por Alexander Berkman
Tradução: Ateneu Diego
Giménez / COB-AIT Piracicaba/SP.
O movimento de
Kronstadt foi espontâneo, sem preparativos preliminares e pacífico. A sua
transformação em um conflito armado de fim trágico e sangrento foi devido
unicamente ao despotismo da ditadura comunista.
A despeito de se dar
conta do caráter geral dos bolcheviques, Kronstadt, não obstante, ainda tinha
fé na possibilidade de uma solução amistosa. Crendo que o governo comunista
viria à razão, lhe creditava um certo espírito de justiça e de liberdade.
A experiência de
Kronstadt prova uma vez mais que o governo, o Estado – qualquer que seja seu
nome e sua forma – é sempre o inimigo mortal da liberdade e da
autodeterminação. O Estado não tem nem alma nem princípios. Ele tem um único
objetivo: assegurar o poder e conservá-lo, a qualquer preço. Esta é a lição
política de Kronstadt.
Outra lição, uma lição
estratégica, nos é ensinada por qualquer rebelião. O êxito da revolta depende
de sua determinação, de sua energia, e de sua agressividade. Os insurretos têm
do seu lado a simpatia das massas. Esta simpatia se acelera com a onda
crescente da insurreição. Não deve ser permitido que ela seja apaziguada, que
se debilite por um retorno à monotonia cotidiana.
Por outro lado, toda
revolução tem contra ela o aparato poderoso do Estado. O governo pode
concentrar em suas mãos as fontes de provisões e os meios de comunicação. Não
se deve dar tempo ao governo para que faça uso de seus poderes. A rebelião deve
ser vigorosa, atacando inesperadamente e determinadamente. Ela deve se alastrar
e se desenvolver. Uma rebelião que fica localizada, usando a política da
espera, ou que se coloca na defensiva, está inevitavelmente condenada à
derrota.
Especialmente neste
ponto, Kronstadt repetiu os erros estratégicos fatais dos comunardos de Paris.
Estes últimos não quiseram seguir a opinião dos que propuseram um ataque
imediato a Versalhes, quando o governo de Thiers estava desorganizado. Não
estenderam a revolução para todo o país. Nem os operários parisienses de 1871
nem os marinheiros de Kronstadt tinham por objetivo a abolição do Governo. Os
comunardos não queriam, em suma, mais que certas liberdades republicanas, e
quando o governo tentou desarmá-los, expulsaram os Ministros de Thiers de
Paris, estabeleceram suas liberdades e se prepararam para defendê-las – nada
mais. Assim como Kronstadt também exigiu apenas eleições livres para os
Sovietes. Tendo prendido alguns Comissários, os marinheiros se dispuseram a se
defenderem contra o ataque. Kronstadt recusou-se a seguir a opinião dos
especialistas militares de apoderar-se imediatamente de Oranienbaum. Este forte
era da maior importância militar e tinha também 50.000 puds [5] de trigo
pertencentes a Kronstadt. A tomada de Oranienbaum era fácil, dado que os
bolcheviques, surpreendidos, não teriam tempo de enviar reforços. Porém, os
marinheiros se recusaram tomar a ofensiva, e logo se perdeu o momento
psicológico.
Alguns dias depois,
quando as declarações e os atos do Governo bolchevique convenceram Kronstadt de
que ela era arrastada a uma luta de vida ou morte, era muito tarde para
corrigir o erro [6].
O mesmo aconteceu com a
Comuna de Paris. Quando a lógica da luta a que foram levados demonstrou aos
comunardos a necessidade de abolir o regime de Thiers não só em Paris mas em
toda a extensão do país, já era muito tarde. Na Comuna de Paris, assim na
revolta de Kronstadt, a tendência à tática passiva e defensiva se provou fatal.
Kronstadt caiu. O
movimento de Kronstadt pelos Sovietes livres foi afogado em sangue, no mesmo
momento em que o governo bolchevique fazia concessões para os capitalistas
europeus, assinando a paz de Riga, graças à qual uma população de doze milhões
foi descartada à mercê da Polônia, ajudando o imperialismo turco a estrangular
a república do Cáucaso.
Porém o “triunfo” dos
bolcheviques sobre Kronstadt carregava em suas entranhas a derrota do
bolchevismo. Ele expõe o caráter verdadeiro da ditadura comunista. Os
comunistas mostraram que estavam dispostos a sacrificar o comunismo, para selar
quase qualquer compromisso com o capitalismo internacional, no entanto
recusaram as justas exigências de seu próprio povo – exigências que repetiam os
lemas de Outubro dos próprios bolcheviques: Sovietes eleitos pelo voto direto e
secreto, segundo a constituição da R.S.F.S.R.; e liberdade de expressão e de
imprensa para os partidos revolucionários.
O Décimo Congresso de
Todas as Rússias do Partido Comunista se reunia em Moscou no momento da
rebelião de Kronstadt. Nesse congresso, toda a política econômica bolchevique
mudou devido aos acontecimentos de Kronstadt e à atitude similarmente
ameaçadora do povo em várias outras partes da Rússia e da Sibéria. Os
bolcheviques preferiram reverter sua política fundamental, abolir a razverstka
(requisição forçada), introduzir a liberdade de comércio, fazer concessões aos
capitalistas e desfazer-se do próprio comunismo – o comunismo pelo qual foi
proclamada a Revolução de Outubro, pelo qual se derramaram mares de sangue e
pelo qual a Rússia foi levada para a ruína e para o desespero – mas não para
permitir Sovietes livremente eleitos.
Há alguém, no atual
momento, que possa duvidar das intenções reais dos bolcheviques? Eles
perseguiram Ideais Comunistas ou o Poder Governamental?
Kronstadt é de uma
grande importância histórica. Tocou o sino fúnebre do bolchevismo com sua
ditadura de partido, sua centralização insensata, seu terrorismo tchekista e
suas castas burocráticas. Ele atacou sobre o próprio coração da autocracia
russa. Chocou ao mesmo tempo as mentes inteligentes e honradas da Europa e da América,
e as obrigou a um exame crítico das teorias e dos fatos bolcheviques.
Explodiu o mito
bolchevique do Estado Comunista como sendo o “Governo dos Operários e
Camponeses”. Demonstrou que a ditadura do Partido Comunista e a Revolução Russa
eram fenômenos opostos, contraditórios, que se excluíam reciprocamente.
Demonstrou que o regime bolchevique é uma tirania e uma reação implacáveis, e
que o Estado Comunista é ele mesmo a contrarrevolução mais poderosa e perigosa.
Kronstadt caiu. Porém
caiu vitoriosa em seu idealismo e sua força moral, em sua generosidade e sua
humanidade superiores. Kronstadt foi esplêndida. Com razão, estava orgulhosa de
não ter derramado o sangue de seus inimigos, os comunistas que se encontravam
em seu seio. Os marinheiros mal educados e incultos, toscos em suas maneiras e
em sua linguagem, eram nobres demais para seguir o exemplo bolchevique da
vingança: não fuzilaram nem aos odiosos Comissários. Kronstadt encarna o
espírito generoso e clemente da alma eslava e do movimento emancipador secular
da Rússia.
Kronstadt foi a
primeira tentativa popular e inteiramente independente de libertar-se do jugo
do Socialismo de Estado – uma tentativa feita diretamente pelo povo, pelos
próprios operários, soldados e marinheiros. Era o primeiro passo em direção à
Terceira Revolução, a qual é inevitável e que, assim esperamos, levará para a
infeliz Rússia a liberdade permanente e a paz.
NOTAS
(5) Um pud equivale a
16.4 quilos.
(6) A negativa de
Kronstadt a se apoderar de Oranienbaum deu ao governo a possibilidade de
reforçar a fortaleza com seu regimento fiel, de eliminar as partes “infectadas”
da guarnição e de fuzilar os chefes da esquadra aérea que estavam prestes a se
unirem aos rebeldes de Kronstadt. Mais tarde, os bolcheviques fizeram uso da
fortaleza como um ponto de vantagem contra Kronstadt. Entre os fuzilados em
Oranienbaum se encontravam: Kolossov, chefe da divisão de aviadores da Marinha
Vermelha e presidente do Comitê Revolucionário Provisório que acabara de
organiza-se em Oranienbaum; Balachanov, secretário do Comitê, e os membros do
Comitê Romanov, Vladimirov etc.