por Anarquistas russos
exilados na Alemanha
Tradução do francês por Dorothea Voegeli Passetti
Os anarquistas russos
surpreenderam-se ao constatar, em 1917, que os bolchevistas, seus adversários
de sempre, voltaram a se reencontrar
com eles para
pregar palavras de ordem libertárias como “todo o poder aos sovietes” ou
“a terra aos camponeses, a fábrica ao operário”.
Daí a luta comum.
O primeiro divórcio
ocorreu em outubro, na criação do “governo soviético”. Quando anunciado no II
Congresso dos Sovietes, em outubro de 1917, Efim Yartchouk, delegado anarquista
de Kronstadt, exclamou: “Que governo? Nós não necessitamos de nenhum
governo!”, e ainda, quando do anúncio do “soviete dos comissários do
povo”: “Que soviete dos comissários? Que invenção é esta? Todo o poder deve ir
aos comissários locais!...”[2]. A continuação não fez senão aumentar essa
divergência, que se transformou em um fosso quando houve o ataque das tropas
tchekistas [3] contra as comunas e os clubes anarquistas de Moscou, Petrogrado e
outras cidades, em abril de 1918, depois de um verdadeiro abismo criado em
sequência a numerosas repressões governamentais exercidas contra os libertários
de todas as tendências. Enquanto isso, os dissimulados do novo poder dividiam
muito o movimento anarquista russo. Certos anarquistas, e não os menores nem os
menos experientes, colaboraram com as autoridades oficiais, chegando a se
aliarem à tcheka: Alexandre Gay, que sempre
foi seguro e inabalável em suas convicções, dirigiu a tcheka em uma cidade do
Cáucaso; um certo
Samsonov, anarquista emigrado aos
Estados Unidos, antes de 1917, retornou para se ocuparmais tarde da “seção dos
anarquistas” da tcheka, provavelmente em função de sua competência sobre o
assunto.
Esse fenômeno é traduzido
quantitativamente pela presença, em 1922, de 633 ex-anarquistas no seio do
partido comunista russo [4]. Contudo, um bom número de libertários continuou
consequente com suas convicções e foi objeto de contínuas perseguições do
poder. Mostraremos dois exemplos significativos dessa repressão.
I. S. Bleikhman,
operário funileiro tornado anarquista quando emigrou, volta para a Rússia à
época do czar. É preso e deportado para a Sibéria. Libertado pela Revolução de
Fevereiro, torna-se muito popular entre os operários de Petrogrado e os
marinheiros de Kronstadt. É eleito ao soviete de Petrogrado e sua atividade lhe
vale a perseguição de Kérensky. Ele de fato desempenha, com Efim Yartchouk,um
eminente papel nas jornadas insurrecionais de julho de 1917. Depois de outubro
ele é constantemente perseguido pelos bolchevistas, que o prendem em 1918 e o
deportam para um campo de concentração, forçando-o a trabalhos humilhantes e
penosos na lama e com a água até a cintura. Uma vez que já havia adoecido na
prisão czarista, sua saúde agora se arruína e morre em 1921. “Porque teríamos
necessidade de dinheiro — dizia I.S. Bleikhman — toda Petrogrado está nas mãos
dos operários; todos os apartamentos, todas as lojas de roupas, todas as usinas
e fábricas, as tecelagens, as lojas de comida, tudo está nas mãos das
organizações sociais. A classe operária não necessita de dinheiro” [5].
Essa era uma língua que
o novo poder não podia nem entender, nem tolerar.
O outro exemplo vem da
feroz repressão submetida ao movimento makhnovista na Ucrânia, movimento insurrecional
de camponeses pobres de tendência libertária, defendendo os sovietes livres e a
livre organização das comunas autônomas. Em uma obra publicada há alguns anos
na França com o título Memórias de um bolchevista-leninista [6], o autor
relata:
“Os bandos de Makhno se
abasteciam impunemente de armas nas cidades e vilas da região de Ekaterinoslav.
Era impossível descobrir os esconderijos desses bandidos e de seus chefes. Os
camponeses ricos simpatizavam comeles e os escondiam; o restante da população
estava aterrorizado e não ousava revelar que eles os escondiam em suas casas.
Nosso comando e os
soldados rasos estavam impacientes. Sob a iniciativa de nossos soldados, os
órgãos locais da tcheka com os destacamentos da seção especial e lançaram ao
trabalho. Um belo dia, eles detiveram e prenderam uma centena de reféns
escolhidos entre a população abastada, comerciantes, kulaks [7], padres etc.
Após o interrogatório,
foram levados ao pátio da prisão, e se exigiu que eles revelassem quem eram os
chefes dobando, escondidos em algum lugar: em suas casas, em suas granjas e em
outros esconderijos. Os reféns foram avisados de que se se recusassem a
colaborar, vinte e cinco deles seriam fuzilados ali mesmo, como responsáveis
por assassinatos e pilhagens.
Os reféns se calaram.
Os vinte e cinco primeiros, por ordem alfabética, foram conduzidos a vinte
passos e fuzilados diante dos outros.
No segundo dia a mesma
coisa se repetiu. Os reféns silenciaram outra vez e, de novo, vinte e cinco foram
fuzilados perante os olhos daqueles que sobraram. No terceiro dia, a mesma
cena.
Quando, no quarto dia,
os vinte e cinco reféns restantes foram levados ao pátio, disseram para eles
que a coragem de seus amigos fuzilados certamente seria digna de louvor se
tivessem permitido que pessoas boas e honestas pudessem escapar às
perseguições, mas que eles escondiam os assassinos de soldados inocentes do
exército vermelho, que vieram libertar o povo ucraniano dos proprietários
fundiários czaristas e dos generais que espezinhavam os libertos do povo russo
e ucraniano. Os reféns pediram um dia para pensar.
No dia seguinte a essa
discussão, os reféns tiveram medo e deram os nomes dos chefes do bando de
Makhno e de seus esconderijos na região. Verificou-se que esses chefes eram
agentes de Makhno infiltrados nos órgãos do poder soviético e na direção local
do partido: particularmente o presidente do soviete da cidade, o secretário do comitê
da cidade do partido, que tinha reunido em torno de si os inimigos do poder soviético”
[8].
Qualquer comentário se
torna supérfluo. Assinalamos simplesmente que esse gênero de operação
reproduziu-se em uma escala muito maior, com o propósito de acossar e
exterminar os que estavam aliados por três vezes ao exército vermelho para
combater e vencer os brancos.
Alexandre
Skirda
As perseguições aos
anarquistas pelo poder soviético começaram de determinada forma na primavera de
1918.
As causas fundamentais e
gerais dessas perseguições foram suficientemente esclarecidas acima, e nos
deteremos, portanto, apenas brevemente em seu histórico.
O crescimento rápido do
sucesso do movimento anarquista irritava e assustava já havia algum tempo o
partido comunista, que acabava de se instalar no poder. Não se sentindo
suficientemente dono da situação e não tendo ainda conquistado completamente as
massas, o novo poder não se decidia a passar para a ofensiva. Foi apenas após o
tratado de Brest-Litovsk que sentiu o terreno firme e viu a possibilidade de
agir com muitas chances de sucesso.
Levando-se em consideração
que a revolução corria um perigo mortal e que necessitava de uma pausa para poder
criar um exército revolucionário, o poder comunista conseguiu aterrorizar as
massas, apoderar-se da vontade delas e submetê-las a sua própria, quando firmou
o tratado Brest-Litovsk, em despeito de seus desejos claramente expressos de
não assinar a paz com o imperialismo alemão e continuar a resistência
revolucionária, única capaz de fazer triunfar a revolução.
O tratado Brest-Litovsk
foi assim imposto ao povo trabalhador pelo poder comunista. Este pôde, dessa maneira,
pela primeira vez, após uma longa e obstinada resistência dos operários e
camponeses, submeter grandes massas laboriosas e constrangê-las à passividade.
Isto foi apenas um
primeiro passo, o mais difícil. Tendo tomado a iniciativa da ação e
transgredido impunemente a vontade das massas, o poder pôde sufocar a revolução.
Em seguida foi-lhe fácil continuar nesse caminho, aterrorizando e submetendo
mais e mais as massas, aumentando sua pressão sobre elas, para logo reduzir a
revolução aos limites de sua ditadura.
Os anarquistas
protestaram energicamente contra o tratado de Brest-Litovsk e a limitação das
perspectivas revolucionárias, que desvirtuava o próprio sentido da revolução. O
poder então resolveu desfechar um primeiro golpe decisivo aos anarquistas,
aproveitando-se da passividade adquirida pelas massas e dispondo já de uma
certa força militar organizada.
Sob uma ordem vinda de
cima, a imprensa comunista começou a dirigir dia após dia uma campanha recheada
de acusações mentirosas e de calúnias contra os anarquistas. Um preparo sólido do terreno acontecia
igualmente nas usinas, nas assembleias, nas unidades militares etc.
As disposições das
massas também eram testadas na mesma ocasião. Pôde-se prever que o poder
poderia contar com suas tropas e que as massas permaneceriam mais ou menos
passivas. Finalmente, na noite de12 de abril de 1918, sob um pretexto absurdo e
completamente inventado, as organizações anarquistas de Moscou foram atacadas,
particularmente a Federação dos Grupos Anarquistas de Moscou. Esse ataque
serviu de sinal aos posteriores proferidos contra as organizações anarquistas
de toda a Rússia. Depois de ter preparado seu golpe e conduzido ele mesmo uma agitação
infringida nos regimentos contra os “anarcobandidos”, Trotsky pôde proferir com
satisfação sua famosa declaração: “Enfim o poder soviético varre o anarquismo
da Rússia com uma vassoura de ferro”.
Entretanto, o poder
ainda não tinha declarado ser a ideia de anarquismo fora da lei: as liberdades
de palavra, de imprensa e de pensamento ainda não estavam definitivamente
suprimidas. Ainda era possível existir por todo lado uma certa atividade
libertária.
Os movimentos de protesto
dos operários e camponeses contra os procedimentos terroristas, esboçados em 1918
e empregados contra eles pelo poder comunista, cresceram em 1919 e 1920. O
poder, mais e mais cínico e despótico, respondeu com uma repressão obstinada e crescente,
não parando frente a nada.
Os anarquistas,
naturalmente, estavam de corpo e alma do lado das massas traídas e oprimidas
que lutavam contra seus novos mestres.
Eles exigiam, com os
operários e suas organizações profissionais, o direito destes conduzirem
diretamente a produção.
Com os camponeses
exigiam o direito de autoadministração e de manterem relações diretas com os operários.
Com uns e outros exigiram a restituição de tudo que os trabalhadores haviam
conquistado pela revolução e que o poder comunista lhes roubara: a restauração de
uma ordem soviética livre, o restabelecimento das liberdades civis para as
correntes revolucionárias...
Em uma palavra: exigiam
a restituição das conquistas de Outubro ao próprio povo, por meio das
organizações de operários e camponeses. Evidentemente, assim desvendavam a
política criminosa do poder. Nisso residia a base da atividade revolucionária
dos anarquistas e foi somente isso que serviu de fundamento para a declaração
de uma guerra de morte ao anarquismo, e para declará-lo fora da lei.
Após o primeiro grande
ataque aos anarquistas na primavera de 1918, as perseguições sucederam-se em
uma cadeia ininterrupta, em toda a Rússia, durante os anos seguintes,
caracterizando-se cada vez mais como desenfreadas e sem pudor.
Assim, ao final do mesmo
ano de 1918, numerosas organizações anarquistas do interior foram outra vez
atacadas. Das organizações que conseguiram se manter intactas, as autoridades
tiraram toda possibilidade de ação.
Em 1919, ao mesmo tempo
em que as perseguições contra os anarquistas na Rússia continuavam a todo vapor,
começaram as repressões sistemáticas aos anarquistas da Ucrânia. Cidade após
cidade, vilarejo após vilarejo, seus grupos eram liquidados, seus militantes
presos, os jornais proibidos e as conferências suprimidas.
Durante o verão do
mesmo ano, após a famosa ordem nº. 1824 de Trotsky, que declarou fora da lei o
movimento makhnovista, anarquistas foram detidos e fuzilados ao mesmo tempo que
os makhnovistas. E assim por diante...
Convém notar que na
maioria dos casos os ataques às organizações anarquistas eram acompanhados de
atos de extrema selvageria por parte dos tchekistas e de soldados vermelhos
iludidos, loucos de raiva e de ódio: agressões brutais a camaradas detidos,
destruição da literatura apreendida, demolição dos locais etc.
Fora essas repressões
constantes e cotidianas, o poder comunista organizava de tempos em tempos
ataques em grande escala aos anarquistas, semelhantes ao da primavera de 1918.
Assim, no verão de 1920, aconteceu a destruição geral, na Ucrânia, das
organizações anarquistas do Nabat [9].
No final de novembro de
1920, o poder comunista, obrigado a concluir, um pouco antes, um tratado de
aliança com Makhno e a parar com as perseguições antianarquistas, retomou com
toda a força sua repressão, fazendo deter em Kharkov a todos os anarquistas que
vinham para participar de um congresso legal, e simultaneamente prendendo todos
os anarquistas da Ucrânia, organizando uma verdadeira perseguição em meio a
emboscadas e buscas, detendo até mesmo adolescentes de quatorze a dezesseis anos
e tomando como reféns pais, mulheres e filhos. Para justificar esse comportamento,
o poder antecipou seu rompimento com Makhno e inventou um “fantástico complô anarquista”
contra o poder soviético [10].
Em março de 1921,
durante as jornadas insurrecionais de Kronstadt, o poder procedia outra vez a
detenções maciças de anarquistas (e de anarcossindicalistas), e os acossou de
novo por toda a Rússia.
Todo movimento de
massas — seja uma greve, uma manifestação de camponeses ou até um movimento
dedes contentamento entre soldados ou marinheiros — produzia um efeito imediato
sobre a sorte dos anarquistas.
Doravante, prendia-se
qualquer um que cometesse o erro de partilhar ideias libertárias ou de ser
parente ou conhecido de anarquistas. O simples fato de ter ideias anarquistas e
de divulgá-las abertamente era com frequência o suficiente para alguém ser
preso.
Em 1919 e 1921, as organizações
de juventude libertárias foram desmanteladas. A operação de 1921 foi provocada
pelo desejo de destruir na raiz a aspiração da juventude ao conhecimento dos
fundamentos do ensino libertário.
No inverno de 1921, as
organizações de anarquistas universalistas de Moscou são atacadas.
Na primavera de 1922,
ocorrem novas detenções em massa de anarquistas em toda a Rússia.
Nossa lista de
repressões está longe de se completar.
É possível afirmar, sem
nenhum exagero, que durante esses últimos anos toda a Rússia revolucionária foi
presa ou assassinada, e teve os anarquistas em primeiro lugar.
Nessas condições, a
partir de 1919, foi-lhes impossível desenvolver a menor atividade: suas
reuniões, conferências e congressos não puderam ocorrer. Sua imprensa foi sufocada.
Toda tomada de posição pública tornou-se mesmo impensável.
De fato, o anarquismo,
as ideias libertárias e a palavra livre foram declaradas fora da lei após 1919
[11].
Uma tal infâmia não
poderia produzir-se sem provocar vivos protestos pessoais da parte de algumas
individualidades fortes. Perto do final de 1919, Casimir Kovalévitch, operário
das oficinas das ferrovias de Moscou, anarquista muito popular em seu bairro,
lançou uma bomba em uma assembleia de dirigentes comunistas, em Moscou, na travessa
Léontiev, com a ajuda de alguns camaradas [12]. Esse ato de protesto contra a
ditadura bolchevista não provocou nenhuma tomada de consciência no partido
dirigente. Bem ao contrário, ele começou
a perseguir os anarquistas e todos os revolucionários em geral com mais obstinação
ainda, recorrendo aos mais escandalosos meios de fraude e de inquisição.
Se atualmente subsiste,
na Rússia, uma atividade anarquista clandestina, e se essa atividade pode levar
a atos de terror antigovernamental, convém entender que esses atos sempre
aconteceram e inevitavelmente serão produzidos ali onde reinam o arbítrio e um
monstruoso terror comandado do alto, ali onde todo pensamento é sufocado, toda
palavra é proscrita e ali onde todo outro meio de luta é impossível.
Os horrores cometidos
na Rússia começam, enfim, a saltar aos olhos dos que chegam ao país e se tornam
pouco a pouco conhecidos além de suas fronteiras. Isto porque o poder comunista
recorre a toda sorte de meios a fim de criar uma justificativa aos seus
crimes. Ele não para diante dos meios
mais infames como, por exemplo, as “ciladas”.
Uma dessas ciladas tem
como protagonistas Leon Tcherny e Fanya Baron [13].
No verão de 1921, um
grupo de delegados anarquistas estrangeiros, vindos para o Congresso da
Internacional Sindical Vermelha, interpelou o governo soviético sobre os anarquistas
russos presos na Taganka [14], que faziam greve de fome para exigir sua
liberação assim como a de
todos
os anarquistas presos. Como os delegados insistiam sobre a liberação destes anarquistas,
Trotsky e outros representantes do poder lhes responderam: “São bandidos!”
Mesmo se o poder foi
obrigado a soltar finalmente esses anarquistas e de expulsá-los para o
estrangeiro, montou todo um caso para justificar frente aos operários estrangeiros
sua tática terrorista a respeito deles, um processo baseado em uma cilada da
tcheka, sobre delitos de direito comum relativos à fabricação de dinheiro
falso, e que terminou por fuzilar dois dos mais honestos camaradas: Leon
Tcherny e Fanya Baron.
Revelou-se que não somente os camaradas fuzilados eram inocentes desses delitos de direito comum, mas ainda que a ideia de imprimir dinheiro falso veio da tcheka de Moscou. Dois de seus agentes — Steiner (Kamenny) e um motorista tchekista — entraram em contato com os falsificadores e depois se infiltraram em um grupo anarquista, incitando-os a fazer dinheiro falso e a organizar expropriações. Tudo isso desenvolveu-se com a concordância da tcheka que, em seguida, graças a essa cilada, exigiu a vida dos libertários, manchando suas memórias [15].
Fonte: "Verve", no. 11: 95-108,
2007.
Notas
1 Traduzido do russo
para o francês por Alexandre Skirda. Publicado em Berlim, em 1923.
2 S.
N. K anev. Oktiabrskaya
revoliutsia I Krakh
anarkhisma [A Revolução
de Outubro e a derrocada do anarquismo]. Moscou, 1974, p. 103.
3 Conforme Jacques
Baynac, “em dois anos o câncer policial tomou conta da revolução. Apenas dois
meses após o golpe de Estado bolchevista de 1917, foi promulgado o decreto —
mantido secreto durante sete anos — que criou a Vetcheka (abreviação de
Vserossiskaïa Tchesvytchainaia Komissia — Comissão Extraordinária Pan-russa). O
mal progrediu tão rapidamente que, no segundo
aniversário da tomada
do poder, o
Pravda diagnosticou que
‘todo o poder aos soviets’
transformou-se em ‘todo o poder aos tchekas’. Uma década mais tarde, a doença
tomou conta de tudo. Em 16 de dezembro de 1927, mais uma vez
no Pravda, o
historiador Pokrovsky escreveu
que a polícia
secreta conserva a ‘essência da revolução proletária’, e que o terror é
uma ‘consequência inevitável’.” Jacques Baynac (org. en collaboration avec
Alexandre Skirda et Charles Urjewicz). La terreur sous Lénine. Paris, Le
Sagittaire, 1975. (NT)
4 Idem, p. 383. O mesmo
fenômeno vale para as outras organizações operárias e revolucionárias;
bundistas mencheviques, socialistas-revolucionários de esquerda e outros. (Os
bundistas formaram movimentos revolucionários judeus, criados no final do
século XIX na Europa Oriental. NT).
5 Ibidem, pp. 261-262.
6 Paris,
1970.
7 Kulak é um termo
soviético, identificando uma classe social de proprietários rurais russos e
ucranianos, donos de fazendas que usavam trabalho assalariado em suas terras.
Posteriormente, durante a coletivização stalinista de 1928 a 1932, os kulaks
foram desapropriados em benefício dos kolkozes (cooperativas agrícolas),
levando a deportações, prisões e à morte de 5 milhões de camponeses. (NT)
8 Op. cit., pp. 38-39.
9 Nabat foi um grupo
anarquista ucraniano ligado aos makhnovistas, que também mantinha uma
publicação com o mesmo nome. (NT)
10 Necessitando da
cooperação do exército insurrecional revolucionário dos makhnovitas para lutar
contra Wrangel, o poder bolchevista firmou um acordo com Makhno no início de
outubro de 1920, acordo no qual uma cláusula estipulava que os anarquistas
teriam liberdade e o direito de manter
uma atividade militante livre. Após a vitória contra Wrangel, o poder
comunista atacou Makhno traiçoeiramente e ao mesmo tempo voltou-se, mais uma
vez, contra o movimento anarquista da Ucrânia. Assinalamos a seguinte
circunstância característica: alguns dias antes dessa nova repressão, uma vez
que a escapatória de Wrangel parecia ser certa, a estação central da rádio de
Moscou telegrafou a todas as estações de província a ordem governamental de
desligar seus aparelhos, salvo para as estações centrais de Kharkov e da
Criméia, que deveriam receber um telegrama secreto urgente. Um simpatizante
anarquista, empregado em uma estação de província, não executou a ordem de
desligamento. Interceptou o seguinte telegrama: “Estabelecer os efetivos dos
anarquistas na Ucrânia, em particular na região makhnovista. Lênin.” Alguns dias depois, quase na véspera
da repressão, chegou um segundo telegrama nas mesmas condições: “Exercer
uma vigilância reforçada sobre todos os
anarquistas e preparar os documentos, se possível de caráter de direito comum,
utilizáveis para acusar. Manter os documentos e as ordens em segredo. Divulgar
por toda parte as instruções necessárias.” Algumas horas mais tarde seguiu o
terceiro e último telegrama, desta vez lacônico. “Deter todos os anarquistas e
acusá-los.” Todos os telegramas eram endereçados ao presidente do soviete dos
comissários do povo da Ucrânia, Rakovsky, assim como ao nome de outros
representantes civis e militares do poder da Ucrânia. Após o terceiro
telegrama, um dos camaradas, tendo conhecimento dos fatos, partiu a Krakhov
para avisar os anarquistas locais sobre a ação que se preparava. Mas chegou
tarde demais: a ação já havia ocorrido. Esse foi o chamado “complô” dos
anarquistas ucranianos contra o poder soviético. O Barão Piotr Nikolayevich
Wrangel foi o último general a comandar o Exército Branco contra as forças
comunistas. Após o armistício da Rússia com a Polônia, em outubro de 1920, os
soviéticos conseguiram juntar mais forças, fazendo com que ele recuasse para a
Criméia e, em novembro, se retirasse com suas tropas para Constantinopla, dando
fim à Guerra Civil Russa (NT).
11 Não podemos, nesta
obra, ocuparmo-nos do exame de todas as razões que permitiram ao poder
comunista destruir com certa facilidade (com exceção da Ucrânia) um movimento
anarquista russo bastante forte. Isso nos distanciaria muito de nosso
propósito. Limitamo-nos, pois, a dar aqui um breve esclarecimento do momento
decisivo da paz de Brest-Litovsk e de suas consequências. A questão como um
todo representa um tema particular, ao qual pretendemos consagrar um estudo
específico.
12 Pode-se encontrar
detalhes deste acontecimento assim como a identidade de seus participantes no
famoso Livro vermelho da Tcheka, rapidamente retirado de circulação pelo
próprio poder, pois, entre outros motivos, segundo as palavras do próprio
Lênin, “Fala-se demasiadas verdades a propósito destes anarquistas”.
13 Sobre Fanya Baron
ver adiante o artigo de Emma Goldman (NE).
14 Taganka, é uma prisão
localizada em um bairro com o mesmo nome, no centro de Moscou (NT).
15 Segue uma lista de
182 nomes de anarquistas vítimas da tcheka. (NE da tradução francesa
de 1975).