terça-feira, 1 de novembro de 2022

Sobre os autores de "A Verdade sobre Kronstadt" do Volia Rossii

Volia Rossii

Sobre os autores

por Scott Zenkatsu Parker

(Tradução: Fecaloma – punk rock)

Pravda o Kronshtadte, texto original de A Verdade sobre Kronstadt, é uma obra de muitas mãos e fonte primária indispensável para qualquer discussão sobre a Rebelião de Kronstadt de 1921. Partindo-se destas duas perspectivas e a fim de obter uma melhor compreensão do texto, seria útil discorrer sobre várias questões decorrentes da tradução. Quem eram os autores e editores originais das diferentes seções e subseções da obra e quais eram suas visões políticas? Como diferentes pontos de vista concernentes às mudanças na Rússia, o cenário internacional e os objetivos dos autores se combinam para moldar suas interconexões uns com os outros e demais grupos envolvidos durante as grandes convulsões que marcaram a era da Revolução Russa e da Guerra Civil de 1917 a 1921?

Todos os autores do Pravda pertencem a vários ramos do movimento socialista que se desenvolveu a partir do populismo russo do final do século XIX. Para os propósitos deste ensaio, os autores serão descritos e diferenciados politicamente por dois aspectos específicos em suas crenças: suas interpretações de socialismo e do próprio papel das forças não socialistas na revolução. Tais aspectos, entretanto, não descrevem definitivamente as crenças ideológicas dos grupos em questão. São, no entanto, questões importantes para o contexto político da época e que nos ajudam a explicar os principais conflitos e divisões entre os socialistas russos coexistentes. Diferentes grupos socialistas tinham visões muito distintas de como o socialismo poderia e deveria ser alcançado, além de divergirem sobre o que caracterizaria o estado socialista resultante. Ademais, enquanto alguns endossavam a intervenção de forças externas e não recusavam o auxílio de grupos conservadores russos, outros se opunham veementemente a qualquer tipo de concessão do gênero. Essas diferenças contribuíram fortemente para muitas das alianças e inimizades políticas do período, especificamente, para os autores do Pravda.

Mas as condições internacionais e internas mudaram muito durante o período. Além disso, uma vez que uma reivindicação ou objetivo comum era finalmente alcançado, muitas vezes antigos aliados divergiam entre si através novas demandas de caráter oposto à resolução precedente. Em meio ao estresse de tais condições e alianças voláteis, as opiniões dos autores sobre as duas questões colocadas acima, a natureza do socialismo e o papel das forças não socialistas na revolução, também estava suscetível a mudar. As relações dos autores entre si e com outros grupos serão discutidas no âmbito de uma rede de condições, interesses e crenças em transformação.

Quem eram então os autores do Pravda e quais eram suas visões políticas? O primeiro grupo de autores a ser discutido são os rebeldes propriamente ditos, que aparecem frequentemente nas páginas do Izvestiia, por meio de suas declarações e apelos. Em segundo lugar, há os editores do jornal, representados por Anatolii Lamanov, autor de artigos tão importantes como “Por que lutamos” e “Etapas da revolução” (Getzler, p. 232, nota 112). Os líderes militares e civis dos rebeldes, representados por Stepan Petrichenko, presidente do Comitê Provisório Revolucionário, também desempenharam um papel importante por meio de declarações e entrevistas posteriores concedidas ao Volia Rossii. Apesar de algumas questões concernentes às afiliações políticas de Petrichenko, estes três primeiros grupos manifestam opiniões fundamentalmente semelhantes e, muitas vezes, podem ser considerados como um único corpo. Finalmente, há o prefácio do próprio Volia Rossii, que foi um jornal publicado em Praga, pelos socialistas revolucionários de direita (SR), incluindo A. F. Kerensky.

Os marinheiros, soldados e trabalhadores de Kronstadt, cidade portuária, sede da Frota do Báltico, eram talvez o segmento mais educado, politicamente consciente e rebelde de todos os trabalhadores da Rússia. Da população civil de Kronstadt, 50.000 pessoas, a força de trabalho industrial era de 17.000 operários. Havia também 20.000 marinheiros alistados na Frota do Báltico em Kronstadt e, devido às demandas tecnológicas cada vez mais exigidas por uma marinha moderna, trabalhadores industriais compunham cerca de 31% dos convocados entre 1904 e 1916, em comparação com os 3,43% recrutados pelo exército. Apenas 6% dos recrutas da frota eram analfabetos. Os trabalhadores industriais constituíram o principal núcleo de agitação política nos partidos socialistas. Getzler cita uma reclamação do diretor pré-revolucionário do Departamento de Polícia:

“trazer para a marinha... homens que cultivam uma atitude hostil a toda autoridade desde a idade de 12-15 anos; desde quando essa gente se mistura com operários propagandistas?” (p. 10).

Ele observa também que os marinheiros foram largamente educados em escolas navais para cargos técnicos (pp. 1, 10-11).

Kronstadt já evidenciava uma longa e ardente história de rebelião espontânea mesmo antes dos levantes de 1917. Durante as duas primeiras décadas do século XX, grupos clandestinos operavam atividades subversivas na esquadra de Kronstadt. Revoltas espontâneas eclodiram em 1905, e uma rebelião liderada por uma coalizão de partidos ocorreu em 1906. Os marinheiros de Kronstadt desempenharam um papel de liderança nos eventos revolucionários de 1917, culminando em 25 de outubro quando participaram do assalto ao Palácio de Inverno, derrubando o Governo Provisório liderado por Kerensky e colocando efetivamente os bolcheviques no poder.

Apesar das dezenas de milhares de marinheiros da Frota do Báltico que foram lutar nas frentes da Guerra Civil, Getzler relata que a composição da guarnição de Kronstadt não havia mudado significativamente em 1921. De uma população de 50.000, havia 27.000 marinheiros e soldados e 13.000 trabalhadores civis. Trabalhando com fontes ocidentais e soviéticas, incluindo dados de AS Pukhov, estima-se que 75,5% dos que serviram na frota em 1º de janeiro de 1921 foram convocados antes de 1918 (Getzler, pp. 205, 208, nota de rodapé 11). Deve-se notar que, no entanto, o próprio Pukhov, em sua obra, tira conclusões muito diferentes, afirmando que, sem precisar números exatos, “ao longo dos 2 e 3 anos anteriores ao motim, e especialmente no ano de 1920, ocorreram processos na formação da frota que mudaram significativamente o caráter da estrutura de pessoal, essencialmente em relação a uma queda acentuada do indicador qualitativo, tanto da perspectiva da classe social quanto das ideologias políticas” (Pukhov, p. 39).

Acima de tudo, estes marinheiros e trabalhadores de Kronstadt educados, independentes e politicamente conscientes queriam e agiam como baluartes de uma democracia socialista radical e espontânea. As formas clássicas de organização de Kronstadt eram tanto a reunião de massas quanto o comitê (soviete) de deputados com mandatos sujeitos à revogação imediata. Havia livre participação envolvendo todas as classes e partidos socialistas. Os kronstadtinos rejeitavam toda e qualquer autoridade além de seu próprio Soviete e não era incomum que os participantes de uma reunião de massa, inflamada por oradores inspirados, forçassem o próprio Soviete a mudanças políticas repentinas e embaraçosas. Os marinheiros e trabalhadores nutriam um ódio vigoroso e violento à classe burguesa, à nobreza e ao oficialato, rejeitando a mínima participação de qualquer dessas categorias sociais na vida política e econômica de Kronstadt, em seu Soviete e na República em geral. Pois bem, acreditavam na instituição de um governo quase puramente operário, como, de fato, se testemunhou em Kronstadt durante grande parte do ano de 1917. Eles pensavam que instituições geridas por trabalhadores poderiam ser imediatamente implantadas em toda a Rússia pela ação das classes trabalhadoras sem qualquer participação de grupos não socialistas.

Anatolii Lamanov entrou em cena com a Revolução de Fevereiro de 1917 quando o estudante do terceiro ano de química tornou-se presidente do Soviete de Deputados Operários de Kronstadt. Mais tarde, foi eleito presidente do Soviete de Deputados Operários e Soldados de Kronstadt (“Soviete de Kronstadt”) e do conselho editorial do jornal do soviete. Lamanov também liderou o Grupo Sem Partido de Kronstadt, que, em agosto de 1917, juntou-se à União dos Socialista-Revolucionários Maximalistas (Getzler, pp. 30, 37-38, 135).

No que concerne as posições de lideranças exercidas por Lamanov na altamente democrática Kronstadt, é razoável supor que a filosofia propalada por ele refletia também as crenças de um enorme contingente da população da cidadela. Pelos cálculos de Getzler, o Grupo Sem Partido/Maximalistas elegeu 77 delegados dos 280 eleitos do primeiro Soviete em março; 68 delegados no segundo, em maio; e 96 delegados no terceiro, em agosto (p. 36, 65-66, 134). Segundo Getzler, o Grupo Sem Partido de Lamanov:

“... rejeitou o facciosismo partidário, defendeu o sovietismo puro e, por isso, adaptava-se admiravelmente na paisagem revolucionária e marcadamente soviética de Kronstadt...” (p. 37).

“... o seu apelo à moderação, aos laços estreitos com o Soviete de Petrogrado, à ‘unidade do movimento revolucionário nacionalista’; numa palavra, uma voz que alertava sempre contra a ‘desunião e discórdia partidária' que tinha ‘arruinado a revolução da França’” (p.55-56).

Adeptos dos Socialista-Revolucionários Maximalistas, Lamanov, seu grupo e os kronstadtinos em geral, que os apoiavam, faziam parte de um movimento que recebia seu nome em razão ao programa “máximo” do Partido Socialista Revolucionário. Este programa exigia a socialização imediata das fábricas e das terras agrárias. De muitas maneiras, os maximalistas concordaram com os bolcheviques e, em outubro de 1918, apoiaram a derrubada do Governo Provisório. No entanto, como aponta V. V. Garmiz, um escritor soviético, eles diferiam dos bolcheviques porque “não reconheciam absolutamente a ditadura do proletariado, muito menos a necessidade da administração centralizada da economia do país; posicionavam-se também contra o Tratado de Brest [-Litovsk] com a Alemanha”, considerado por eles uma concessão ao imperialismo internacional. Ademais, como sugere seu programa básico, os maximalistas não consideravam necessário um período intermediário de transição, sob a égide de um governo burguês capitalista, para a realização do socialismo (ver Nicoll, 1980a; Garmiz et. al., p. 255).

Assim, Lamanov e os maximalistas, como os marinheiros e trabalhadores de Kronstadt, viam o socialismo como a transformação imediata do país em uma república soviética dominada e liderada por trabalhadores, que varreria o latifúndio e os proprietários de fábricas sem qualquer necessidade de um período de transição ou compensação. Muito embora possam ter concebido um “protagonismo de uma minoria” (Garmiz et al.) que trabalhava na vanguarda para acender a faísca da revolução social, sempre se opuseram a qualquer participação de grupos não socialistas e governos ocidentais nos destinos da Rússia revolucionária.

Com relação a outros líderes de Kronstadt, o caso é um pouco menos claro. Quanto a Petrichenko, sabe-se com certeza que era originário de uma família camponesa ucraniana e um veterano que exercia a função de escriturário. Antes de ingressar na marinha, em 1912, em virtude de sua formação incompleta – cursou apenas dois anos no ensino formal – trabalhou como encanador. Mas, durante a rebelião, foi eleito presidente da assembleia do Petropavlovsk, cuja tripulação aprovou a resolução que serviu de fundação da revolta. Pouco depois, foi presidente do Presidium na Conferência de Delegados que formou o Comitê Provisório Revolucionário. Esses fatos lhe dão a aparência de um trabalhador soviético honesto que se ergue para liderar um movimento de libertação, estando, portanto, de pleno acordo com as opiniões de Lamanov e demais marinheiros de Kronstadt (Avrich, pp. 72-74, 80-82).

No entanto, em um dos primeiros relatos soviéticos sobre a rebelião, Petrichenko é acusado de ser um nacionalista ucraniano, simpatizante dos SRs e dos anarquistas (Pukhov, p. 76-77). Se isso for verdade, poder-se-ia propor que, ao contrário do que ele ou outros kronstadtinos declaravam, isto é, sua postura ideológica não alinhada com nenhum partido, Petrichenko ultrapassou a mera simpatia filosófica para com os SRs e realmente estabeleceu contatos secretos com forças partidárias a fim de realizar sua pretensão de instrumentalizar a rebelião para dar um passo à frente na consolidação de um governo SR sobre a Rússia. Ademais, um simples acordo com a filosofia dos Socialistas Revolucionários de Direita, tal como existia até 1918, apareceria aos olhos de muitos trabalhadores como uma autoacusação condenatória, por razões que serão discutidas abaixo.

Anatolii Lamanov também foi acusado de inclinação partidária, na qual, insinuava-se, era membro de uma determinada organização política (Pukhov, p. 77). Neste caso, porém, a filiação política de Lamanov com os maximalistas não é de forma alguma secreta, sendo anunciada claramente em sua carta de desfiliação do PCR (b.), publicada na terceira edição do Izvestiia do Com. Prov. Rev. (Pravda, pp. 59-60). De qualquer maneira, uma possível conexão secundária com os SRs não significava que as declarações de Petrichenko não devam ser primeiro consideradas e analisadas através das lentes de seu papel indiscutível na liderança do movimento de Kronstadt, de sua qualidade de marinheiro eleito, bem como de sua convivência no meio democrático de Kronstadt. Por causa disso, os trabalhadores e marinheiros de Kronstadt, Lamanov e seu Grupo Sem Partido/Maximalistas e Petrichenko podem ser considerados principalmente partes de uma unidade política e filosófica na maioria dos casos. No entanto, Petrichenko e o Comitê Provisório Revolucionário também devem ser discutidos separadamente, de modo a lançar luz no seu possível papel como apoiador de um ou outro ramo não maximalista do Partido Socialista Revolucionário.

Volia Rossii, editora do Pravda, é ela a própria uma publicação braço direito do Partido SR. Ao contrário de todos os outros livros publicados pelo jornal e vendidos por meio de seus anúncios, o Pravda não tem assinatura. O autor ou autores nunca são indicados, nem no próprio livro nem nas páginas do Volia Rossii. Assim, os artigos podem ser entendidos, tais como os editoriais não assinados da primeira página, em consonância com a linha editorial das principais figuras do jornal.

O que o Volia Rossii expressa em seu cabeçalho é na verdade a opinião “de V. M. Zenzinov, V. I. Lebedev e O. S. Minor”. O crítico literário Marc Slonim, então secretário editorial do jornal, descreve essas três figuras como os editores e observa que A. F. Kerensky também esteve estreitamente envolvido com o jornal (Slonim, p. 291).

Uma discussão histórica destas figuras fornece as respostas para as duas questões colocadas acima: quais eram suas visões de socialismo e que papel na revolução sobrava para os grupos não socialistas. Aparentemente, o membro mais antigo e menos conhecido do grupo editorial era Osip Solomonovich Minor. Estudante da Universidade de Moscou, Minor foi atraído para o círculo revolucionário liderado por V. l. Rosenberg, em 1883, época do assassinato do Coronel Sudeikin. Sudeikin era o chefe de polícia de Kiev e um inimigo ferrenho dos terroristas da Vontade do Povo (Minor, p. 9; Nicoll, 1980b, p. 170). Enquanto o grupo de Rosenberg se autodenominava parte da Vontade do Povo, o assassinato de Sudeikin representava os últimos estertores da organização original fundada em 1879, e presumivelmente foi uma das várias tentativas para dar nova vida a essa divisão moribunda do movimento populista (ver Tvardovskaya, p. 255).

Relatos residuais de que depois de ter sido repetidamente preso e libertado, Minor foi condenado em 1885 a dez anos de exílio no nordeste da Sibéria por “influenciar prejudicialmente a juventude”. Em Yakutsk, conheceu vários antigos populistas e ativistas da Vontade do Povo que o impressionaram profundamente. Lá, ele participou do levante de 22 de março de 1889. Foi condenado à forca por sua participação no levante, mas a sentença foi comutada para trabalhos forçados ilimitados e, posteriormente, para dez anos de exílio a partir do dia da sentença. Em 1898, ele conseguiu retornar à Rússia central, mas permaneceu longe das capitais de São Petersburgo e Moscou (ver Minor).

Tvardovskaya, um escritor soviético, lamenta em relação à Vontade do Povo que, embora seus membros “tivessem reconhecido a necessidade da luta política contra a autocracia”, eles compartilhavam as visões “utópicas socialistas” dos populistas em geral, “sobretudo, a crença na possibilidade da Rússia, contornando o capitalismo, chegar ao socialismo através de uma revolução camponesa” (Tvardovskaya, p. 254). A Vontade Popular e os Populistas também apoiavam a intelligentsia, da qual o movimento populista era amplamente composto. A intelligentsia, por sua vez, estava intimamente ligada à baixa nobreza e à burguesia. P. A. Alekseev, um populista de família camponesa, foi um dos ativistas que conheceu e muito impressionou Minor em Yakutsk. Em discurso de seu julgamento de 1878, Minor declarou que era “óbvio que o trabalhador russo só poderia ter esperança em si mesmo e que só podia esperar ajuda de nossa jovem intelectualidade” (Venturi, p. 534).

Entre as políticas adotadas pela Vontade do Povo, ao menos publicamente, estavam uma Assembleia Constituinte, amplas liberdades fundamentais e transferência de todas as terras e fábricas para o povo. Os populistas e presumivelmente Minor desejavam uma revolução social que derrubasse as classes dominantes. Eles próprios não se consideravam como parte das classes dominantes, mas como uma intelectualidade revolucionária trabalhando ao lado dos trabalhadores e camponeses ou, se necessário fosse, liderando às massas sua luta por emancipação (ver Nicoll, 1980b e Blakely para discussões concisas sobre Populismo e Vontade do Povo).

Embora a autobiografia de Minor termine bem antes dos eventos de 1917 e 1921, a obra é interessante a título de ilustração no que diz respeito às ligações entre o Volia Rossii e o populismo, bem como por tratar a crença dos populistas em assumir um papel de liderança entre a intelligentsia, tanto na revolução social quanto no estado socialista resultante dela. Todos os principais partidos socialistas russos da era revolucionária, incluindo os comunistas, tinham pelo menos algumas raízes no populismo. No entanto, a crença em uma revolução baseada no campesinato, tendo por auxílio ou direção da intelectualidade, foi preservada e defendida de forma particularmente vigorosa pelo Partido Socialista Revolucionário. Esta agremiação incluía as principais figuras da Volia Rossii.

Já Vladimir Mikhailovich Zenzinov, Vladimir I. Lebedev e Aleksandr Fedorovich Kerensky eram figuras mais novas e proeminentes no Partido Socialista Revolucionário do que Minor. Segundo Perrie, Zenzinov tornou-se um membro ativo desde quando ingressou como estudante em 1904. Participou de atividades terroristas e das revoltas de 1905 e 1906. Foi preso e fugiu muitas vezes. Em 1910, foi finalmente condenado a cinco anos de exílio em uma aldeia remota próxima ao rio Indigirka, na Sibéria. Perrie relata que Zenzinov retornou à Rússia no início da Guerra Mundial, ingressando na ala mais conservadora, “defensista” ou de apoio à guerra no círculo do movimento socialista e do Partido SR. Nessa mesma época, tornou-se amigo íntimo de Kerensky (ver Perrie, 1980b; Melancon também fornece um artigo interessante sobre as relações entre os descendentes socialistas do populismo e as divisões intrapartidárias direita-esquerda desencadeadas pela Guerra Mundial).

De acordo com Perrie, após a Revolução de Fevereiro, Zenzinov serviu no Comitê Executivo do Soviete de Petrogrado e recebeu uma nomeação para o Governo Provisório. Na época da Revolução de Outubro, juntou-se ao Comitê de Salvaguarda da Pátria e da Revolução, que lutava contra o golpe bolchevique. Ainda conforme Perrie, após a dissolução da Assembleia Constituinte, em janeiro de 1918, Zenzinov acabou se juntando ao Comitê da Assembleia Constituinte (Komuch) e ao “Diretório Ufa”, que formou um governo de oposição com a participação dos democratas-constitucionais burgueses, constituindo, fundamentalmente, a mesma base do governo que existia antes de outubro. Em novembro de 1918, o Diretório foi derrubado por elementos reacionários e substituído por Kolchak, um comandante branco. Zenzinov fugiu para o exterior (Perrie, 1980b, pp. 17-21).

Segundo Sack, Lebedev lutou na Guerra Russo-Japonesa e, depois de fugir da Rússia por motivos políticos, serviu no Exército Francês desde o início da Guerra Mundial até a Revolução de Fevereiro. Ele retornou à Rússia e ingressou no Governo Provisório como Ministro Adjunto da Marinha no Gabinete da Segunda Coalizão, formado em julho de 1917, muito embora tenha deixado a pasta por discordar com aquilo que acreditava ter sido um tratamento fraco conferido aos bolcheviques após as Jornadas de Julho. Lebedev fez parte da malfadada Assembleia Constituinte e também se uniu a Komuch e ao Diretório, no qual trabalhou como líder militar em coordenação com a Legião Tcheca. Presumivelmente, Lebedev foi deposto na mesma ocasião que os outros socialistas (ver Sack, pp. 3-5).

Kerensky ficou famoso como o primeiro-ministro socialista da coalizão de Governos Provisórios. Segundo Rollins, ele seguiu um caminho semelhante ao de Zenzinov, ingressando no movimento socialista quando era estudante em São Petersburgo, de 1899 a 1904. Participou de atividade revolucionária socialista e liberal, serviu na Duma do Estado, fez-se proeminente como advogado de defesa criminal e foi vítima das prisões costumeiras. Era maçom desde 1912 e membro da ala direita do movimento socialista, apoiando a guerra contra a Alemanha, compreendida por ele como um passo para a libertação política. Ao longo de sua carreira, Kerensky cultivou ardentemente os princípios liberais, em vez daqueles estritamente socialistas. Rollins diz da maçonaria russa que “[seu] objetivo ... não era a democracia popular buscada pela esquerda, mas, sim, uma república dirigida pela intelectualidade liberal. Rejeitando a ação das massas, visava destruir a monarquia, infiltrando-se no governo e transformando a burocracia do alto escalão em instrumento da revolução” (Rollins, p. 109). Servindo em vários governos provisórios como Ministro da Justiça, da Guerra e, finalmente, Primeiro-Ministro, Kerensky foi um dos principais apoiadores da política oficial de concessões aos proprietários de terras e fábricas e de coalizão com os partidários da democracia constitucional e outros grupos não socialistas. Naquela época, nenhum partido, exceto os bolcheviques, acreditava na capacidade dos sovietes para realizar a revolução social sem o envolvimento e a cooperação dos elementos burgueses. Daí porque Kerensky não quis ou não pôde tomar as medidas necessárias para satisfazer as massas em seus anseios de liberdade. Junto com o Governo Provisório, foi apeado do poder na Revolução de Outubro e, como se constatou, foram os marinheiros e soldados de Kronstadt que contribuíram fortemente para derrubar o governo (ver Rollins).

Como proeminentes socialistas revolucionários, Zenzinov, Lebedev e Kerensky se juntaram a Minor em apoio aos velhos ideais populistas de uma revolução social unificada pela base dos operários, camponeses e também pela intelectualidade. O programa oficial do SR aprovado na Primeira Conferência do Partido, em 1905-1906, reivindicava a “substituição da propriedade individual [da terra]... pela criação da propriedade comum do povo" (Sbornik..., pp. 45-46) e reiterava que “o fardo da luta contra o czarismo deve recair sobre os ombros do proletariado – o campesinato, o operariado e a intelectualidade revolucionária” (citado em Melancon, p. 244). Segundo fontes contemporâneas, este programa continuou a ser a visão oficial do partido em 1917 (Morokhovets, pp. 73-74).

Assim, partindo de suas raízes populistas, mantidas pelo menos até 1918, as principais figuras de Volia Rossii acreditavam em um socialismo pelo qual um estado socialista liderado por uma intelectualidade atendesse aos desejos dos trabalhadores. Eles também estavam dispostos a permitir que grupos não socialistas desempenhassem um papel na revolução (ver Perrie, 1980a para uma discussão mais completa do Partido Socialista Revolucionário).

Quando Pukhov acusa Petrichenko de simpatizar com as crenças socialistas-revolucionárias, está se referindo aquelas descritas no parágrafo anterior. Como mencionado acima, com relação a Petrichenko, tal acusação, se verdadeira, seria de fato condenatória para muitos trabalhadores soviéticos e especificamente para a população de Kronstadt, porque as proposições SR estavam em conflito direto com as convicções políticas dos marinheiros de Kronstadt e seus líderes.

Além das diferenças apontadas, havia também outras questões que separavam Kronstadt e seus líderes dos SRs de direita e seu Governo Provisório. Sack descreve Lebedev, ministro da Marinha, ao tomar “medidas rígidas para restabelecer a disciplina da frota russa”. Esta foi uma política extremamente impopular entre os marinheiros independentes de Kronstadt. Prossegue o autor: “Em julho de 1917, o SR de direita estava à frente das forças que reprimiram a revolta bolchevique” (Sack, p. 4). Aqui, novamente, os marinheiros de Kronstadt não foram meros coadjuvantes das Jornadas de Julho, mas protagonistas das manifestações (ver Getzler, pp. 111-124).

Levando-se em conta o desacordo entre Kronstadt e os SRs de direita, relativas às duas questões colocadas acima, isto é, a concepção de socialismo fraco e do papel de grupos não socialistas na Revolução, bem como outros conflitos fundamentais de interesse e princípios, a oposição, em julho e outubro de 1917, de Kronstadt a Kerensky, aos socialistas revolucionários de direita e aos governos provisórios que estes ajudaram a formar é bem explicada.

Em março de 1921, no entanto, a situação mudou drasticamente. Wrangell, o último comandante branco, foi expulso da Crimeia. Os governos ocidentais abdicaram das tímidas tentativas de intervenção e estavam começando a negociar acordos com o novo governo soviético. Ao não permitirem o menor exercício da crítica ao seu governo, os bolcheviques afastaram cada vez mais da vida pública seus aliados socialistas e anarquistas de esquerda da Revolução e da Guerra Civil. Entretanto, rebeliões camponesas despontavam aqui e ali contra a razverstka, a expropriação à mão armada de grãos e outros suprimentos para sustentar o Comunismo de Guerra. Com o término das ameaças internas e externas à República, os camponeses estavam cada vez menos dispostos a aceitar essas políticas coercitivas de requisições.

Operários e marinheiros também foram profundamente afetados com tais adversidades, não só porque o abastecimento de alimentos escasseava ante a ruína econômica provocada pela Guerra Civil e o Comunismo de Guerra, mas pelo fato de que em muitos casos ainda mantinham laços estreitos com as aldeias. Por fim, o Partido Comunista foi acusado de autoritarismo, de burocratizar-se e afastar-se do povo, de ser incapaz de lidar com a ruína econômica que avassalou a Rússia. As declarações de marinheiros, soldados e trabalhadores publicadas no “Izvestiia do Com. Prov. Rev.” tratam reiteradamente dessas questões. Foram repetidos também por Lamanov em sua declaração por ocasião de sua saída do Partido Comunista e nos artigos que escreveu para explicar a causa do movimento de Kronstadt. Algumas dessas questões também são levantadas por Petrichenko no primeiro artigo da primeira edição (ver também “Deixando o RCP”, “Pelo que Lutamos”, “Voz de um iludido”, “Abandonar o Partido”; Pravda, pp. 45, 59, 76, 82, 105, 132). Tais eram as questões que afastaram Kronstadt e seus líderes dos comunistas.

O Izvestiia também indicou que a liderança do levante mantinha algum grau de relação com os emigrados socialistas revolucionários de direita. Na terceira edição, são impressas "saudações à guarnição de Kronstadt", publicadas no Reval (Pravda, p. 57). Aparentemente, este é o texto omitido de uma publicação que Avrich atribui a um grupo que incluía Zenzinov e Kerensky. O texto completo é o seguinte:

“O presidente da Assembleia Constituinte, Victor Chernov, envia suas saudações fraternas aos heroicos camaradas marinheiros, homens do Exército Vermelho e trabalhadores, que pela terceira vez, desde 1905, estão se libertando do jugo da tirania. O presidente oferece ajuda com homens e provisões, através das cooperativas russas situadas no exterior. Informe-nos o que e quanto será necessário para que possamos devidamente auxiliá-los. Disponho-me, em pessoa, a colocar todas as minhas energias e autoridade a serviço da revolução popular. Tenho fé na vitória final das massas trabalhadoras. Salve aquele que primeiro levantou a bandeira da libertação do povo! Abaixo o despotismo da esquerda e da direita!”

Em resposta, Kronstadt replicou: “O Comitê Provisório Revolucionário de Kronstadt expressa a todos os nossos irmãos no exterior sua profunda gratidão pela simpatia que nos é devotada. O Comitê Revolucionário Provisório agradece a oferta de Chernov, mas a recusa momentaneamente, até que novos desdobramentos sejam esclarecidos, tudo será levado em consideração” (Avrich, pp. 124-25).

Assim, Kronstadt não apelou para qualquer ajuda do exterior senão quando o levante já estava perto da derrota, e nunca recebeu nenhum alimento ou socorro dos SRs e grupos mais conservadores, que tanto ansiavam por oferecer (ver Avrich, pp. 115-127). No entanto, os líderes da rebelião não estavam totalmente dispostos a rejeitar a proposta de Chernov. Havia várias razões para sua objeção cautelosa, mas de maneira nenhuma hostil. Em primeiro lugar, apesar dos discursos e publicações afirmando o contrário, a escassez de alimentos em Kronstadt era claramente perceptível nas publicações do Izvestiia (ver “Refutando a calúnia” e “Distribuição”, no Pravda, pp. 156, 169-170). Os líderes rebeldes não estavam dispostos a desperdiçar esta oportunidade de receber ajuda alimentar, se a assistência se tornasse necessariamente dramática.

Em segundo lugar, é provável que os líderes de Kronstadt não considerassem mais os Socialistas Revolucionários um obstáculo tão grande como haviam sido em 1917 e 1918, no que tange o objetivo de Kronstadt de fundar uma república livre. Isso porque fontes soviéticas reportavam seguramente que as forças brancas haviam sido esmagadas e os governos ocidentais negociavam uma paz iminente. Ademais, a conjuntura havia tornado a participação da Rússia em qualquer nova guerra contra a Alemanha uma questão fora de cogitação.

Portanto, como muitas pessoas em Kronstadt eram de fato ex-membros dos partidos SR e dos mencheviques e, como aponta Pukhov, o ativismo político era frequentemente realizado pelos SRs e mencheviques à época, em Petrogrado, o Comitê provavelmente tinha ciência das mudanças de posição dos socialistas revolucionários de direita, claramente constatadas nas páginas do Volia Rossii (Pukhov, pp. 28-29, 34). Por causa dessa traição de seus editores em favor das forças brancas em 1918, o abandono que lhes foi relegado pela Entente, beneficiando os bolcheviques, e também a natureza socialista do novo governo alemão, que suscitava uma atitude dura da Entente em relação à Alemanha (ver, por exemplo, No 127, p. 1, Pered londonskoi konferentsiei), os socialistas revolucionários de direita não perderam nenhuma oportunidade de atacar seus ex-aliados, entre os democratas constitucionais e comandantes brancos (um exemplo particularmente interessante é o nº 2, p. 1, Vse Malo). Por tudo isso, o Comitê Provisório Revolucionário provavelmente acreditava que os socialistas revolucionários de direita não tinham o desejo nem a capacidade de continuar sua linha política de 1917, e, por isso, seriam menos ameaçadores aos objetivos de Kronstadt do que os comunistas. Na verdade, Kronstadt e os SRs agora descobriram que tinham um interesse em comum – a oposição contra os comunistas.

Os editores do Volia Rossii, por sua vez, não acreditando mais no papel da intervenção estrangeira e numa reação dos grupos não socialistas, depositaram todas as suas esperanças na derrubada imediata do comunismo, baseando-se unicamente em suas convicções populistas mais fundamentais referentes ao despertar do caráter revolucionário das massas trabalhadoras. Nos comentários sobre o levante e em entrevistas com refugiados de Kronstadt, o Volia Rossii mostrou como os eventos de Kronstadt e a ação dos rebeldes demonstravam a confirmação de suas convicções, a saber: que o comunismo seria derrubado muito em breve por iniciativa dos trabalhadores e que os trabalhadores também se confrontariam com os inimigos não-comunistas da SR. Em uma história da revolta dividida em série, que está intimamente relacionada ao Pravda, o Volia Rossii cita extensivamente artigos como “Por que estamos lutando” – um das teses definitivas de Kronstadt contra os comunistas – e cita o lema: “Em Kronstadt não há Kolchak, nem Denikin, nem Yudenich. Em Kronstadt há tão somemente trabalhadores” (Volia Rossii, NoNo 160-162, p. 3, “Istoriia Kronshtadtskago vozstaniia”). Um resumo da posição do Volia Rossii, e do que eles acreditavam o que seria o objetivo de Kronstadt, pode ser encontrado no editorial principal de 30 de março de 1921, que afirma:

“... o partido [SR] em sua luta contra o bolchevismo, imbuído de um único espírito, rejeita o trabalho conjunto com partidos não socialistas. Será necessário dizer que os eventos do período recente, e em particular o levante de Kronstadt, corroboram a justeza do ponto de vista do partido?

As massas trabalhadoras russas começaram a reagir através da luta armada contra o bolchevismo, mas rejeitam o trabalho conjunto com... partidos que defendiam objetivos e psicologias estranhas a elas” (Volia Rossii, No 165, p. 1 , “Bolchevique i es-ery”).

O Volia Rossii também sustentava repetidas vezes que os comunistas deviam perder o poder em breve e que as concessões econômicas e políticas impostas a eles por Kronstadt e pelo movimento operário em geral não apenas não poderiam impedir a sua derrocada, mas iriam até acelerá-la. Yakovenko, vice-presidente do Comitê Provisório Revolucionário e camarada muito próximo de Petrichenko, resume melhor essa visão quando diz em uma entrevista: “Os comunistas chegaram ao fim. Digo em alto e bom som: antes que este ano termine, os comunistas serão derrubados do poder” (No 187, p. 1, “Beseda s kronshtadtsami”). Os socialistas-revolucionários estavam ansiosos para saudar como adversários dos comunistas os kronstadtinos, compostos por trabalhadores simples, cujas ações e declarações escritas ou orais eram concordantes com as posições do Volia Rossii.

Este acordo de última hora não era perfeito, no entanto. Enquanto Kronstadt e os socialistas revolucionários de direita compartilhavam um interesse comum contra os comunistas, no qual perpassavam certos conflitos políticos, outras questões ainda separavam os dois grupos. A Assembleia Constituinte é uma dessas questões particularmente evidente em a Verdade, pois revela tanto um conflito contínuo entre os dois grupos quanto os esforços do Volia Rossii para convencer seus leitores de que tais desavenças não representavam um abismo intransponível.

O Izvestiia assume uma posição forte anti-Assembleia Constituinte. Em “Etapas da Revolução”, Lamanov afirma que, antes da Revolução de Outubro, os “[c]apitalistas e proprietários de terras... estavam certamente no controle” (Pravda, p. 127). Quando os membros do Comitê Provisório Revolucionário foram questionados por “Zritel”, um repórter do Volia Rossii, por que não apoiaram a Assembleia Constituinte depois da Revolução, eles responderam que os comunistas conquistariam a maioria das cadeiras através das listas fixas de candidatos apresentados aos eleitores (Pravda, p. 31).

A pergunta de “Zritel” não era retórica, não pretendia mostrar que a Assembleia Constituinte não era avessa a pessoas comuns que o Volia Rossii tomava por representantes de Kronstadt. O jornal era, de fato, fortemente a favor de uma Assembleia Constituinte. A “proclamação dos socialistas trabalhadores da região de Nevsky”, publicada no Izvestiia (Pravda, p. 7), afirmava:

“Sabemos quem tem medo da Assembleia Constituinte. São aqueles que não mais poderão roubar e que serão levados a responder perante os representantes do povo por fraude, roubo e todos os tipos de crimes cometidos. Abaixo os odiados comunistas! Abaixo o poder soviético! Viva a Assembleia Nacional Constituinte."

Esta proclamação também foi impressa no Volia Rossii (No 163, p. 3, “Vozzvaniia sotsialistov v dni petrogradskikh i kronshtadtskikh sobytii”). Lá o texto é atribuído ao “Comitê dos Socialdemocratas de Petrogrado (mencheviques) e aos grupos socialistas de Petrogrado”. A referência a “grupos socialistas”, sem nomeá-los, sugere que os Socialistas Revolucionários podem ter desempenhado um papel direto na publicação original do panfleto. De qualquer forma, a relação entre Volia Rossii e os mencheviques era muito próxima. Os mencheviques nunca receberam os duros ataques que Volia Rossii dirigia aos Kadetes e comandantes brancos. Além disso, o Sotsialisticheskii Vestnik, um órgão do partido menchevique no exterior, chega até mesmo a anunciar no Volia Rossii (ver, por exemplo, n. 224, p. 6) a convocação da proclamação para uma Assembleia Constituinte, em concordância com o editorial do próprio jornal.

O Volia Rossii, portanto, achou necessário explicar por que os marinheiros de Kronstadt e seus líderes, que se opunham à Assembleia Constituinte, não eram iguais aqueles culpados por “fraude, roubo e todos os tipos de crimes”. Tal como acontece com outras situações, em que os operários e camponeses não agiam de acordo com as expectativas dos socialistas revolucionários de direita, o Volia Rossii contornavam isso em parte apontando para a influência corruptora do ativismo comunista na classe trabalhadora (ver, por exemplo, a explicação sobre o malogro dos trabalhadores de Petrogrado quando do auxílio prestado por Kronstadt, em Volia Rossii, n.º 164, página 1, “Petrograd i Kronshtadt”). Em resposta à rejeição da Assembleia Constituinte por Kronstadt, o Volia Rossii afirmava:

“Durante três anos, com o uso das ‘listas’, os bolcheviques conseguiram perverter a própria ideia de eleições livres... [Os trabalhadores] temiam que..., com a dominação comunista nos sovietes, ou na Assembleia Constituinte, eleitos por métodos comunistas, não seria uma assembleia constituinte, mas uma nova variedade do comissariado” (Pravda, pp. 31-32).

O Volia Rossii afirmava que Kronstadt, tendo suas crenças distorcidas pelos comunistas, estava se aproximando da democracia a curtos passos, por meio de novas eleições para os sovietes, e não pelo caminho direto da Assembleia Constituinte. Relevou ainda mais o erro de Kronstadt ao afirmar que os marinheiros, isolados das localidades onde os trabalhadores convocavam a Assembleia Constituinte, “à sua maneira, defendiam o direito do povo ao autogoverno e à autorregulação. Queriam avançar – e já avançavam – rumo ao autogoverno por caminhos diferentes” dos demais trabalhadores (Pravda, p. 35), mas “o objetivo deles... era um e o mesmo, a emancipação do povo. Por isso, independentemente de como eles interpretavam a demanda do ‘poder popular’, todo o movimento de Kronstadt possuía uma grande força de atração” (Pravda, p. 35). O Volia Rossii justificava sua diferença com Kronstadt em relação à Assembleia Constituinte alegando que, por causa da campanha comunista e do isolamento de Kronstadt, os marinheiros e seus líderes estavam relativamente enganados sobre os métodos adequados para a emancipação popular, mas que fundamentalmente desejavam o mesmo que os socialistas revolucionários.

Os autores e editores originais do Pravda o Kronshtadte, ou “A Verdade sobre Kronstadt”, variavam entre marinheiros comuns da Frota do Báltico a até ex-ministros de governo. Eles eram todos descendentes políticos do populismo russo do final do século XIX, mas se dividiram em ramos separados sob a influência de diferentes interesses, crenças e de eventos como o da Primeira Guerra Mundial. A população de Kronstadt era democrata radical e intimamente relacionada à União dos Socialistas-Revolucionários Maximalistas, que lhes forneceu uma de suas principais figuras, Anatolii Lamanov. Os editores do Volia Rossii eram socialistas revolucionários de direita, de orientação liberal e inclinados a fazer concessões e alianças com grupos aos quais Kronstadt rejeitava. Stepan Petrichenko, presidente do Comitê Revolucionário Provisório de Kronstadt, foi influenciado até certo ponto pelas ideias socialistas revolucionárias, mas foi principalmente um representante e um exemplo dos marinheiros de Kronstadt que foram liderados por ele.

Diferenças políticas relacionadas às visões dos autores sobre o socialismo e o papel apropriado das forças não socialistas, juntamente com outras questões, como apoio ou oposição à guerra, motivaram a tornar Kronstadt e o Governo Provisório Socialista-Revolucionário de Direita violentos inimigos em 1917. Em 1921, no entanto, no contexto de uma combinação de realidades internas e externas alteradas, visões e interesses transmutados, um inimigo comum, constituído pelos comunistas, forneceu-lhes uma base para a cooperação mútua. Kronstadt decidiu que seus antigos inimigos não eram mais tão perigosos quanto antes e que a necessidade potencial de suprimentos de comida exigia que as propostas fornecidas socialistas revolucionárias não fossem completamente rejeitadas. Por sua vez, o Volia Rossii descobriu que, apesar da necessidade de explicar as divergências contínuas sobre questões como a Assembleia Constituinte, os rebeldes ganhavam para eles um status de grande importância, pois proporcionavam uma fonte de ações ou declarações, tanto escritas como orais, que legitimavam as convicções do SR de direita.

Notas

Nota do editor

A Rebelião de Kronstadt

O Pravda o Kronshtadte é uma descrição da rebelião de marinheiros que ocorreu em março de 1921, no porto naval de Kronstadt, localizado na ilha de Kotlin, perto do Golfo da Finlândia.

A rebelião foi organizada e conduzida em grande parte pelos marinheiros da base naval. Inicialmente, eles apoiaram os bolcheviques na Revolução de Outubro, mas, diante das greves dos trabalhadores que despontavam no período, formaram o Comitê Provisório Revolucionário, sob a orientação anarquista, depois da recusa do governo bolchevique em suspender as políticas que provocavam uma escassez crítica de alimentos e energia, em consequência da repressão política e de uma regulamentação trabalhista irracional.

A tomada efetiva do governo da cidade de Kronstadt foi pacífica; não os fatos subsequentes.

Leon Trotsky e Mikhail Tukhachevsy enviaram tropas para esmagar a revolta. Ao longo do cerco de duas semanas, a maioria dos rebeldes foi capturada ou morta, enquanto alguns conseguiram fugir para a Finlândia.

Embora os bolcheviques tenham reprimido com sucesso a rebelião, eles finalmente perceberam que precisavam lidar com as crises econômicas que alimentavam o desencanto da população para com o governo. Eles adotaram a Nova Política Econômica no mesmo mês em que ocorreu a rebelião.

Pravda o Kronshtadte

Sem surpresa, a maioria dos documentos soviéticos existentes dão um relato negativo da Rebelião de Kronstadt – que é descrita como um exemplo de que os corajosos bolcheviques prevaleceram sobre um bando de criminosos.

O fato de Pravda o Kronshtadte ser uma peça rara de propaganda pró-rebelião é uma das razões pelas quais seu interesse enquanto documento histórico apresenta um valor ímpar. Foi publicado após a revolta pelo jornal Volia Rossii (“Vontade da Rússia”) e inclui no apêndice todos os quatorze números do diário pró-rebelião Izvestiia, do Comitê Provisório Revolucionário. De acordo com a página de rosto, todos os lucros da venda da publicação foram destinados aos “refugiados de Kronstadt e suas famílias”.

Este trabalho também é interessante por apresentar um relato das condições políticas e econômicas durante os anos de 1921. O conteúdo do Izvestiia fornece informações sobre a escassez de alimentos, a resposta do povo perante os estado calamitoso gerado pela crise econômica, a estrutura política dos órgãos governamentais e as atividades dos habitantes de Kronstadt na época da revolta.

Volia Rossii

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