por Maurice
Brinton
novembro de 1967
Tradução:
Daniel Menezes Delfino
O quinquagésimo
aniversário da Revolução Russa será abordado, analisado, celebrado ou lamentado
de várias maneiras.
Para os negociantes do
misticismo religioso e os advogados da “liberdade de empreendimento”, a
deserção sensacional (e bem cronometrada) de Svetlana Stálin(1) “provaria” a
resiliência de suas respectivas doutrinas, agora demonstradas como capazes de
florescer naquilo que à primeira vista pareceria solo infértil.
Para os liberais
incorrigíveis, a recente e cautelosa reintrodução da motivação pelo lucro em
certos setores da economia russa(2) “provaria” que o laissez-faire econômico é
sinônimo da natureza humana e que uma economia racionalmente planejada seria
sempre um piedoso sonho impossível.
Para aqueles
“esquerdistas” (como o falecido Isaac Deutscher) que viam na industrialização
da Rússia uma garantia automática de atitudes mais liberais nos dias vindouros,
a prisão de Daniel e Sinyavsky(3) por crime de pensamento (e a perseguição em
andamento daqueles que os apoiaram) veio como um retumbante tapa na cara.
Para os “marxistas-leninistas”
da China (e Albânia), a reaproximação da Rússia com os Estados Unidos, sua
passividade na recente crise do Oriente Médio,(4) sua assinatura do Tratado de
Interdição de Testes(5) e sua influência reacionária nos desenvolvimentos revolucionários
nos países coloniais dariam testemunho de seu acelerado deslizamento no pântano
do revisionismo, após a morte do Grande Stálin(6) (Stálin, será lembrado como o
autor de medidas tão revolucionárias e não revisionistas como a eliminação dos
Velhos Bolcheviques, os Julgamentos de Moscou, a Frente Popular, o Pacto
Nazi-Soviético, os Acordos de Teerã e Yalta e as dinâmicas lutas dos Partidos
Comunistas francês e italiano no imediato pós-guerra, lutas que levaram à sua
tomada direta do poder em seus respectivos países).
Para os iugoslavos,
reintegrados afinal depois de sua errância adolescente fora do conjunto, a
reemergência de “sanidade” em Moscou será vista como corroboração de suas
piores suspeitas. Os “problemas” de 1948 foram claramente todos devidos às
maquinações do maligno Beria.(7) Mihajlo Mihajlov(8) agora sucede Djilas(9)
atrás das grades de uma prisão do povo… apenas para lembrar hereges políticos
de que também na Iugoslávia, a “democracia proletária” está confinada àqueles
que se abstém de perguntar as questões constrangedoras.
Para os trotskistas de
toda laia, ao menos para aqueles capazes de pensar por si mesmos, o mero fato
das celebrações do quinquagésimo aniversário deveria dar o que pensar. O que as
palavras significam? O quanto uma sociedade em transição pode ser
“transicional”? Quatro décadas de “bonapartismo” não podem fazer da palavra uma
ninharia insignificante? Como os cristãos inabaláveis carregando sua cruz, os
trotskistas inabaláveis vão seguir adiante carregando a marca da sua questão
(relativa à evolução futura da sociedade russa) pelo resto da sua existência
terrena? Pois por quanto tempo mais eles vão seguir adiante gargarejando com as
velhas palavras de ordem de “restauração capitalista ou avanço rumo ao
socialismo” propostas por seu mentor em sua Revolução Traída… trinta anos
atrás! Certamente apenas os cegos podem agora deixar de enxergar que a Rússia é
uma sociedade de classe de novo tipo, e tem sido por várias décadas.
Aqueles que descartaram
essas mistificações – ou que nunca foram cegados por elas – verão as coisas
diferentemente. Eles vão sentir que não pode haver vestígio de socialismo numa
sociedade cujos governantes são capazes de aniquilar fisicamente os conselhos
operários húngaros,(10) denunciar igualitarismo e controle operário da produção
como desvios “pequeno-burgueses” ou “anarco-sindicalistas”, e aceitar o
assassinato a sangue frio de toda uma geração de revolucionários como meras
“violações da legalidade socialista”, a serem retificadas – tão cautelosamente
e cheio de tato – pela técnica de “reabilitação póstuma seletiva”. Será óbvio
para eles que algo deu seriamente errado com a Revolução Russa. O que foi que
deu errado? E quando a “degeneração” começou?
Aqui também as
respostas diferem. Para alguns os “excessos” e “enganos” são atribuíveis a uma
lamentável paranoia se insinuando lentamente sobre um Stálin em envelhecimento.
Essa interpretação (além do fato de tacitamente aceitar o próprio “culto do
indivíduo” que seus defensores dizem condenar) falha, entretanto, em explicar a
repressão de revolucionários e a conciliação com o imperialismo perpetrados num
período muito anterior. Para outros a “degeneração” se estabeleceu com a
derrota final da Oposição de Esquerda como uma força organizada (1927), ou com
a morte de Lênin (1924), ou com a abolição das facções no 10º Congresso do
Partido (1921). Para os bordiguistas, a proclamação da Nova Política Econômica
(1921) irrevogavelmente carimbou a Rússia como “capitalismo de estado”. Outros,
rejeitando corretamente essa preocupação com as minúcias da datação
revolucionária, destacam fatores mais gerais, embora, em nossa opinião, alguns
dos menos importantes.
Nosso propósito em
publicar este texto sobre os eventos de Kronstadt em 1921 não é esboçar um
calendário alternativo. Nem estamos procurando ancestrais políticos. A
construção de uma sucessão apostólica ortodoxa é a menor de nossas preocupações
(num mundo em constante transformação, isso apenas daria testemunho da nossa
esterilidade teórica). Nossa tarefa é simplesmente documentar alguns dos
enfrentamentos reais – mas menos conhecidos – que tiveram lugar contra a
burocracia crescente durante os primeiros anos pós-revolucionários, num momento
em que os críticos posteriores da burocracia eram eles mesmos parte integrante
do aparato.
O quinquagésimo
aniversário da Revolução Russa nos presenteia com a absurda visão de uma classe
dominante russa (que a cada dia se assemelha mais com sua contraparte
ocidental) solenemente celebrando a revolução que derrubou o poder burguês e
permitiu às massas, por um breve momento, visualizar um tipo totalmente novo de
ordem social.
O que tornou possível
esse trágico paradoxo? O que estilhaçou aquela visão? Como a revolução
degenerou?
Muitas explicações são
oferecidas. A história de como a classe operária russa foi despojada não é,
entretanto, uma questão de discussão esotérica entre facções políticas, que
compensam sua própria irrelevância por jornadas mentais no mundo encantado do
passado revolucionário. Um entendimento do que teve lugar é essencial para todo
socialista sério. Não é mero arquivismo.
Nenhuma classe
dominante viável domina apenas pela força. Para dominar ela deve conseguir que
sua própria visão da realidade seja aceita pela sociedade de modo geral. Os
conceitos pelos quais ela tenta legitimar seu domínio precisam ser projetados
no passado. Os socialistas têm reconhecido corretamente que a história ensinada
nas escolas burguesas revela uma visão de mundo particular e distorcida. Que a
história socialista tenha permanecido na sua maior parte não escrita é uma
medida de fraqueza do movimento revolucionário.
O que passa por
história socialista é frequentemente apenas uma imagem espelhada da
historiografia burguesa, uma infiltração dentro das fileiras do movimento
operário de métodos de pensamento tipicamente burgueses. No mundo desse tipo de
“historiadores”, os líderes e gênios substituem os reis e rainhas do mundo
burguês. Congressos famosos, rachas e controvérsias, a ascensão e queda de
partidos políticos ou sindicatos, a emergência ou degeneração dessa ou aquela
liderança substituem as batalhas mortíferas dos dominadores do passado. As
massas nunca aparecem independentemente no palco histórico, fazendo sua própria
história. No melhor caso elas “fornecem o vapor”, habilitando outros a dirigir
a locomotiva, como Stálin colocou tão delicadamente.
“Na maior parte do
tempo, historiadores ‘oficiais’ não têm olhos para ver ou ouvidos para ouvir os
atos e palavras que expressam a atividade espontânea da classe operária… Lhes
faltam as categorias de pensamento – alguém poderia dizer até que faltam as
células cerebrais – necessárias para entender ou mesmo perceber essa atividade
como ela realmente é. Para eles uma atividade que não tem líder ou programa,
nem instituições e nem estatutos, pode apenas ser descrita como ‘problemas’ ou
‘desordens’. A atividade espontânea das massas pertence por definição ao que a
história suprime.”(11)
Essa tendência de
identificar a história da classe operária com a história de suas organizações,
instituições e líderes não é apenas inadequada – ela reflete uma visão
tipicamente burguesa do gênero humano, dividido de maneira quase pré-ordenada
entre os poucos que administram e decidem, e os muitos, a massa maleável,
incapaz de agir conscientemente em seu próprio interesse, e para sempre
destinada a permanecer o “objeto” (e nunca o “sujeito”) da história. A maioria
das histórias da degeneração da Revolução Russa raramente alcança mais do que
isso.
A burocracia stalinista
foi única em ter apresentado uma visão da história baseada em mentiras
absolutas, ao invés da mistura mais usual de distorção sutil e
automistificação. Mas as revelações de Kruschev(12) e os desenvolvimentos
subsequentes na Rússia fizeram com que as versões oficiais dos eventos (em
todas as suas variações) fossem questionadas até mesmo por membros do Partido
Comunista. Até os graduandos do que Trotsky chamou de “escola de falsificação
de Stálin” estão agora começando a rejeitar as mentiras da era stalinista.
Nossa tarefa é levar o processo de desmistificação um pouco mais adiante.
De todas as
interpretações da degeneração da Revolução Russa a de Isaac Deutscher é a mais
amplamente aceita na esquerda. Ela ecoa a maioria das pressuposições dos
trotskistas. Apesar de ser uma melhoria em relação às versões stalinistas, está
longe de ser suficiente. A degeneração é vista como sendo devida a fatores
estritamente conjunturais (o isolamento da revolução em um país atrasado, a
devastação causada pela guerra civil, o peso esmagador do campesinato, etc.).
Esses fatores são indubitavelmente importantes. Mas o crescimento da burocracia
é mais do que apenas um acidente na história. É um fenômeno de escala mundial,
intimamente ligado a um certo estágio no desenvolvimento da consciência da
classe operária. É o terrível preço pago pela classe operária por seu atraso em
reconhecer que sua emancipação final e verdadeira só pode ser alcançada pela
própria classe operária, e não pode ser confiada a outros, alegadamente agindo
em seu nome. Se o “socialismo é autoconsciência total e positiva do homem”
(Marx, 1844), a experiência (e rejeição) da burocracia é um passo nessa
direção.
Os trotskistas negam
que as oposições iniciais ao desenvolvimento da burocracia tinham qualquer
conteúdo revolucionário. Ao contrário, eles denunciam a Oposição Operária e os
rebeldes de Kronstadt como basicamente contrarrevolucionários. Oposição real,
para eles, começa com a proclamação, dentro do partido, da Oposição de Esquerda
de 1923. Mas qualquer um ao menos familiarizado com o período saberá que em
1923 a classe operária já tinha suportado uma derrota decisiva. Já tinha
perdido o poder na produção para um grupo de gerentes apontados desde cima. Já
tinha também perdido poder nos conselhos,(13) que eram agora apenas um fantasma
da sua antiga forma, um carimbo para a burocracia emergente. A Oposição de
Esquerda lutou dentro dos limites do partido, que já estava ele mesmo altamente
burocratizado. Nenhum número substancial de operários marchou por sua causa. A
vontade de lutar dos operários já tinha sido consumida pelos longos
enfrentamentos dos anos precedentes.
A oposição às medidas
antioperárias tomadas pela liderança bolchevique nos anos imediatamente
seguintes à revolução tomou muitas formas e se expressou por muitos canais
diferentes e em muitos níveis. Ela se expressou dentro do próprio partido,
através de numerosas tendências de oposição, das quais a Oposição Operária
(Kollontai, Lutovinov, Shlyapnikov) é a mais conhecida.(14) Fora do partido a
oposição revolucionária encontrou expressão heterogênea, na vida de numerosos
grupos, frequentemente ilegais (alguns anarquistas, alguns
anarcossindicalistas, outros professando ainda uma fidelidade básica ao
marxismo).(15) Ela também encontrou expressão na atividade espontânea e
frequentemente “não organizada” da classe, como as grandes greves em
Leningrado(16) em 1921 e a revolta de Kronstadt. Ela encontrou expressão na
crescente resistência dos operários à política industrial bolchevique (e em
particular à tentativa de Trotsky de militarizar os sindicatos). Ela também
encontrou expressão na resistência proletária às tentativas bolcheviques de
expulsar todas as outras tendências dos conselhos, dessa forma efetivamente
amordaçando todos aqueles que buscavam reorientar a construção socialista
conforme linhas inteiramente diferentes.
Num estágio inicial,
várias tendências lutaram contra a degeneração burocrática da Revolução. Ao
excluí-los postumamente das fileiras revolucionárias, trotskistas, leninistas e
outros cometem uma dupla injustiça. Primeiramente eles excomungam todos aqueles
que previram e enfrentaram a burocracia nascente antes de 1923, dessa forma se
tornando surdos a algumas das mais pertinentes e válidas críticas já enunciadas
contra a burocracia. Secundariamente, eles enfraquecem sua própria causa, pois
se as demandas por conselhos livremente eleitos, por liberdade de expressão
(democracia proletária) e por gestão operária da produção estavam erradas em
1921, por que elas se tornaram parcialmente corretas em 1923? Por que são
corretas agora? Se em 1921 Lênin e Trotsky representavam os “reais interesses”
dos operários (contra os próprios operários), por que Stalin não poderia? Por
que Kadar(17) não poderia na Hungria em 1956? A escola trotskista de
santificação tem ajudado a obscurecer as verdadeiras lições da luta contra a
burocracia.
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Quando se estuda
seriamente os anos cruciais após 1917, quando o destino da Revolução Russa
ainda estava em ebulição no caldeirão, tem-se a atenção repetidamente voltada
para os trágicos eventos da revolta de Kronstadt de 1921. Esses eventos são, de
uma maneira sangrenta e dramática, a epítome da luta entre dois conceitos de
Revolução, dois métodos revolucionários, dois tipos de ethos revolucionário.
Quem decide o que é e o que não é interesse da classe operária em longo prazo?
Quais métodos são permitidos para acertar as diferenças entre revolucionários?
E quais métodos têm dois gumes e são capazes de, na longa duração, prejudicar a
própria Revolução?
Há notavelmente pouco
de natureza detalhada disponível em inglês sobre os eventos de Kronstadt. As
histórias stalinistas, revisadas e reeditadas de acordo com as fortunas
flutuantes dos funcionários do partido, não valem o papel em que são escritas.
Elas são um insulto à inteligência de seus leitores, tratados como incapazes de
comparar os mesmos fatos descritos em edições anteriores e posteriores do mesmo
livro.
Os escritos de Trotsky
sobre Kronstadt são poucos e mais preocupados com justificação retrospectiva e
com a marcação de pontos no debate contra os anarquistas,(18) do que em
analisar seriamente esse episódio particular da Revolução Russa. Trotsky e os
trotskistas são particularmente atentos ao perpetuar o mito de que eles foram a
primeira e única tendência anti-burocrática coerente. Todos os seus escritos buscam
esconder o quanto a burocratização tanto do partido como dos conselhos já tinha
ido longe em 1921, isto é, o quanto já tinham ido longe durante o período em
que Lênin e Trotsky tinham controle total e indisputado. A tarefa para os
revolucionários sérios hoje é ver a ligação entre as atitudes e pronunciamentos
de Trotsky antes e durante o “grande debate sindical” de 1920-21 e a saudável
hostilidade ao trotskismo das camadas mais avançadas e revolucionárias da
classe operária industrial. Essa hostilidade se manifestaria, de armas na mão,
durante a revolta de Kronstadt. Ela se manifestaria também dois ou três anos
depois, dessa vez de braços cruzados, quando essas camadas avançadas deixaram
de marchar em apoio a Trotsky, quando ele finalmente decidiu desafiar Stálin,
dentro dos estreitos limites da máquina do partido, para cuja burocratização
ele tinha contribuído significativamente.(19)
Deutscher no “Profeta
Armado” retrata o pano de fundo da Rússia durante os anos da Guerra Civil, o
sofrimento, o deslocamento econômico, a exaustão física absoluta da população.
Mas o retrato é unilateral, ele se propõe a afirmar que a “vontade de ferro dos
bolcheviques” era o único elemento de ordem, estabilidade e continuidade numa
sociedade que estava pairando à beira do colapso total. Ele presta atenção
reduzida às tentativas feitas por grupos de operários e revolucionários, tanto
dentro do partido como fora de suas fileiras, de tentar a reconstrução social
numa base inteiramente diferente, desde baixo.(20) Ele não discute a permanente
oposição e hostilidade dos bolcheviques à gestão operária da produção(21) ou na
verdade a qualquer empreendimento em larga escala que escapasse à sua dominação
e controle. Dos eventos de Kronstadt em si, das calúnias dos bolcheviques contra
Kronstadt e da repressão frenética que se seguiu aos eventos de março de 1921,
Deutscher diz quase nada, a não ser que as acusações dos bolcheviques contra
Kronstadt eram “infundadas”. Deutscher falha totalmente em enxergar a relação
direta entre os métodos usados por Lênin e Trotsky em 1921 e aqueles outros
métodos, aperfeiçoados por Stálin e depois usados contra os próprios velhos
bolcheviques durante os notórios julgamentos de Moscou de 1936, 1937 e 1938.
Nas “Memórias de um
Revolucionário” de Victor Serge há um capítulo dedicado a Kronstadt.(22) Os
escritos de Serge são particularmente interessantes pelo fato de que ele estava
em Leningrado (sic) em 1921 e apoiava o que os bolcheviques estavam fazendo,
mesmo que relutantemente. Entretanto, ele não recorreu às difamações e
deturpações de outros membros da liderança do partido. Seus comentários trazem
luz ao estado mental quase esquizofrênico dos militantes de base do partido
naquele momento. Por diferentes razões, nem os trotskistas nem os anarquistas
perdoaram em Serge sua tentativa de reconciliar o que havia de melhor em suas
respectivas doutrinas: a preocupação com a realidade e a preocupação com
princípios.
Escritos anarquistas de
algum valor e facilmente disponíveis (em inglês) sobre o assunto são virtualmente
inexistentes, apesar do fato de que muitos anarquistas consideram essa área
relevante para suas ideias. “Vivendo Minha Vida” de Emma Goldman e “O Mito
Bolchevique” de Berkman contém algumas páginas vívidas mas altamente subjetivas
sobre a rebelião de Kronstadt. “A Revolta de Kronstadt” de Anton Ciliga
(produzido como panfleto em 1942) é um excelente relato curto que encara
diretamente algumas das questões fundamentais. Está indisponível há anos. O
relato de Voline, por outro lado, é muito simplista. Fenômenos complexos como a
revolta de Kronstadt não podem ser significativamente interpretados por
generalizações carregadas do tipo “como marxistas, autoritários e estatistas,
os bolcheviques não poderiam permitir nenhuma liberdade ou ação independente às
massas”. (Muitos argumentaram que há fortes traços blanquistas(23) e até mesmo
bakuninistas no bolchevismo, e que é precisamente esses afastamentos do
marxismo que estão na raiz da ideologia e prática “elitistas” dos
bolcheviques). Voline até mesmo reprova os rebeldes de Kronstadt por “falarem
em poder (o poder dos conselhos) ao invés de se livrarem da palavra de uma
vez…” A luta prática, entretanto, não era contra “palavras” ou “ideias”. Era
uma luta física contra sua encarnação concreta na história (na forma de
instituições burguesas). É um sinal da confusão dos anarquistas nessa questão
que eles possam igualmente reprovar os bolcheviques por terem dissolvido a
assembleia constituinte(24) e os rebeldes de Kronstadt por proclamarem que
defendiam o poder dos conselhos! Os anarquistas nos conselhos claramente
percebiam o que estava em jogo, mesmo que muitos dos seus sucessores falhem em
fazê-lo. Eles lutaram para defender a conquista mais profunda de outubro, o
poder dos conselhos, contra todos os seus usurpadores, incluindo os
bolcheviques.
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Nossa contribuição às
celebrações do quinquagésimo aniversário não consiste nos usuais panegíricos às
aquisições dos mísseis e foguetes russos. Nem cantaremos odes às estatísticas
da produção russa de aço. A expansão industrial pode ser um pré-requisito para
uma vida melhor e mais completa, mas não é de forma alguma um sinônimo de uma
tal vida, a menos que todas as relações sociais tenham sido revolucionadas. Nós
estamos mais preocupados com os custos sociais das conquistas russas.
Alguns perceberam quais
seriam esses custos num estágio bem inicial. Nós estamos interessados em trazer
suas advertências proféticas a uma audiência bem mais ampla. O massacre final
em Kronstadt teve lugar em 18 de março de 1921, exatamente cinquenta anos
depois do extermínio dos comunardos por Thiers e Callifet. Os fatos sobre a
Comuna são bem conhecidos. Mas cinquenta anos depois da Revolução Russa nós
ainda temos que buscar informações básicas sobre Kronstadt. Os fatos não são
fáceis de obter. Eles quedaram soterrados por montanhas de calúnias e
distorções despejados sobre eles por stalinistas e trotskistas igualmente.
A publicação deste
panfleto em inglês, neste momento particular, é parte deste empreendimento. O
livro de Ida Mett “A Comuna de Kronstadt” foi publicado pela primeira vez em
1938. Ele foi republicado na França dez anos depois, mas esteve indisponível
por muitos anos. Em 1962 e 1963 certas partes dele foram traduzidas em inglês e
apareceram em Solidarity (II, 6 a 11). Nós agora temos o prazer de trazer aos
leitores falantes de inglês uma versão levemente abreviada do livro como um
todo, que contém materiais até agora indisponíveis na Inglaterra.
Além de vários textos
publicados no próprio local em março de 1921, o livro de Ida Mett contém a
carta aberta de Petrichenko de 1926, endereçada ao Partido Comunista Britânico.
Petrichenko foi o presidente do Comitê Revolucionário Provisório de Kronstadt.
Sua carta se refere às discussões no Bureau Político do Partido Comunista
Britânico sobre a questão de Kronstadt, discussões que parecem ter aceito que
não houve intervenções estranhas durante a revolta (membros do partido e outros
podem buscar esclarecimento adicional sobre a questão em King Street,(25) cujos
arquivos sobre o assunto devem proporcionar uma leitura interessante).
Ida Mett escreve de um
ponto de vista anarquista. Seus escritos, entretanto, representam o que há de
melhor na tradição revolucionária do “anarquismo de luta de classes”. Ela pensa
em termos de uma solução coletiva, proletária, aos problemas do capitalismo. A
rejeição da luta de classes, o anti-intelectualismo, a preocupação com
moralidade transcendental e salvação pessoal que caracteriza tantos dos
anarquistas de hoje não deve desviar os “marxistas” de prestar atenção
seriamente ao que ela escreve. Nós não necessariamente endossamos todos os seus
julgamentos e em algumas notas de rodapé corrigimos uma ou duas imprecisões
factuais menores em seu texto. Algumas das suas generalizações parecem para nós
muito sumárias e algumas das suas análises do fenômeno burocrático muito
simples para ter algum uso real. Mas como uma crônica do que teve lugar antes,
durante e depois de Kronstadt, seu relato permanece insuperável.
Seu texto joga uma luz
interessante sobre a atitude em relação à revolta de Kronstadt mostrada no
momento por várias tendências políticas russas (anarquistas, mencheviques,
Socialistas Revolucionários – SR – de esquerda e de direita, bolcheviques,
etc.). Alguns para quem a abordagem da política é superficial ao extremo (e
para quem uma difamação ou palavra de ordem é substituto para o entendimento
real) vão apontar acusadoramente para alguns desses testemunhos, para alguns
desses manifestos e resoluções, como uma evidência condenando irrevogavelmente
os rebeldes de Kronstadt. “Veja”, eles vão dizer “o que os mencheviques e SR de
direita estão dizendo. Veja como eles estão defendendo um retorno à Assembleia
Constituinte, e ao mesmo tempo proclamando sua solidariedade com Kronstadt.
Isso não é uma prova positiva de que Kronstadt era um levantamento
contrarrevolucionário? Vocês mesmos admitem que renegados como Victor Tchernov,
presidente eleito da Assembleia Constituinte, ofereceu ajuda a Kronstadt? Que
evidência adicional é necessária?”
Nós não temos medo de
apresentar todos os fatos aos nossos leitores. Deixe que julguem por si mesmos.
Temos a firme convicção de que a maioria dos leninistas e trotskistas é mantida
tão ignorante desse período da história russa quanto os stalinistas do período
dos julgamentos de Moscou. No melhor dos casos eles pressentem vagamente a
presença de esqueletos no armário. No pior, eles papagaiam vagamente o que seus
líderes lhes contam, intelectualmente preguiçosos demais ou politicamente muito
bem condicionados demais para pesquisar por si mesmos. Revoluções reais nunca
são “puras”. Elas desencadeiam as paixões mais profundas dos homens. As pessoas
participam ativamente e são tragadas ao vórtice de tais acontecimentos por uma
variedade de razões frequentemente contraditórias. Consciência e falsa
consciência estão inextricavelmente misturadas. Um rio em plena cheia
inevitavelmente carrega consigo uma certa quantidade de escombros. Uma
revolução em plena vazão carrega inúmeros cadáveres políticos, e pode até mesmo
momentaneamente dar-lhes um aspecto de vida.
Durante a Revolução
Húngara de 1956 foram muitas as mensagens de apoio verbal ou moral aos
rebeldes, emanando do ocidente, piedosamente pregando as virtudes da democracia
burguesa e da livre empresa. O objetivo daqueles que falavam nesses termos era
qualquer coisa menos a instituição de uma sociedade sem classes. Mas o seu
apoio aos rebeldes permaneceu puramente verbal, particularmente quando se
tornou claro para eles que os verdadeiros objetivos da revolução eram: uma
democratização fundamental das instituições húngaras sem a reversão para a
propriedade privada dos meios de produção.
A espinha dorsal da
Revolução Húngara era a rede de conselhos operários. Sua principal demanda era
por gestão operária da produção e um governo baseado nos conselhos. Esses fatos
justificavam o apoio dos revolucionários ao redor do mundo. Apesar dos
Mindszentys.(26) Apesar dos pequenos proprietários e socialdemocratas, ou suas
sombras, agora tentando pegar carona no bonde revolucionário. O critério de classe
é o decisivo.
Considerações similares
se aplicam também à rebelião de Kronstadt. Seu núcleo eram os marinheiros
revolucionários. Seus principais objetivos eram do tipo com os quais nenhum
revolucionário de verdade poderia discordar. Que outros buscassem tirar
vantagem da situação é inevitável, e irrelevante. A questão é quem está
decidindo a melodia.
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As atitudes em relação
aos eventos de Kronstadt, expressas quase cinquenta anos depois do evento,
fornecem uma visão profunda sobre o pensamento político de revolucionários
contemporâneos. Elas podem de fato fornecer uma visão mais profunda do interior
de seus alvos conscientes e inconscientes do que muitas discussões eruditas
sobre economia ou filosofia, ou sobre outros episódios da história revolucionária.
É uma questão das
atitudes básicas a respeito do que é o socialismo afinal de contas. O que foi
sintetizado nos eventos de Kronstadt são alguns dos problemas mais difíceis de
estratégia e ética revolucionárias: o problema dos meios e fins, das relações
entre partido e massas, ou mesmo de que sequer um partido é necessário afinal
de contas.
A classe operária pode
desenvolver por si mesma apenas uma consciência sindical?(27) Ela deveria até
mesmo ser autorizada, em qualquer circunstância, a ir tão longe?(28)
Ou a classe operária
pode desenvolver uma consciência e compreensão mais profundas de seus
interesses do que qualquer organização alegadamente agindo em seu nome? Quando
os stalinistas e trotskistas falam em Kronstadt como uma “ação essencial contra
um inimigo de classe”, quando revolucionários mais “sofisticados” se referem a
isso como uma “necessidade trágica”, tem-se o direito de pausar por um momento.
Tem-se o direito de perguntar o quão seriamente eles aceitam o dito de Marx de
que “a emancipação da classe operária é uma tarefa da própria classe operária”.
Eles levam isso a sério ou apenas repetem as palavras da boca para fora? Eles
identificam o socialismo com a autonomia (organizacional e ideológica) da
classe operária? Ou eles veem a si mesmos, com sua sabedoria sobre os
“interesses históricos” dos outros, e com seus julgamentos sobre o que deveria
ser “permitido”, como a liderança em torno da qual a futura elite vai se
desenvolver e cristalizar? Tem-se o direito não apenas de perguntar… mas também
de sugerir a resposta!
Notas:
(1) [N.T.] Svetlana
Stalin (1926-2011) era a filha mais nova de Stalin, sendo formada em inglês e
história dos Estados Unidos. Em 1967, justamente o ano da comemoração do 50º
aniversário da Revolução Russa, ela desertou para os Estados Unidos, evento que
foi explorado de maneira sensacionalista pela imprensa anticomunista. Na década
de 1980 ela chegou a retornar para a URSS, e viveu alternadamente entre
Inglaterra e Estados Unidos, até morrer naquele país. (retornar ao texto)
(2) [N.T.] Em 1965 o
governo recém-empossado de Brejnev (1964-1982) lançou medidas de
descentralização da economia, dando maior autonomia aos dirigentes das empresas
para planejar suas metas de acordo com parâmetros que simulassem a busca do
lucro (evidentemente, a burocracia jamais cogitaria em medidas que dessem algum
poder aos operários). Entretanto, essas medidas foram logo hostilizadas pela
burocracia do partido e refreadas, de modo que a economia soviética entrou num
longo período de estagnação, até a adoção definitiva de reformas de mercado por
Gorbatchev na década de 1980. (retornar ao texto)
(3) [N.T.] Andrei
Sinyavsky e Yuli Daniel foram dois escritores russos condenados em 1966 ao
confinamento em campos de trabalho forçado (gulags) por publicarem no exterior
e sob pseudônimo obras satíricas contra a sociedade russa. Receberam a
solidariedade de vários intelectuais no país, no que foi um dos pontos de
partida do movimento de dissidência no campo da literatura e das artes.
(retornar ao texto)
(4) [N.T.] Evento
depois conhecido como Guerra dos Seis Dias, em que Israel, apoiado pelos
Estados Unidos, derrotou Egito, Síria, Jordânia e Iraque e ocupou militarmente
a Cisjordânia, a Faixa de Gaza (os chamados “territórios palestinos ocupados”,
os quais retêm até hoje e nos quais aplica uma política de limpeza étnica
contra a população palestina) e a península do Sinai (depois devolvida ao Egito
em 1982). A URSS não interveio no conflito. (retornar ao texto)
(5) [N.T.] O Tratado de
Interdição Parcial de Testes Nucleares foi assinado em 1963 entre Estados
Unidos, Reino Unido e URSS, sendo depois aberto para a assinatura e ratificação
por mais de uma centena de países (inclusive o Brasil), como uma forma de
tentar impedir a proliferação de armas nucleares e refrear a corrida
armamentista. (retornar ao texto)
(6) [N.T.] O autor
ironiza o discurso dos governos da China sob a liderança de Mao Tsé-Tung e da
Albânia de Enver Hoxha, que supostamente se mantinham fiéis aos princípios do
socialismo, que teriam sido abandonados pela URSS. Eles atribuíam o abandono do
socialismo na URSS ao “revisionismo” de Kruschev (ver nota 11), que sucedeu
Stálin e introduziu algumas reformas cosméticas no regime de terror policial
com o qual a burocracia submetia o conjunto da sociedade. Na sequência, o autor
também ironiza as medidas ditas revolucionárias de Stálin. (retornar ao texto)
(7) [N.T.] Laurenti
Beria (1899-1953) foi um dos chefes da policia soviética, na sua época chamada
de NKVD (depois KGB), sendo assim um dos braços direitos de Stálin, responsável
por inúmeras perseguições e massacres contra adversários reais ou supostos do
dirigente máximo. Era uma das pessoas mais temidas da antiga URSS, até ele
próprio ser condenado à morte e executado pouco depois da morte de seu líder. O
autor alude à versão de que as intrigas de Beria seriam responsáveis pela
ruptura entre Stálin e Josip Broz “Tito” (dirigente máximo da Iugoslávia desde
o fim da II Guerra até a sua morte em 1980). Na realidade, a relativa
independência da Iugoslávia em relação ao restante do bloco soviético deveu-se
ao fato de que naquele país a guerrilha comunista (partisans) foi responsável
por expulsar a ocupação nazista do país, sem depender do apoio dos aliados ou
do Exército Vermelho da URSS (assim como na Albânia). Isso deu autoridade a
Tito, dirigente militar e político do PC iugoslavo, para não se submeter
totalmente a Stálin e buscar um rumo próprio para o socialismo (que na
realidade não era muito diferente do da própria URSS, no sentido de que também
não permitia nenhum grau de controle direto dos operários sobre a produção e
sobre as demais instituições). Posteriormente, Tito chegou a um acordo com
Kruschev em 1955 e seu país se reconciliou com a URSS. (retornar ao texto)
(8) [N.T.] Mihajlo
Mihajlov (1934-2010) foi um acadêmico iugoslavo estudioso de literatura russa
condenado em 1965 por publicar no exterior um texto que “difamava” a URSS, que
já era então um país aliado. (retornar ao texto)
(9) [N.T.] Milovan
Djilas (1911-1995) foi um dos dirigentes do PC iugoslavo e do movimento
partisan, que divergiu de Tito em razão da forma centralizadora do regime
político, tendo sido expulso do partido em 1954. Djilas foi preso por vários
períodos nas décadas de 1950 e 1960 por suas declarações contrárias ao regime
iugoslavo e ao stalinismo. Na prisão ele dedicou-se a escrever história e
literatura e, ao contrário de outros dissidentes, nunca emigrou e viveu até o
fim em seu país. (retornar ao texto)
(10) [N.T.] Referência
à revolta húngara de 1956, em que o governo stalinista do país foi derrubado,
num movimento em que o protagonismo coube aos conselhos de operários das
fábricas. Entretanto, a URSS interveio com tropas para reprimir a revolta,
dissolver os conselhos e reinstalar um governo fantoche. Até a altura em que o
texto foi escrito, em 1967, essa revolta permanecia sendo o principal exemplo
de luta contra o sistema stalinista em um país do leste europeu, uma vez que a
Primavera de Praga, que teve igual destino, só aconteceria no ano seguinte, e
ficou mais famosa devido ao contexto dos diversos outros acontecimentos
marcantes de 1968. (retornar ao texto)
(11) Paul Cardan, Do
Bolchevismo à Burocracia (Solidarity Pamphlet 24). (retornar ao texto)
(12) [N.T.] Referência
ao discurso de Nikita Kruschev (1894-1971) em fevereiro de 1956, no XX
Congresso do Partido Comunista da URSS. Kruschev tinha sucedido Stálin desde
1953 e permaneceria como dirigente máximo até 1964. Depois de haver expurgado
os colaboradores mais diretos do antigo líder, tornou pública a denúncia dos
“crimes contra a legalidade socialista” cometidos por Stálin (referência ao
extermínio dos antigos dirigentes do partido, os chamados velhos bolcheviques)
e repudiou o que foi chamado de “culto da personalidade” do líder. Na verdade,
tratava-se de uma forma da burocracia stalinista “mudar para que tudo
continuasse como antes”, ou seja, fazer algumas concessões e distensionar o
clima de terror e desconfiança em que viviam os integrantes do próprio aparato
do partido, do Estado e o conjunto da sociedade russa, mas sem abrir mão do
poder político e privilégios. Na prática, reconheceram-se “erros” e “excessos”
de Stálin, mas atribuiu-se tudo à pessoa do antigo líder, e manteve-se
inalterada a estrutura de uma ditadura de partido único, sem qualquer margem de
autonomia para a classe operária, nem na gestão da produção, nem nas demais
instituições. Naquele mesmo ano, a repressão à revolta húngara mostrou que a
mal chamada “desestalinização” não significaria também abrir mão do controle da
URSS sobre os seus chamados estados-satélites do leste europeu. (retornar ao
texto)
(13) [N.T.] Optamos por
traduzir “soviets”, como está no texto original em inglês, e também como já vem
sendo usado em português há várias décadas; diretamente como conselhos. O uso
da palavra russa soviet para designar os conselhos operários, embora já esteja
consagrado na nossa língua, acaba por atenuar impacto e o significado profundo
do destino dessas instituições. Dizer que o poder dos “soviets” foi usurpado
pelos bolcheviques não causa tanto impacto quanto dizer que os bolcheviques
suprimiram e usurparam o poder de conselhos operários. É esse impacto que
buscamos realçar ao traduzir diretamente soviet como conselho. (retornar ao
texto)
(14) Para informações
sobre o seu programa ver A Oposição Operária por Alexandra Kollontai. Essa obra
foi pela primeira vez publicada em inglês em Workers Deadnough de Sylvia
Pankhurst em 1921 e republicado em 1961 em Solidarity Pamphlet 8. (retornar ao
texto)
(15) A história de
grupos como Verdade Operária e Luta Operária ainda precisa ser escrita.
(retornar ao texto)
(16) [N.T.] A cidade de
São Petersburgo foi fundada pelo Czar Pedro, o Grande, em 1703, e foi capital
do império russo até 1918, em plena Revolução, quando a sede foi transferida
para Moscou, que é até hoje a capital. De 1914 a 1924 a cidade de São
Petersburgo foi rebatizada como Petrogrado (era esse o seu nome no momento dos
acontecimentos citados pelo autor), e só a partir de 1924 ela teve o nome de
Leningrado, que é como aparece no texto, com certa imprecisão, portanto. Desde
1991, com a queda da URSS, ela voltou a ter o nome original de São Petersburgo.
(retornar ao texto)
(17) [N.T.] Janos Kadar
(1912-1989) foi o burocrata colocado pela URSS como ditador da Hungria depois
que as tropas soviéticas derrotaram a Revolução dos Conselhos de 1956. A
revolução tinha temporariamente derrubado o governo stalinista anterior, até
ser sufocada pela URSS. Kadar permaneceu no cargo até 1988. (retornar ao texto)
(18) Uma tarefa fácil
depois de 1936, quando alguns bem conhecidos “líderes” anarquistas (sic!)
entraram no governo da Frente Popular na Catalunha no começo da Guerra Civil
Espanhola e foram autorizados a continuar lá pelos anarquistas de base. Essa
ação, numa área em que os anarquistas tinham uma base de massas no movimento
dos trabalhadores, condenou-os irrevogavelmente, assim como os desenvolvimentos
da Revolução Russa condenaram irrevogavelmente os mencheviques, como incapazes
de resistir ao teste dos eventos. (retornar ao texto)
(19) Três declarações
de Comunismo e Terrorismo de Trotsky (Ann Harbor: University of Michigan Press,
1961), publicadas originalmente em 1920, vão ilustrar esse ponto: “a criação de
uma sociedade socialista significa a organização dos operários sobre novas
fundações, sua adaptação a essas fundações e sua reeducação ao trabalho, com
uma finalidade inalterável de aumentar a produtividade do trabalho…” (p. 146).
“Eu considero que se a Guerra Civil não tivesse espoliado a nossa economia de
todos que eram mais fortes, mais independentes, mais dotados com iniciativa,
nós deveríamos indubitavelmente ter seguido o caminho da gerência por um homem
só na esfera da administração econômica muito mais cedo e muito menos
dolorosamente” (p.162-163). “Nós temos sido mais de uma vez acusados de ter
substituído a ditadura dos conselhos pela ditadura de nosso próprio partido… Na
substituição do poder da classe operária pelo poder do partido não há nada
acidental, e na realidade não há substituição nenhuma. Os comunistas expressam
os interesses fundamentais da classe operária…” (p. 109). Eis aí os
antecedentes anti-burocráticos do trotskismo. É interessante que o livro tenha
sido altamente exaltado por Lênin. Lênin apenas entrou em discussão com Trotsky
sobre a questão sindical na reunião do comitê central de 8 e 9 de novembro de
1920. Durante a maior parte de 1920 Lênin endossou todos os decretos
burocráticos de Trotsky em relação aos sindicatos. (retornar ao texto)
(20) Para um relato
interessante do crescimento do Movimento dos Comitês de Fábrica e da oposição a
eles pelos bolcheviques no Primeiro Congresso dos Sindicatos de toda a Rússia
(janeiro de 1918) ver A Guilhotina em Ação de Maximov (Chicago, 1940). (retornar
ao texto)
(21) No Nono Congresso
do Partido (março de 1920) Lênin apresentou uma resolução para efetivar que a
tarefa dos sindicatos fosse explicar a necessidade de uma “máxima redução da
administração colegiada e a introdução gradual da gerência individual nas
unidades engajadas diretamente na produção” (Robert V. Daniels, A Consciência
da Revolução, Cambridge, Massachussets, 1960, p. 124). (retornar ao texto)
(22) Os escritos de
Serge sobre esse assunto foram trazidos a atenção dos leitores no Reino Unido
pela primeira vez em 1961 (Solidarity I, 7). Esse texto foi depois reimpresso
como panfleto. (retornar ao texto)
(23) [N.T.] Louis
August Blanqui (1805-1881) foi uma figura célebre nos movimentos
revolucionários franceses do século XIX, sendo a representação mais acabada do
projeto de que a tomada do poder depende muito mais da ação de um pequeno grupo
de indivíduos muito determinados, do que de uma ampla base de apoio social e de
um projeto de transformação geral, baseado em alguma leitura prévia da sociedade,
etc. Foi uma espécie de precursor daquilo que no século XX ficaria conhecido
como “foquismo”, a ideia de que um pequeno grupo armado, inicialmente
clandestino, pode dar início a uma revolução. Como encarnação desse tipo de
concepção, ele dedicou sua vida a inúmeras conspirações para tomar o poder,
sempre acompanhado de um pequeno punhado de colaboradores, todas fracassadas,
resultando em que ele passou boa parte de sua vida (ao todo 37 anos) na prisão.
Nesse mesmo trecho, o autor também se refere a Bakunin, um dos pilares do
anarquismo, que era bem menos alheio do que Blanqui à teoria social e ao
estudo, mas igualmente propenso a organizar pequenas seitas conspirativas de
seguidores. (retornar ao texto)
(24) Ver o artigo de
Nicolas Walter em Liberdade (28 de outubro de 1967) intitulado “Outubro de
1917: revolução de forma alguma”. (retornar ao texto)
(25) [N.T.] Endereço da
sede do Partido Comunista Britânico em Londres. (retornar ao texto)
(26) [N.T.] József
Mindszenty (1892-1975) foi cardeal da Igreja Católica na região da capital
húngara, Budapeste. Ele foi opositor da República dos Conselhos de 1919-1920 e
depois, já no posto de cardeal, também se colocou contra o regime stalinista
instalado em 1945, pelo qual foi preso em 1949. Durante a Revolução de 1956, na
qualidade de preso político, ele foi retirado da prisão e se refugiou na
embaixada dos Estados Unidos, de onde se exilou para a Áustria, onde morreu,
como uma espécie de mártir católico anticomunista. (retornar ao texto)
(27) Lênin disse explicitamente
que sim em seu Que Fazer? (1902) (retornar ao texto)
(28) Numa declaração ao Décimo Congresso do Partido (1921) Lênin se refere a uma mera discussão sobre os sindicatos como um “luxo absolutamente inadmissível” que “nós” não deveríamos ter permitido. Essas observações revelam involuntariamente volumes inteiros não escritos sobre o assunto (e incidentalmente resolvem decisivamente a questão daqueles que buscam desesperadamente por uma “evolução” no seu Lênin). (retornar ao texto)
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