segunda-feira, 1 de abril de 2024

Partidos políticos nas vésperas de Outubro (1917) - por John Reed

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PARTIDOS POLÍTICOS

Nas eleições para a Assembleia Constituinte, dezessete listas se apresentaram em Petrogrado, e em algumas cidades do interior esse total chegou a quarenta; o resumo que faço a seguir sobre os objetivos e a composição dos partidos políticos limita-se, porém, aos grupos e facções mencionados neste livro. Detenho-me apenas no essencial de seus programas e no caráter geral dos elementos que os compõem.

1. Monarquistas de vários matizes, Outubristas etc. Essas facções, antes poderosas, não atuavam mais abertamente; dedicavam-se a atividades de bastidores ou tinham alguns de seus integrantes aderindo ao Cadete, à medida que o Cadete passava, gradativamente, a adotar o programa político dessas facções. São representados, neste livro, por Rodzianko e Shulgin.

2. Cadete. Nome formado a partir das iniciais [em russo, “K. D.”] de Partido Constitucional Democrata. Seu nome oficial é Partido da Liberdade do Povo. Composto sob o tsarismo por capitalistas liberais, o Cadete era o grande partido da reforma política, correspondente, grosso modo, ao Partido Progressista dos Estados Unidos. Quando a revolução eclodiu em março de 1917, o Cadete formou o primeiro Governo Provisório. Seu Ministério foi derrubado em abril depois de ter se declarado favorável aos objetivos dos aliados imperialistas, inclusive aos anseios imperialistas do governo do tsar. À medida que a revolução adquiria um caráter cada vez mais social e econômico, o Cadete se tornava, de seu lado, cada vez mais conservador. Seus representantes neste livro são Miliukov, Vinaver e Shatski.

(a) Grupo dos Homens Públicos. Depois que o Cadete se tornou impopular devido à sua ligação com a contrarrevolução de Kornilov, formou-se em Moscou o Grupo dos Homens Públicos. Representantes desse grupo obtiveram pastas no último gabinete ministerial de Kerenski. O grupo se declarava apartidário, embora seus mentores intelectuais fossem gente como Rodzianko e Shulgin. Era composto por banqueiros, comerciantes e industriais mais “modernos”, inteligentes o bastante para saber que o combate aos sovietes exigia o uso da mesma arma que estes utilizavam — a organização econômica. Representantes típicos do grupo: Lianozov e Konovalov.

3. Socialistas Populistas ou Trudoviques (Grupo Trabalhista). Partido numericamente pequeno, composto por inteletuais cautelosos, dirigentes de cooperativas e camponeses conservadores. Embora proclamando-se socialistas, os populistas apoiavam, na verdade, os interesses da pequena burguesia — funcionários, lojistas etc. Herdeiros diretos da tradição conciliadora do Grupo Trabalhista na Quarta Duma Imperial, composto em grande parte por deputados camponeses. Quando a revolução de março de 1917 eclodiu, Kerenski era o líder dos trudoviques na Duma Imperial. Os Socialistas Populistas são um partido nacionalista. São representados neste livro por Peshekanov e Tchaikovski.

4. Partido Operário Social-Democrata Russo. Originalmente, eram socialistas marxistas. Em congresso realizado em 1903, o partido se cindiu, por questões de tática, em duas facções: a maioria (bolshinstvo) e a minoria (menshintsvo). Daí os nomes bolcheviques e mencheviques — “membros da maioria” e “membros da minoria”. As duas alas tornaram-se dois partidos separados, ambos autointitulados Partido Operário Social-Democrata Russo e proclamando-se marxistas. A partir da revolução de 1905, os bolcheviques passaram a ser, na verdade, minoritários, voltando a ser majoritários em setembro de 1917.

(a) Menchevique. Esse partido inclui todas as matizes de socialistas que acreditam que a sociedade deve avançar para o socialismo por uma evolução natural e que a classe trabalhadora deve, primeiro, conquistar o poder político. É também nacionalista. Era o partido dos intelectuais socialistas, o que significa que, estando todas as possibilidades de educação nas mãos das classes proprietárias, os intelectuais reagiram instintivamente à sua própria formação e acabaram por se aliar às classes proprietárias. Entre seus representantes neste livro estão Dan, Lieber e Tseretelli.

(b) Mencheviques Internacionalistas. Ala radical dos mencheviques; internacionalistas opostos a qualquer coalizão com a burguesia, embora não desejem uma ruptura com os mencheviques conservadores, e à ditadura do proletariado propugnada pelos bolcheviques. Trótski foi por um tempo membro desse grupo. Entre seus dirigentes: Martov e Martinov.

(c) Bolcheviques. Agora autointitulado Partido Comunista, com o propósito de enfatizar sua total separação em relação à tradição de socialismo “moderado” ou “parlamentar” que ainda caracteriza os mencheviques e os assim chamados “socialistas majoritários” em todos os países. Os bolcheviques propunham a insurreição proletária imediata e a tomada das rédeas do governo, a fim de acelerar o advento do socialismo por meio da tomada à força da indústria, das terras, dos recursos naturais e das instituições financeiras. Esse partido expressa sobretudo os anseios dos operários fabris, mas também de boa parte dos camponeses pobres.

“Bolchevique” não pode ser traduzido como “maximalista”. Os “maximalistas” formam um outro grupo (veja o parágrafo 5b). Entre seus líderes: Lênin, Trótski e Lunatcharski.

(d) Social-Democratas Internacionalistas Unificados. Também chamado grupo da Novaya Zhizn (Vida Nova), referência ao nome de seu jornal, de grande influência. Pequeno grupo de intelectuais com poucos adeptos na classe trabalhadora, com exceção dos seguidores de Maksim Górki, seu líder. Intelectuais, com basicamente o mesmo programa dos mencheviques internacionalistas, com a diferença de que o grupo Novaya Zhizn se recusava a se manter atrelado a uma ou outra das grandes facções. Opunham-se às táticas bolcheviques, mas permaneceram no governo soviético. Outros representantes seus neste livro: Avilov e Kramanov.

(e) Yedinstvo. Grupo bastante pequeno e cada vez menor, composto quase inteiramente por seguidores de Plekhanov, um dos pioneiros do movimento social-democrático russo nos anos 1880 e seu grande teórico; agora bastante idoso, Plekhanov era de um patriotismo radical, excessivamente conservador, até mesmo para os mencheviques. Com o coup d’État bolchevique, o Yedinstvo desapareceu.

5. Partido Socialista Revolucionário. Chamados de “esseerres”, por causa das iniciais de seu nome [S. R.]. Originalmente, era o partido dos camponeses revolucionários, partido das organizações de combate: os terroristas. Depois da revolução de março, obteve a adesão de muitos militantes que nunca foram socialistas. Naquela época, os “esseerres” defendiam a abolição da propriedade privada apenas no campo, com indenização para os proprietários de uma forma ou de outra. Ao final, a radicalização do sentimento revolucionário entre os camponeses levou os “esseerres” a abandonarem a ideia da indenização, e os mais jovens e mais ardorosos de seus intelectuais a se desligarem de seu partido, no outono de 1917, para formar um novo partido, o Socialista-Revolucionário de Esquerda. Os “esseerres” — que mais tarde passaram a ser chamados, pelo grupo radical, de Social-Revolucionários de Direita — adotaram a postura política dos mencheviques e atuaram em conjunto com eles. Acabaram se tornando representantes dos camponeses abastados, dos intelectuais e das populações desprovidas de qualquer educação política dos rincões rurais mais distantes. Internamente, porém, havia maiores diferenças de opinião política e econômica do que entre os mencheviques. Dentre seus dirigentes mencionados nestas páginas estão: Avksentiev, Gotz, Kerenski, Tchernov e “Babushka” [“Vovó”] Breshkovskaia.

(a) Socialistas Revolucionários de Esquerda. Embora concordassem teoricamente com o programa bolchevique da ditadura do proletariado, hesitavam de início em acompanhar suas táticas impiedosas. Integraram, no entanto, o governo soviético, assumindo algumas pastas no gabinete, em especial a da Agricultura. Deixaram o governo em várias oportunidades, mas sempre acabaram voltando. Ao se afastarem, em grande número, dos “esseerres”, os camponeses passaram a aderir ao Partido Socialista Revolucionário de Esquerda, que se tornou o maior partido camponês de apoio ao governo soviético, apregoando o confisco das grandes propriedades de terras sem indenização e sua distribuição pelos próprios camponeses. Entre seus dirigentes: Spiridonova, Karelin, Kamkov e Kalagaiev.

(b) Maximalistas. Grupo oriundo de uma cisão ocorrida no Partido Socialista Revolucionário durante a revolução de 1905, quando constituía um poderoso movimento camponês que exigia a imediata aplicação do programa máximo socialista. É, hoje, um grupo insignificante de camponeses anarquistas.

Fonte: John Reed, “O congresso camponês” (capítulo 12), in: 10 dias que abalaram o mundo. Tradução: Bernardo Ajzenberg. Editora Companhia das Letras (Pinguim), São Paulo.