domingo, 30 de outubro de 2016

A ILHA BRASIL

A ILHA BRASIL

Autor: Jean Pires de Azevedo Gonçalves 
Reconstituição da Carta de Angelino Dulcert, de 1339. "Hy Brasil" no alto, à esquerda.


Reconstituição da carta de Paolo Toscanelli, de 1474.


Mapa catalão de 1480.

Mapa de Abraham Ortelius, de 1572.

Gerardo Mercartor, de 1595.

Ilhas Afortunadas, Pomponius Mela, 1 a.C.






Olaus Magnus, 1539.





Mapa-múndi de Esbstorf (1236) de Gervais de Tilbury, feito para patrocinar as cruzadas. Tem 3,5 m de diâmetro.

Angelino Dardolo, 1325.


Angelino Dulcert, 1339.



(*) Ampliei a carta e me parece evidente que está grafado com "x": "Insula de braxil" 





 Campos Elísios, representado em verde.


Dracma Barkeno.
Moeda da época carolíngia (Barcelona)


sábado, 15 de outubro de 2016

O MAPA “FORA PT” DA CIDADE DE SÃO PAULO

por João Monti

O prefeito Fernando Haddad, candidato pelo Partido dos Trabalhadores à reeleição da prefeitura de São Paulo, perdeu em quase todos os bairros da extrema periferia da cidade para os candidatos que ficaram em terceiro e quarto lugar, Celso Russomano e Marta, respectivamente. Como se não bastasse, pela primeira vez na história, desde a redemocratização, não houve segundo turno nas eleições para prefeito na capital do estado de São Paulo. O candidato do partido da direita, João Dória, de origem oligárquica colonial, e para quem nunca faltou pistolão para obter uma carreira de sucesso no mundo dos negócios, venceu em todos os distritos, com exceção da extrema zona sul, com um discurso que enaltecia sua condição de trabalhador que veio do nada, de “João trabalhador”.

Eleições 2016 - Distribuição por bairros pelo segundo lugar:


Parelheiros: 1º. Marta: 37, 15%; 1º. Marta: 31,55%; Capela do Socorro: 2º. Marta, 18,25%; Cidade Ademar: 2º. Russumano, 16,73%; Jaraguá: 2º. Marta, 16,90%; Perus: 2º. Russomano, 18,49%; Brasilândia: 2º. Russomano, 18,32; Tucuruvi: 2º. Russomano, 13,72%; Jaçanã: 2º. Russomano, 14,62%; Vila Sabrina: 2º. Russomano, 16,30%; Vila Maria: 2º. Russomano, 13,78%; Cangaíba: 2º. Russomano, 16,82%; Eemelino Matarazzi: 2º. Russomano, 19,64%; Ponte Rasa: 2º. Russomano, 17,02%; Vila Jacuí: 2º. Russomano, 20,22%; São Miguel Paulista: 2º. Russomano, 18,45; Jardim Helena: 2º. Russomano, 21,73%; Itaim Paulista: 2º. Russomano, 24,07%; Guainases: 2º. Russomano, 20,66%; Itaquera: 2º. Russomano, 20,66%; Cidade Tiradentes: 2º. Marta, 21,17; São Mateus: 2º. Russomano, 18,97%; Teotônio Vilela: 2º. Russomano, 19,53%; Ipiranga: 2º. Russomano, 15,29%.

Ao contrário dos bairros em que Haddad ficou em 2º. lugar, no qual o candidato das elites ganhou no 1º. turno (exceções: Piraporinha, Valo Velho, Capão Redondo, Campo Limpo, Jardim São Luis, Conjunto Bonifácio), em muitos dos bairro assinalados acima haveria 2º. Turno: Parelheiros; Grajaú; Jaraguá; Perus; Brasilândia; Ermelino Matarazzo; Vila Jacuí; São Miguel Paulista; Jardim Helena; Itaim Paulista; Itaquera; Guainases; Cidade Tiradentes; São Mateus; Teotônio Vilela.

Mapa da Exclusão/Inclusão Social


Em bairros com alta densidade de favelas, a vitória de Haddad foi apertada: Piraporinha: Haddad, 23,07% e Marta, 20,81%; Valo Velho: Haddad, 20,71% e Russomano, 19,75%; Capão Redondo: Haddad, 19,61% e Russomano, 18,44%; Campo Limpo: Haddad, 18,29% e Russomano, 16,48%.

Resultado final dos votos válidos: Doria, 53,29%; Haddad, 16,70%; Russomano, 13,64%; e Marta, 10,14%.

O resultado foi muito diferente das eleições passadas (2012) quando Haddad venceu o candidato da direita José Serra em todos os bairros da extrema periferia.

Mapa do resultado do 2o. turno por bairro em 2012:


A questão que fica é por que o prefeito Haddad perdeu nos bairros mais pobres da capital e sedimentou a vitória do candidato das elites?

Ou uma ou outra: Ou a tendência de crescimento na reta final da candidatura do prefeito não chegou às periferias; ou os moradores desses bairros não sentiram uma melhora significativa durante a gestão do Partido dos Trabalhadores.

Seja como for, o governo do prefeito não despertou entusiasmo dos moradores mais pobres da cidade.

Muitos vão explicar o fracasso nas urnas alegando que durante os dois últimos anos houve uma campanha massiva contra o Partido dos Trabalhadores. O consórcio formado pela oposição, o conglomerado de mídia e o judiciário – corrupto, parcial e seletivo – emplacou uma perseguição exaustiva a elementos daquele partido, parte de um projeto maior que visa, a médio e longo prazo, destruir o PT e, de imediato, a prisão (política), sem provas, do ex-presidente Lula, evitando assim sua possível reeleição em 2018, tida por muitos como certa.

Ainda que haja verdade nesta argumentação – e há –, isso não basta para explicar o malogro do PT nos resultados das eleições municipais no primeiro turno, em todas as capitais, exceto Rio Branco, Acre. (Em Recife-PE, o candidato do PT foi para o segundo turno).

No caso de São Paulo, Dória era o candidato do governador Alckmin, que também se elegeu no primeiro turno há dois anos, vencendo em bairros paulistanos considerados redutos do PT, como Itaquera. Nas mesmas eleições, a candidata do PT Dilma Rousseff perdeu em quase todos os estados no sul e sudeste.

O ponto desta inflexão foi certamente as manifestações de 2013 em resposta ao aumento e à recusa do prefeito Haddad em baixar a tarifa do transporte público. O movimento iniciado por grupos radicais de esquerda acabou por unificar a classe média em torno da pauta “fora PT”, ovo de serpente chocado desde o escândalo do mensalão.

(Aliás, foi o prefeito ptista que deu início ao processo golpista quando, burocrata insensível que é, subestimou às reivindicações do movimento popular MPL).


Quase dois irmãos: a diferença: um é careca, outro, tem cabelo; um usa gravata azul, outro, vermelha. Em comum: a mediocridade.

No ano seguinte, o povão ficou de fora da Copa do Mundo, enquanto o público de brasileiros brancos nos estádios chamava à atenção da imprensa internacional e revelava o apartheid social que existia no Brasil.

O governo do PT deu circo aos ricos, da casa-grande, e pão aos pobres, da senzala.

Na época das manifestações, batizada pela direita de “Primavera Brasileira”, o país ainda não vivia a crise financeira, o desemprego era baixo e a inflação estava abaixo da meta, embora em curva de crescimento.

Por que então as pessoas saíram às ruas para protestar?

As classes médias para manter seus pequenos privilégios.

Já as elites pressionavam o governo a aumentar a taxa de juros e com isso expropriar a renda da população através da obtenção de grandes lucros auferidos pela dívida pública.

As vaias endereçadas ao presidente Lula na abertura dos Jogos Pan-Americanos e à Dilma na Copa do Mundo mostraram que as classes altas e médias não aceitavam conceder um mínimo de direitos aos mais pobres, como, por exemplo, a PEC das Domésticas.

O país do futuro revelava sua verdadeira face arcaica, encarnada por setores que parasitam a sociedade e subsistem no atraso.

Mas e os mais pobres?

Nas periferias a lógica é diferente e as questões ideológicas não têm grande importância, pois as comunidades pobres são muito sensíveis a políticas públicas imediatistas.

Mas o Minha Casa Minha Vida, a Bolsa Família, o Pró-Uni etc., não foram programas que buscaram beneficiar as camadas mais pobres da população? Não foram suficientes?

Talvez, não.

O PT governou de cima para baixo, com base naquilo que dá para fazer. Durante as gestões do partido, nenhum contrato foi rompido, não houve auditoria da dívida pública, grandes fortunas não foram taxadas, a reforma agrária não andou um passo e os bancos obtiveram lucros recordes. Distribuição de renda virou sinônimo de filantropia e não houve formação política da classe trabalhadora.

Toda a questão se reduzia em tirar as pessoas da classe D para a C, torná-las consumidoras e, por extensão, endividadas.

O pacto social com as oligarquias e o grande capital foi tido e cantado como o maior mérito do PT e levou o povo a reboque, sem sua participação ativa.

A política do PT não desceu ao nível do cotidiano.

Diferentemente da área central e dos bairros ricos, onde o voto é previsível e direita sempre vence, o voto nas periferias é pendular. Direita e esquerda se alternam na preferência do eleitor. As camadas mais pobres, maioria da população, acabam sendo o fiel da balança no pleito eleitoral.

E, muitas vezes, as periferias são dominadas por líderes comunitários ou religiosos que descobriram que negociar demandas dos moradores do bairro com o poder público pode ser muito lucrativo. Estes líderes são extremamente oportunistas e fisiológicos, muitos vão ingressar na carreira política (quase sempre visando interesses pessoais), mas têm muita influência sobre o eleitorado das comunidades carentes, formando verdadeiros currais eleitorais, a serviço de quem paga mais.

Da mesma forma, os sindicatos, que possuem certa capilaridade na classe trabalhadora das periferias, se tornaram verdadeiras máfias de setores categoriais, reduzindo todas as revindicações à, no máximo, reposição salarial, mas sempre em consonância aos acordos espúrios feitos com o patronato a portas fechadas.

O discurso do ódio propalado pelo cartel de mídia não tem grande impacto sobre os mais pobres. O mais decisivo é o contato pessoal, cara a cara.

O fato é que a esquerda institucional se descolou completamente do proletariado e há muito fala um idioma diferente da classe trabalhadora.

O vácuo político das organizações de esquerdas, configurado pela total cisão da classe dirigente de sua base, por sua falta de empatia com o proletariado, resultou na sua incapacidade de mobilizar as massas, mesmos quando os direitos trabalhistas são fragorosamente atacados por governos lacaios da burguesia.

Por exemplo: Qual a identidade que une um operário da construção civil, que trabalha de sol a sol, sem equipamentos de segurança, arriscando a vida, para no fim do mês ganhar um salário mínimo, que mal dá para sustentar a si próprio quanto mais à família, e empresários bem sucedidos como é o caso de Palocci ou Zé Dirceu? Qual a afinidade entre um sem-teto, que rala para comprar um lote na favela por 2 ou 3 mil reais, construir um barraco em área de risco, e os filhos de Lula, proprietários de empresas com sedes em escritórios luxuosos nos bairros dos Jardins e de Moema?

Ainda que não se possa afirmar que exista tráfego de influência explícito nesses casos, é óbvio que a política é terreno fértil para o clientelismo e a troca de favores. Nos bastidores da política, as portas vão se abrindo.

Paralelamente, o pobre sofre muito para pagar o aluguel, o condomínio, a conta de água, de luz, telefone, IPTU etc.

O abismo entre o partido e povo é tão profundo que o próprio Lula declarou que chegou a ganhar 200 mil reais por palestra, soma que dificilmente um proletário conseguiria juntar em toda uma vida de trabalho!

Os dirigentes das esquerdas institucionais não estão lado a lado com o trabalhador. Não vivem sua rotina. Não se parecem com ele. Estão numa realidade muito distante do pobre trabalhador.

Teria o prefeito Haddad matriculado seus filhos na escola pública do município ao qual administra? Algum dirigente do PT vai à rede pública de saúde e espera horas a fio na fila do SUS para ser atendido quando doente?

Não.

Por isso o apelo em prol da legalidade e em defesa da democracia não surtiu efeito na população mais pobre.

A verdade é que o discurso contra o golpe, em defesa da gloriosa democracia burguesa (!!!), não faz o menor sentido para moradores que vivem há muito coagidos pela polícia e os tribunais, em permanente regime de exceção. Para quem sempre leva no lombo, um democrata liberal não é muito diferente de um ditador de meia pataca.

No fundo, os governantes são varas ou hidras enviadas por Júpiter para amedrontar ou devorar as rãs desejosas por um rei, como ensina a fábula de Fedro.

O Partido dos Trabalhadores subestimou os trabalhadores porque no partido não há trabalhadores.

Lula é o único trabalhador, simbólico, que se aburguesou. Seus filhos aprenderam que era melhor ser patrão do que trabalhador. De resto, a cúpula do partido é composta por burocratas brancos que só descem do pedestal para “abraçar” o povão em épocas de eleição, assim como fazem os demais políticos.

Tudo se reduz a ganhar eleição e governar.

Lula chegou a dizer que, em nome da governabilidade, “no Brasil, Jesus teria que se aliar a Judas para fazer coalizão”. Palavras proféticas. Paulo Maluf, Fernando Collor, Michel Temer, entre muitos outros, aliados de última hora, não tiveram escrúpulos para quem vendeu a dignidade por reles moedas de prata. Quem planta vento, colhe tempestade.

De fato, não foi a oposição golpista que obrigou o PT a aceitar Temer como vice. Foi o próprio PT.

O golpe nasceu do ventre do PT.

Descolado da classe proletária e sob o fogo cruzado da classe média fascista, o PT fala a língua de uma fração da classe média que o sociólogo Jessé de Souza chamou de “classe média de Oslo, dotada de um capital cultural considerável, e que possui uma agenda escandinava”. São profissionais liberais, jornalistas, universitários, professores, professores universitários, ambientalistas, ciclistas, entre outros. Enfim, o que restou do facho iluminista no interior de uma sociedade urbana imersa na superstição.

Haddad chegou a afirmar que queria ser lembrado como o prefeito da mobilidade. Nada mais edificante, a não ser por detalhe: o Brasil não é a Suécia.

No rigoroso inverno de São Paulo, o prefeito mandou a GCM impedir a refavelização do centro da cidade. A guarda truculenta tirou colchões e cobertores dos moradores em situação de rua e a consequência foi fatal. Na certa, o prefeito esperava que os moradores muito razoavelmente procurassem os abrigos da prefeitura. Nada mais cruel. Isso só demonstra que Haddad nunca sentou para conversar com uma dessas pessoas, para, dentre outras coisas, descobrir o que elas pensam e por que preferem morar na rua a passar uma noite em um albergue.

Para um tecnocrata, enclausurado em seu gabinete, a cidade é um mundo ideal acessível por meio de relatórios, números, estatísticas. Não é uma cidade concreta habitada por seres humanos reais.

O professor universitário que virou prefeito, evidentemente, só conhece o proletário pelos livros, como teoria.

Não por acaso, a votação mais expressiva de Haddad foi no bairro de Pinheiros: 24,48%. O que é muito sintomático.

Em matéria do jornal El País, alguns moradores do distrito José Bonifácio, extrema zona leste, explicaram porque votaram no “patrão” Doria e não “professor” Haddad. Algumas falas são exemplares:

“Minha ideia mesmo era votar em branco, mas mudei de opinião depois que o Doria falou no debate que vai colocar alguém do bairro para trabalhar na subprefeitura daqui. Tem que acabar com essa história de alguém que mora em Pinheiros vir administrar a região”.

“Minha mãe já chegou a aguardar um ano por um exame no posto de saúde. É aquela coisa: a pessoa morre e não faz o exame”.

“Ele preferiu fazer essa coisa de wi-fi em praça, de ciclovia. É necessário, claro, mas não é o mais importante”.

“Não achei que Haddad fez um trabalho bom. Ele prometeu muitas coisas e não fez. A única coisa boa foram os ônibus, que são novos, com wi-fi. Doria falou que vai mexer na educação, colocar mais médicos e mais remédios e prometeu luz de LED na cidade toda, o que aumenta a segurança”.

"E teve a história das multas também. Muitos radares instalados. Radar atrás de poste, pegadinha".

[Nota: Não existe indústria da multa. A multa pode não significar nada para um playboy alcoolizado que pega seu carro importado e dirige a quase 200 km/h pelas ruas da cidade. Mas pesa muito no bolso do trabalhador que, distraído, atravessa no farol vermelho].

E, para finalizar, um dos entrevistados é taxativo:

“Haddad só cuidou dos ricos”.

Diante da caixa de pandora aberta pelo presidente e a oposição golpistas, o povo está inerte como verdadeiros zumbis.

O total descaso com os pobres se revelou nos índices recordes de abstenções.

Os índices de abstenções, votos em branco e nulos também foram altíssimos: 21,84%; 5,29% e 11,35%, respectivamente, somando 38,48%, mais do que o candidato que se dizia não ser político e, sim, gestor. Foram 3.096.304 rejeições contra 3.085.187 do primeiro colocado.

Um exemplo: no bairro de Guaianases, 21,4% dos eleitores anularam ou votaram em branco. Nos Jardins, só 6,9%.

Foram os pobres que recusaram a política, porque não são e nunca serão de fato representados por um iluminados detentores da verdade nem por uma choldra de bandidos movida a interesses próprios e dos lobbies mais obscuros.

A separação entre lideranças de organizações de esquerda e sua base, no entanto, é muito antiga e está na raiz do surgimento do socialismo moderno.

Durante o século XIX, disputas internas pela orientação hegemônica do movimento operário canalizaram tendências em duas concepções fundamentalmente opostas. De um lado, as teses do pequeno burguês Karl Marx, jovem universitário e pensador genial; de outro, o francês Pierre J. Proudhon, de origem camponesa, operário, autodidata, retrogrado. Para Marx, a revolução passava pela tomada do Estado; para Proudhon, a revolução deveria derrubar o Estado.

Tempos depois, o embate se estendeu à I Internacional (AIT), desta vez opondo Marx e Mikail Bakunin. O russo corrigiria os erros de Proudhon e, enfim, recolocava o socialismo na sua expressão mais radical. Mas a tensão crescente entre libertários bukuninistas e autoritários marxistas culminou com a expulsão de Bakunin da Internacional, graças a manobras de Marx, fato que provocou o cisma do socialismo.

Por ocasião da II Internacional, os anarquistas foram enfim expulsos e a social-democracia de cunho marxista passou a admitir a atuação parlamentar dos socialistas nos governos burgueses através de um partido.

Mais tarde, a Revolução Russa e a Revolução Espanhola selariam o destino do socialismo para sempre. A primeira corou o projeto marxista através da tomada do poder pelos bolcheviques. A segunda significava a derrota definitiva do anarquismo no cenário das lutas proletárias.

A tomada do Estado – por via parlamentar – acarretava a participação dos comunistas no jogo democrático, representativo ou participativo, em tempos de legalidade. Muitos militantes marxistas passaram a ocupar as mais diversas instituições, em todos os escalões. Nas universidades, formaram uma verdadeira escola [que, diga-se de passagem, frutificou-se em teorias brilhantes e, frequentemente, divergentes]. Porém, na mesma medida em que se tornavam tecnocratas ou burocratas, desligavam-se cada vez mais da classe operária. A vanguarda revolucionária do partido, geralmente composta por intelectuais, esboroou o protagonismo do movimento operário e o proletariado foi reduzido à condição de massa de manobra. Os sindicatos também abandonaram todo viés revolucionário do anarcossindicalismo, e seus dirigentes se tornaram profissionais do sindicato que muitas vezes enriqueciam graças à corrupção.

Ao mesmo tempo em que se inseriam na máquina estatal, os marxistas se aburguesavam. O proletário se tornou uma entidade metafísica, discurso e meio para burocratas do partido atingirem seus fins. O socialismo virou lema de bandeira, ideologia, para justificar o pragmatismo de elementos ambiciosos, sem nenhum comprometimento com a emancipação humana.

O paradigma marxista, embora vencedor, representou o fim do verdadeiro socialismo cristalizado na figura de Bakunin. Fracassou em todas as ocasiões em que foi testado.   
Proudhon estava certo. Bakunin ainda mais.

O Estado é arma dos poderosos, das classes dominantes, não dos humildes.

É um equívoco acreditar na isenção das instituições burguesas, nos três poderes, como fez o PT. Elas existem justamente para assegurar o poder da burguesia, sua dominação e a exploração do trabalhador.

Neste sentido, o PT foi vítima da velha política, na qual aceitou as regras, e, ao mesmo tempo, do seu republicanismo.


“O poder corrompe”, diriam, mais uma vez, os anarquistas.

sábado, 1 de outubro de 2016

O ULTRACAPITALISMO TEM NOME: TPP

Veja como o acordo pode afetar você



Agora que podemos ver o texto da Parceria Transpacífica (TPP), sabemos porque foi
mantido secreto.

De Pete Dolack, no Counterpunch, 13 de novembro de 2015

(Reprodução parcial, para íntegra em inglês).

O texto da TPP [acordo comercial fechado entre Estados Unidos, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura e Vietnã] agora pode ser visto pelo público, graças ao governo da Nova Zelândia, e é tão ruim quanto alertavam os ativistas.

A TPP, se adotada, promete ser uma corrida ao fundo do poço: mais empregos nos países de menores salários, o direito de corporações multinacionais de vetarem qualquer lei ou regulamentação que seus executivos rejeitarem, o fim do direito de saber o que tem na sua comida, preços mais altos para os remédios e a subordinação da privacidade na internet a interesses corporativos.

Esta é a razão para ter sido negociada em segredo, com consultas apenas a executivos e lobistas da indústria durante a definição do texto.
A ameaça da TPP vai muito além dos doze países que negociam — ela pretende ser um acordo “porto”, a que outros países podem aderir a qualquer momento, desde que aceitem o texto negociado previamente.

Além disso, a TPP é modelo para dois outros acordos: a Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) entre os Estados Unidos e a União Europeia e o Trade In Services Agreement (TISA), um acordo ainda mais secreto negociado entre 50 países, que eliminaria qualquer controle sobre a indústria financeira.

A eliminação de proteções é precisamente o que as corporações multinacionais dos Estados Unidos pretendem ver na Europa ao replicar os termos da TPP na TTIP, um processo que se torna mais fácil pela natureza anti-democrática da Comissão Europeia, que negocia em nome dos governos europeus.

Atualmente, os padrões mais altos do Canadá em saúde, meio ambiente e proteção do consumidor estão sob ataque no NAFTA, o North American Free Trade Agreement. A TPP é um presente sem precedente às corporações, indo muito além do NAFTA, que prejudicou trabalhadores e agricultores no Canadá, Estados Unidos e México.

Mais de 300 mil empregos seriam eliminados nos Estados Unidos pela aprovação da TPP. O Wall Street Journal, celebrando a vitória do capital multinacional, estimou que 330 mil empregos na manufatura serão extintos, baseando sua estimativa em um aumento de U$ 56 bilhões no déficit comercial. A previsão segue o cálculo do Departamento do Comércio, segundo o qual 6 mil empregos são perdidos a cada U$ 1 bilhão de aumento no déficit comercial dos EUA.

[…]

Democracia cancelada pelo poder corporativo

Sob a TPP, as corporações são elevadas ao nível de governos nacionais e, na prática, pode se dizer que estariam acima dos governos. O texto da TPP obriga que “normas internacionais” sejam aplicadas em benefício do “investidor” — tais normas estabelecidas previamente por tribunais secretos, ao interpretar o NAFTA e outros tratados de “livre comércio”.

Pior, a TPP não coloca qualquer limite em quem pode ser qualificado como “investidor”, que deve ser financeiramente compensado pelos governos se seus lucros potenciais não se materializarem por causa de regulamentações ou normas de segurança locais.

Embora as regras que beneficiam o capital multinacional estejam escritas em linguagem firme, não há a mesma garantia para a proteção de direitos. O grupo ambiental Sierra Club informa que o TPP obriga que apenas um dos sete acordos ambientais citados em acordos de “livre comércio” anteriores seja cumprido, o que é alarmante, considerando que os requisitos ambientais para corporações têm sido rotineiramente ignorados.

[…]
A TPP nem menciona as palavras “mudança climática”!

Mais de 9 mil corporações teriam novo poder para processar governos se uma lei ou regulamento prejudicasse seus lucros. Pior, a TPP obrigaria o Departamento de Energia dos Estados Unidos a automaticamente aprovar as exportações de gás liquefeito para todos os países signatários. Isso garantiria mais fracking; sob o NAFTA, a província de Quebec foi processada, numa tentativa de derrubar a moratória ao fracking imposta pelo governo local.

Seria apenas o começo, de acordo com o grupo 350.org:

“O acordo daria às empresas de combustíveis fósseis o poder extraordinário de processar governos locais que tentem manter os recursos no solo. Se uma província adotar moratória no fracking, corporações poderiam ir à Justiça; se uma comunidade tentar evitar uma mina de carvão, as corporações poderiam derrubar o veto. Resumindo,  as regras solapariam a capacidade dos países de fazer o que os cientistas dizem que é o mais importante para combater o aquecimento global: manter combustíveis fósseis no solo”.

Sem direito de saber o que você come

A segurança alimentar não teria melhor futuro. A TPP adotaria os padrões mais baixos de qualquer país signatário e o fim da proteção contra os organismos geneticamente modificados (OGM). Segundo a Food & Water:

“A TPP inclui novas provisões desenhadas para questionar os inspetores governamentais que monitoram a importação de comida… A indústria da comida e o agronegócio exigiram — e receberam — regras que vão tornar mais difícil defender padrões domésticos de segurança alimentar das disputas de comércio internacional… O agronegócio e as empresas que produzem sementes poderiam usar as novas regras para desafiar o banimento de OGMs, os testes para contaminação por OGMs, países que não aprovam novos OGMs ou que requerem etiquetas nas embalagens. A TPP dá à indústria um poderoso instrumento contra os movimentos nacionais que lutam pela identificação de OGMs nas embalagens. A linguagem da TPP é mais poderosa e expansiva que a de acordos anteriores, que já foram usados para enfraquecer a proteção aos golfinhos na produção de atum e a exigência da identificação de país de origem nos alimentos importados”.

Os serviços de saúde também sofrem um ataque direto, forçando os países a se moverem na direção do sistema dos Estados Unidos, segundo o qual a Saúde é um privilégio dos que podem pagar por ela, em vez de um direito humano. Programas de governo voltados para reduzir o preço dos medicamentos são um alvo da TPP.

Os Médicos Sem Fronteiras, que há anos soaram o alarme, dizem: “Os países da TPP concordaram com as exigências do governo dos Estados Unidos e das companhias farmacêuticas internacionais que representam o aumento do preço de remédios, a extensão desnecessária de monopólios e o adiamento da competição dos genéricos… A TPP vai entrar para a História como o pior acordo comercial para o  acesso à medicina nos países em desenvolvimento, que serão forçados a mudar suas leis para incorporar a proteção à propriedade intelectual das farmacêuticas. Por exemplo, a proteção adicional a drogas biológicas será estendida pela TPP aos países em desenvolvimento que aderirem. Estes países vão pagar um alto preço nas próximas décadas e ele será medido pelo impacto nos pacientes”.


O texto da TPP terá de ser aprovado pelas casas legislativas de diversos países e embora o tempo seja limitado e o processo encurtado para facilitar a aprovação em vários deles, a TPP pode ser derrotada. Não é uma questão nacional. Os trabalhadores serão prejudicados em todo lugar, com o desaparecimento de empregos nos países desenvolvidos e condições de trabalho miseráveis nos outros — é por isso que o capital,  de onde quer que venha, está apoiando a TPP. Se houver chance de derrotá-la, será através de ativistas dos dois lados do Pacífico. Não temos tempo a perder.