sexta-feira, 1 de março de 2024

A resolução dos rebeldes de Kronstadt

Do dia 1 a 18 de março de 1921, ocorreu um levante na base naval da Frota do Báltico, situada na cidade-fortaleza de Kronstadt, fundada por Pedro I, na ilha de Kotlin, Golfo da Finlândia, que entrou para a história da Guerra Civil na Rússia Soviética como a “Rebelião de Kronstadt”.

Em 28 de fevereiro de 1921, em uma assembleia geral das equipes dos navios de guerra Sevastopol e Petropavlovsk, foi adotada uma resolução exigindo a reeleição do conselho em Kronstadt (soviete) e reivindicado a remoção do Partido Comunista Bolchevique do poder.

No dia 1º de março, uma resolução foi aprovada por uma manifestação da guarnição e dos moradores da cidade que se reuniram para comemorar o aniversário da Revolução de Fevereiro de 1917, na Praça da Âncora, em Kronstadt.

Em 2 de março, foi realizada uma reunião geral de representantes das tripulações de navios e unidades do Exército Vermelho, na qual foi decidido a criação de um Comitê Revolucionário Provisório (CRP), em Kronstadt, para organizar "eleições livres e justas para um novo conselho" da cidade fortaleza.

No apelo lançado pelo Comitê Militar Revolucionário, os bolcheviques foram acusados ​​de serem responsáveis ​​pela ruína econômica, fome e frio no país, causando, por conseguinte, agitação entre os trabalhadores de Petrogrado e Moscou. Com o início do levante, cerca de 900 comunistas da guarnição de Kronstadt deixaram o PCR.

O governo se recusou a negociar com a guarnição insurgente de Kronstadt e, no dia 4 de março de 1921, em nome do Comitê de Defesa de Petrogrado, foi lançado um ultimato, denominado “Kronstadt enganada”, que exigia o fim da rebelião. Trotsky confiou a liderança direta da operação militar ao comandante do Exército Vermelho Tukhachevsky.

A guarnição de Kronstadt consistia de um efetivo de 17.961 homens, 134 canhões pesados, 62 canhões leves, 24 canhões antiaéreos e 126 metralhadoras. Era uma força formidável capaz de se defender com sucesso. Além disso, os participantes do levante esperavam que “Makhno e Antonov insurgissem em seu apoio”, ou seja, dando início de uma série de revoltas camponesas na Ucrânia e na província de Tambov. Em contrapartida, sob o comando de Tukhachevsky, as forças reunidas eram bem mais modestas - cerca de 11.000 pessoas, com 96 metralhadoras e 84 canhões.

O poder em Kronstadt estava concentrado nas mãos do Comitê Revolucionário Provisório, formado por 15 veteranos e chefiado pelo escrivão sênior do encouraçado Petropavlovsk, Stepan Maximovich Petrichenko, que demonstrava simpatia política aos Socialistas Revolucionários de esquerda.

Segundo os bolcheviques, a defesa de Kronstadt durante a revolta estava sob o comando do Quartel-General da Fortaleza, supervisionado por especialistas militares, incluindo o chefe da artilharia, o ex-major-general do exército czarista A.N. Kozlovsky. Para o governo, a grande maioria dos comandantes e oficiais da guarnição da fortaleza concordou em participar voluntariamente da rebelião.

O programa político do levante foi formulado em 1º de março de 1921, através da resolução aprovada pela reunião dos marinheiros dos encouraçados Petropavlovsk e Sevastopol.

Possui 15 itens:

“1) Tendo em vista que os sovietes não expressam mais a vontade dos operários e camponeses, requer-se a realização imediata de eleição para os sovietes por voto secreto e campanha  preliminar livre com a participação de todos os operários e camponeses.

2) Liberdade de consciência e de imprensa para operários, camponeses, anarquistas e partidos socialistas de esquerda.

3) Liberdade de reunião e de associação camponesa e sindical.

4) Convocação de uma conferência não partidária de operários, camponeses, soldados do Exército Vermelho e marinheiros das montanhas, de Kronstadt e de Petrogrado e província, até 10 de março de 1921, o mais tardar.

5) Libertação de todos os presos políticos de partidos socialistas, bem como todos os trabalhadores e camponeses, soldados do Exército Vermelho e marinheiros envolvidos em movimentos operários e camponeses.

6) Eleição de uma comissão para analisar os casos de prisioneiros em campos de concentração.

7) Abolir todos os departamentos políticos, pois nenhum partido pode gozar de privilégios para propagar suas ideias e receber fundos do Estado em sua própria causa. Em vez disso, estabelecer comissões culturais e educacionais eleitas localmente, para as quais os fundos devem ser alocados pelo Estado.

8) Remoção imediata de todos os destacamentos de estradas (blitz).

9) Uniformizar as porções de ração para todos os trabalhadores, com exceção daqueles que exercem atividade insalubre nas oficinas de alto risco.

10) Abolir os destacamentos de combate comunista em todas as unidades militares, bem como em fábricas e usinas; se tais destacamentos forem necessários, no entanto, estes podem ser designados para unidades militares de empresas, fábricas e usinas, seguindo critérios estipulados por trabalhadores.

11) Pleno direito de usufruto dos camponeses sobre suas terras e também  o gado, salvo em caso de uso de mão de obra assalariada que está proibida.

12) Pedimos a todas as unidades militares, bem como aos colegas cadetes militares, para que apoiem à nossa resolução.

13) Exigimos que todas as resoluções sejam amplamente divulgadas na imprensa.

14) Nomeação de uma agência de inspeção para controle.

15) Permitir a livre produção de artesanato por meio de mão de obra própria e não assalariada.

O significado geral do programa da guarnição rebelde era o de rejeitar a política do “comunismo de guerra”. Ao mesmo tempo, no bloco econômico, a maioria dos requisitos não contradizia com as novas diretrizes econômicas – a NEP – que já havia sido aprovada pela liderança bolchevique nas vésperas do X Congresso do PCR. Mas a parte política do programa estava permeada pela aspiração de apear os bolcheviques do poder. O lema “Todo poder aos sovietes, não aos partidos” tornou-se o principal slogan do movimento de Kronstadt.

Tendo em vista a escassez de alimentos, a CRP estabeleceu normas fixas para a distribuição diária de alimentos.

O primeiro assalto à fortaleza teve início em 7 de março de 1921. O ataque falhou devido à rendição do batalhão do 561º regimento, que participava da ofensiva. Em 10 de março, unidades da 27ª divisão, com obuses e artilharia pesada, foram transferidas da Frente Ocidental. No dia 17 de março iniciou-se um novo assalto e a queda da fortaleza. Uma parte significativa dos rebeldes, incluindo a maioria dos membros do Comitê Militar Revolucionário, deixou Kronstadt através do Golfo da Finlândia, evadindo-se para a Finlândia.

As perdas das tropas soviéticas totalizaram 3 mil e 143 pessoas; enquanto as perdas dos rebeldes ultrapassaram mil pessoas.

Três mil “participantes ativos na rebelião” foram presos, alguns dos quais condenados à morte, outros a cinco anos de trabalhos forçados e cerca de um terço deles foi libertado ou condenado a um ano de serviço comunitário em liberdade condicional. Os encouraçados rebeldes foram renomeados: o Sevastopol se tornou “Comuna de Paris” e o Petropavlovsk, "Marat".

O Presidente da Rússia baixou um decreto datado de 10 de janeiro de 1994, nº 65: “Sobre os eventos em Kronstadt na primavera de 1921”. Segundo o documento, os participantes do levante foram reabilitados e foi tomada a decisão de erguer um memorial para todas as suas vítimas.

A memória histórica registrou o levante de Kronstadt como um símbolo de ideais da aspiração por uma sociedade livre e de autogoverno, de um sistema de poder desprovido de conteúdo político-partidário e da liberdade própria da revolução russa como um todo.