por João Monti
Logo após ser empossada
ministra da Mulher, Família (?!!!) e Direitos Humanos, Damares Alves causou
polêmica ao afirmar em um vídeo a seguinte declaração: “A igreja evangélica
perdeu espaço na história. Nós perdemos o espaço na ciência quando nós deixamos
a teoria da evolução entrar nas escolas, quando nós não questionamos, quando
nós não fomos ocupar a ciência. A igreja evangélica deixou a ciência para lá e
‘vamos deixar a ciência sozinha, caminhando sozinha’. E aí cientistas tomaram
conta dessa área”.
Os sucessivos constrangimentos
envolvendo declarações desta senhora, como a de que crianças holandesas são
masturbadas pelos pais a partir dos sete meses de idade, poderiam ser
acrescidos a mais um, não menos embaraçoso, se acaso algum repórter de tino
perspicaz lhe perguntasse qual o formato da terra. Provavelmente, a resposta da
ilustríssima ministra seria novamente estarrecedora: a terra é plana.
Tal conjectura parece
absurda, mas não é. Teorias como a da terra plana fazem parte de um repertório
de ideias revisionistas muito difundido nas redes sociais em tempos de internet.
Quando ouvi pela
primeira vez alguém falar em terra plana, achei de que se tratava de mais uma
destas piadas, ou, na linguagem dos internautas, “memes”, que são
compartilhadas aos milhares na rede de mídias sociais. Afinal, diante dos
enormes avanços científicos e tecnológicos do mundo contemporâneo, a ideia da terra
plana não é mais do que uma anedota de desenho animado.
De fato, os efeitos da
revolução científica na vida cotidiana foram tão avassaladores que, no
imaginário do século XX, em grande parte, é bem verdade, alimentado por
Hollywood, os portões do terceiro milênio seriam abertos esplendorosamente por
uma fantástica odisseia em universos nunca dantes navegados. Quase duas décadas
depois, reconhecemos, não sem uma pitada de humor e frustração, que o osso não
foi tão longe assim.
Embora ousadamente
equivocado, o conteúdo significativo das ficções científicas importava nem
tanto pelo grau de acertos e, sim, por um profundo otimismo suscitado pelo
extraordinário progresso da humanidade nos últimos séculos, tendo por mola
propulsora as conquistas no campo da ciência. O Iluminismo parecia então ter
cumprido a promessa de dominar a natureza e afastar definitivamente toda
incerteza, supertição e o medo de um mundo terrivelmente ameaçador e habitado
por poderosos seres sobrenaturais.
Mas, ainda que os céus
das grandes cidades não estão sendo atravessados por carros voadores (por
enquanto só helicópteros), viajar no tempo é só uma teoria que não saiu do
papel e uma sonda espacial mal acaba de sair do sistema solar para se perder
para sempre no espaço profundo; por outro lado, a informática superou em muito
os antiquados telefones e computadores de tela de tubo da família Jackson e,
contrariando profecias apocalípticas, o mundo não acabou no ano mil nem nos
dois mil – e espero que, se a humanidade tiver juízo, algo que às vezes parece
não ter, o mundo não acabe pelo menos nos próximos mil anos ou mais.
Enfim, enquanto
sonhamos com as previsões fantásticas da ficção científica, podemos respirar
aliviados e confiar tranquilos na ciência real. Pois a ciência produziu
maravilhas, dentre tantas, o sistema global de redes de computadores
interligadas, vulgarmente conhecida por Internet, plataforma digital que,
aliás, ironicamente, veicula teorias como a da terra plana.
O desenvolvimento
científico, porém, não surgiu do nada. O sistema heliocêntrico deu o pontapé
inicial para a revolução cientifica da modernidade e a partir de então, do
ponto de vista epistemológico, a dimensão subjetiva humana deu lugar à
objetividade do conceito.
Na Antiguidade, a
concepção de terra plana fazia todo sentido e representava a cosmovisão de
fundo mitológico estruturante daquelas sociedades. A experiência dos indivíduos
não ultrapassava os limites da percepção sensível e as técnicas rudimentares da
época (se comparadas à tecnologia atual) mal possibilitavam um distanciamento
conceitual muito além da própria vivência individual e cotidiana. Da mesma
forma, longas viagens podiam demorar anos – dar a volta ao globo terrestre nem
pensar –, o que limitava o mundo à escala da localidade, não muito maior do que
a proporção das muralhas de uma cidade e adjacências. Todo conhecimento estava
restrito a uma casta de sacerdotes que explicava os fenômenos naturais através
de forças divinas e sobrenaturais, então, era natural, para aquelas sociedades,
a crença em um mundo explicado pela religião.
Ao contrário, o método
científico não é mero objeto de convicção e adesão, mas um tipo de conhecimento
racional capaz de prever e controlar fenômenos das mais diversas naturezas. Sua
eficácia se comprova nos resultados tangíveis que afetam diariamente as nossas
vidas. No mundo moderno, não há uma única atividade humana imune à sua
influência. A ciência não é onisciente, onipresente nem onipotente, mas em
todas as esferas da sociedade moderna, de uma igreja a um centro de pesquisa
tecnológico, colhem-se os frutos da ciência. De modo inverso ao conhecimento
religioso, fundamentado pelo dogma, que não pode ser questionado, é a dúvida metódica que move a ciência. Neste
sentido, os resultados de um trabalho científico estão sujeitos a
questionamentos e disponíveis para todos aqueles que, munidos de conhecimento
qualificado e instrumentos necessários, queiram testar teorias para comprovar
sua validade ou falsidade. Refutar uma teoria, porém, não é tarefa fácil. É
preciso antes demonstrar que ela está errada, através de um estudo sistemático
e testes rigorosos, e assim propor uma nova teoria, que, se aceita pela
comunidade científica, será um novo paradigma científico.
Todavia, não é
necessário, tampouco inteligente, realizar experiências e testar cada
contribuição gerada à humanidade pelo progresso científico. Sequer isso seria
possível. Na modernidade, a propósito, como bem caracterizou Max Weber, as
especialidades respondem em separado pelas expectativas cotidianas e gerais dos
indivíduos, leigos ou não. Não é preciso entender como funciona um micro-ondas
para usá-lo e estourar um pacote de pipocas. Basta apertar um botão. Ou, quando
estamos com uma crise de enxaqueca, compreender cientificamente o que é a
fórmula C9H8O4 ou como o ácido acetilsalicílico age no organismo para tomarmos
um comprimido. E, obviamente, ninguém precisa viajar num foguete para comprovar
que a terra é redonda.
De fato, aprendemos nos
livros de história e ciência que a terra é um globo (geoide ou eclipsóide, não
importa, mas não plana), embora a concepção da esfericidade da terra seja muito
antiga, remontando pelo menos a nomes como Pitágoras, Aristóteles, Erastóstenes,
São Tomás de Aquino, entre outros. Assim, o reaparecimento da tese da terra
plana não é só um anacronismo bizarro dos tempos pós-modernos, mas um destes fake
news, uma “lenda urbana”, quer dizer, “lenda de internet”, que “viraliza” como
uma epidemia tresloucada pelas redes sociais.
O mais bizarro, no
entanto, é que realmente tem gente discutindo seriamente a terra plana!
Não é minha intenção
aqui perder tempo enumerando as n
evidências para provar o óbvio, isto é, que o planeta terra é esférico. Muitos
sites já se prestaram a esse papel e refutaram com propriedade à tese da terra
plana. O que não significa dizer que vou perder a chance de tirar uma casquinha
e apresentar no final deste texto uma série de imagens, fornecidas pelos
próprios partidários da terra plana, que provam, sim, e de modo elementar, meu
caro Watson, que a terra é redondinha da silva.
Portanto, o que me
interessa é o que está por trás deste fenômeno da internet que tem, sem dúvida,
um significado sociológico importantíssimo.
Para tentar desvendar a
conjuntura que permitiu o surgimento de uma concepção anacrônica de mundo,
resolvi “sair a campo” e investigar o assunto em seu ambiente natural: a
internet.
Assim, no intuito de me
aproximar ainda mais do objeto em questão, despi-me de todos os meus
preconceitos heliocêntricos e até esperei ser convencido.
Juro, não me faltou boa
vontade, a ponto de, ansioso por presenciar uma “nova” revolução científica,
indagar cá com os meus botões: Será?!
Sentado à frente de meu
computador, iniciei uma longa jornada por este mundo virtual e aparentemente
secreto da terra plana.
Tomado de todas essas
disposições, consultei dezenas de sites, blogs e vídeos e, chocado, descobri
que o tema é muito mais popular do que eu pensava.
Para se ter uma noção
disso, mapeei só no YouTube alguns dos seguintes canais terraplanista, quase
todos com milhares de inscritos: Sem Hipocrisia, Verdade Revelada, Além da
Nuvem, Ciência de Verdade, Unebrasil, Professor Terraplana, FEB, Earth Flat
Brazil, Verdade Oculta, RCA Vídeos, Das Trevas para Luz, Projeto Portal, Terra
Convexa, TVCH.
A princípio, constatei
que os defensores da terra plana se autodenominam de terraplanistas – e é assim que vou chamá-los a partir de agora –,
fato que me induziu a pensar em algo como um “movimento terraplanista” que
aspira reconhecimento e realmente existe.
Sem dúvida nenhuma os
terraplanistas não são homens pré-históricos – embora muitos deles pereçam ter
saído das cavernas, pelo menos em termos cognitivos. Alguns, no entanto, são
surpreendentemente inteligentes e carismáticos, a ponto de conquistar milhares
de fãs e seguidores na internet. Porém, o universo terraplanista é quase exclusivamente
masculino. Não vi uma única mulher defendendo a tese da terra plana.
Não demorou muito,
porém, para a minha boa vontade se dissipar. Aceitar a tese da terra plana
acarreta engolir uma série de pré-requisitos indigestos, tais como:
a) estar convencido de
que as fotos da curvatura da terra divulgadas pela NASA e demais agências espaciais
são fraudes manipuladas por photoshop ou distorções de câmeras especiais;
b) negar a corrida
espacial e a ida à lua da missão tripulada Apolo;
c) admitir como falsas
as grandes descobertas científicas, tais como o heliocentrismo, a teoria da
gravidade, a teoria da evolução, a teoria da relatividade, bem como a sua
fórmula E=mc2, que é entendida pelos terraplanistas como uma abstração vazia
que não serve para nada (talvez, SÓ para explodir bombas atômicas);
e) enfim, que a terra
tem seis mil anos de idade, está no centro do universo, é imóvel, plana e
coberta por um domo intransponível, por onde o sol e a lua, que são menores que
a terra, flutuam na atmosfera, quer dizer, atmosplana...
Além disso, é preciso
acreditar numa conspiração orquestrada por uma “elite globalista” – poderosos
que dominam o mundo e que querem que as pessoas acreditem na forma do globo
terrestre –, pela qual a ONU e a mídia são cúmplices, com o apoio do MEC, das
universidade, dos cientistas, que foram todos cooptados, dos professores do
ensino médio etc., ou até mesmo em ideias delirantes como a influência dos
illuminati e da maçonaria no governo mundial, da invasão de reptilianos,
extraterrestres, nefilins, demônios, gigantes ou o diabo a quatro, tudo para
inculcar na cabeça das pessoas que a terra é uma “bola” e que vivemos dentro de
uma matrix:
“Alguns dizem que a
ideia de uma conspiração mundial intergeracional de iludir as massas parece
implausível ou irrealista, mas essas pessoas precisam apenas familiarizar com
as obras e os escritos dos próprios maçons, por exemplo, John Robison que expos
isso em seu livro de 1798, Provas de uma
conspiração contra todas as religiões e governos da Europa, realizado nas
reuniões secretas dos Maçons, Illuminati e Sociedades de Leitura. O Comandante
Supremo do 33º grau Albert Pike estava convicto das várias cartas da iminência
da meta final massônica de dominação mundial, e no sionista ‘Protocolos dos
Sábios de Sião’, o plano exato pelo qual isso aconteceria e tem sido cumprido é
completamente revelado” (Eric Dubay, 200
provas de que a terra não é um globo).
Neste sentido, a
retórica terraplanista abusa de dois conceitos muito em voga ultimamente, em
tempos de realidade virtual: narrativa
e pós-verdade. Sem dúvida, a verdade
dos fatos é o que menos importa e tudo se resume em contar uma boa estória (usei este termo
propositalmente). A construção da “verdade” da terra plana passa por uma
argumentação pela qual se expõe uma série de objeções condicionais que são
respondidas categoricamente por quem mesmo faz as perguntas, sem espaço para réplica.
Entretanto, nenhum dos dados apresentados nas respostas são evidentes ou
demonstrações irrefutáveis, restando muito mais interrogações do que certezas.
Na falta de rigor científico, sofismas, salmos bíblicos e tergiversações vazias.
Como não há nada a ser provado, além da convicção, o discurso terraplanista não
descarta a ironia:
“O espaço sideral é
pura ficção. Os fanáticos religiosos fundamentalistas da igreja NASA da
religião do espaço vivem perguntando e chiando: por que vocês só falam da
NASA?” (Canal Professor Terra Plana – A
farsa da NASA; o espaço sideral é pura ficção – documentário parte 1/2).
Não raro, há
terraplanistas de ocasião e que, motivados pelo oportunismo, abraçam a tese da
terra plana de última hora.
Um dos vídeos mais
populares sobre o assunto, com mais de um milhão e meio de visualizações
(somando as versões em português e espanhol), “Terra covexa – documentário” é,
no fundo, uma verdadeira paródia. Realizado por um Centro de Pesquisa Dakila,
segundo os próprios “pesquisadores”, para os quais contam na equipe com um
geógrafo, um geólogo e um engenheiro, as experiências realizadas para provar
que a terra é plana foram sugeridas por um extraterrestre que habita uma
floresta nas imediações do tal centro de pesquisa. Isso mesmo, um
extraterrestre. O ET Bilu!
Realmente, não se sabe
se os produtores de “Terra covexa – documentário” levam a sério o assunto ou se
aproveitaram da onda para ganhar visualizações e, neste caso, o retorno
financeiro também deve ser considerado.
Um canal no You Tube
“monetizado” e bem sucedido pode render muitas visualizações, likes,
compartilhamento, inscritos e lucro.
No primeiro vídeo do
canal Ciência de Verdade (Vídeo: 001 –
Qual é a diferença entre um pesquisador e um cientista?), do empresário,
geofísico e ex-professor autárquico da USP, doutor Afonso, não se esconde o objetivo
monetário do canal: “Eu não faço nada de graça, eu sou um pesquisador que cobro
por tudo que faço, nem esse vídeo é de graça”.
Além das visualizações,
outras maneiras que exploram o assunto também podem ser comercializadas. Por
exemplo, o livro O Universo Que Não Te
Apresentaram, de Jota Marthins, do canal Sem Hipocrisia, é vendido no
Mercado Livre por R$ 35 reais, mas já custou, de acordo com o site da
Superinteressante, módicos 70 reais...
A verdade é que a tese
da terra plana é só uma cortina de fumaça e o mais relevante é o que é dito
indiretamente pelo discurso terraplanista, a saber, um claro engajamento político
de seus partidários, que reivindicam desde intervencionismo militar,
monarquismo, “libertarianismo” (no sentido de um ultraneoliberalismo radical), antissionismo,
antissemitismo, antiglobalismo, até neonazismo.
Embora muito
heterogêneos, o denominador comum de todos os canais é um ultraconservadorismo
de fundo religioso, que levou a imensa maioria dos terraplanistas a apoiar a
candidatura de Jair Bolsonaro à presidência.
Neste sentido, o que
subjaz ao pensamento conservador é a negação de qualquer possibilidade de
igualdade social. Esse parece ser o mote do discurso terraplanista, que pode
ser resumido pelo tom apologético do canal Ciência de Verdade. Segundo o doutor
Afonso:
“Eu falo constantemente
sobre a guerra contra os homens e algumas vezes eu falo da guerra contra os
seres humanos. Essa guerra é contra os homens ou é contra os seres humanos? A
resposta é simples: a guerra começa contra os homens. Por quê? Porque os homens
são linha de frente. Quem devia estar protegendo todas as famílias são todos os
homens. Todos os homens! Mas não. Primeiro você acaba com a linha de frente;
você acaba com todos os guerreiros, com todos os homens, depois você destrói as
crianças, você destrói as mulheres, você destrói todos os seres humanos. (...) A
maioria dos brasileiros nem percebe que a libertação dos escravos foi em 1888 e
a proclamação da república foi apenas um ano depois, 1889; a maioria dos
brasileiros não percebe que a família real foi expulsa do Brasil porque aceitou
uma coisa muito simples: acreditar que todos os seres humanos são iguais e que
não deve ter escravo, principalmente da forma como havia. Ok. E isso foi feito
por um traidor, e até hoje a gente comemora essa data, 15 de novembro. Devia
chamar o dia da traição. Mas não, todos ficam felizes porque é feriado. Ninguém
precisa trabalhar. A gente comemora a maior traição que aconteceu no Brasil. A
gente deixou de ser o Império do Brasil e passou a ser a República das bananas.
(...) Você tem uma propriedade, você precisa cuidar dela, você não deveria ter
medo de dar um tiro numa pessoa [que entrar na sua casa] (...) Ninguém mais é
homem. Agora, o homem é linha de frente. Na hora que eles chutarem a bunda de
todos os homens e depois das crianças e das mulheres... e todo homem deve ter consciência
que eles vão chutar a bunda de seus filhos, de suas mulheres, de todo mundo.
Porque ninguém faz a sua responsabilidade...” (Vídeo: 346 – Quem confia nos militares?).
Estas parecem ser as
principais características do “movimento terraplanista”. Mas, se você chegou
até aqui e está achando tudo isso um absurdo monumental, a essa altura deve estar
se perguntando como surgiu a nova teoria da terra plana. Para não variar
(ironia à parte), a moda pegou nos Estados Unidos e foi exportada, como toda
boçalidade made USA, para o resto do
mundo. Segundo noticia o site Sputnik:
“Novas sondagens
sociais entre residentes norte-americanos mostram que 33% dos estudantes, do
ensino fundamental, médio e superior, não têm certeza que a Terra é um globo,
revela a edição LiveScience. Nos EUA há movimentos sociais, cujos participantes
acreditam que a Terra na verdade é plana. Muitos se sustentam em mitos, outros
na Bíblia. Para eles, na realidade, cientistas, NASA e companhias aéreas abafam
formato do planeta por fazerem parte de uma conspiração elitista” (Sputnik
News, 5/4/2018).
Neste contexto, o ano
de 2012 pode ser estabelecido como marco da recente onda terraplanista quando o
escocês neonazista Eric Dubay resolveu acrescentar às suas teses revisionistas
– Dubay nega o holocausto – a “nova” teoria da terra plana com a publicação do
livro 200 provas de que a terra não é um
globo – que também foi editado em vídeos e divulgado em várias línguas no
YouTube –, uma atualização literal acrescida de mais cem “provas” do livro Cem provas de que a terra não é um globo,
de William Carpenter, um autor do século XIX.
Eu tive a paciência de
assistir o vídeo das tais “200 provas” (são duas horas de duração) e posso
garantir que algumas delas são hilariantes. Transcrevo aqui um exemplo:
“Citando o zetético
cosmogênese Thomas Winships, declara: ‘Deixe a imaginação pintar para a mente
qual força o ar teria colocado em movimento por um corpo esférico de oito mil
milhas de diâmetro que em uma hora estivesse rodando acerca de mil milhas, avançando
pelo espaço a 65 mil milhas por hora e girando através dos céus. Então, deixe
conjecturar, se esforçar em descobrir se os habitantes de tal globo poderiam
manter o cabelo arrumado? Se a terra-globo roda em seu eixo a uma terrível
razão de mil milhas por hora, tal imensa massa iria necessariamente causar uma
tremenda rajada de vento no espaço que ocupasse. O vento iria todo para um lado
e qualquer coisa como nuvens que estivesse dentro da esfera de influência da
esfera rodopiante haveria de ir para o mesmo lado. O fato que a terra está em
repouso é provado ao se empinar pipa’”.
Na verdade, as tais 200 provas de Eric Dubay não passam de
uma recauchutagem barata de um outro obscuro livro do século XIX, intitulado Astronomia zetética: a terra não é um globo,
do escritor inglês Samuel B. Rowbotham, o qual William Carpenter também foi
discípulo.
Rowbotham é o pai dos
terraplanistas modernos e julgou ter inventado um método astronômico, denominado
por ele de “astronomia zetética”, que supostamente jogava por terra a esfericidade
da terra.
Resumidamente, o livro Astronomia zetética pode ser enquadrado
metodologicamente de empirismo racionalista (talvez, de inspiração hobbesiana)
e consiste numa lista de experimentos que são feitos através de observações e
medições para comprovar a falsidade da curvatura da terra. A partir disso,
busca-se explicar os fenômenos naturais, como o dia e a noite, as estações do
ano, eclipses etc., através de uma série de deduções e inferências, sem
qualquer base empírica, ou, quando muito, por meio de relatos de viajantes.
Dentre muitas
adequações ao modelo da terra plana, Rowbotham se serve da livre imaginação,
como quando assevera, por exemplo, acerca do tamanho do sol e da lua, que são
drasticamente diminuídos (51,5 km de diâmetro) e deslocados vertiginosamente
para dentro da atmosfera terrestre.
Tais ajustes,
entretanto, provocam mais embaraços do que explicações. Por exemplo, se
realmente o modelo da terra plana estivesse correto, para um observador
localizado na linha do equador, o sol e a lua não só deveriam apresentar,
considerando-se o tamanho diminuto dos astros e suas altitudes relativamente
baixas, uma trajetória ligeiramente parabólica ao cruzar a abóbada celeste,
como também um aumento significativo do diâmetro de seus discos ao passarem
pelo zênite e uma diminuição proporcional ao se aproximarem do horizonte, assim
como os aviões no céu. Na verdade, ocorre exatamente o contrário, o que
Rowbotham explicou com um mau uso das leis da perspectiva.
Sobre o movimento
retrógrado dos planetas, que literalmente é “consertado” pela revolução
copernicana, Rowbotham faz silêncio.
Todavia, todas as
experiências da Astronomia Zetética não
passam de variações de uma única e mesma fórmula: busca-se o tempo todo provar
a não existência da curvatura da terra através de medidas de objetos a longas
distâncias sobre a superfície da água.
(Todas as experiências
de Rowbotham estão minuciosamente refutadas no site Refutando la Terra Plana, tópico Astronomia Zetética - S. Rowbotham, em espanhol).
Se, por um lado, o
questionamento sobre a curvatura da terra é uma espécie de colete salva-vidas
dos terraplanistas, por outro, é também seu calcanhar de Aquiles.
Sim, porque, além das
chicanas, é necessário demonstrações rigorosas e verificações de uma comissão
competente. Mas, diante disso, o líbelo Astronomia
zetética abandona deliberadamente a ciência.
O termo zetético (do grego, “exame”) é tomado de
empréstimo das teorias do direito, o que nos permite uma analogia entre a
astronomia de Rowbotham e um tribunal de justiça. E é exatamente isso o que
pretende o “pioneiro dos terraplanistas”: submeter a ciência a um julgamento. Instaura-se
um processo, levando Copérnico e Newton para o banco dos réus. Além de perito,
Rowbotham figura também como advogado de acusação e juiz do caso. A sentença
não poderia ser diferente: a condenação dos réus. O veredito final, então, é
decretado: a terra é plana, imóvel e está
no centro de um universo finito.
No último capítulo – e
o mais importante –, intitulado Cui Bono,
jargão também emprestado do direito, que significa, do latim, “qual o benefício
de um crime”, tal como Thomas Hobbes no
Leviatã, Rowbotham se propõe a arguir, armado com uma Bíblia em uma mão e
um frasco de cicuta na outra, sobre quais as consequências dos crimes imputados
a Copérnico e Newton: maquinações dos homens contra a verdade, corrompendo as
mentes, desviando-as do caminho de Deus.
Depois de analisar o
mérito do pleito, Rowbotham concede perecer favorável à religião.
O autor parte do
princípio dogmático de que os textos sagrados, ditados por Deus, não podem
estar errados, pois, se assim o admitíssemos, implicava em erro do próprio
Deus, que é perfeito, e nunca enganador. Admitir erro nas Escrituras deve
conduzir necessariamente a uma contradição, já que a mentira é própria da
alçada do diabo, o príncipe do mundo. Logo, a ciência, conhecimento mundano,
feito por seres humanos imperfeitos, tem de estar necessariamente errada. Nas
palavras de Rowbotham:
“Aos filósofos
newtonianos que ainda afirmam que o Volume Sagrado é a palavra de Deus fica um
temeroso dilema. Como podem os dois sistemas, tão distintamente opostos em
características, serem conciliados? Óleo e água não combinam, mesmo misturados
violentamente, eles ficarão separados assim que colocados em repouso. O óleo é
óleo e a água é água. Admita que eles são distintos em natureza e valor, e não
permita a mistura, ou ignore a composição de ambos. Chame a Escritura de
Palavra de Deus, o Criador e Rei de todas as coisas, e a Fonte de toda verdade,
e chame todo o sistema newtoniano e copernicano de palavra e trabalho de homem,
de homens em sua vaidade. Tão vão e pretensioso que não se contenta com os
ensinamentos simples e diretos de seu Construtor, mas se levanta em rebelião e
se encanta na existência de uma fantasiosa e complicada construção, que, se
insurgindo como se fosse verdade, inventa e necessita de interrogativas
obscuras e horríveis: Seria Deus um enganador? Terá ele falado uma mentira
inequívoca?” (p. 350).
A partir deste
raciocínio, Rowbotham passa a citar inúmeras passagens do Velho e Novo
Testamento para demonstrar que na Bíblia a terra é plana, imóvel e o centro do universo.
Mas afirmar que a terra
é plana é muito mais do que justificar a fidedignidade dos textos bíblicos a
respeito das características físicas da terra. De certa maneira, Rowbotham
reatualiza o furor inquisitorial perante o sistema heliocêntrico que levou
Giordano Bruno à fogueira e à retratação de Galileu Galilei. Subjacente ao
formato da terra há uma questão muito mais profunda e de importância capital, a
saber, uma perspectiva ético-moral, de fundo existencial e relativa à salvação,
orientada significativamente pela ordem hierárquica que define o céu como
instância superior e a terra como mundo baixo e corruptível.
Para Rowbotham, a forma
e o lugar da terra, no caso, plana, imóvel e central, significa a comprovação
da doutrina teológica sobre a existência real de um “reino nos céus” e de um “inferno”,
para onde as pessoas, após o julgamento final, serão enviadas conforme suas
boas ou más ações na terra. Já o sistema heliocêntrico implode o conceito de
referências fixas. A terra esférica não tem “cima” nem “baixo”, flutua perdida
no meio do nada, um universo infinito e caótico. Somente num modelo fechado,
plano, central, finito, fixo e ordenado seria possível induzir de fato a
existência de um “inferno”, abaixo do
solo terrestre, e de um “reino divino”, situado num outro mundo, acima do céu.
Portanto, reino dos céus ou inferno não podem constituir meras metáforas, produto de um estado
de espírito ou imaginação, mas devem possuir existência efetivamente real, objetiva
e material, sendo a razão obrigada a lhe atribuir espaço e lugar. Neste
sentido, a terra plana prova a verdade das Escrituras e, por conseguinte, no
plano individual, orienta no caminho do bem e da justiça.
Vale a pela ler a longa
citação que se segue da Astronomia
Zetética:
“Se a terra é um globo,
girando à média de milhares de milhas por hora, toda essa linguagem das
Escrituras é necessariamente falaciosa. Os termos “para cima” e “embaixo” e
“acima” e “abaixo” são palavras sem sentido algum, no máximo, meramente
relativos, indicativos de absolutamente nenhuma direção. Quem está para “cima”
ao meio dia está diretamente “abaixo” do que está a meia noite. Em qualquer
ponto, e a qualquer momento se olharmos para cima, em um segundo estaremos
rapidamente olhando para baixo. O céu, então, que só pode ser descrito como
“acima”, e as escrituras leram corretamente num momento das vinte e quatro
horas. Antes da sentença “O céu está acima da terra” o falantes estaria
completamente na parte de baixo do meridiano onde o céu está acima dele, e em
poucos segundos seus olhos estariam olhando para uma sucessão de pontos de
milhões de milhas de distância de sua primeira posição. Assim, em todas as
cerimônias religiosas, quando se levantam as mãos e os olhos, ao céu, ou
melhor, quando o próprio Cristo “levantou seus olhos aos céus e disse: “Pai, a
hora é chegada”, seu olhar teria varrido ao longo do firmamento em diversos
ângulos rapidamente, e com tal velocidade incompreensível que um ponto fixo de
observação, e uma posição definida como indica uma seta ou trono “daquele que
está assentado nos céus” seria uma impossibilidade. (pp. 374-375)
“Uma vez mais, o mundo
religioso sempre acreditou e meditou na palavra “céu‟ como representação de um
lugar de infinita alegria e segurança, de descanso e felicidade indizíveis.
Como, de fato, “o lugar da habitação de Deus, a habitação dos anjos e dos
benditos, o verdadeiro Palácio de Deus, completamente separado das impurezas e
imperfeições, as alterações e mudanças do mundo de baixo. Onde ele reina em paz
eterna... A mansão sagrada de luz alegria e glória”. Mas se há uma pluralidade
infinita de mundos, milhões e milhões de sucessão infinita. Se o universo é
cheio de inumeráveis sistemas de sóis incandescentes e planetas girando
rapidamente, misturados com cometas correndo e satélites girando, todos se
lançando e varrendo através do espaço em direções e com velocidades maiores do
que a compreensão humana possa compreender, e mesmo terríveis para contemplar,
onde está o lugar de descanso e segurança? Onde estará o “Palácio de Deus?” Em
que direção o céu pode ser encontrado? Para onde vai a alma humana para
encontrar seu lar e lugar de descanso? Seu refúgio das variações, incertezas e
perigos? Estaria em um maravilhoso e eterno labirinto de mundos girando? Se
esforçar pela eternidade em uma interminável confusão de sóis e sistemas
girando? Nunca será um descanso, mas uma busca eterna de proteção a si mesmo,
para se guardar e evitar ser pego pela atração de algum vortex, ou qualquer
sucção gravitacional? De fato todo a existência do céu como uma região de paz e
harmonia, “estendendo-se acima da terra por toda a extensão” e além da
influência das leis naturais e corpos em movimento, na qual todo crente
acredita, está comprometida, se não destruída, por uma falsa e usurpante
teoria, que não tem melhor base do que um conceito presunçoso humano. (p. 375).
“Um sistema filosófico
que provoca tal destruição na alma humana, que destrói sua esperança de futuro,
repouso e felicidade, e desenvolve a existência de um céu impossível, e faz
incerta a existência de um ser benevolente, todo poderoso Deus e Pai da
criação, não pode ser menos do que uma maldição, um dragão negro e perigoso,
com uma influência vinda direta do inferno e no tártaro”. (p. 376).
A tese da terra plana
de Rowbotham representa muito mais do que a confirmação de uma hipótese
científica. Significa, sobretudo, a preservação de uma visão de mundo
religiosa.
O livro de Dubay segue
o mesmo roteiro, ao repetir a mesma fórmula, sob o argumento falacioso de que
em projetos de engenharia, como grandes estradas de ferro e canais, não se
considera a curvatura da terra. Logo, a terra é plana.
Ironicamente, em um dos
primeiros vídeos do canal Ciência de Verdade (no. 012), ainda longe de militar
em causa da terra plana, apenas defendendo o direito de se questionar o formato
da terra, é o geofísico dr. Afonso que acaba por fornecer as pistas para
refutar o único trunfo dos terraplanistas. Diz ele:
“O que a gente poderia
dizer é seguinte: eu trabalho com modelos sismológicos; todos os softwares de
sismologia usam o modelo da terra plana. Ponto final! Ah, mas em biologia a
gente usa o modelo da terra redonda... Não tenho a menor ideia. Eu sei que os
modelos de sismologias locais e regionais são terra plana. Ponto. Dos sismos, telessismos,
que acontecem no mundo, à volta do mundo, o modelo, em tese, é terra
esférica... Muito interessante, só que como a gente descobriu que a terra é
esférica? A gente partiu de um modelo que a terra é esférica e a gente ajustou
esse modelo a curvas de tempos de percurso das ondas sísmicas observadas no
mundo inteiro. Então, também, talvez, a gente poderia assim gerar um modelo de
terra plana, com aquele mesmo modelo, fazendo a mesma conta. Então, em tese,
daria pra se adequar... Não sei. Com certeza, daria pra se adequar. Então,
apareceriam outras perguntas. Talvez a sismologia possa ajudar. Se pegar uns
dados nos EUA, no Aires, no Instituto de Sismologia, baixar e calcular tempos
de percurso de ondas sísmicas... Pode ser uma ideia interessante se você tiver
algum sismólogo... Eu não tenho tempo! Mas se tiver algum sismólogo que se
interesse pode ser interessante, sim. Agora, sísmica de petróleo, você pega uma
plataforma de petróleo inteira, tá com terra plana. Em geofísica a gente usa
assim: se tiver menos de 600 km de distancia, a terra é plana. Agora, têm os
satélites, tem outras coisas mais complicadas de entender...” (Vídeo: 012 - A terra plana e o canal 100 hipocrisia).
Ou seja, num modelo de
escala menor de 600 km, terra plana;
num modelo acima de 600 km, terra
esférica.
Realmente, nós, seres
humanos, somos seres microscópicos em termos de escala planetária, como bem
mostram as imagens aéreas de aviões, satélites ou mesmo da estação espacial (ISS).
Se considerarmos as dimensões infinitas do universo, somos ainda mais
insignificantes – algo que parece escandalizar os terraplanistas.
Este é exatamente o
ponto.
Como pode o ser humano,
criado a imagem e semelhança de Deus, ser rebaixado pela “ciência dos homens” a
um simples acaso na história do universo ou a um simples elo na evolução
animal, um macaco nu?!!!
(O Macaco Nu é o título do célebre livro do biólogo Desmond Morris
publicado em 1967. Na biologia o ser humano é classificado como: Reino: Animal;
Classe: Mamífero; Ordem: Primata; Família: Hominídeo; Gênero: Homo; e Espécie:
sapiens).
Eis o x da questão:
“Para citar Morris
Kline: ‘A teoria heliocêntrica, ao colocar o sol no centro do universo, fez com
que o homem parecesse ser apenas um de uma multidão de viajantes possíveis
flutuando num céu frio. Pareceu menos provável que ele nasceu para viver
gloriosamente e alcançar o paraíso. Menos provável também que ele fosse o
objeto dos ministérios de Deus” (200
provas de que a terra não é um globo).
E nesse ponto demos uma
volta bem redonda e chegamos ao início do texto.
A fala da ministra dá
algumas pistas do que está oculto nas teses como a da terra plana. Segundo ela,
a ciência foi tomada por cientistas, porque a igreja evangélica negligenciou essa área.
Em que pese a
redundância, o fato da igreja evangélica
negligenciar a ciência sugere uma ou outra hipótese:
- a necessidade de
cientistas evangélicos;
- o combate implacável à
ciência.
A moderna “teoria” da
terra plana parece associar-se à primeira hipótese. Mas não. A tese da terra
plana é apenas um verniz de “cientificidade” a um programa cuja proposta
central é contempladora da segunda hipótese. Busca-se, em última análise,
controlar e censurar a liberdade de pensamento, ensino e pesquisa, pelo viés
religioso.
Tal programa, de
conteúdo doutrinário e ideológico, não seria possível se não houvesse condições
reais para sua emergência.
A fala da ministra
aponta, sobretudo, para um fenômeno social relativamente recente na sociedade
brasileira – datado, talvez, dos anos 70 ou, mais precisamente, anos 80 –
caracterizado pelo surgimento e proliferação de igrejas evangélicas do segmento
neopentecostal, de influência cultural nitidamente estadunidense.
Ou seja, o
fortalecimento do setor evangélico neopentecostal, também chamado de baixo
protestantismo, principalmente, nas camadas mais pobres da população, ocupando
o vácuo deixado pela orientação conservadora e elitista do papado de João Paolo
II, é uma tendência crescente e irreversível na sociedade brasileira.
No bojo desse fenômeno,
teses revisionistas ou nagacionistas, como a da terra plana, sinalizam para o
fato de que muitas destas seitas enveredam-se pela via do fanatismo religioso. Mas,
diferentemente de Samuel Rowbotham, que, aparentemente, possuía um genuíno
sentimento de justiça fraternal – algo como o provérbio: “a justiça dos homens
é falha mas não a de Deus” –, o que o fez um socialista, há no segmento
evangélico uma disposição para a adoção de um ideário político ultraconservador.
Com a formação de
igrejas que são verdadeiros potentados econômicos, algumas vêm promovendo
tacita ou abertamente uma verdadeira guerra
santa com vista a um projeto efetivo de poder teocrático.
Sem dúvida, o embate
com a igreja católica, que, desde os “descobrimentos”, criou raízes profundas
na sociedade brasileira, é uma de suas principais frentes. No centro da
disputa, não só a acumulação primitiva gerada pelo dízimo dos fieis, mas a
propaganda de uma concepção teológica mais original. A tese da terra plana é,
nesse sentido, um estandarte do fundamentalismo. Graças à tradição clássica greco-romana,
a Igreja de Roma nunca rejeitou a esfericidade da terra e, após os embates
entre ciência e inquisição, o catolicismo soube superar a hegemonia da ciência
nos tempos modernos através da nítida separação entre fé e conhecimento laico.
Nota-se ainda que muitos padres foram cientistas, dentre eles, nomeadamente, o
pai do geocentrismo, Nicalau Copérnico.
Nada escapa à
artilharia do fundamentalismo evangélico. Religiões, principalmente, de origem
africana, bem como tradições culturais tidas como paganismo, como, por exemplo,
a festa de carnaval etc., também estão no alvo de sua mira.
É preciso ressaltar,
porém, que não são todas as igrejas evangélicas, mas uma subdivisão que luta
por hegemonia.
“Guerra santa” não é mera
força de expressão. Alguns destes setores fundamentalistas há muito veem se preparando
para uma obstinada cruzada contra os “infiéis”, tendo por justificativas alusões
à guerra extraídas do Velho Testamento, a despeito do “ame ao próximo como a ti
mesmo” ou “ofereça a face ao inimigo”. Não é de se admirar que grupos
paramilitares, uma espécie de tropa de elite dos “eleitos”, inspirados por um
permanente sentimento belicista contra o “diabo”, marchem sobre igrejas como
hordas fascistas e impondo um verdadeiro darwinismo
religioso.
Na guerra pela suposta
pureza dos princípios teológicos cristãos, estes grupos religiosos nutrem de um
verdadeiro desprezo pelos pilares do conhecimento científico legado pela modernidade.
Evidentemente, não todo conhecimento, somente aquele que lhes parecem
inconveniente às suas aspirações ideológicas, já que, de modo cínico e
hipócrita, não há o menor pudor em relação à gula voraz e consumista pelos
frutos da “árvore da ciência”, os serviços e produtos de alta tecnologia
disponíveis no mercado.
É enganoso pensar, como
querem alguns, que estes segmentos fundamentalistas propõem uma agenda
medievalista. Trata-se, na verdade, de um modelo muito mais arcaico, relativo às
sociedades patriarcais do antigo Oriente Médio, no qual, dentre outras coisas, pressupunha
a total dependência da mulher ao marido, destinada aos trabalhos domésticos,
procriação e a criação dos filhos, além da servidão dos povos “idólatras”.
Porém, há algo do
catolicismo dos tempos da Reforma nestes grupos neopentecostais. Ao contrário
do puritanismo e do calvinismo, caracterizados, como ensina Weber, por um ascetismo intramundano, que os permitiu
a acumulação de capital, os evangélicos de hoje não se abstém dos prazeres da
vida mundana e são extremamente permissivos, esbanjando luxúria, ostentando
riqueza, enquanto sinal da benção divina. A religião perde assim sua principal
função de instância formadora de valores morais, através do cultivo da vida espiritual,
da transcendência e da prática dos ensinamentos sagrados, para se tornar êxtase
do fetiche da mercadoria. A frouxidão moral é, por sua vez, purificada pelo
dízimo, da mesma forma que na Idade Média a venda de indulgências pagava os
pecados e comprava o perdão. Na ausência de espiritualidade, o hábito religioso
é reduzido a uma promessa de recompensa material e enriquecimento pessoal na
vida terrena. Desde já, tudo é permitido.
A ética neopentecostal
fundamentalista é o espírito do capitalismo em crise. Trata-se da face
pré-moderna de uma moeda, cujo reverso é a pós-modernidade. Muito embora o
aparente conflito, tanto pré-modernos como pós-modernos estão intimamente
unidos e redimidos pelo mercado. Apesar disso, não há solidariedade de fato,
senão pela mercadoria, apenas justaposição de indivíduos automatizados e em
concorrência selvagem um para com o outro, sobressaindo assim um individualismo
extremo imanente à lógica de uma economia desumana e reificadora, pela qual a
violência é a única forma de socialização. Neste contexto, todo o lixo da
indústria cultural é consumido sem reservas, causando aquilo que o filósofo
alemão Theodor Adorno chamou em seus ensaios sobre música de “infantilização”
dos indivíduos sociais, e o qual, no contexto de sua obra, não seria de todo
despropositado acrescentá-lo como um dos elementos da personalidade autoritária.
Assim sendo, valores “americanos” – ou, se se quiser, da cultura estadunidense
– são importados e, evidentemente, cada vez mais copiados e reproduzidos num
país de economia subdesenvolvida e dependente como o Brasil. Em um mundo sem
utopias, arroubos idealistas de uma juventude rebelde já não comovem mais ninguém.
Ao contrário, ideais ultraconservadores, de cunho machista, racista,
xenofóbico, homofóbico, sexista, classista, isto é, do ódio ao diferente, são
bem mais sedutores e propalados perversamente enquanto ideário “antissistema”.
Neste cenário de
obscurantismo, estudantes brasileiros ocupam as piores posições no ranking
mundial do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), coordenado
pela OCDE; dos 70 países avaliados, em 2015, o Brasil ficou em 63ª em ciências,
59ª em leitura e 66ª em matemática. Diante do congelamento dos gastos públicos
por 20 anos, o completo desmonte do ensino público, a desvalorização dos
professores que, além de serem mal remunerados e não possuem plano de carreira,
poderão ainda sofrer perseguições, não se admira que teses como a terra plana
ganhem tantos adeptos.
Vivemos a noite de São
Bartolomeu na Era Espacial: uma desforra da estupidez. No passado recente,
aprendemos com as câmeras de gás o que acontece quando a razão cede lugar a
pseudociências e ao fanatismo irracional. Passado que, aliás, muitos dos
terraplanistas desejam negar.
*****
Como disse, não ia perder a chance de tirar uma
casquinha dos terraplanista.
Nas imagens abaixo, o desenho de Rowbotham simula o que aconteceria
se um observador olhasse com um supertelescópio para objetos colocados
regularmente em linha reta na direção do horizonte:
a) terra plana
b) terra globo
NAVIO
Seguindo a mesma lógica, se um observador
olhasse para um navio navegando em linha reta em direção do horizonte:
Ele nunca perderia de vista o navio no modelo da terra plana. No modelo terra globo, o navio "desceria" ao ultrapassar a linha aparente do horizonte.
Do ponto de vista do observador, a sequência de imagens abaixo ilustra o que aconteceria quando dois navios se afastassem na terra plana e terra globo, respectivamente.
Enquanto
o barco na terra plana diminui de tamanho proporcionalmente, o da terra globo
desaparece paulatinamente a partir do casco até o mastro da bandeira.
Um
supertelescópio produziria esta imagem:
A
imagem real deste navio foi veiculada por um canal terraplanista para tentar
provar de modo mirabolante que a refração da atmosfera fazia o navio desaparecer:
A
sequencia das imagens são muitas claras, comprovando a esfericidade da terra.
Com o editor de imagens simulei dois navios, um na terra plana (à direita) e outro na
terra globo (à esquerda) e no centro a imagem real apresentado no vídeo:
Nas imagens abaixo tentei manter a proporcionalidade da antena na sucessão dos quadros em que o navio "desaparece" no horizonte:
Nesta
imagem real abaixo, um navio em primeiro plano antes de “descer” a curvatura da terra:
Simulação
de um navio além da linha aparente do horizonte, limite visível da curvatura da
terra:
Primeira
imagem do navio, já em segundo plano:
Compare
com a lancha em primeiro plano:
Dois
navios em perspectiva. O primeiro aparece bem abaixo da linha do horizonte enquanto o segundo quase está "acima" da linha do horizonte.
ILHA
a) terra globo
b) terra plana
Terra
globo: só é possível avistar a longa distância o topo da ilha:
Terra
plana: é possível avistar a ilha inteira:
Um canal terraplanista filmou a ilha Sumítica a
uma distância de 33,13 km de distância (Vídeo: Terra plana – teste da curvatura
– 33,13 Km – Ilha Sumítica/SP – Terra globo refutada):
Deveria
ter apresentado uma imagem semelhante a esta que produzi no editor de imagens:
Mas ele apresentou esta: uma ilha comprida com alguns morros:
Veja
a imagem definida:
O
Canal do Hilton demonstrou como a imagem exibida assemelhava-se ao topo da ilha:
Diante disso, distorci a imagem produzida por mim simulando a refração
atmosférica e obtive este resultado:
E
separei o topo com uma linha vermelha, tal como fez o Hilton.
A
imagem foi recortada e comparada com a do terra planista:
Nas
imagens abaixo, distorci verticalmente a imagem do Hilton e comparei com a real tratada por um efeito do editor de imangens:
Nestas
imagens procedi de modo inverso, alargando a imagem do terraplanista e comparei com a do Hilton:
Sobrepus as imagens às originais e o resultado final é este:
BIBLIOGRAFIA
ROWBOTHAM, S. B., Astronomia
zetética: a terra não é um globo - (Trad.: Erevaldo Robson Tolvai).
mas se a terra for um globo nas fotos nao daria pra ver pq msm o marbo dazendo a curvatura ele nao deceria daquela maneira e a vela nao estaria reta nem a ilha mas sim inclinado e vemos a ilha e o barco reto entao o barco era pra estar inclinado.
ResponderExcluirmarbo? deceria? dazendo?
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