O Deslocamento Histórico do Centro Capitalista: Da Inglaterra à
China
A
dinâmica histórica do modo de produção capitalista é, em sua essência, a
história da busca incessante pela valorização do valor, pela acumulação. Esse
processo, longe de ser estático, provoca contínuos deslocamentos geográficos do
epicentro da produção mundial. O capital fixa seu coração onde encontra as
condições mais propícias para a extração de mais-valia, apenas para, mais
tarde, seguir em frente quando as contradições internas de seu sucesso se
tornam barreiras intransponíveis. Foi assim que o centro se moveu da Inglaterra
para os Estados Unidos e, agora, estabeleceu-se de forma incontestável na
China.
A Inglaterra: O Berço da Produção Capitalista e a Lei da Queda
Tendencial da Taxa de Lucro
Foi
na Inglaterra que a Revolução Industrial concretizou plenamente as relações
capitalistas de produção. A introdução maciça de maquinário – a forma material
mais pura do Capital Constante (CC) – revolucionou o
processo produtivo. No entanto, essa mesma mecanização, que elevava
produtivamente a composição orgânica do capital (a relação entre CC e Capital
Variável (CV), este último representando a força de trabalho viva),
continha em si uma contradição fatal. Conforme o CC aumenta em proporção ao CV,
a fonte única de todo o lucro – o trabalho não pago, a mais-valia extraída do
CV – vê sua base relativa diminuir. Esta é a Lei da Queda Tendencial da Taxa de
Lucro, postulada por Marx. A elevação da composição orgânica do capital,
necessária para a competição interimperialista da época, acabou por expulsar
trabalhadores da produção, criando um exército industrial de reserva e,
paradoxalmente, minando a própria taxa de lucro do sistema em sua configuração
inglesa.
A Ascensão dos EUA: O Novo Centro e a Fuga para a Frente
Os
Estados Unidos emergiram como o novo centro hegemônico ao absorver e recombinar
as forças produtivas em uma escala continental. Com uma fronteira aberta à
"acumulação primitiva" interna e um fluxo constante de imigrantes que
servia como um exército industrial de reserva renovável e barato, o capital
americano pôde, por um tempo, contrabalançar a queda da taxa de lucro através
da expansão extensiva e intensiva. A produção em massa, notadamente o fordismo,
representou o ápice desta fase, integrando o trabalhador também como
consumidor. No entanto, a mesma lógica da mecanização e da elevação do CC
persistiu. A busca por produtividade levou, mais uma vez, à expulsão
progressiva de trabalhadores do chão de fábrica, preparando o terreno para a
próxima grande contradição.
A Desindustrialização e a Financeirização: A Economia dos EUA
como um Banco Quebrado
Incapaz
de sustentar taxas de lucro elevadas na produção industrial face à concorrência
emergente e aos próprios limites internos da lei de Marx, o capital
estadunidense engajou-se em uma "fuga para a frente" histórica: a
desindustrialização e a financeirização. A produção real, geradora de valor,
foi progressivamente terceirizada para nações com custos de CV drasticamente
inferiores, culminando no deslocamento para a China. O que restou nos EUA foi
uma economia voltada para o setor de serviços, de baixo valor agregado, e,
sobretudo, para o domínio do capital fictício.
O
capital fictício – ações, títulos, derivativos e todo tipo de título de dívida
– é uma reivindicação sobre riqueza futura, não riqueza real presente. A
economia dos EUA tornou-se um gigantesco cassino financeiro, onde a valorização
parece ocorrer sem a mediação da produção. Esta é uma ilusão perigosa. A dívida
nacional de quase 40 trilhões de dólares é o testemunho mais claro deste
fenômeno: é um montante que, em última instância, não pode ser quitado pela
base produtiva real, definhada do país. Uma economia que substitui fábricas por
bancos e inovação técnica por alavancagem financeira é, em essência, um banco
quebrado, sustentado apenas pela confiança e pela hegemonia do dólar, que se
enfraquece a cada dia.
O Imperialismo Fantasma e o Colapso da Acumulação Primitiva
Interna
A
noção de um imperialismo estadunidense todo-poderoso é, hoje, um fantasma. O
imperialismo real, no sentido clássico de exportação de capital e dominação de
cadeias produtivas, tem hoje seu centro em Pequim, não em Washington. O que
resta aos EUA é um imperialismo militarista capenga e financeiro, uma casca
vazia que tenta manter pela força e pela especulação o que perdeu em capacidade
produtiva. Neste contexto, políticas anti-imigração, como as defendidas por
Trump, são um tiro no pé do já debilitado organismo econômico norte-americano.
A
imigração foi, e sempre será, um componente vital da "acumulação
primitiva" descrita por Marx. É o camponês expulso de suas terras, o
trabalhador do Sul global em fuga da miséria, que tradicionalmente forma a
massa de Capital Variável barato e superexplorável,
permitindo a extração de mais-valia absoluta em setores-chave. Expulsar o
imigrante, em uma economia que já expulsou sua própria base industrial, é
agravar a escassez de CV em setores de baixo salário, acelerar a crise de
reprodução da força de trabalho e aprofundar a estagnação. É uma política que
ignora por completo a história do capitalismo e a função do trabalhador
migrante como uma das alavancas primordiais da acumulação.
A Bolha da IA: O Ápice do Capital Constante e a Expulsão Final
do Trabalhador
A
atual euforia em torno da Inteligência Artificial representa o ápice histórico
da tendência de elevação do Capital Constante. Um data
center de IA é a materialização mais pura e avançada deste conceito: uma
infraestrutura de custo astronômico (CC extremamente elevado) que requer uma
quantidade ínfima de trabalhadores (CV tendendo a zero) para operar. Enquanto
gera lucros extraordinários para uns poucos monopólios, a IA, enquanto força
produtiva sob relações capitalistas, é um motor brutal de expulsão de
trabalhadores de setores intelectuais e criativos, replicando em escala
ampliada o que a mecanização fez com o trabalho manual.
Esta
não é a solução, mas a culminação da contradição. A bolha da IA, alimentada por
capital fictício especulativo, está prestes a explodir porque sua base de
valorização é ilusória. Ela não cria novo valor em escala correspondente ao
capital nela investido; pelo contrário, ao eliminar massivamente postos de
trabalho, ela destrói a própria base consumidora e a fonte de toda mais-valia.
A promessa de uma nova era de prosperidade baseada na IA é a mesma promessa
falida de todas as bolhas tecnológicas anteriores, só que agora em um contexto
de economia já profundamente financeirizada e desindustrializada.
As Políticas Mercantilistas de Trump: O Caminho Acelerado para o
Colapso
Neste
panorama de fragilidade extrema, as políticas econômicas mercantilistas e
protecionistas de um eventual novo governo Trump atuam como um acelerador do
colapso. Guerras comerciais, tarifas e a ilusão de "trazer os empregos de
volta" ignoram a lógica elementar do capital globalizado. Elas não
revertem a composição orgânica do capital; pelo contrário, ao encarecerem
insumos e desorganizarem cadeias produtivas globais, elas elevam ainda mais
o Capital Constante necessário para a produção
residual nos EUA, acelerando a queda da taxa de lucro. O resultado não será a
reindustrialização, mas uma inflação galopante, uma crise de abastecimento e um
aprofundamento dramático da crise do capital fictício, já que a dívida de 40
trilhões se tornará impagável em um ambiente de recessão e perda de confiança
global. A tentativa de resgatar um capitalismo produtivo que não existe mais,
através de métodos do século XVIII, só pode levar a economia dos EUA a um
colapso ainda mais drástico e definitivo. O centro do capitalismo já se moveu,
e o que resta no antigo núcleo é um castelo de cartas prestes a desmoronar.
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