(Tradução e Diagramação:
Ateneu Diego Giménez COBAIT Piracicaba, 2011).
por Stepan
Petritchenko
Ao levar a cabo a
Revolução de Outubro de 1917, os trabalhadores da Rússia e da Ucrânia esperavam
obter sua emancipação completa. Depositaram todas as suas esperanças no partido
bolchevique, porque parecia responder aos seus interesses.
O que é que este
partido, dirigido por Lenin, Trotsky, Zinoviev e outros, lhes retribuiu nos
três anos e meio que detém o poder?
O caminho bolchevique
não conduziu à emancipação dos trabalhadores, mas a uma escravidão
ainda maior do
proletariado. Em lugar
da monarquia policial,
os trabalhadores conhecem agora o temor permanente de cair nas mãos da
Tcheka, que supera bastante a crueldade da polícia do regime czarista. Agora
são conscientes dos fuzilamentos e das humilhantes vexações dos carcereiros
tchekistas. Se o trabalhador se atreve a expressar a dolorosa e pesada verdade,
é então associado aos contrarrevolucionários, aos agentes da Entente etc.,
recebendo como recompensa uma descarga de fuzil ou a prisão, ou seja, a morte
por inanição.
Os bolcheviques
aprisionaram os operários às oficinas, com a ajuda dos sindicatos corruptos,
fazendo com que o trabalho deixasse de ser criativo e estimulante para
converterse, como antes, em uma nova e insuportável escravidão.
Os bolcheviques
responderam aos protestos dos camponeses, que se manifestavam com revoltas
espontâneas, e dos operários, obrigados a recorrerem à greve para melhorar suas
condições de vida, com fuzilamentos em massa, incontáveis encarceramentos e
internações em campos de concentração.
Como vivem os
camponeses e o que obtiveram do novo regime?
Conseguiram a
escravidão dos trabalhos forçados, sem distinção de idade, sexo ou situação
familiar, a pilhagem completa das colheitas, do gado e das aves de curral, levadas
a cabo por inumeráveis requisições e confiscos e pelo controle de todos os
deslocamentos, mediante incalculáveis destacamentos de inspeção.
Foi generalizado o
reinado da arbitrariedade. Se um camponês tem três de seus filhos no Exército
Vermelho e um deles volta ao seu povoado por contra própria para conhecer a
situação; então, sem ter em conta que os outros dois filhos permanecem no
serviço, o sítio familiar fica liberado, por efeito da deserção de um de seus
membros, à pilhagem total.
Não obstante, o
exército e as forças armadas de nada sabiam sobre a verdadeira situação do
país. As informações que chegavam eram muito confusas e imprecisas; era
difícil fazer uma
ideia exata baseandose nos rumores ou no correio familiar “censurado”.
Durante todo este
tempo, os bolcheviques enganaram sua gente, esboçando quadros idílicos em seus
periódicos.
Se eram lançadas
queixas contra os abusos, as autoridades centrais respondiam dizendo que seriam
tomadas as medidas oportunas, mas tudo ficava no papel. Pelo contrário, quando
o comissário local se inteirava que tinha sido tramitada uma queixa contra ele,
se ocupava de perseguir os querelantes por todos os meios ao seu alcance,
tornando as suas vidas impossíveis.
Ninguém estava em
condições de conhecer a situação e os meios de vida de sua família: não
concediam nenhuma permissão por causa da tensão militar e a censura impedia que
passassem as cartas que expunham a amarga verdade. Somente os periódicos e a
literatura bolchevique tinham curso livre, e, segundo eles, tudo ia bem por
todas as partes.
Por tudo isso, as
tripulações se encontravam na incerteza: alguns confiavam na propaganda
oficial, mas outros não. Teve lugar uma desmoralização parcial do exército e
foram concedidas breves permissões, limitadas a dez por cento dos efetivos.
Aqueles que tiveram a sorte de aceder a elas estavam perfeitamente a par da
situação real do país ao regressarem, ao ter tido ocasião de tomar consciência
da imbecilidade, da arbitrariedade e da violência repressiva da comissariocracia.
Estes explicaram aos seus camaradas a repressão e as injustiças que reinavam no
país. Deste modo, a amarga verdade começou a ser conhecida nas unidades de
Petrogrado e Kronstadt.
Os ucranianos, por sua
vez, se negavam a regressar ao terminar sua permissão. Alguns deles contaram
que os pais maldiziam os seus filhos por terem defendido essa cambada de
bandidos e canalhas que tinha levado a Rússia à ruína geral, a uma situação de
violência espantosa e a uma opressão e uma arbitrariedade desconhecidas até então.
Assim chegamos ao conhecimento da verdade e nos pusemos a discutila
coletivamente, apesar da
proibição a reuniões ou concentrações, ditada pelos
comissários e comunistas. As assembleias passaram a ter cada vez maior
participação, chegando sempre à desaprovação unânime e indignada do regime
bolchevique.
Petrogrado e Kronstadt
sofreram nesse período, como anteriormente, uma grave crise de abastecimento.
Todos se indignaram contra a “ordem bolchevique”, graças à qual os operários se
encontravam esfomeados, com frio e aprisionados às suas fábricas, nas quais
deviam esgotar as suas últimas forças.
A paciência chegou ao
limite: nos dias 25 a 28 de fevereiro, greves irromperam em Petrogrado. O poder
respondeu com prisões em massa e disparos de fuzil contra os operários.
As fábricas foram
colocadas sob a vigilância dos tchekistas e dos
kursanti [1]; disseram aos
operários que voltassem ao trabalho, mas eles se negaram. Nossa tripulação
soube com indignação o que acontecia em Petrogrado no curso das reuniões
espontâneas, as quais estavam, não obstante, formalmente proibidas pelos comissários;
então exigimos a estes o envio de uma comissão, composta por gente sem partido,
a Petrogrado, com o objetivo de se informar a respeito do que acontecia na realidade,
porque os bolcheviques tratavam de nos fazer crer que agentes e espiões da Entente
tinham tentado organizar greves em Petrogrado, mas que tudo havia voltado à
normalidade e as fábricas funcionavam de novo sem problemas.
Em Petrogrado, os
operários eram ameaçados com a intervenção de Kronstadt, a Vermelha, a qual os obrigaria a voltar ao talho se
persistissem em sua atitude grevista. Por isso soubemos que, de modo geral, os
bolcheviques tinham transformado Kronstadt em um espantalho em toda a Rússia para
apoiar sua política; a indignação das tripulações ao ter notícia destes fatos
foi enorme, porque este papel não podia de modo algum ser de Kronstadt.
No dia 27 de fevereiro,
foram celebradas duas reuniões espontâneas, primeiro entre as tripulações dos
encouraçados Petropavlovsk e Sevastopol e, mais tarde, entre os
componentes da 1ª e da 2ª brigada de destruidores, durante as quais todo mundo exigiu
aos comissários de modo imperativo a eleição de uma comissão de delegados sem
partido para visitar as fábricas e os acantonamentos da guarnição de
Petrogrado.
Não podendo fazer de
outro modo, Kuzmin, o comissário do Poubalt, que acabava de chegar em
Petrogrado em companhia de outros notáveis bolcheviques, se viu forçado a autorizála.
Foi eleita uma delegação de 32 membros.
O comissário da frota
do Báltico ordenou que estes delegados se apresentassem perante todos os
Sovietes da região e perante os comitês de fábrica. Assim fizeram ao chegarem a
Petrogrado, onde lhes foi declarado que a cidade estava em estado de sítio e
que, por consequência, as reuniões e os encontros estavam formalmente
proibidos. Os delegados insistiram em querer se reunir com os operários nas
fábricas. Então os bolcheviques utilizaram um subterfúgio: organizaram por
conta própria reuniões nas quais apresentaram falsos delegados de Kronstadt,
apesar deles serem membros do partido, pretendendo dessa forma semear a
confusão; não obstante, os delegados de Kronstadt puderam facilmente fazer esta
manobra grosseira fracassar.
Nas assembleias de fábrica
nas quais os bolcheviques apresentaram delegados falsos, declararam que
Kronstadt não permitiria que os distúrbios em Petrogrado continuassem; mas os
delegados autênticos conseguiram desmascarálos em boa parte dos casos. Por
fim, as assembleias foram autorizadas, frente à insistência dos delegados, mas
com a presença dos membros da Tcheka, dos Sovietes locais, dos comitês de
fábrica e de funcionários dos sindicatos estatais para intimidar os operários.
Estes temiam falar com os delegados, fazendolhes compreender que não lhes era
possível fazêlo em presença de todos esses
esbirros; de fato, aquele que ousava
protestar ou denunciar a situação se encontrava na noite seguinte na prisão de Gorokhovaya 2, onde cerca de mil
camaradas seus já se encontravam há alguns dias.
Nestas condições, os
delegados exigiram que os membros da Tcheka e outros sicários abandonassem as reuniões. Estes últimos
recusaram, declarando que as conversas só podiam ser realizadas em sua
presença.
Em uma reunião, os
delegados pediram aos operários que expressassem o que tinham a dizer,
prometendolhes defendêlos para afugentar seus temores, mas somente alguns
puderam responder por meio de suas lágrimas, o que demonstrava fidedignamente
até que ponto se sentiam abatidos e impotentes.
Os delegados de
Kronstadt propuseram aos operários e soldados que enviassem delegados a
Kronstadt. Em 28 de fevereiro, os delegados voltaram a Kronstadt, acompanhados
por outros de Petrogrado, expondo seu informe nos cascos; como consequência, o Petropavlovsk e o Sevastopol adotaram uma resolução
que exigia, principalmente, a
eleição de novos Sovietes locais mediante voto secreto.
A resolução foi
aprovada por unanimidade, sem ter em conta as manobras de diversão e obstrução
de Kuzmin e outros notáveis bolcheviques de Petrogrado que assistiam às
assembleias. Kuzmin e seus colegas chegaram a tal extremo de cinismo em suas
intervenções e manobras que os marinheiros, indignados, tiveram que lhes
interromper em mais de uma ocasião. Nesta reunião, foi decidido convocar uma Assembleia
Geral de toda a população de Kronstadt para o dia seguinte, 1º de março, na
Praça da Âncora.
Kalinin, o Hierarca de Todas as Rússias [2],
compareceu a esta assembleia geral da guarnição e da população de Kronstadt.
Pronunciou um discurso, esforçandose em fazer a reunião fracassar. Quando se
deu conta de que isso não era possível, se recusou a falar na Praça e exigiu
que a reunião fosse transferida para o posto de manobras da marinha, mas os
participantes se negaram e insistiram em que a reunião continuasse na Praça da
Âncora.
Diversos oradores
intervieram nessa assembleia. A resolução proposta pelos encouraçados foi
adotada por unanimidade, com os únicos votos contra de Kalinin, Kuzmin e
Vassiliev, este último Presidente do Soviete de Kronstadt. Ao constatar semelhante
unanimidade da assembleia, Kalinin e Kuzmin declararam que “se Kronstadt diz
branco, nós dizemos preto” e que “Kronstadt não representa por si só toda a
Rússia e portanto não será levada em consideração”.
Essas palavras agitaram
ainda mais os participantes; então, alguém lhes perguntou por que os
bolcheviques tinham afirmado até esse momento que Kronstadt era o centro da
revolução e o seu mais fiel bastião e por que tinha sempre apoiado Kronstadt.
Não houve resposta.
A reunião decidiu
proceder à eleição de um novo Soviete no dia seguinte, através dos
representantes de cada uma das companhias, dos grupos profissionais e de fábrica,
à razão de dez delegados por unidade.
Os membros do partido
comunista estiveram reunidos toda a noite de 1º a 2 de março, decidindo morrer antes de entregar o poder;
durante o resto da noite se dedicaram a armar quem acreditavam ser mais
confiáveis: os clubes dos Sovietes e outras instituições. Kalinin saiu de
Kronstadt nessa mesma noite sem que ninguém o impedisse.
Em 2 de março, às onze
da manhã, os delegados designados foram ao encouraçado Petropavlovsk.
Todos eram independentes. Havia cerca de 250 pessoas, sendo insuficiente o
espaço do casco, por isso foi proposto aos delegados transferir a reunião para
a casa de cultura e às duas da tarde foi aberta a sessão.
Foi designada a
presidência e quando se chegou à discussão da situação atual, Kuzmin e
Vassiliev pediram a palavra para intervir a respeito. A assembleia assim concordou
e ambos se puseram a repetir as mesmas ameaças que haviam lançado na Praça da
Âncora, tendo o maior cuidado de evitar responder as perguntas diretas que lhes
eram dirigidas. A assembleia pediu então sua prisão imediata e seu desarme, o que
foi executado pela presidência.
Pouco depois, começaram
a chegar mensagens e telegramas de caráter provocador. A intenção manifesta dos
bolcheviques era sabotar a reunião. Assim, por exemplo, chegaram informações
nas quais se afirmava que a escola do partido e os comissários estavam se
armando fortemente e se aprontavam para cercar o edifício onde ocorria a
assembleia de delegados; ou ainda, que dois mil cavaleiros de Boudienny se acercavam
às portas da cidadela. A assembleia se indignou ao ter conhecimento destes
rumores e alguns começaram a ficar nervosos, mas o presidente da sessão
conseguiu restabelecer a calma e os debates continuaram.
Todo mundo sabia que os
bolcheviques tinham se armado durante a noite e que um ataque era possível. Os debates se estendiam,
mas finalmente se propôs não perder tempo, visto que os bolcheviques atuavam, e
nomear rapidamente um Comitê Revolucionário. Cinco membros foram eleitos para
este Comitê: Petritchenko, presidente, Yakovenko, Tukin, Arkhipov e o professor
Oreshin.
Ao final da reunião, às
cinco da tarde, o Comitê Revolucionário (CR) se instalou no encouraçado Petropavlovsk, onde foi formado um
estadomaior militar.
Os destacamentos
militares vieram para se colocarem à disposição do Comitê Revolucionário. Em
uma hora foram reunidos oitocentos homens, recebendo a ordem de ocupar todos os
pontos estratégicos da fortaleza: a central telefônica, os locais da Tcheka, o
arsenal, os depósitos de abastecimento, as padarias, as estações elétricas, as cisternas
de água, os estadosmaiores, a defesa antiaérea, a artilharia etc.
Às nove da noite, a
cidade estava totalmente controlada, sem disparar um tiro nem derramar uma gota
de sangue. Nenhum dos edifícios armados pelos bolcheviques opôs resistência,
porque os militantes de base do partido se negaram a disparar contra seus
camaradas. A partir desse momento, não sobraram mais que cinquenta dirigentes e
duzentos estudantes da escola do partido, tentando por todos os meios ao seu
alcance recuperar o poder que lhes escapava.
O Comitê Revolucionário
(o Revkom) decidiu que fossem
ocupados os fortes, depois de terem ocupado a cidade, sendo igualmente tomados
sem fazer um único disparo, já que o grupo de bolcheviques não tinha tido maior
êxito que o que tiveram com os marinheiros. Quando a guarnição dos fortes quis
proceder à prisão dos bolcheviques, estes se refugiaram na costa do golfo e
conseguiram se apoderar do forte Krasnaya Gorka (a colina vermelha), por ser um
grupo suficientemente numeroso para surpreender a guarnição de um único forte,
ainda vacilante nesses momentos. Uma vez com o posto em seu poder, procederam à
prisão e à execução daqueles que achavam suspeitos.
Assim foi como a cidade
e os fortes de Kronstadt passaram para as mãos do Comitê Revolucionário.
Nesse mesmo dia, até a
meia noite, o Comitê Revolucionário pediu que um destacamento de cinquenta
marinheiros e seis delegados fosse até Oranienbaum, na outra ribeira do golfo. O
destacamento percorreu cinco verstas [3], até que foi recebido com um nutrido
fogo de metralhadoras, ao chegar a uma versta e meia da costa. Os seis
delegados seguiram sozinhos, mas os kursanti
nem sequer se deram ao trabalho de discutir com eles, pegando três,
enquanto os outros escaparam e alcançaram o destacamento.
Os marinheiros tentaram
pôr os pés na ribeira de Oranienbaum em outro lugar, mas tampouco tiveram êxito
e ao amanhecer se viram obrigados a voltar a Kronstadt.
Nesse exato momento
chegaram três delegados da divisão aérea de Oranienbaum, que comunicaram a
intenção da divisão de unirse a Kronstadt. Quando voltaram, foram imediatamente aprisionados e fuzilados. Em
seguida, quarenta e quatro camaradas seus foram igualmente executados.
Em Kronstadt tudo
estava tranquilo. Só foram presos os bolcheviques que tinham abusado da
confiança do Comitê Revolucionário.
No entardecer de 2 de
março, o Comitê Revolucionário convocou os responsáveis do estadomaior da
fortaleza, assim como os especialistas militares, explicandolhes a situação e
propondolhes que participassem da preparação e do reforço da defesa de Kronstadt,
o que aceitaram. É necessário afirmar, a esse respeito, que Kozlovsky não veio
à reunião do Comitê Revolucionário nesta ocasião, mas à que uma parte deste celebrou
no dia seguinte às três da tarde e que tão só foi responsável pela artilharia e
não por toda a defesa da fortaleza, como os bolcheviques fizeram crer.
Em 3 de março,
circularam por toda a cidade rumores que afirmavam que os bolcheviques
aprisionados tinham sido torturados e fuzilados, sofrendo todo tipo de violência.
Membros do grupo dirigente do Partido Comunista se apresentaram ao Comitê
Revolucionário para que lhes fosse permitido visitar o edifício onde haviam sido
encerrados os comunistas aprisionados. Dois membros do Revkom se uniram a eles para dirigiremse em direção ao local.
Tendo sido convencidos das boas condições em que os comunistas aprisionados se
encontravam e informados de sua situação, os membros do coletivo comunista
redigiram um chamado à população da ilha em que eram desmentidos os rumores
provocadores e afirmavam que os comunistas aprisionados se encontravam em boas
condições, todos sãos e salvos, e que nenhuma violência tinha sido exercida
contra eles. Este chamado foi assinado por membros muito conhecidos do Partido:
os operários Ylyin, Kabanov e Pervushin.
O Comitê Revolucionário
emitiu um primeiro chamado dirigido à guarnição da cidade. Nele, pediase que os operários não
abandonassem o trabalho e se apresentassem nas oficinas; aos marinheiros e
soldados vermelhos, pediase que permanecessem em seus postos nos cascos e nos
fortes; e a todos os estabelecimentos públicos pediase que continuassem com
sua atividade habitual.
Em seguida, o Comitê
Revolucionário fez um chamado a todas as organizações de trabalhadores da Rússia,
insistindo que procedessem à convocação de novas eleições, mais
representativas, nas fábricas, nos sindicatos e nos sovietes. O Comitê Revolucionário
fez também um chamado à ordem, à tranquilidade, à firmeza e um novo e honesto
trabalho socialista, em prol de todos os trabalhadores.
Sob a presidência do Revkom, foi celebrada uma primeira
reunião para tratar os problemas militares, no curso da qual foi elaborado um
plano de autodefesa. Ao anoitecer, todos os destacamentos foram armados e
ocuparam os seus postos na cidade e nos fortes. Se soube que às quatro da tarde
um grupo inimigo havia se aproximado de Totleben; alguns marinheiros saíram
do forte e
regressaram sem que
houvesse enfrentamento armado. Além disso, nos chegou a informação de
que o trem blindado Tchernomoretz acabara de chegar com uma companhia de kursanti.
Durante toda a jornada,
foram chegando reforços bolcheviques a Oranienbaum, Sestroretsk e
Lissy Noss, constituídos principalmente de
kursanti de Orloff, Nijnegorod e Moscou. E também
destacamentos de elite bolcheviques, da Tcheka e dos funcionários dos Sovietes
locais, assim como dois trens blindados. Durante a noite, grupos de
exploradores se aproximaram do forte nº 1, para retroceder em seguida, depois de
encontraremse com nossos destacamentos.
Assim teve começo a
insurreição de Kronstadt.
Como esta foi
apresentada pelos bolcheviques? A partir de 3 de março, na rádio de Moscou
havia sido anunciado que um complô de Guardas Brancos e um amotinamento
do casco Petropavlovsk, sob a direção do exgeneral Kozlovsky, acabava de se
instalar em Kronstadt; este complô havia sido tramado por agentes e espiões da Entente. A
rádio difundia a
confiança em que esta rebelião dos Socialistas Revolucionários e de um
general fosse muito em breve liquidada.
A seguir, podia ser lido
na “Gazeta Vermelha” e em Pravda que os principais atores da insurreição haviam
distribuído a hierarquia entre si, que eram burgueses e filhos de papas,
possuidores de numerosas propriedades. Os periódicos insistiam em seu passado
criminoso e assim sucessivamente. Deste modo os bolcheviques apresentaram a
revolta de Kronstadt.
4
de março
Neste dia, o Comitê
Revolucionário se deslocou do encouraçado Petropavlovsk
à Casa do Povo, onde permaneceu até o último momento. Foi recebido um telegrama
do Soviete de Petrogrado, propondo o envio de uma delegação a Kronstadt.
O Comitê Revolucionário
enviou uma mensagem por rádio dizendo que a delegação seria muito bem recebida,
mas que seria desejável que a mesma fosse eleita por representantes do povo, ou
seja, por trabalhadores, marinheiros e soldados vermelhos e que fosse incluído
nesta delegação um total de 15 % de comunistas. O Soviete de Petrogrado não
respondeu à proposta.
O Revkom tinha muito cuidado em tentar evitar todo derramamento de
sangue inútil.
Em Kronstadt tudo
estava tranquilo. Todos os serviços funcionavam e o trabalho não era detido em
absoluto.
Durante os três
primeiros dias não foi disparado nem um único tiro. As ruas estavam animadas e
as crianças brincavam agradavelmente.
Às quatro da tarde, os
delegados de todos os estabelecimentos, empresas, sindicatos e unidades
militares se reuniram no clube da guarnição.
Ao abrir a sessão, o
presidente informou a assembleia sobre a situação militar e o abastecimento.
Também foi tratado o problema do combustível. Foi proposto aos operários que se
armassem e ocupassem os postos de guarda da cidade, a fim de liberar a
guarnição, que podia então ocupar posições nos postos mais avançados.
Os operários aprovaram
a proposta por unanimidade.
A reunião se
desenvolveu em meio a um grande entusiasmo e todos se separaram com a consigna
de “vencer ou morrer”.
No curso da mesma, o Revkom foi completado, por proposta do
Presidente, com a inclusão de dez novos membros.
Durante a noite, um
grupo inimigo de exploradores tentou se aproximar dos fortes.
5
de março
Pela manhã, um avião
sobrevoou Kronstadt lançando panfletos: “eles conseguiram”, onde os
bolcheviques tentavam demonstrar que tínhamos sido enganados por generais
czaristas, acrescentando que Kronstadt tinha sido completamente cercada e que
portanto seríamos reduzidos por fome, já que na cidade não havia reservas
suficientes de comida, e convocavam a rendição e o desarme e prisão dos
dirigentes criminosos. Aqueles que se rendessem seriam perdoados por seu erro.
O Revkom ordenou que não metralhassem
o avião. Os panfletos foram amplamente difundidos entre a guarnição e a
população. Uma emissão de rádio do mesmo estilo foi captada pelo Petropavlovsk, sendo igualmente
difundida. Indignada pela ignomínia dos bolcheviques, a guarnição quis
responder por meio de um fogo de artilharia sobre Oranienbaum. O Revkom teve
necessidade de pedir constantemente que se acalmasse e recuperasse o domínio
dos nervos, até que foram tomadas algumas disposições.
O Revkom enviou uma mensagem por rádio: “A todos! A todos! A todos!”,
na qual assinalava que estava certo da justiça de sua causa, que Kronstadt
celebrava o poder dos Sovietes livremente eleitos em detrimento dos partidos e
que somente tais Sovietes seriam capazes de expressar a vontade dos
trabalhadores e não dos bolcheviques.
Fazia um chamado para
que entrassem imediatamente em contato com Kronstadt e que enviassem delegados,
os quais lançariam luz sobre o movimento de Kronstadt etc.
Assim transcorreu a
jornada do dia cinco.
6
de março
Pela manhã, nos chegou
a notícia: em Petrogrado, eram feitas prisões em massa das famílias dos
habitantes de Kronstadt. O CR enviou através do rádio um protesto contra o
encarceramento dos familiares e exigiu sua liberação, acrescentando que, entre
nós, os comunistas dispunham de completa liberdade, que seus parentes tinham sido
deixados completamente à margem de tudo e que este procedimento era, sob qualquer
ponto de vista, covarde e vergonhoso.
Ao meio dia, o Petropavlovsk recebeu a mensagem de
rádio que transmitia o ultimato de Trotsky, ordenando a rendição imediata de
Kronstadt e dos cascos amotinados à República Soviética, que entregassem as
armas e obrigassem os obstinados a fazêlo, pondoos nas mãos das autoridades
soviéticas: Trotsky acrescentava ainda que tinha ordenado a preparação do
esmagamento militar dos amotinados. O prazo para a recepção da delegação de
Petrogrado em Kronstadt tinha sido fixado às seis da tarde deste dia.
Às três, um avião
sobrevoou de novo Kronstadt e lançou a ordem de Trotsky já impressa. Uma
emissão da rádio de Moscou foi também captada: ela dizia que agentes franceses
tinham se infiltrado em Kronstadt e que corrompiam com ouro os seus habitantes,
junto com outras mensagens do mesmo gênero.
Tudo isto foi
amplamente difundido entre a população e a guarnição de Kronstadt, provocando
uma indignação crescente contra a infâmia dos bolcheviques.
Nos foi informado que
as forças inimigas chegavam cada vez em maior número ao redor de
Kronstadt. Trotsky e Dibenko,
assim como outros conhecidos dirigentes chegaram a Oranienbaum. Foi
interceptada a ordem de começar uma ofensiva contra Kronstadt.
O Revkom se reuniu com o estadomaior da defesa e comunicou a todos
os insurgentes a ordem de se manterem em alerta para repelir o inimigo. Na
cidade, todos estavam certos de que o primeiro disparo não tardaria em ser
produzido.
Pela noite, foram
descobertos grupos inimigos de reconhecimento.
7
de março
Um belo e ensolarado
dia. Em Kronstadt, reinava uma grande animação devido ao bom tempo. As crianças
estiveram brincando na rua o dia inteiro. Ninguém teria podido imaginar que
Kronstadt estava assediada e que em qualquer momento podia cair um obus que não
perdoaria a ninguém. Os serviços públicos e as oficinas continuaram sua
atividade com toda normalidade. Um dos fortes nos informou que uma reduzida
unidade de kursanti tinha se
aproximado de nossos postos avançados, trocando propaganda e retirandose.
Ao longo da jornada,
até o entardecer, duzentos delegados foram enviados de Kronstadt em todas as
direções, com documentos e periódicos. Deles, só retornaram dez.
Às 18h45min, o inimigo
abriu um fogo nutrido sobre a cidade e os fortes a partir de Sestroresk e Lissy
Noss. Os fortes responderam ao convite, silenciando o inimigo.
Ao ver isto, o forte de
Krasnaya Gorka abriu fogo, recebendo uma adequada resposta do Sevastopol, e logo houve troca de artilharia
de todas as partes, de forma intermitente, prolongandose até o cair da noite.
Os obuses caíram sobre
o porto da cidade e nas proximidades dos fortes sem causar nenhum dano; dois
soldados vermelhos foram feridos nos fortes e transportados ao hospital. A
população e a guarnição aceitaram o tiroteio com tranquilidade e reagiram
assim: “por fim, a sorte foi lançada, começou o grande combate”, “toda a responsabilidade
recairá, perante o mundo inteiro, sobre aqueles que começaram primeiro”, “nós
não queríamos derramar sangue, mas se Trotsky nos obriga a fazêlo, então
defenderemos nossa justa causa”.
O som dos canhões
continuou a ser escutado durante toda a tarde, mas a população manifestou mais
curiosidade que espanto. Apesar da proibição do Revkom, as pessoas foram à costa e ao posto para ver o fogo
inimigo. Muitos proferiram maldições contra os bolcheviques, verdugos da
Revolução.
Os comunistas que se
encontravam em Kronstadt dispunham de completa liberdade e igualmente se
indignaram contra um ato de tal natureza, unindose à luta contra seu próprio
partido.
É preciso assinalar que
muitos deles demonstraram grande heroísmo e abnegação no combate.
Deste modo, foi
disparado o primeiro tiro de canhão... Afundado até a cintura no sangue dos
trabalhadores, o sanguinário marechal Trotsky foi o primeiro a abrir fogo contra
Kronstadt, sublevada contra o domínio bolchevique, para restaurar o autêntico poder
dos Sovietes.
Sem um único disparo,
sem um único derramamento de sangue, nós, soldados vermelhos, marinheiros e
operários de Kronstadt, tínhamos abatido o domínio dos comunistas, respeitando
inclusive suas vidas. Sob a ameaça das armas, queriam de novo nos aprisionar ao
seu poder. Tentando evitar qualquer derramamento de sangue, tínhamos pedido
que fossem enviados a Kronstadt
delegados do Proletariado de Petrogrado que não pertencessem a nenhum partido,
com o fim de que constatassem que Kronstadt lutava pelo poder dos Sovietes
livremente eleitos. Mas os bolcheviques ocultaram tudo isso dos operários de
Petrogrado e tinham aberto fogo; a resposta habitual de um governo,
supostamente operário e camponês, às exigências das massas trabalhadoras.
Nossa posição era a
seguinte: que todo o mundo trabalhador saiba que nós, defensores do poder dos
Sovietes dos trabalhadores, nos unimos para salvaguardar as conquistas da
revolução. Venceremos ou pereceremos sob as ruínas de Kronstadt, combatendo
pela justa causa do povo trabalhador. Os trabalhadores do mundo inteiro nos julgarão, mas o sangue dos inocentes recairá
sobre a cabeça dos bolcheviquesverdugos embriagados de poder. Viva o Poder dos
Sovietes!
Com fogo de artilharia
terminou, portanto, a jornada de 7 de março. O tiroteio da cidade e dos fortes
mostrava claramente que seria produzido um ataque na manhã do dia seguinte; nos
preparamos para isso.
8
de março
Às 4h30min da manhã,
o inimigo desencadeou uma
ofensiva contra o forte Totleben, e a parte leste de Kotlin, em
direção às portas de Kronstadt. Uma grande parte dos assaltantes foi
aniquilada, o resto fugiu. Foram feitos prisioneiros cerca de 200 homens.
Alguns kursanti se esconderam nos diques – e em
breve foram desalojados. Os prisioneiros foram levados em grupo ao picadeiro.
Ao mesmo tempo foi
lançado um assalto contra os fortes do sul; o inimigo foi repelido e foi feito
um grande número de prisioneiros. Do mesmo modo se levou a cabo várias
tentativas de ofensiva em outros pontos, mas sem êxito. As ofensivas custaram
ao inimigo grandes perdas em mortes, feridos e afogados – houve oitocentos prisioneiros.
Depois de tal desastre,
o inimigo enviou uma grande cadeia de Oranienbaum [4].
Quando estiveram sob o
fogo da artilharia de Kronstadt, levantaram uma bandeira branca, e começaram a
se mover em direção a Kronstadt.
Dois membros do Comitê
Revolucionário saíram ao seu encontro, Vershinin e Kupolov; tão
logo quanto estiveram à vista da cadeia, soltaram suas armas e se
dirigiram temerariamente ao seu
encontro. Mas sem ter tempo de dizer alguma palavra, os cercaram e prenderam
Vershinin; Kupolov conseguiu escapar.
Utilizando este meio
covarde e vil foi como os bolcheviques capturaram um dos melhores membros do
Comitê Revolucionário: combatente exemplar, orador veemente e entregue
inteiramente à causa da revolução e da humanidade.
Pudemos constatar que
se as cadeias inimigas, subindo ao assalto, não suportavam nosso fogo, e
tentavam retroceder, disparos de artilharia e de metralhadora vindos da orla
vedavam sua retirada para obrigarlhes a atacar de novo.
Tampouco podiam voltar
já que por trás deles marchava uma cadeia de comunistas selecionados que
disparavam por suas costas.
Os prisioneiros nos
explicaram que se nos regimentos surgiam dúvidas ou hesitações e rejeitavam a
subida ao assalto, então fuzilavam um de cada cinco. Foi o que aconteceu nos
regimentos de Orchanski, Nevelski e Minsk. Os assaltantes eram sobretudo kursanti, tropas de elite de comunistas
seguros, tchekistas, permanentes da burocracia dos Sovietes, destacamentos de
pedágio e outras tropas selecionadas cuja fidelidade estava a toda prova.
O 561º regimento de Kronstadt
figurava no número dos atacantes; quinhentos homens foram feitos prisioneiros.
Até o meio dia,
cessaram todas as tentativas de assalto do inimigo. Durante todo o dia, aviões
sobrevoaram, mas suas bombas não causaram nenhum dano na cidade, caindo em sua
maior parte fora de Kronstadt, já que as baterias antiaéreas não permitiam que
voassem por cima da cidade.
Uma única bomba caiu
sobre a cidade às 6 da tarde, e como resultado destroçou a cornija de uma casa,
danificou uma fachada, rompeu os cristais de várias casas, e por sorte não
feriu mais que muito levemente uma criança de treze anos.
Durante todo o dia
houve fogo de artilharia. Nossa artilharia provocou um incêndio e a destruição
da via férrea sobre a ribeira de Oranienbaum. Kronstadt e os fortes não
sofreram danos sérios.
Alguns fugitivos nos
indicaram que naquele dia o inimigo tinha concentrado 15.000 homens sobre a
ribeira sul e 8.000 ao norte, com 20 baterias e 4 trens blindados, um dos quais
foi posto fora de combate por nossa artilharia.
O inimigo recebia
reforços incessantemente.
Em todos os serviços
públicos, sindicatos e unidades militares de Kronstadt, foram designada troikas
revolucionárias, entre as quais não havia nenhum comunista.
Estas troikas eram
encarregadas de aplicar sobre o lugar as disposições tomadas pelo Revkom.
O trabalho não cessou
nos serviços públicos, só fecharam as escolas e os cursos para adultos. Os
alunos das classes terminais eram voluntários, assim como os adultos, nas
milícias da cidade.
No Comitê
Revolucionário, se trabalhava dia e noite.
Visto a falta de botas
de couro entre os defensores de Kronstadt, o Revkom ordenou recolher as dos bolcheviques detidos, dandolhes em
troca laptis [5]; isto proporcionou 280 pares de botas que foram distribuídos
entre a guarnição.
Pela mesma razão, o Revkom se dirigiu à população a fim de
que aqueles que possuíssem vários pares lhes dessem aos defensores; isto
proporcionou cerca de outros 400 pares de botas.
Estas botas eram
trocadas por sapatos de feltro dos marinheiros, dos quais não podiam servirse
na cidade.
Procedeuse também à
divisão do abastecimento para o período de 8 a 14 de março, segundo as normas
seguintes: a guarnição terrestre e marítima recebeu, em lugar da ração de pão
anterior, pão e café, meia libra de maçãs desidratadas, meio pote de conserva
de carne e um quarto de libra de carne por dia. A população civil de categoria
A recebeu meia libra de pão, meio pote de conserva, meia libra de carne; a de categoria
B: uma libra de centeio, meio pote de conserva de carne, um quarto de libra de
carne, e, durante algum tempo, meia libra de açúcar e meia de manteiga salgada.
Às crianças de série A:
a cada dia farinha, cevada, ou meia libra de biscoitos, meio pote de conserva
de carne, e, durante algum tempo, como complemento, um pote de leite em conserva,
meia libra de açúcar e um quarto de libra de manteiga. Para as de série B e C,
diariamente, a mesma ração, salvo meia libra de carne no lugar do pote de
leite. Eis aqui então em que condições Kronstadt tinha que viver; e tudo isto
sem um murmúrio nem da população nem da guarnição. Cada um declarava
firmemente: “Sabemos em nome de quê suportamos estas privações”. Assim terminou
o dia 8 de março.
9
e 10 de março
O inimigo abriu fogo de
artilharia, ora intermitente, ora contínuo e intenso, sobre a cidade e os
fortes.
As tentativas de
assalto, levadas a cabo no sul e no norte, foram repelidas com grandes perdas
do inimigo. Nossa artilharia respondia sem cessar. Tivemos, nesses dois dias,
14 mortos e 46 feridos.
O Revkom enviou uma
mensagem por rádio a todos os proletários de todos os países, na qual eram
destruídas as mentirosas calúnias dos bolcheviques, se declarava a todo o mundo
que nenhum General Branco nos dirigia, e que estávamos organizados por nós
mesmos; que não tínhamos nos vendido à Finlândia, e que não mantínhamos nenhum
contato com ninguém para uma eventual ajuda militar, que Kronstadt tinha derrubado
o jugo dos bolcheviques e tinha decidido lutar até o fim.
Com certeza, se a luta
se prolongasse por muito tempo, nos veríamos obrigados a pedir ajuda exterior
para o abastecimento, ao menos para nossos feridos.
Na cidade reinava a
calma. Quanto mais a luta se prolongava, mais estreitamente se uniam a
população e a guarnição.
Cada um pretendia
ajudar a causa comum com todos os seus meios.
Constantemente, os
aviões sobrevoavam, mas sem causar danos sérios.
11,
12 e 13 de março
O inimigo submeteu a
cidade e os fortes, durante estes três dias, a um fogo de artilharia às vezes
intenso, às vezes intermitente. Algumas tentativas inimigas de continuar o
assalto tiveram lugar no norte e no sul da ilha. Os aviões sobrevoaram Kronstadt
sem parar e lançaram bombas. A todos estes ataques terrestres e aéreos e ao
fogo da artilharia inimiga, a guarnição de Kronstadt respondeu com a artilharia
da fortaleza e a dos cascos, com as baterias aéreas, as metralhadoras e os
fuzis.
Com exceção da
destruição de várias casas, não houve danos materiais consideráveis. As bombas
mataram e feriram várias pessoas. O Revkom
enviou uma mensagem por rádio, em 12 de março, a todo o mundo, convocando a
protestar contra os assassinos da população pacífica da cidade, contra a
destruição de casas e pedindo que fosse manifestado apoio moral aos insurretos.
14
de março
Cedo, na manhã de 14 de
março, o inimigo tentou, por duas vezes, realizar o assalto, mas foi repelido
por nosso fogo.
Às 13 horas, começou um
dilúvio de artilharia, ao qual nossos canhões responderam. Isto durou até às 7 da tarde, depois houve
calma. Os aviões não apareceram. Na cidade, tudo estava tranquilo. A população
havia se habituado de tal modo aos tiros de canhão que todo mundo se movia
livremente pela cidade como se fosse um dia de festa. As crianças brincavam de
guerra de bola de neve na rua do Soviete e na avenida Lenin. As pessoas limpavam
a neve e o gelo das calçadas.
O Revkom se dirigiu por rádio aos periodistas de todos os países lhes
propondo que viessem a Kronstadt para se convencerem de por que lutavam.
Procedeuse a uma
segunda divisão do abastecimento, já que o primeiro tinha terminado em 14 de
março.
Esta divisão foi feita
assim: um pão grande aos militares marinheiros e operários, de 15 a 21 de março
inclusos, meia libra de pão ou um quarto de biscoito, uma quarta parte de um
pote de conserva e três oitavos de libra de carne por dia. Às crianças de série
A: uma libra de leite em conserva, duas libras de farinha, uma de carne de
frango, e três ovos. Tudo isto até 1º de abril. Às crianças de série B: meia libra
de cevada por dia, um quarto de frango, um quarto de libra de carne por dia, e um
quarto de libra de queijo; tudo isto até 1º de abril. Às crianças da série C:
meia libra de cevada, meia de carne por dia e uma vez uma libra e meia de ovas
de peixe.
Além disso, um quarto
de libra de manteiga, como suplemento, para todas as crianças, assim como meia
libra de açúcar. Assim foram repartidas as últimas reservas de abastecimento.
15
de março
Exploradores inimigos
tentaram se aproximar, em certos lugares, de nossos postos de guarda, mas foram
dispensados por nosso fogo e fizemos prisioneiros. Das 14 às 17 horas houve um
débil fogo de artilharia. Depois das 18h30min, os aviões sobrevoaram três vezes
despejando bombas; foram repelidos por nossas baterias antiaéreas. A cidade
estava em calma, o estado de ânimo era excelente. Às 20h teve lugar o
transporte dos mortos do hospital à catedral marítima, assim como os preparativos
dos funerais do dia seguinte, na Praça da Âncora. Na rua Pesotchnaia, durante o
transporte dos mortos, um avião inimigo laçou uma bomba, que por sorte não explodiu.
16
de março
O inimigo tentou levar
o assalto a pontos distintos mas foi repelido por nosso fogo de artilharia. Os
aviões começaram seus ataques de manhã, sem causar grandes danos à cidade. Às 9 da manhã, a partir de Lissy Noss, de
Sestroretsk, de Oranienbaum, e de Krasnaya Gorka, começaram os tiros de canhão
da cidade e dos fortes. Nossa artilharia respondeu e em certos lugares fez a
artilharia inimiga se calar.
Ao meio dia, a hora
marcada para os funerais das vítimas da Terceira Revolução, sem prestar atenção
nos bombardeios da cidade, a população e as unidades militares que não estavam em serviço chegaram à Praça da Âncora pelo lado da catedral
marítima. Depois da cerimônia, os vinte e um féretros, envoltos em tecidos vermelhos, foram transportados à fossa comum fraternal
preparada na Praça. Os marinheiros faziam filas de honra até a tumba. Toda a
população de Kronstadt e o CR assistiram aos funerais. Os féretros foram
introduzidos na tumba fraternal e cobertos de terra. As unidades armadas os saudaram.
Em seguida, foram pronunciados discursos na tribuna, nos quais os oradores
punham em destaque os acontecimentos em curso e sublinhavam a ferocidade
sanguinária dos dirigentes bolcheviques.
No intervalo dos
discursos, uma orquestra tocou melodias revolucionárias.
Durante todo o tempo
que os funerais e os discursos duraram, o inimigo submeteu a cidade a um
bombardeio intenso; os obuses caíam muito proximamente. Um marinheiro foi
ferido por um estouro. De todas as formas, a multidão conservou um sangre frio
notável até o final e não se separou mais que uma vez depois de acabarem os
discursos dos oradores.
Até a tarde, o
bombardeio da cidade foi intensificado.
Do Krasnaya Gorka, um
obus de 12 polegadas caiu sobre a ponte do encouraçado Sevastopol; 14 marinheiros
morreram e 36 foram feridos.
Ao cair da noite, o
bombardeio de todas as partes da cidade e dos fortes foi ainda mais intenso.
Nossa artilharia respondeu e esta troca durou até as 3 da manhã, depois cessou.
Na cidade, houve casas
destruídas e incêndios que foram rapidamente controlados; um obus caiu sobre o edifício do Revkom, ferindo dois
marinheiros e deixando um soldado vermelho com concussão. Também houve feridos
nas casas destruídas. A população ajudou ativamente a retirar os escombros, a evacuar
os feridos para o hospital e a retirar os corpos, assim como a apagar os
incêndios; tudo isto sob o fogo mortífero dos canhões inimigos. Esta ajuda
aliviou em uma grande maneira a guarnição da fortaleza e da cidade, que não
podia se ocupar de tudo de uma vez.
17
de março
Às 4h30min da manhã, o
inimigo lançou uma ofensiva geral enviando numerosas levas de assaltantes em
mortalhas brancas sobre um grande espaço para apoderaremse de Kronstadt pelos
lados sul, oeste e leste. As levas de atacantes foram recebidas pelo fogo de
nossas baterias e de nossas metralhadoras.
Os assaltantes caíam
como feixes de searas ceifadas, mas os que escapavam continuavam avançando,
dispersandose em todos os sentidos. O inimigo conseguiu refugiarse próximo ao
quartel de instrução, graças a uma grande evasiva e às mortalhas brancas que os
soldados carregavam, sem que fosse percebido.
Encontrandose, assim,
no flanco da sexta bateria disposta próxima às portas de Petrogrado, sobre o
depósito de carvão, o inimigo apoderouse com um rápido ataque, passando pela
fábrica de gás. Os assaltantes forçaram as portas de Petrogrado sofrendo
grandes perdas; todavia, conseguiram apossarse do quartel de instrução.
O quartel do norte foi
deixado para trás; 60 marinheiros tinham se refugiado ali, somente 4 puderam
sair.
Tendo ocupado o hospital,
o quartel de instrução e a central telefônica, os bolcheviques exigiram que os
empregados, sob ameaça de morte, transmitissem tudo o que lhes era comunicado.
Esta ação introduziu
uma certa confusão na defesa Kronstadt. O inimigo liberou os 174 bolcheviques,
detidos na prisão, e apossouse da sala de armas, do depósito de alimentos, da
escola de máquinas e de todo o bairro até o polígono de tiro. Grupos de inimigos
isolados puderam chegar inclusive até o estadomaior militar e a catedral marítima.
Instalaram duas metralhadoras na casa do antigo Moltchanoff, mediante as quais
controlavam toda a rua.
Simultaneamente, uma
grande ofensiva teve lugar sobre o porto militar sobre o reservatório italiano,
sobre a Bolsa, e sobre as portas da cidadela, do lado do forte Piotr.
Igualmente, os fortes do sul e as baterias 4, 6 e 7 foram intensamente
atacadas.
A cidade estava um
inferno. Os canhões trovejavam por todas as partes. As metralhadoras crepitavam
e os fuzis disparavam. As balas silvavam por todas as partes. Tinha sido criada
uma terrível confusão. Por todas as partes, tinham lugar lutas enfurecidas. Era
difícil o reconhecimento já que os comunistas tinham deixado suas mortalhas
brancas ao se dispersarem pela cidade. Além disso, evidentemente, devese dizer
também que os bolcheviques que não foram detidos antes desempenharam um papel
nada menosprezável, disparando nos insurretos pelas costas, o que propagou o
pânico e a confusão entre a guarnição. Em um momento, o inimigo pôde apossarse
das portas da cidadela, e avançou rapidamente em direção à via férrea a fim de
tomar as portas de Kronstadt, mas o impedimos. As perdas inimigas ali foram enormes.
O combate era particularmente sangrento pelos dois lados. Fora da guarnição,
operários, mulheres e até adolescentes combatiam. Às 14h, conseguimos desalojar
o inimigo deste bairro.
Fizemos mais de 1.200
prisioneiros. O resto do inimigo recuou até os fortes do sul. Então começamos a
limpar a parte sul da cidade: o depósito de alimentos, a sala de armas, e uma
parte da rua Pesotchnaia foram liberados; ainda fizemos 2.200 prisioneiros na
praça próxima à catedral.
Pela manhã, a sexta
bateria norte foi tomada pelo inimigo, depois a quinta, que tinha apenas uma metralhadora.
A quarta tinha sido abandonada sob a pressão inimiga.
Os comunistas lançaram
um assalto sobre a parte oriental de Kotlin, mas foram repelidos e se
refugiaram nas baterias 4, 5 e 6.
Próximo às portas de
Petrogrado, o combate continuava com nossa vantagem, mesmo que chegassem
reforços ao inimigo sem cessar. Às 5 da tarde, tendo recebido reforços, o
inimigo lançou um novo assalto contra as portas da cidadela, apossandose dela,
e se dispôs próximo do laboratório, mas nossas reservas sobreviveram e os repelimos
de novo. Os comunistas conseguiram apoderaremse dos fortes do sul 1 e 2.
Neste momento, foram
apercebidos reforços inimigos pelo lado de Oranienbaum; as reservas foram
enviadas ao seu encontro até a parte oeste
de Kotlin. Sem cessar, chegavam
reforços sobre a ribeira norte dos fortes 6 e 7; notouse um
importante movimento de tropas na região de Oranienbaum e de colunas de
cavalaria pelo lado de Petrogrado. A cidade, os fortes e o povo eram
bombardeados pela artilharia sul e norte, assim como pelos trens blindados.
Krasnaya Gorka atirava unicamente sobre o porto.
Nossa artilharia – do Petropavlovsk, do Sevastopol e dos fortes – disparava exclusivamente sobre a ofensiva
inimiga, fazendo com que o gelo rachasse, e afogava os assaltantes. Apesar
disso, as cadeias inimigas se disseminavam cada vez mais e acediam como
formigas sobre o gelo.
Às 6 da tarde, restavam
em nossa posse os seguintes fortes: Constantine, Riev, Totleben, Maritimen e
Krasnoarmeetz; porém, alguns destes fortes estavam dispostos de maneira que não
podiam se defender além do lado do mar, e não todo de todo o seu redor.
Havia também os fortes
Chanets e Milyutin, sem importância militar; além dos encouraçados Petropavlovsk
e Sevastopol. Às 6 da tarde,
chegaram petições do forte Topleten: “Enviemnos 200 homens e 5 metralhadoras,
já que só nos resta um canhão”; do forte Riev: “Pedimos um reforço de 100
homens com duas metralhadoras já que as peças dos canhões estão começando a
funcionar mal”; do forte Constantine: “Pedimos um reforço de 150 homens com
metralhadoras, de outra forma não poderemos conter a pressão inimiga e teremos
que evacuar o forte”.
Pedíamos reforços por
todas as partes para compensar as perdas: comandantes, artilheiros,
metralhadoras; o Sevastopol nos disse
que não restavam mais de três obuses de doze e que não tinham nada para
disparar. Além disso, muitas peças de artilharia estavam defeituosas, os
compressores rotos, os suportes partidos, alguns canhões apresentavam fendas, e
nestas condições não podiam ser carregados.
Algo parecido nos
chegava do Petropavlovsk. A ancoragem
dos cascos constituía um grande inconveniente, já que estavam bordo contra
bordo, e só podiam disparar de um único lado. Além disso, era impossível
separálos já que não restava carvão no Sevastopol, e ele utilizava a energia
elétrica do Petropavlovsk; no fim,
não havia um quebragelo para liberar a passagem dos cascos.
Os combates se
prolongavam em torno das portas de Petrogrado. Os operários levavam a cabo uma
luta desesperada, aliviando muito a guarnição as mulheres participavam dos
combates recolhendo os cartuchos dos mortos para os dar àqueles que combatiam,
já que as munições começavam a faltar, os operários tinham os assaltantes sob o
fogo das metralhadoras do alto dos tetos e dos celeiros.
Dois esquadrões de
cavalaria que tinham adentrado Kronstadt foram imediatamente varridos por seus
habitantes. Do alto da cidade, se via como chegavam os reforços inimigos que se
agrupavam em torno dos fortes, cercando a cidade.
A guarnição da cidade
era pouco numerosa, composta do 560º regimento e de grupos de marinheiros, com
um total de 350 fuzis. Muitos marinheiros estavam, por assim dizer, descalços [6],
e não podiam participar do combate. Nos faltavam especialistas e enquadramento.
Uma escassa ração, um serviço ininterrupto durante 15 dias, um combate de 10
dias, em particular no último dia, desde as 4h30min da manhã até a tarde, o
combate de rua, tudo isto rompeu definitivamente as forças da guarnição. A
diminuição da guarnição como consequência dos ataques; a ausência de reservas e
de esperança de abastecimento e ajuda militar exterior; tudo nos fazia entender
que não podíamos repelir outro ataque, que seria continuado com outros assaltos.
O presidente do Revkom, tendo analisado a situação com o
responsável da defesa, decidiu retirarse, ao cair da noite, para os fortes de
Krasnoarmeetz, Riev e Totleben, de onde tentaríamos resistir. Foram convocadas
urgentemente todas as troikas
revolucionárias e se colocaram de acordo para colocaremse em ordem de batalha,
ao cair da noite, nos fortes designados; recomendouse que não se propagasse o
pânico já que neste caso todas as unidades e a guarnição podiam perecer inutilmente.
Foram enviados emissários ali onde tinha sido cortada a comunicação. Foi comunicado
ao comando da cidade que esta tinha que ser abandonada e com ela todos os
operários que desejassem, já que estavam sob sua responsabilidade.
O estadomaior da
defesa se dividiu em dois grupos, um que deveria ir ao forte Krasnoarmeetz e
tomar suas próprias disposições, e outro que deveria ficar em seu lugar para
transmitir todas as disposições ao forte Krasnoarmeetz.
Desta maneira, às
8h10min da tarde, eu abandonava Kronstadt com o responsável pela defesa e
nossos colaboradores para ir ao forte anteriormente citado.
Pela estrada, os grupos
marchavam em direção aos fortes, mas 2 km antes de chegar, vimos um grande
movimento de grandes massas de homens nas imediações do forte.
Choviam os obuses
fazendo numerosas vítimas. O forte se calou bruscamente.
Ao chegar ao forte,
vimos que a estação elétrica estava destruída, os fios telefônicos cortados e 6
pesados canhões inutilizados; os canhões de maior calibre não giravam e estavam
orientados em direção ao mar. Eram por volta de 9h30 da tarde. A estrada que ia
do forte a Kronstadt estava cortada e só restava uma saída: ir em direção à fronteira
finlandesa.
Foi assim como o
primeiro grupo do estadomaior, aquele em que me encontrava, abandonou
Kronstadt.
O segundo grupo saiu de
Kronstadt às 10h30 da tarde e chegou também à Finlândia; 4 membros do Revkom
não puderam se juntar a nós. Sua sorte me é desconhecida.
Segundo disseram os
últimos prisioneiros que fizemos, o inimigo dispunha, além de uma numerosa
artilharia, de 4 trens blindados e de 8 canhões em cima de tratores, e que
haviam sido concentrados na região de Oranienbaum cerca de 50 mil fuzis, e 30 mil
em Sestroretsk e Lissy Noss, além de um número indeterminado de cavalaria. As tropas
eram compostas principalmente de kursanti, de membros do Partido Comunista, de
tchekistas, de destacamento de pedágio, de permanentes dos Sovietes locais, de
mongóis, de bachkirs e de outras tropas
asiáticas. Do mais profundo da Rússia tinham sido levados regimentos inteiros,
mas não eram enviados todos de uma vez, cada regimento era dividido em vários
grupos e misturados com outros regimentos, e quando iam a um assalto,
bolcheviques comprovados iam atrás deles.
Os bolcheviques
persuadiam os soldados de que eles iam combater com bandos de oficiais que
tinham se valido de Kronstadt e que tinham detido todos os marinheiros, que já
havia soldados finlandeses convocados por estes militares rasteiros. Para
convencer ainda mais os soldados, vestiam membros do Partido Comunista com
uniformes de oficiais com dragonas e medalhas, e os passeavam perante as tropas
declarando que eram prisioneiros de Kronstadt e que era contra eles que era
preciso lutar.
Da mesma forma, vestiam
outros comunistas com uniformes finlandeses, passeandoos da mesma forma
perante as tropas e com as mesmas palavras. Diziam por exemplo que os
marinheiros e os soldados vermelhos tinham deixado Kronstadt há muito tempo e
tinham se refugiado na Finlândia, que só restava um bando de oficiais que seria
fácil liquidar. Contavam também aos asiáticos que o golfo era um grande campo e
que atrás dele havia uma grande cidade que era preciso tomar, já que um bando
de espadachins a tinha tomado e fazia o terror reinar contra a população.
Por exemplo, um mongol
explicou: “Estive em muitas frentes, vi muitas cidades, mas nunca uma tão
grande. Eu vi muitos obuses mas nunca como esses, já que quando explodem fazem
um grande buraco na água e nos fazem cair nela. Nunca tinha visto obuses
aquáticos como esses. Eu prefiro disparar de um único sítio, sentado e
estirado, enquanto ali a água me despediu nove vezes” [7].
Mediante diferentes
pretextos e enganos enviavam as pessoas sobre o gelo. E uma vez ali não podiam
retroceder, porque então os bolcheviques abriam sobre eles um fogo de
metralhadoras e artilharia. Sua situação era verdadeiramente espantosa já que,
se quisessem retroceder, a cadeia bolchevique que lhes seguia abria fogo sobre eles.
Os prisioneiros contaram também que se aparecessem dúvidas em um regimento ele
era desarmado imediatamente e enviado para não se sabe onde, ou então era fuzilado
um de cinco, enviando o resto ao assalto.
Ninguém conhecia
realmente a verdadeira situação de Kronstadt. Estávamos absolutamente separados
do mundo exterior. Não tendo nem um único avião, não podíamos informar ninguém.
É preciso assinalar que
os bolcheviques não puderam enviar tropa alguma de Petrogrado e de sua região,
nem de infantaria nem de marinheiros. Em Petrogrado, compreendeuse em seguida
que os marinheiros tinham se sublevado. Os torpedeiros ancorados em Petrogrado
foram desarmados e os percutores dos canhões foram retirados.
Da mesma maneira, estava
inutilizável tudo o que poderia servir nos encouraçados Gangut e Poltava que de
todas as maneiras não podiam funcionar pois estavam pendentes de reparos. As
equipes dos cascos foram detidas e evacuadas de Petrogrado para um local
desconhecido. As unidades militares da guarnição foram aquarteladas, sem armas
nem uniformes, sob uma forte vigilância.
Quando começaram as
reuniões em Kronstadt, ou seja, a partir de 27 e 28 de fevereiro, a situação
dos bolcheviques começou a não ter saída. Tentaram obter pequenas permissões
para os marinheiros enviandoos ao país, a Petrogrado, a Oranienbaum e a outras
localidades vizinhas. Conseguiram assim retirar de Kronstadt mais de mil
marinheiros, o que debilitou consideravelmente a guarnição, especialmente
porque entre os que conseguiram permissões havia especialistas indispensáveis
como os galvanômetros, os metralhadores etc., que teriam sido de grande valor
em Kronstadt. Os comissários fizeram isto então com conhecimento de causa.
Eis aqui então as
condições e as circunstâncias nas quais Kronstadt se encontrou antes da
formação do Comitê Revolucionário, durante sua existência e até sua saída. Só
acrescentarei que a honra e a glória dos habitantes de Kronstadt, ao defenderem
o autêntico poder dos Sovietes livremente eleitos e não o poder dos partidos,
foi ter demonstrado a todo o mundo como sem nenhuma violência e com a
consciência tranquila o povo trabalhador pode levar a luta em direção à sua emancipação
total.
Foi demonstrado, em
particular aos membros do Partido Comunista Russo, que, ainda que sejam os mais
ferozes inimigos do povo trabalhador, este mostrou mais uma vez, ao longo de um
combate desesperado, sua grandeza de alma russa, e sua força, provando que é
realmente capaz de perdoar seus inimigos não em palavras e sobre o papel, mas
de fato.
Kronstadt custou caro
aos bolcheviques. A queda de Kronstadt é a queda dos bolcheviques.
Os bolcheviques podem
fuzilar os rebeldes de Kronstadt, mas não poderão jamais fuzilar a verdade de
Kronstadt.
Notas
1Lembremos que os
kursanti eram os cadetes militares, os novos “junkers” do Exército Vermelho,
submetidos a um férreo doutrinamento.
2Presidente da
República “Soviética”.
3Medida de longitude do
antigo sistema russo. Uma versta = 1,06 km.
4Cadeia significa neste
contexto várias fileiras de assaltantes, espaçados entre si por dois ou três
metros, apresentandose frontalmente ao objetivo (N.T.).
5Sapatos trançados com
fibras de cânhamo.
6Os marinheiros que
faziam o serviço nos cascos usavam botas de feltro que eram imprestáveis na
neve ou no gelo (N.T.).
7Os mongóis falavam pouco ou nada de russo. Petritchenko recolhe as explicações do prisioneiro tal como as ouviu, o que explica o estilo direto e confuso desta passagem (N.T.).