu uma extensa formação educacional fortemente influenciada pela cultura francesa. Aos 12 anos entrou no respeitado Corpo de Pajens, escola militar de enorme prestígio entre a nobreza russa.

Depois de formado, Kropotkin seguiu a carreira militar sendo enviado à região do rio Amur, na Sibéria, com a tarefa de liderar um grupo de pesquisadores que teriam a incumbência de cartografar essa região, ainda pouco conhecida do governo russo. Essas pesquisas deram a ele grande reconhecimento da Sociedade Geográfica Russa e lhe renderam uma medalha de ouro pelas descobertas científicas, bem como fizeram com que se tornasse coordenador da área de Geografia Física dessa prestigiada entidade.

Nesse percurso, Kropotkin toma contato com a vida selvagem das áreas mais inóspitas da Sibéria, observando que muito do que aparecia na obra de Charles Darwin [2] não tinha qualquer relação com que encontrava nas taigas dessa região. Uma das questões frequente na obra do naturalista inglês era a chamada “sobrevivência do mais capaz”, transformada em uma lei por aqueles que defendiam abertamente as teorias evolucionárias de viés darwinista. Relacionando suas pesquisas empíricas com aquelas existentes na obra magna darwinista, Kropotkin vai perceber que, ao contrário do que alguns evolucionistas afirmavam, uma “estranha” sociabilidade predominava nas regiões mais geladas do planeta, em vez de uma sobrevivência baseada na vitória do mais capaz. Para o geógrafo russo, o que mais se destacava era a solidariedade entre os animais, principalmente nos indivíduos de uma mesma espécie, que assim conseguiam levar vantagem sobre os seus “inimigos” naturais.

Assim, cabe nessa pesquisa compreendermos de que forma o pensamento de Kropotkin divergia do modelo científico predominante no século XIX, visto que ele defendia abertamente os princípios anarquistas. Além disso, discutiremos como essa metodologia de análise científica influenciou seus escritos geográficos e políticos.

Como forma de um esclarecimento do processo de construção dessas ideias científicas, optamos, no primeiro capítulo, por discutir dois autores que foram basilares para que tanto Kropotkin como Charles Darwin defendessem propostas divergentes nesse importante momento do século XIX: de um lado aquele que, com certeza, poderia ser considerado a maior influência nas ideias que levaram Darwin a chegar ao mote da “sobrevivência do mais capaz”: Robert Malthus; e de outra parte, chegamos ao principal questionador dos postulados malthusianos e também reconhecido pelo próprio geógrafo russo como o pai do anarquismo moderno: William Godwin.

Notas:

1 Veja-se, por exemplo, o caso da revista Herodote, que consagrou uma edição especial ao geógrafo francês com o título de Élisée Reclus, geógrafo libertário. No Brasil, temos a quinquagésima edição doBoletim Paulista de Geografia, na qual Aroldo de Azevedo, mesmo tecendo vários elogios ao trabalho do geógrafo francês, acentuou em diversos momentos a opção revolucionária e anarquista dele.

2 Como demonstram Woodcock e Avakumovic (1978, p.79, tradução nossa) “suas observações sobre a vida animal despertarão consideráveis dúvidas em Kropotkin como em Poliakov a respeito da insistência de Darwin na luta pela vida como um fator de evolução, proporcionando assim os primeiros dados sobre o que Kropotkin elaboraria mais tarde como sua própria teoria da evolução baseada no apoio mútuo”. [“sus observaciones sobre la vida animal despertaron considerables dudas tanto en Kropotkin como en Poliakov respecto a la insistencia de Darwin en la lucha por la vida como factor de evolución, proporcionando así los primeros datos sobre los que Kropotkin elaboraría más tarde como su propia teoría de la evolución basada en el apoyo mutuo”.]

Introdução de “Geografia e anarquismo: a importância do pensamento de Piotr Kropotkin para a ciência”, de Amir El Hakim de Paula, Editora UNESP, Ano: 2019, ISBN: 9788595463356.


Amir El Hakim de Paula possui graduação (1999), mestrado (2005), doutorado (2011) e pós-doutorado (2016) em Geografa pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Tem experiência na área de Geografa, com ênfase em Geografa Humana e ensino de Geografia, atuando principalmente nos seguintes temas: história do pensamento geográfico, epistemologia da geografia, anarquismo e educação.