Sobre os autores
por Scott
Zenkatsu Parker
(Tradução:
Fecaloma – punk rock)
Pravda
o Kronshtadte, texto original de A Verdade sobre Kronstadt, é uma obra de muitas mãos e fonte
primária indispensável para qualquer discussão sobre a Rebelião de Kronstadt de
1921. Partindo-se destas duas perspectivas e a fim de obter uma melhor
compreensão do texto, seria útil discorrer sobre várias questões decorrentes da
tradução. Quem eram os autores e editores originais das diferentes seções e
subseções da obra e quais eram suas visões políticas? Como diferentes pontos de
vista concernentes às mudanças na Rússia, o cenário internacional e os objetivos
dos autores se combinam para moldar suas interconexões uns com os outros e
demais grupos envolvidos durante as grandes convulsões que marcaram a era da Revolução
Russa e da Guerra Civil de 1917 a 1921?
Todos os autores do Pravda pertencem a vários ramos do
movimento socialista que se desenvolveu a partir do populismo russo do final do
século XIX. Para os propósitos deste ensaio, os autores serão descritos e
diferenciados politicamente por dois aspectos específicos em suas crenças: suas
interpretações de socialismo e do próprio papel das forças não socialistas na
revolução. Tais aspectos, entretanto, não descrevem definitivamente as crenças
ideológicas dos grupos em questão. São, no entanto, questões importantes para o
contexto político da época e que nos ajudam a explicar os principais conflitos
e divisões entre os socialistas russos coexistentes. Diferentes grupos
socialistas tinham visões muito distintas de como o socialismo poderia e
deveria ser alcançado, além de divergirem sobre o que caracterizaria o estado
socialista resultante. Ademais, enquanto alguns endossavam a intervenção de
forças externas e não recusavam o auxílio de grupos conservadores russos,
outros se opunham veementemente a qualquer tipo de concessão do gênero. Essas
diferenças contribuíram fortemente para muitas das alianças e inimizades
políticas do período, especificamente, para os autores do Pravda.
Mas as condições
internacionais e internas mudaram muito durante o período. Além disso, uma vez
que uma reivindicação ou objetivo comum era finalmente alcançado, muitas vezes
antigos aliados divergiam entre si através novas demandas de caráter oposto à
resolução precedente. Em meio ao estresse de tais condições e alianças voláteis,
as opiniões dos autores sobre as duas questões colocadas acima, a natureza do
socialismo e o papel das forças não socialistas na revolução, também estava
suscetível a mudar. As relações dos autores entre si e com outros grupos serão
discutidas no âmbito de uma rede de condições, interesses e crenças em
transformação.
Quem eram então os
autores do Pravda e quais eram suas
visões políticas? O primeiro grupo de autores a ser discutido são os rebeldes
propriamente ditos, que aparecem frequentemente nas páginas do Izvestiia, por meio de suas declarações
e apelos. Em segundo lugar, há os editores do jornal, representados por
Anatolii Lamanov, autor de artigos tão importantes como “Por que lutamos” e
“Etapas da revolução” (Getzler, p. 232, nota 112). Os líderes militares e civis
dos rebeldes, representados por Stepan Petrichenko, presidente do Comitê Provisório
Revolucionário, também desempenharam um papel importante por meio de
declarações e entrevistas posteriores concedidas ao Volia Rossii. Apesar de algumas questões concernentes às afiliações
políticas de Petrichenko, estes três primeiros grupos manifestam opiniões
fundamentalmente semelhantes e, muitas vezes, podem ser considerados como um
único corpo. Finalmente, há o prefácio do próprio Volia Rossii, que foi um jornal publicado em Praga, pelos
socialistas revolucionários de direita (SR), incluindo A. F. Kerensky.
Os marinheiros,
soldados e trabalhadores de Kronstadt, cidade portuária, sede da Frota do
Báltico, eram talvez o segmento mais educado, politicamente consciente e
rebelde de todos os trabalhadores da Rússia. Da população civil de Kronstadt,
50.000 pessoas, a força de trabalho industrial era de 17.000 operários. Havia
também 20.000 marinheiros alistados na Frota do Báltico em Kronstadt e, devido
às demandas tecnológicas cada vez mais exigidas por uma marinha moderna,
trabalhadores industriais compunham cerca de 31% dos convocados entre 1904 e
1916, em comparação com os 3,43% recrutados pelo exército. Apenas 6% dos
recrutas da frota eram analfabetos. Os trabalhadores industriais constituíram o
principal núcleo de agitação política nos partidos socialistas. Getzler cita
uma reclamação do diretor pré-revolucionário do Departamento de Polícia:
“trazer para a
marinha... homens que cultivam uma atitude hostil a toda autoridade desde a
idade de 12-15 anos; desde quando essa gente se mistura com operários
propagandistas?” (p. 10).
Ele observa também que
os marinheiros foram largamente educados em escolas navais para cargos técnicos
(pp. 1, 10-11).
Kronstadt já
evidenciava uma longa e ardente história de rebelião espontânea mesmo antes dos
levantes de 1917. Durante as duas primeiras décadas do século XX, grupos
clandestinos operavam atividades subversivas na esquadra de Kronstadt. Revoltas
espontâneas eclodiram em 1905, e uma rebelião liderada por uma coalizão de
partidos ocorreu em 1906. Os marinheiros de Kronstadt desempenharam um papel de
liderança nos eventos revolucionários de 1917, culminando em 25 de outubro
quando participaram do assalto ao Palácio de Inverno, derrubando o Governo
Provisório liderado por Kerensky e colocando efetivamente os bolcheviques no
poder.
Apesar das dezenas de
milhares de marinheiros da Frota do Báltico que foram lutar nas frentes da
Guerra Civil, Getzler relata que a composição da guarnição de Kronstadt não havia
mudado significativamente em 1921. De uma população de 50.000, havia 27.000
marinheiros e soldados e 13.000 trabalhadores civis. Trabalhando com fontes
ocidentais e soviéticas, incluindo dados de AS Pukhov, estima-se que 75,5% dos
que serviram na frota em 1º de janeiro de 1921 foram convocados antes de 1918
(Getzler, pp. 205, 208, nota de rodapé 11). Deve-se notar que, no entanto, o
próprio Pukhov, em sua obra, tira conclusões muito diferentes, afirmando que,
sem precisar números exatos, “ao longo dos 2 e 3 anos anteriores ao motim, e
especialmente no ano de 1920, ocorreram processos na formação da frota que
mudaram significativamente o caráter da estrutura de pessoal, essencialmente em
relação a uma queda acentuada do indicador qualitativo, tanto da perspectiva da
classe social quanto das ideologias políticas” (Pukhov, p. 39).
Acima de tudo, estes
marinheiros e trabalhadores de Kronstadt educados, independentes e
politicamente conscientes queriam e agiam como baluartes de uma democracia
socialista radical e espontânea. As formas clássicas de organização de
Kronstadt eram tanto a reunião de massas quanto o comitê (soviete) de deputados
com mandatos sujeitos à revogação imediata. Havia livre participação envolvendo
todas as classes e partidos socialistas. Os kronstadtinos rejeitavam toda e
qualquer autoridade além de seu próprio Soviete e não era incomum que os
participantes de uma reunião de massa, inflamada por oradores inspirados,
forçassem o próprio Soviete a mudanças políticas repentinas e embaraçosas. Os
marinheiros e trabalhadores nutriam um ódio vigoroso e violento à classe
burguesa, à nobreza e ao oficialato, rejeitando a mínima participação de
qualquer dessas categorias sociais na vida política e econômica de Kronstadt,
em seu Soviete e na República em geral. Pois bem, acreditavam na instituição de
um governo quase puramente operário, como, de fato, se testemunhou em Kronstadt
durante grande parte do ano de 1917. Eles pensavam que instituições geridas por
trabalhadores poderiam ser imediatamente implantadas em toda a Rússia pela ação
das classes trabalhadoras sem qualquer participação de grupos não socialistas.
Anatolii Lamanov entrou
em cena com a Revolução de Fevereiro de 1917 quando o estudante do terceiro ano
de química tornou-se presidente do Soviete de Deputados Operários de Kronstadt.
Mais tarde, foi eleito presidente do Soviete de Deputados Operários e Soldados
de Kronstadt (“Soviete de Kronstadt”) e do conselho editorial do jornal do
soviete. Lamanov também liderou o Grupo Sem Partido de Kronstadt, que, em
agosto de 1917, juntou-se à União dos Socialista-Revolucionários Maximalistas (Getzler,
pp. 30, 37-38, 135).
No que concerne as
posições de lideranças exercidas por Lamanov na altamente democrática
Kronstadt, é razoável supor que a filosofia propalada por ele refletia também
as crenças de um enorme contingente da população da cidadela. Pelos cálculos de
Getzler, o Grupo Sem Partido/Maximalistas elegeu 77 delegados dos 280 eleitos
do primeiro Soviete em março; 68 delegados no segundo, em maio; e 96 delegados
no terceiro, em agosto (p. 36, 65-66, 134). Segundo Getzler, o Grupo Sem Partido
de Lamanov:
“... rejeitou o facciosismo
partidário, defendeu o sovietismo puro e, por isso, adaptava-se admiravelmente
na paisagem revolucionária e marcadamente soviética de Kronstadt...” (p. 37).
“... o seu apelo à
moderação, aos laços estreitos com o Soviete de Petrogrado, à ‘unidade do
movimento revolucionário nacionalista’; numa palavra, uma voz que alertava
sempre contra a ‘desunião e discórdia partidária' que tinha ‘arruinado a
revolução da França’” (p.55-56).
Adeptos dos Socialista-Revolucionários
Maximalistas, Lamanov, seu grupo e os kronstadtinos em geral, que os apoiavam,
faziam parte de um movimento que recebia seu nome em razão ao programa “máximo”
do Partido Socialista Revolucionário. Este programa exigia a socialização imediata
das fábricas e das terras agrárias. De muitas maneiras, os maximalistas
concordaram com os bolcheviques e, em outubro de 1918, apoiaram a derrubada do
Governo Provisório. No entanto, como aponta V. V. Garmiz, um escritor
soviético, eles diferiam dos bolcheviques porque “não reconheciam absolutamente
a ditadura do proletariado, muito menos a necessidade da administração
centralizada da economia do país; posicionavam-se também contra o Tratado de
Brest [-Litovsk] com a Alemanha”, considerado por eles uma concessão ao imperialismo
internacional. Ademais, como sugere seu programa básico, os maximalistas não
consideravam necessário um período intermediário de transição, sob a égide de
um governo burguês capitalista, para a realização do socialismo (ver Nicoll,
1980a; Garmiz et. al., p. 255).
Assim, Lamanov e os
maximalistas, como os marinheiros e trabalhadores de Kronstadt, viam o
socialismo como a transformação imediata do país em uma república soviética
dominada e liderada por trabalhadores, que varreria o latifúndio e os proprietários
de fábricas sem qualquer necessidade de um período de transição ou compensação.
Muito embora possam ter concebido um “protagonismo de uma minoria” (Garmiz et
al.) que trabalhava na vanguarda para acender a faísca da revolução social,
sempre se opuseram a qualquer participação de grupos não socialistas e governos
ocidentais nos destinos da Rússia revolucionária.
Com relação a outros
líderes de Kronstadt, o caso é um pouco menos claro. Quanto a Petrichenko, sabe-se
com certeza que era originário de uma família camponesa ucraniana e um veterano
que exercia a função de escriturário. Antes de ingressar na marinha, em 1912,
em virtude de sua formação incompleta – cursou apenas dois anos no ensino
formal – trabalhou como encanador. Mas, durante a rebelião, foi eleito
presidente da assembleia do Petropavlovsk,
cuja tripulação aprovou a resolução que serviu de fundação da revolta. Pouco
depois, foi presidente do Presidium
na Conferência de Delegados que formou o Comitê Provisório Revolucionário.
Esses fatos lhe dão a aparência de um trabalhador soviético honesto que se
ergue para liderar um movimento de libertação, estando, portanto, de pleno
acordo com as opiniões de Lamanov e demais marinheiros de Kronstadt (Avrich, pp.
72-74, 80-82).
No entanto, em um dos
primeiros relatos soviéticos sobre a rebelião, Petrichenko é acusado de ser um
nacionalista ucraniano, simpatizante dos SRs e dos anarquistas (Pukhov, p.
76-77). Se isso for verdade, poder-se-ia propor que, ao contrário do que ele ou
outros kronstadtinos declaravam, isto é, sua postura ideológica não alinhada
com nenhum partido, Petrichenko ultrapassou a mera simpatia filosófica para com
os SRs e realmente estabeleceu contatos secretos com forças partidárias a fim
de realizar sua pretensão de instrumentalizar a rebelião para dar um passo à
frente na consolidação de um governo SR sobre a Rússia. Ademais, um simples
acordo com a filosofia dos Socialistas Revolucionários de Direita, tal como
existia até 1918, apareceria aos olhos de muitos trabalhadores como uma autoacusação
condenatória, por razões que serão discutidas abaixo.
Anatolii Lamanov também
foi acusado de inclinação partidária, na qual, insinuava-se, era membro de uma
determinada organização política (Pukhov, p. 77). Neste caso, porém, a filiação
política de Lamanov com os maximalistas não é de forma alguma secreta, sendo
anunciada claramente em sua carta de desfiliação do PCR (b.), publicada na
terceira edição do Izvestiia do Com.
Prov. Rev. (Pravda, pp. 59-60). De
qualquer maneira, uma possível conexão secundária com os SRs não significava
que as declarações de Petrichenko não devam ser primeiro consideradas e
analisadas através das lentes de seu papel indiscutível na liderança do
movimento de Kronstadt, de sua qualidade de marinheiro eleito, bem como de sua convivência
no meio democrático de Kronstadt. Por causa disso, os trabalhadores e
marinheiros de Kronstadt, Lamanov e seu Grupo Sem Partido/Maximalistas e
Petrichenko podem ser considerados principalmente partes de uma unidade
política e filosófica na maioria dos casos. No entanto, Petrichenko e o Comitê Provisório
Revolucionário também devem ser discutidos separadamente, de modo a lançar luz
no seu possível papel como apoiador de um ou outro ramo não maximalista do
Partido Socialista Revolucionário.
Volia
Rossii, editora do Pravda,
é ela a própria uma publicação braço direito do Partido SR. Ao contrário de
todos os outros livros publicados pelo jornal e vendidos por meio de seus
anúncios, o Pravda não tem
assinatura. O autor ou autores nunca são indicados, nem no próprio livro nem
nas páginas do Volia Rossii. Assim,
os artigos podem ser entendidos, tais como os editoriais não assinados da
primeira página, em consonância com a linha editorial das principais figuras do
jornal.
O que o Volia Rossii expressa em seu cabeçalho é
na verdade a opinião “de V. M. Zenzinov, V. I. Lebedev e O. S. Minor”. O
crítico literário Marc Slonim, então secretário editorial do jornal, descreve
essas três figuras como os editores e observa que A. F. Kerensky também esteve
estreitamente envolvido com o jornal (Slonim, p. 291).
Uma discussão histórica
destas figuras fornece as respostas para as duas questões colocadas acima:
quais eram suas visões de socialismo e que papel na revolução sobrava para os
grupos não socialistas. Aparentemente, o membro mais antigo e menos conhecido
do grupo editorial era Osip Solomonovich Minor. Estudante da Universidade de
Moscou, Minor foi atraído para o círculo revolucionário liderado por V. l.
Rosenberg, em 1883, época do assassinato do Coronel Sudeikin. Sudeikin era o
chefe de polícia de Kiev e um inimigo ferrenho dos terroristas da Vontade do
Povo (Minor, p. 9; Nicoll, 1980b, p. 170). Enquanto o grupo de Rosenberg se
autodenominava parte da Vontade do Povo, o assassinato de Sudeikin representava
os últimos estertores da organização original fundada em 1879, e
presumivelmente foi uma das várias tentativas para dar nova vida a essa divisão
moribunda do movimento populista (ver Tvardovskaya, p. 255).
Relatos residuais de
que depois de ter sido repetidamente preso e libertado, Minor foi condenado em
1885 a dez anos de exílio no nordeste da Sibéria por “influenciar prejudicialmente
a juventude”. Em Yakutsk, conheceu vários antigos populistas e ativistas da
Vontade do Povo que o impressionaram profundamente. Lá, ele participou do levante
de 22 de março de 1889. Foi condenado à forca por sua participação no levante,
mas a sentença foi comutada para trabalhos forçados ilimitados e,
posteriormente, para dez anos de exílio a partir do dia da sentença. Em 1898,
ele conseguiu retornar à Rússia central, mas permaneceu longe das capitais de São
Petersburgo e Moscou (ver Minor).
Tvardovskaya, um
escritor soviético, lamenta em relação à Vontade do Povo que, embora seus
membros “tivessem reconhecido a necessidade da luta política contra a
autocracia”, eles compartilhavam as visões “utópicas socialistas” dos
populistas em geral, “sobretudo, a crença na possibilidade da Rússia,
contornando o capitalismo, chegar ao socialismo através de uma revolução
camponesa” (Tvardovskaya, p. 254). A Vontade Popular e os Populistas também
apoiavam a intelligentsia, da qual o
movimento populista era amplamente composto. A intelligentsia, por sua vez, estava intimamente ligada à baixa
nobreza e à burguesia. P. A. Alekseev, um populista de família camponesa, foi
um dos ativistas que conheceu e muito impressionou Minor em Yakutsk. Em
discurso de seu julgamento de 1878, Minor declarou que era “óbvio que o
trabalhador russo só poderia ter esperança em si mesmo e que só podia esperar
ajuda de nossa jovem intelectualidade” (Venturi, p. 534).
Entre as políticas
adotadas pela Vontade do Povo, ao menos publicamente, estavam uma Assembleia
Constituinte, amplas liberdades fundamentais e transferência de todas as terras
e fábricas para o povo. Os populistas e presumivelmente Minor desejavam uma
revolução social que derrubasse as classes dominantes. Eles próprios não se
consideravam como parte das classes dominantes, mas como uma intelectualidade
revolucionária trabalhando ao lado dos trabalhadores e camponeses ou, se
necessário fosse, liderando às massas sua luta por emancipação (ver Nicoll,
1980b e Blakely para discussões concisas sobre Populismo e Vontade do Povo).
Embora a autobiografia de
Minor termine bem antes dos eventos de 1917 e 1921, a obra é interessante a
título de ilustração no que diz respeito às ligações entre o Volia Rossii e o populismo, bem como por
tratar a crença dos populistas em assumir um papel de liderança entre a intelligentsia,
tanto na revolução social quanto no estado socialista resultante dela. Todos os
principais partidos socialistas russos da era revolucionária, incluindo os
comunistas, tinham pelo menos algumas raízes no populismo. No entanto, a crença
em uma revolução baseada no campesinato, tendo por auxílio ou direção da
intelectualidade, foi preservada e defendida de forma particularmente vigorosa
pelo Partido Socialista Revolucionário. Esta agremiação incluía as principais
figuras da Volia Rossii.
Já Vladimir
Mikhailovich Zenzinov, Vladimir I. Lebedev e Aleksandr Fedorovich Kerensky eram
figuras mais novas e proeminentes no Partido Socialista Revolucionário do que
Minor. Segundo Perrie, Zenzinov tornou-se um membro ativo desde quando
ingressou como estudante em 1904. Participou de atividades terroristas e das
revoltas de 1905 e 1906. Foi preso e fugiu muitas vezes. Em 1910, foi
finalmente condenado a cinco anos de exílio em uma aldeia remota próxima ao rio
Indigirka, na Sibéria. Perrie relata que Zenzinov retornou à Rússia no início
da Guerra Mundial, ingressando na ala mais conservadora, “defensista” ou de
apoio à guerra no círculo do movimento socialista e do Partido SR. Nessa mesma
época, tornou-se amigo íntimo de Kerensky (ver Perrie, 1980b; Melancon também
fornece um artigo interessante sobre as relações entre os descendentes
socialistas do populismo e as divisões intrapartidárias direita-esquerda
desencadeadas pela Guerra Mundial).
De acordo com Perrie,
após a Revolução de Fevereiro, Zenzinov serviu no Comitê Executivo do Soviete
de Petrogrado e recebeu uma nomeação para o Governo Provisório. Na época da
Revolução de Outubro, juntou-se ao Comitê de Salvaguarda da Pátria e da
Revolução, que lutava contra o golpe bolchevique. Ainda conforme Perrie, após a
dissolução da Assembleia Constituinte, em janeiro de 1918, Zenzinov acabou se
juntando ao Comitê da Assembleia Constituinte (Komuch) e ao “Diretório Ufa”,
que formou um governo de oposição com a participação dos democratas-constitucionais
burgueses, constituindo, fundamentalmente, a mesma base do governo que existia
antes de outubro. Em novembro de 1918, o Diretório foi derrubado por elementos
reacionários e substituído por Kolchak, um comandante branco. Zenzinov fugiu
para o exterior (Perrie, 1980b, pp. 17-21).
Segundo Sack, Lebedev
lutou na Guerra Russo-Japonesa e, depois de fugir da Rússia por motivos
políticos, serviu no Exército Francês desde o início da Guerra Mundial até a
Revolução de Fevereiro. Ele retornou à Rússia e ingressou no Governo Provisório
como Ministro Adjunto da Marinha no Gabinete da Segunda Coalizão, formado em
julho de 1917, muito embora tenha deixado a pasta por discordar com aquilo que
acreditava ter sido um tratamento fraco conferido aos bolcheviques após as
Jornadas de Julho. Lebedev fez parte da malfadada Assembleia Constituinte e
também se uniu a Komuch e ao Diretório, no qual trabalhou como líder militar em
coordenação com a Legião Tcheca. Presumivelmente, Lebedev foi deposto na mesma
ocasião que os outros socialistas (ver Sack, pp. 3-5).
Kerensky ficou famoso
como o primeiro-ministro socialista da coalizão de Governos Provisórios.
Segundo Rollins, ele seguiu um caminho semelhante ao de Zenzinov, ingressando
no movimento socialista quando era estudante em São Petersburgo, de 1899 a
1904. Participou de atividade revolucionária socialista e liberal, serviu na
Duma do Estado, fez-se proeminente como advogado de defesa criminal e foi
vítima das prisões costumeiras. Era maçom desde 1912 e membro da ala direita do
movimento socialista, apoiando a guerra contra a Alemanha, compreendida por ele
como um passo para a libertação política. Ao longo de sua carreira, Kerensky
cultivou ardentemente os princípios liberais, em vez daqueles estritamente
socialistas. Rollins diz da maçonaria russa que “[seu] objetivo ... não era a
democracia popular buscada pela esquerda, mas, sim, uma república dirigida pela
intelectualidade liberal. Rejeitando a ação das massas, visava destruir a
monarquia, infiltrando-se no governo e transformando a burocracia do alto
escalão em instrumento da revolução” (Rollins, p. 109). Servindo em vários
governos provisórios como Ministro da Justiça, da Guerra e, finalmente,
Primeiro-Ministro, Kerensky foi um dos principais apoiadores da política oficial
de concessões aos proprietários de terras e fábricas e de coalizão com os
partidários da democracia constitucional e outros grupos não socialistas. Naquela
época, nenhum partido, exceto os bolcheviques, acreditava na capacidade dos
sovietes para realizar a revolução social sem o envolvimento e a cooperação dos
elementos burgueses. Daí porque Kerensky não quis ou não pôde tomar as medidas
necessárias para satisfazer as massas em seus anseios de liberdade. Junto com o
Governo Provisório, foi apeado do poder na Revolução de Outubro e, como se
constatou, foram os marinheiros e soldados de Kronstadt que contribuíram
fortemente para derrubar o governo (ver Rollins).
Como proeminentes
socialistas revolucionários, Zenzinov, Lebedev e Kerensky se juntaram a Minor
em apoio aos velhos ideais populistas de uma revolução social unificada pela
base dos operários, camponeses e também pela intelectualidade. O programa
oficial do SR aprovado na Primeira Conferência do Partido, em 1905-1906, reivindicava
a “substituição da propriedade individual [da terra]... pela criação da
propriedade comum do povo" (Sbornik..., pp. 45-46) e reiterava que “o
fardo da luta contra o czarismo deve recair sobre os ombros do proletariado – o
campesinato, o operariado e a intelectualidade revolucionária” (citado em
Melancon, p. 244). Segundo fontes contemporâneas, este programa continuou a ser
a visão oficial do partido em 1917 (Morokhovets, pp. 73-74).
Assim, partindo de suas
raízes populistas, mantidas pelo menos até 1918, as principais figuras de Volia Rossii acreditavam em um
socialismo pelo qual um estado socialista liderado por uma intelectualidade
atendesse aos desejos dos trabalhadores. Eles também estavam dispostos a
permitir que grupos não socialistas desempenhassem um papel na revolução (ver
Perrie, 1980a para uma discussão mais completa do Partido Socialista
Revolucionário).
Quando Pukhov acusa
Petrichenko de simpatizar com as crenças socialistas-revolucionárias, está se
referindo aquelas descritas no parágrafo anterior. Como mencionado acima, com
relação a Petrichenko, tal acusação, se verdadeira, seria de fato condenatória
para muitos trabalhadores soviéticos e especificamente para a população de
Kronstadt, porque as proposições SR estavam em conflito direto com as
convicções políticas dos marinheiros de Kronstadt e seus líderes.
Além das diferenças
apontadas, havia também outras questões que separavam Kronstadt e seus líderes
dos SRs de direita e seu Governo Provisório. Sack descreve Lebedev, ministro da
Marinha, ao tomar “medidas rígidas para restabelecer a disciplina da frota
russa”. Esta foi uma política extremamente impopular entre os marinheiros
independentes de Kronstadt. Prossegue o autor: “Em julho de 1917, o SR de
direita estava à frente das forças que reprimiram a revolta bolchevique” (Sack,
p. 4). Aqui, novamente, os marinheiros de Kronstadt não foram meros
coadjuvantes das Jornadas de Julho, mas protagonistas das manifestações (ver
Getzler, pp. 111-124).
Levando-se em conta o
desacordo entre Kronstadt e os SRs de direita, relativas às duas questões
colocadas acima, isto é, a concepção de socialismo fraco e do papel de grupos
não socialistas na Revolução, bem como outros conflitos fundamentais de
interesse e princípios, a oposição, em julho e outubro de 1917, de Kronstadt a
Kerensky, aos socialistas revolucionários de direita e aos governos provisórios
que estes ajudaram a formar é bem explicada.
Em março de 1921, no
entanto, a situação mudou drasticamente. Wrangell, o último comandante branco,
foi expulso da Crimeia. Os governos ocidentais abdicaram das tímidas tentativas
de intervenção e estavam começando a negociar acordos com o novo governo
soviético. Ao não permitirem o menor exercício da crítica ao seu governo, os
bolcheviques afastaram cada vez mais da vida pública seus aliados socialistas e
anarquistas de esquerda da Revolução e da Guerra Civil. Entretanto, rebeliões
camponesas despontavam aqui e ali contra a razverstka,
a expropriação à mão armada de grãos e outros suprimentos para sustentar o
Comunismo de Guerra. Com o término das ameaças internas e externas à República,
os camponeses estavam cada vez menos dispostos a aceitar essas políticas
coercitivas de requisições.
Operários e marinheiros
também foram profundamente afetados com tais adversidades, não só porque o
abastecimento de alimentos escasseava ante a ruína econômica provocada pela
Guerra Civil e o Comunismo de Guerra, mas pelo fato de que em muitos casos
ainda mantinham laços estreitos com as aldeias. Por fim, o Partido Comunista
foi acusado de autoritarismo, de burocratizar-se e afastar-se do povo, de ser
incapaz de lidar com a ruína econômica que avassalou a Rússia. As declarações
de marinheiros, soldados e trabalhadores publicadas no “Izvestiia do Com. Prov. Rev.” tratam reiteradamente dessas questões.
Foram repetidos também por Lamanov em sua declaração por ocasião de sua saída
do Partido Comunista e nos artigos que escreveu para explicar a causa do
movimento de Kronstadt. Algumas dessas questões também são levantadas por
Petrichenko no primeiro artigo da primeira edição (ver também “Deixando o RCP”,
“Pelo que Lutamos”, “Voz de um iludido”, “Abandonar o Partido”; Pravda, pp. 45,
59, 76, 82, 105, 132). Tais eram as questões que afastaram Kronstadt e seus
líderes dos comunistas.
O Izvestiia também indicou que a liderança do levante mantinha algum
grau de relação com os emigrados socialistas revolucionários de direita. Na
terceira edição, são impressas "saudações à guarnição de Kronstadt",
publicadas no Reval (Pravda, p. 57). Aparentemente, este é o texto omitido de
uma publicação que Avrich atribui a um grupo que incluía Zenzinov e Kerensky. O
texto completo é o seguinte:
“O presidente da Assembleia
Constituinte, Victor Chernov, envia suas saudações fraternas aos heroicos camaradas
marinheiros, homens do Exército Vermelho e trabalhadores, que pela terceira vez,
desde 1905, estão se libertando do jugo da tirania. O presidente oferece ajuda
com homens e provisões, através das cooperativas russas situadas no exterior.
Informe-nos o que e quanto será necessário para que possamos devidamente
auxiliá-los. Disponho-me, em pessoa, a colocar todas as minhas energias e
autoridade a serviço da revolução popular. Tenho fé na vitória final das massas
trabalhadoras. Salve aquele que primeiro levantou a bandeira da libertação do
povo! Abaixo o despotismo da esquerda e da direita!”
Em resposta, Kronstadt
replicou: “O Comitê Provisório Revolucionário de Kronstadt expressa a todos os
nossos irmãos no exterior sua profunda gratidão pela simpatia que nos é devotada.
O Comitê Revolucionário Provisório agradece a oferta de Chernov, mas a recusa
momentaneamente, até que novos desdobramentos sejam esclarecidos, tudo será
levado em consideração” (Avrich, pp. 124-25).
Assim, Kronstadt não
apelou para qualquer ajuda do exterior senão quando o levante já estava perto
da derrota, e nunca recebeu nenhum alimento ou socorro dos SRs e grupos mais
conservadores, que tanto ansiavam por oferecer (ver Avrich, pp. 115-127). No
entanto, os líderes da rebelião não estavam totalmente dispostos a rejeitar a
proposta de Chernov. Havia várias razões para sua objeção cautelosa, mas de
maneira nenhuma hostil. Em primeiro lugar, apesar dos discursos e publicações
afirmando o contrário, a escassez de alimentos em Kronstadt era claramente
perceptível nas publicações do Izvestiia
(ver “Refutando a calúnia” e “Distribuição”, no Pravda, pp. 156, 169-170). Os líderes rebeldes não estavam
dispostos a desperdiçar esta oportunidade de receber ajuda alimentar, se a
assistência se tornasse necessariamente dramática.
Em segundo lugar, é
provável que os líderes de Kronstadt não considerassem mais os Socialistas
Revolucionários um obstáculo tão grande como haviam sido em 1917 e 1918, no que
tange o objetivo de Kronstadt de fundar uma república livre. Isso porque fontes
soviéticas reportavam seguramente que as forças brancas haviam sido esmagadas e
os governos ocidentais negociavam uma paz iminente. Ademais, a conjuntura havia
tornado a participação da Rússia em qualquer nova guerra contra a Alemanha uma
questão fora de cogitação.
Portanto, como muitas
pessoas em Kronstadt eram de fato ex-membros dos partidos SR e dos mencheviques
e, como aponta Pukhov, o ativismo político era frequentemente realizado pelos
SRs e mencheviques à época, em Petrogrado, o Comitê provavelmente tinha ciência
das mudanças de posição dos socialistas revolucionários de direita, claramente
constatadas nas páginas do Volia Rossii
(Pukhov, pp. 28-29, 34). Por causa dessa traição de seus editores em favor das
forças brancas em 1918, o abandono que lhes foi relegado pela Entente, beneficiando os bolcheviques, e
também a natureza socialista do novo governo alemão, que suscitava uma atitude
dura da Entente em relação à Alemanha
(ver, por exemplo, No 127, p. 1, Pered
londonskoi konferentsiei), os socialistas revolucionários de direita não
perderam nenhuma oportunidade de atacar seus ex-aliados, entre os democratas
constitucionais e comandantes brancos (um exemplo particularmente interessante
é o nº 2, p. 1, Vse Malo). Por tudo isso, o Comitê Provisório Revolucionário
provavelmente acreditava que os socialistas revolucionários de direita não
tinham o desejo nem a capacidade de continuar sua linha política de 1917, e,
por isso, seriam menos ameaçadores aos objetivos de Kronstadt do que os
comunistas. Na verdade, Kronstadt e os SRs agora descobriram que tinham um
interesse em comum – a oposição contra os comunistas.
Os editores do Volia Rossii, por sua vez, não
acreditando mais no papel da intervenção estrangeira e numa reação dos grupos
não socialistas, depositaram todas as suas esperanças na derrubada imediata do
comunismo, baseando-se unicamente em suas convicções populistas mais
fundamentais referentes ao despertar do caráter revolucionário das massas
trabalhadoras. Nos comentários sobre o levante e em entrevistas com refugiados
de Kronstadt, o Volia Rossii mostrou
como os eventos de Kronstadt e a ação dos rebeldes demonstravam a confirmação
de suas convicções, a saber: que o comunismo seria derrubado muito em breve por
iniciativa dos trabalhadores e que os trabalhadores também se confrontariam com
os inimigos não-comunistas da SR. Em uma história da revolta dividida em série,
que está intimamente relacionada ao Pravda,
o Volia Rossii cita extensivamente
artigos como “Por que estamos lutando” – um das teses definitivas de Kronstadt
contra os comunistas – e cita o lema: “Em Kronstadt não há Kolchak, nem
Denikin, nem Yudenich. Em Kronstadt há tão somemente trabalhadores” (Volia Rossii, NoNo 160-162, p. 3, “Istoriia
Kronshtadtskago vozstaniia”). Um resumo da posição do Volia Rossii, e do que eles acreditavam o que seria o objetivo de
Kronstadt, pode ser encontrado no editorial principal de 30 de março de 1921,
que afirma:
“... o partido [SR] em
sua luta contra o bolchevismo, imbuído de um único espírito, rejeita o trabalho
conjunto com partidos não socialistas. Será necessário dizer que os eventos do
período recente, e em particular o levante de Kronstadt, corroboram a justeza
do ponto de vista do partido?
As massas trabalhadoras
russas começaram a reagir através da luta armada contra o bolchevismo, mas
rejeitam o trabalho conjunto com... partidos que defendiam objetivos e
psicologias estranhas a elas” (Volia
Rossii, No 165, p. 1 , “Bolchevique i es-ery”).
O Volia Rossii também sustentava repetidas vezes que os comunistas deviam
perder o poder em breve e que as concessões econômicas e políticas impostas a
eles por Kronstadt e pelo movimento operário em geral não apenas não poderiam
impedir a sua derrocada, mas iriam até acelerá-la. Yakovenko, vice-presidente
do Comitê Provisório Revolucionário e camarada muito próximo de Petrichenko,
resume melhor essa visão quando diz em uma entrevista: “Os comunistas chegaram
ao fim. Digo em alto e bom som: antes que este ano termine, os comunistas serão
derrubados do poder” (No 187, p. 1, “Beseda s kronshtadtsami”). Os
socialistas-revolucionários estavam ansiosos para saudar como adversários dos
comunistas os kronstadtinos, compostos por trabalhadores simples, cujas ações e
declarações escritas ou orais eram concordantes com as posições do Volia Rossii.
Este acordo de última
hora não era perfeito, no entanto. Enquanto Kronstadt e os socialistas revolucionários
de direita compartilhavam um interesse comum contra os comunistas, no qual
perpassavam certos conflitos políticos, outras questões ainda separavam os dois
grupos. A Assembleia Constituinte é uma dessas questões particularmente
evidente em a Verdade, pois revela
tanto um conflito contínuo entre os dois grupos quanto os esforços do Volia Rossii para convencer seus
leitores de que tais desavenças não representavam um abismo intransponível.
O Izvestiia assume uma posição forte anti-Assembleia Constituinte. Em
“Etapas da Revolução”, Lamanov afirma que, antes da Revolução de Outubro, os “[c]apitalistas
e proprietários de terras... estavam certamente no controle” (Pravda, p. 127). Quando os membros do
Comitê Provisório Revolucionário foram questionados por “Zritel”, um repórter
do Volia Rossii, por que não apoiaram
a Assembleia Constituinte depois da Revolução, eles responderam que os
comunistas conquistariam a maioria das cadeiras através das listas fixas de
candidatos apresentados aos eleitores (Pravda, p. 31).
A pergunta de “Zritel”
não era retórica, não pretendia mostrar que a Assembleia Constituinte não era
avessa a pessoas comuns que o Volia
Rossii tomava por representantes de Kronstadt. O jornal era, de fato,
fortemente a favor de uma Assembleia Constituinte. A “proclamação dos
socialistas trabalhadores da região de Nevsky”, publicada no Izvestiia (Pravda, p. 7), afirmava:
“Sabemos quem tem medo
da Assembleia Constituinte. São aqueles que não mais poderão roubar e que serão
levados a responder perante os representantes do povo por fraude, roubo e todos
os tipos de crimes cometidos. Abaixo os odiados comunistas! Abaixo o poder
soviético! Viva a Assembleia Nacional Constituinte."
Esta proclamação também
foi impressa no Volia Rossii (No 163,
p. 3, “Vozzvaniia sotsialistov v dni petrogradskikh i kronshtadtskikh
sobytii”). Lá o texto é atribuído ao “Comitê dos Socialdemocratas de Petrogrado
(mencheviques) e aos grupos socialistas de Petrogrado”. A referência a “grupos
socialistas”, sem nomeá-los, sugere que os Socialistas Revolucionários podem
ter desempenhado um papel direto na publicação original do panfleto. De
qualquer forma, a relação entre Volia
Rossii e os mencheviques era muito próxima. Os mencheviques nunca receberam
os duros ataques que Volia Rossii
dirigia aos Kadetes e comandantes brancos. Além disso, o Sotsialisticheskii Vestnik, um órgão do partido menchevique no
exterior, chega até mesmo a anunciar no Volia
Rossii (ver, por exemplo, n. 224, p. 6) a convocação da proclamação para
uma Assembleia Constituinte, em concordância com o editorial do próprio jornal.
O Volia Rossii, portanto, achou necessário explicar por que os
marinheiros de Kronstadt e seus líderes, que se opunham à Assembleia
Constituinte, não eram iguais aqueles culpados por “fraude, roubo e todos os
tipos de crimes”. Tal como acontece com outras situações, em que os operários e
camponeses não agiam de acordo com as expectativas dos socialistas revolucionários
de direita, o Volia Rossii
contornavam isso em parte apontando para a influência corruptora do ativismo
comunista na classe trabalhadora (ver, por exemplo, a explicação sobre o
malogro dos trabalhadores de Petrogrado quando do auxílio prestado por
Kronstadt, em Volia Rossii, n.º 164,
página 1, “Petrograd i Kronshtadt”). Em resposta à rejeição da Assembleia
Constituinte por Kronstadt, o Volia
Rossii afirmava:
“Durante três anos, com
o uso das ‘listas’, os bolcheviques conseguiram perverter a própria ideia de
eleições livres... [Os trabalhadores] temiam que..., com a dominação comunista
nos sovietes, ou na Assembleia Constituinte, eleitos por métodos comunistas,
não seria uma assembleia constituinte, mas uma nova variedade do comissariado”
(Pravda, pp. 31-32).
O Volia Rossii afirmava que Kronstadt, tendo suas crenças distorcidas
pelos comunistas, estava se aproximando da democracia a curtos passos, por meio
de novas eleições para os sovietes, e não pelo caminho direto da Assembleia
Constituinte. Relevou ainda mais o erro de Kronstadt ao afirmar que os
marinheiros, isolados das localidades onde os trabalhadores convocavam a Assembleia
Constituinte, “à sua maneira, defendiam o direito do povo ao autogoverno e à
autorregulação. Queriam avançar – e já avançavam – rumo ao autogoverno por
caminhos diferentes” dos demais trabalhadores (Pravda, p. 35), mas “o objetivo deles... era um e o mesmo, a
emancipação do povo. Por isso, independentemente de como eles interpretavam a
demanda do ‘poder popular’, todo o movimento de Kronstadt possuía uma grande
força de atração” (Pravda, p. 35). O Volia Rossii justificava sua diferença
com Kronstadt em relação à Assembleia Constituinte alegando que, por causa da
campanha comunista e do isolamento de Kronstadt, os marinheiros e seus líderes
estavam relativamente enganados sobre os métodos adequados para a emancipação
popular, mas que fundamentalmente desejavam o mesmo que os socialistas
revolucionários.
Os autores e editores
originais do Pravda o Kronshtadte, ou
“A Verdade sobre Kronstadt”, variavam entre marinheiros comuns da Frota do
Báltico a até ex-ministros de governo. Eles eram todos descendentes políticos
do populismo russo do final do século XIX, mas se dividiram em ramos separados
sob a influência de diferentes interesses, crenças e de eventos como o da
Primeira Guerra Mundial. A população de Kronstadt era democrata radical e
intimamente relacionada à União dos Socialistas-Revolucionários Maximalistas,
que lhes forneceu uma de suas principais figuras, Anatolii Lamanov. Os editores
do Volia Rossii eram socialistas
revolucionários de direita, de orientação liberal e inclinados a fazer
concessões e alianças com grupos aos quais Kronstadt rejeitava. Stepan
Petrichenko, presidente do Comitê Revolucionário Provisório de Kronstadt, foi
influenciado até certo ponto pelas ideias socialistas revolucionárias, mas foi
principalmente um representante e um exemplo dos marinheiros de Kronstadt que
foram liderados por ele.
Diferenças políticas
relacionadas às visões dos autores sobre o socialismo e o papel apropriado das
forças não socialistas, juntamente com outras questões, como apoio ou oposição
à guerra, motivaram a tornar Kronstadt e o Governo Provisório
Socialista-Revolucionário de Direita violentos inimigos em 1917. Em 1921, no
entanto, no contexto de uma combinação de realidades internas e externas
alteradas, visões e interesses transmutados, um inimigo comum, constituído
pelos comunistas, forneceu-lhes uma base para a cooperação mútua. Kronstadt
decidiu que seus antigos inimigos não eram mais tão perigosos quanto antes e
que a necessidade potencial de suprimentos de comida exigia que as propostas
fornecidas socialistas revolucionárias não fossem completamente rejeitadas. Por
sua vez, o Volia Rossii descobriu
que, apesar da necessidade de explicar as divergências contínuas sobre questões
como a Assembleia Constituinte, os rebeldes ganhavam para eles um status de
grande importância, pois proporcionavam uma fonte de ações ou declarações,
tanto escritas como orais, que legitimavam as convicções do SR de direita.
Notas
Nota do editor
A Rebelião de Kronstadt
O Pravda o Kronshtadte é uma descrição da rebelião de marinheiros que
ocorreu em março de 1921, no porto naval de Kronstadt, localizado na ilha de
Kotlin, perto do Golfo da Finlândia.
A rebelião foi
organizada e conduzida em grande parte pelos marinheiros da base naval.
Inicialmente, eles apoiaram os bolcheviques na Revolução de Outubro, mas,
diante das greves dos trabalhadores que despontavam no período, formaram o
Comitê Provisório Revolucionário, sob a orientação anarquista, depois da recusa
do governo bolchevique em suspender as políticas que provocavam uma escassez
crítica de alimentos e energia, em consequência da repressão política e de uma
regulamentação trabalhista irracional.
A tomada efetiva do
governo da cidade de Kronstadt foi pacífica; não os fatos subsequentes.
Leon Trotsky e Mikhail
Tukhachevsy enviaram tropas para esmagar a revolta. Ao longo do cerco de duas
semanas, a maioria dos rebeldes foi capturada ou morta, enquanto alguns conseguiram
fugir para a Finlândia.
Embora os bolcheviques
tenham reprimido com sucesso a rebelião, eles finalmente perceberam que
precisavam lidar com as crises econômicas que alimentavam o desencanto da
população para com o governo. Eles adotaram a Nova Política Econômica no mesmo
mês em que ocorreu a rebelião.
Pravda
o Kronshtadte
Sem surpresa, a maioria
dos documentos soviéticos existentes dão um relato negativo da Rebelião de
Kronstadt – que é descrita como um exemplo de que os corajosos bolcheviques
prevaleceram sobre um bando de criminosos.
O fato de Pravda o Kronshtadte ser uma peça rara
de propaganda pró-rebelião é uma das razões pelas quais seu interesse enquanto
documento histórico apresenta um valor ímpar. Foi publicado após a revolta pelo
jornal Volia Rossii (“Vontade da
Rússia”) e inclui no apêndice todos os quatorze números do diário pró-rebelião Izvestiia, do Comitê Provisório
Revolucionário. De acordo com a página de rosto, todos os lucros da venda da publicação
foram destinados aos “refugiados de Kronstadt e suas famílias”.
Este trabalho também é interessante
por apresentar um relato das condições políticas e econômicas durante os anos
de 1921. O conteúdo do Izvestiia
fornece informações sobre a escassez de alimentos, a resposta do povo perante
os estado calamitoso gerado pela crise econômica, a estrutura política dos
órgãos governamentais e as atividades dos habitantes de Kronstadt na época da
revolta.
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