segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

O Fim do Imperialismo Estadunidense: Uma Análise Marxista

 

O Deslocamento Histórico do Centro Capitalista: Da Inglaterra à China

A dinâmica histórica do modo de produção capitalista é, em sua essência, a história da busca incessante pela valorização do valor, pela acumulação. Esse processo, longe de ser estático, provoca contínuos deslocamentos geográficos do epicentro da produção mundial. O capital fixa seu coração onde encontra as condições mais propícias para a extração de mais-valia, apenas para, mais tarde, seguir em frente quando as contradições internas de seu sucesso se tornam barreiras intransponíveis. Foi assim que o centro se moveu da Inglaterra para os Estados Unidos e, agora, estabeleceu-se de forma incontestável na China.

A Inglaterra: O Berço da Produção Capitalista e a Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro

Foi na Inglaterra que a Revolução Industrial concretizou plenamente as relações capitalistas de produção. A introdução maciça de maquinário – a forma material mais pura do Capital Constante (CC) – revolucionou o processo produtivo. No entanto, essa mesma mecanização, que elevava produtivamente a composição orgânica do capital (a relação entre CC e Capital Variável (CV), este último representando a força de trabalho viva), continha em si uma contradição fatal. Conforme o CC aumenta em proporção ao CV, a fonte única de todo o lucro – o trabalho não pago, a mais-valia extraída do CV – vê sua base relativa diminuir. Esta é a Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro, postulada por Marx. A elevação da composição orgânica do capital, necessária para a competição interimperialista da época, acabou por expulsar trabalhadores da produção, criando um exército industrial de reserva e, paradoxalmente, minando a própria taxa de lucro do sistema em sua configuração inglesa.

A Ascensão dos EUA: O Novo Centro e a Fuga para a Frente

Os Estados Unidos emergiram como o novo centro hegemônico ao absorver e recombinar as forças produtivas em uma escala continental. Com uma fronteira aberta à "acumulação primitiva" interna e um fluxo constante de imigrantes que servia como um exército industrial de reserva renovável e barato, o capital americano pôde, por um tempo, contrabalançar a queda da taxa de lucro através da expansão extensiva e intensiva. A produção em massa, notadamente o fordismo, representou o ápice desta fase, integrando o trabalhador também como consumidor. No entanto, a mesma lógica da mecanização e da elevação do CC persistiu. A busca por produtividade levou, mais uma vez, à expulsão progressiva de trabalhadores do chão de fábrica, preparando o terreno para a próxima grande contradição.

A Desindustrialização e a Financeirização: A Economia dos EUA como um Banco Quebrado

Incapaz de sustentar taxas de lucro elevadas na produção industrial face à concorrência emergente e aos próprios limites internos da lei de Marx, o capital estadunidense engajou-se em uma "fuga para a frente" histórica: a desindustrialização e a financeirização. A produção real, geradora de valor, foi progressivamente terceirizada para nações com custos de CV drasticamente inferiores, culminando no deslocamento para a China. O que restou nos EUA foi uma economia voltada para o setor de serviços, de baixo valor agregado, e, sobretudo, para o domínio do capital fictício.

O capital fictício – ações, títulos, derivativos e todo tipo de título de dívida – é uma reivindicação sobre riqueza futura, não riqueza real presente. A economia dos EUA tornou-se um gigantesco cassino financeiro, onde a valorização parece ocorrer sem a mediação da produção. Esta é uma ilusão perigosa. A dívida nacional de quase 40 trilhões de dólares é o testemunho mais claro deste fenômeno: é um montante que, em última instância, não pode ser quitado pela base produtiva real, definhada do país. Uma economia que substitui fábricas por bancos e inovação técnica por alavancagem financeira é, em essência, um banco quebrado, sustentado apenas pela confiança e pela hegemonia do dólar, que se enfraquece a cada dia.

O Imperialismo Fantasma e o Colapso da Acumulação Primitiva Interna

A noção de um imperialismo estadunidense todo-poderoso é, hoje, um fantasma. O imperialismo real, no sentido clássico de exportação de capital e dominação de cadeias produtivas, tem hoje seu centro em Pequim, não em Washington. O que resta aos EUA é um imperialismo militarista capenga e financeiro, uma casca vazia que tenta manter pela força e pela especulação o que perdeu em capacidade produtiva. Neste contexto, políticas anti-imigração, como as defendidas por Trump, são um tiro no pé do já debilitado organismo econômico norte-americano.

A imigração foi, e sempre será, um componente vital da "acumulação primitiva" descrita por Marx. É o camponês expulso de suas terras, o trabalhador do Sul global em fuga da miséria, que tradicionalmente forma a massa de Capital Variável barato e superexplorável, permitindo a extração de mais-valia absoluta em setores-chave. Expulsar o imigrante, em uma economia que já expulsou sua própria base industrial, é agravar a escassez de CV em setores de baixo salário, acelerar a crise de reprodução da força de trabalho e aprofundar a estagnação. É uma política que ignora por completo a história do capitalismo e a função do trabalhador migrante como uma das alavancas primordiais da acumulação.

A Bolha da IA: O Ápice do Capital Constante e a Expulsão Final do Trabalhador

A atual euforia em torno da Inteligência Artificial representa o ápice histórico da tendência de elevação do Capital Constante. Um data center de IA é a materialização mais pura e avançada deste conceito: uma infraestrutura de custo astronômico (CC extremamente elevado) que requer uma quantidade ínfima de trabalhadores (CV tendendo a zero) para operar. Enquanto gera lucros extraordinários para uns poucos monopólios, a IA, enquanto força produtiva sob relações capitalistas, é um motor brutal de expulsão de trabalhadores de setores intelectuais e criativos, replicando em escala ampliada o que a mecanização fez com o trabalho manual.

Esta não é a solução, mas a culminação da contradição. A bolha da IA, alimentada por capital fictício especulativo, está prestes a explodir porque sua base de valorização é ilusória. Ela não cria novo valor em escala correspondente ao capital nela investido; pelo contrário, ao eliminar massivamente postos de trabalho, ela destrói a própria base consumidora e a fonte de toda mais-valia. A promessa de uma nova era de prosperidade baseada na IA é a mesma promessa falida de todas as bolhas tecnológicas anteriores, só que agora em um contexto de economia já profundamente financeirizada e desindustrializada.

As Políticas Mercantilistas de Trump: O Caminho Acelerado para o Colapso

Neste panorama de fragilidade extrema, as políticas econômicas mercantilistas e protecionistas de um eventual novo governo Trump atuam como um acelerador do colapso. Guerras comerciais, tarifas e a ilusão de "trazer os empregos de volta" ignoram a lógica elementar do capital globalizado. Elas não revertem a composição orgânica do capital; pelo contrário, ao encarecerem insumos e desorganizarem cadeias produtivas globais, elas elevam ainda mais o Capital Constante necessário para a produção residual nos EUA, acelerando a queda da taxa de lucro. O resultado não será a reindustrialização, mas uma inflação galopante, uma crise de abastecimento e um aprofundamento dramático da crise do capital fictício, já que a dívida de 40 trilhões se tornará impagável em um ambiente de recessão e perda de confiança global. A tentativa de resgatar um capitalismo produtivo que não existe mais, através de métodos do século XVIII, só pode levar a economia dos EUA a um colapso ainda mais drástico e definitivo. O centro do capitalismo já se moveu, e o que resta no antigo núcleo é um castelo de cartas prestes a desmoronar.

 

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