A PRODUÇÃO DA PRODUÇÃO DE FANI CARLOS
Autor:
João Monti
Vou iniciar uma série de textos em que
pretendo comentar artigos publicados por geógrafos brasileiros da atualidade,
dos quais, muitas vezes, ostentam a insígnia máxima de “professor titular” de
universidades das mais conceituadas do país. Veremos se a qualidade da produção
acadêmica desses professores faz jus às honrarias a que foram agraciados (ou se
a Geografia – serve para não fazer nada).
Começo por analisar o artigo de Ana Fani
Alessandri Carlos. “Novas” contradições
do espaço, publicado no livro “Espaço no fim do século: novas raridades”,
São Paulo, Contexto, 1999.
Dizem que Ana Fani impôs uma política
muito eficaz, internamente à corporação dos geógrafos universitários, pela qual
os fins justificam os meios. Embora tal informação seja relevante para entender
os bastidores do ensino e da pesquisa nas universidades, o que me interessa é, inversamente,
a sua produção científica e, por conseguinte, verificar se esta tem a mesma eficiência
de sua atuação política. Vejamos:
O referido artigo promete, como sugere a
autora, realizar uma análise das
“novas” contradições do espaço – novas
está entre aspas – pelo enfoque “de uma economia política do espaço”. Para
isso, Ana Fani estabelece, como ponto de partida, a tarefa de “decifrar” o
“nosso [dela] entendimento sobre o espaço geográfico” (p. 62); “decifrar” esse
que não seria, conforme explicita o texto, um discurso sobre o espaço, mas, sim, um “revelar, na medida do
possível, a produção do espaço numa teoria” (p. 62), algo que deve ser
elaborado por “uma atividade do pensamento abstrato” (p. 62). Depois, afirma o
argumento, atribuído a Henri Lefebvre, de que, se a prática social é passível
de ser observada empiricamente, não ocorre o mesmo com a “problemática do
espaço”, a qual só pode ser formulada
no “plano teórico”, composta “de uma
interrogação” (?), porque, de acordo com ela, a produção de conhecimento é a produção de conceito.
Nas palavras de Ana Fani:
“O desafio que se coloca, inicialmente,
é como é possível orientar a análise de uma ‘economia política do espaço’. Em
primeiro lugar é preciso decifrar como ponto de partida, nosso entendimento
sobre o espaço geográfico. Isto porque não se trata de produzir um discurso
sobre o espaço, mas de revelar, na medida do possível, a produção do espaço
numa teoria. Colecionar fatos não nos conduz a lugar algum no que se refere à
tentativa de desvendar os conteúdos mais reveladores do espaço geográfico
enquanto espaço histórico e social. E isso é uma atividade do pensamento
abstrato. Como afirma Lefebvre, em La
production de l’espace, a prática social se observa empiricamente, mas a
problemática do espaço é formulada no plano teórico, compõe-se de uma
interrogação, isto porque a produção do conhecimento diz respeito à produção de
conceitos” (p. 62).
Inicialmente,
além do estilo empolado, presunçoso e cheio de clichês, o desafio proposto, de
orientar a análise de uma “economia política do espaço”, só fica nesse inicialmente e para por aí mesmo. Tudo o
que Ana Fani não faz nesse artigo é analisar a produção do espaço sob o ângulo
da economia política. Para isso, bastaria situar o trabalho no cerne da produção de mercadorias e, por conseguinte, a
transformação do espaço em mercadoria pelo trabalho. Mas que espaço? Espaço não é sinônimo de espaço geográfico e não se justifica o
abuso do termo apenas para atender fins corporativos de uma área do
conhecimento. A associação direta entre espaço
e espaço geográfico nunca fica clara
no texto de Ana Fani, chegando ao ponto de, em certo momento do artigo, também
logo no início, abandonar inteiramente o geográfico.
Sendo assim, antes de retornarmos ao parágrafo citado acima, vejamos como Ana
Fani decifra o espaço geográfico:
“É conveniente insistir que o espaço
geográfico articula duas dimensões, aquela da localização (de um ponto do mapa)
e aquela que dá conteúdo a esta localização, que o qualifica, singulariza. Este
conteúdo é determinado pelas relações sociais que aí se estabelecem – o que
confere ao espaço a característica de produto social histórico. Mas por ter uma
materialidade indiscutível, o processo espacial tem uma dimensão aparente,
visível na paisagem geográfica marcada pela heterogeneidade própria dos
lugares, mas que também aponta o reprodutível, e nesse caso também contém um
mundo de imagens, formas, aparências que apontam para a tendência à
homogeneização de nossa sociedade e que podem ser melhor apreciadas na paisagem
urbana da grande metrópole” (p. 65).
É conveniente insistir que nem sempre um
ponto do mapa (localização) tem um conteúdo
determinado pelas relações sociais que aí se estabelecem. Um ponto no
oceano Pacífico não representa um conteúdo
determinado pelas relações sociais que aí
se estabelecem, porque nenhuma relação social se estabelece no meio de uma
imensidão de água por muito tempo, e nem por isso o oceano Pacífico deixa de
ser espaço geográfico. Um ponto no oceano Pacífico é espaço geográfico porque
ele é uma representação, de um acidente geográfico, relativa ao processo de
constituição da geografia no contexto da formação dos Estados nacionais e da
expansão da economia capitalista. Ou seja, não há uma relação de identidade
entre forma e conteúdo, apenas uma construção de ordem epistemológica e abstrata
sob a perspectiva de um conhecimento específico no quadro das ciências.
Desfeito esse embaraço, do espaço
geográfico, podemos voltar ao início do texto. (O restante do parágrafo do
espaço geográfico será comentado mais adiante).
Naquele pequeno preâmbulo, confuso, é
verdade, como também será todo o texto, já há muita informação e é preciso
considerar os pressupostos metodológicos que são assumidos pela autora desde o
início. Em primeiro lugar, segundo
Ana Fani, para orientar a análise de uma
economia política do espaço é preciso antes decifrar o que se entende por
espaço geográfico (já foi decifrado acima), algo que não seria um discurso sobre o espaço mas revelar a produção do espaço numa teoria.
Nota-se um grande equívoco logo de saída, pois, Ana Fani distingue discurso e teoria. A julgar pela proposição da autora, teoria prescindiria da
linguagem, pois teria a capacidade quase teológica de revelar positivamente a natureza das coisas (verdade em si). Ora,
teoria, em sentido moderno, é precisamente discurso. (O sentido antigo de
teoria, sim, é “contemplação”). A própria Ana Fani se desdiz ao afirmar, mais
abaixo, que conhecimento é produção de
conceito. Sem dúvida, a matéria prima dos conceitos não é uma entidade
oculta que está vagando por aí, no mundo das ideias, para ser absorvida
misteriosamente pelo pensamento abstrato,
que, através dela, produz conceitos. Na realidade, o conhecimento surge de uma atividade
especializada, prática e social, que visa descrever (conceitos), sob o prisma
de determinado método, os fatos (objetos) a serem investigados por certa
disciplina. Em vista disso, toda teoria é, não apenas discurso científico, mas,
acima de tudo, discurso sistematizado, racional, sobre os mais variados
assuntos, como a estética, o teatro, o esporte etc. Logo, ao contrário do que
propõe Ana Fani, trata-se justamente de
produzir um discurso sobre o espaço e sua produção. Em seguida, Ana Fani
opera uma separação radical entre prática social empírica e problemática do espaço que só pode ser acessada, de acordo com
ela, no plano teórico. Tal divórcio
pode ser desdobrado numa inflexão negativa (subentendida) e outra positiva, do
seguinte modo: a) a prática social se observa empiricamente, (por isso) não se compõe de uma interrogação, isto porque não é produção de conhecimento, que diz respeito à produção de
conceitos; b) problemática do espaço é formulada no plano teórico, compõe-se de
uma interrogação, isto porque a produção do conhecimento diz respeito à
produção de conceitos. E aqui fica patente a filiação deliberada, por parte da
autora, à escola do idealismo filosófico. Por isso, o problema do espaço – e
aqui se pode entender também o espaço
geográfico, já que a autora não distingue nem um nem outro – não diz
respeito à prática social, empírica, concreta, que pode, inclusive, ser
observada (e por isso não se compõe de “uma interrogação”), mas, de modo
inverso, à prática teorética, que só pode ser devidamente formulada em seu
próprio nível, exterior, isto é, no plano
teórico, conceitual e ideal, alheio à pratica social empírica. Quer dizer,
a realidade (prática social empírica)
não pode ser conhecida senão quando se está fora da realidade (prática social empírica). Portanto, todo trabalho
consiste em abstrair a problemática do
espaço do mundo real e raptá-la para o mundo do pensamento puro (pensamento abstrato, literalmente, “separado”).
Nota-se ainda que nada prova que a
prática social empírica não se compõe de uma interrogação, e que, com isso, por
si só, seria “transparente” e dispensável à analise, apenas a afirmação
peremptória de Ana Fani que, no entanto, se exime de toda responsabilidade,
imputando-a, convenientemente, a Henri Lefebvre. Na verdade, Ana Fani devia
imputar a seguinte passagem a Edgar Morin. Vejamos:
“Como afirma Lefebvre, em La production de l’espace, a prática
social se observa empiricamente, mas a problemática do espaço é formulada no
plano teórico, compõe-se de uma interrogação,
isto porque a produção do conhecimento diz respeito à produção de conceitos”
(p. 62, grifado por mim).
E mais adiante, Ana Fani argumenta que o
trabalho intelectual consiste em “‘desmistificar’ ou descobrir o sentido de
representações que permeiam a vida cotidiana no mundo moderno com seus modelos
de felicidade e bem-estar” (p 62, grifado por mim).
No capítulo “A cultura planetária”, do
livro de MORIN (Edgar) “Cultura de massas no século XX (o espírito do tempo)”,
Rio de Janeiro: Forense, 1967 [“L’esprit du temps”, 1962], o referido autor
escreve o seguinte:
“Em toda parte onde o desenvolvimento
técnico ou industrial cria novas condições de vida, em toda a parte onde se
esboroam as antigas culturas tradicionais, emergem as novas necessidades individuais,
a procura do bem-estar e da felicidade” (MORIN, 1967, p. 166).
“Isso significa igualmente, que (...) a
cultura de massa favorecerá em profundidade, numa segunda fase o
desenvolvimento dos valores e dos modelos do individualismo, do bem-estar e do
consumo” (Ibidem, p. 171).
No capítulo seguinte:
“São os mitos-modelos da realização
privada, da felicidade privada” (Ibidem, p. 183).
E, curiosamente, no capítulo “O espírito
do tempo”, Morin introduz o capítulo com o seguinte subtítulo “A interrogação”
(Ibidem, p. 173).
Coincidência, não?
(Embora a referência indireta a Morin seja evidente, Ana Fani não o cita nas referências bibliográficas. Ao contrário da política, o trabalho intelectual deve ser, antes de tudo, pautado pela honestidade).
Mas, em vista dessa defesa do idealismo,
daí a importância conferida, pela autora, à análise,
que aparece como sujeito (impessoal,
abstrato e transcendental), que, por si, organiza do alto a empiria, sem, no
entanto, tocá-la.
Ao cavar um abismo entre teoria e
empiria, e interditar a análise a iniciar-se a partir da prática social
empírica, pois, segundo a autora, seria como “colecionar fatos [que] não nos
conduz a lugar algum no que se refere à tentativa de desvendar os conteúdos
mais reveladores do espaço geográfico enquanto espaço histórico e social”, ironicamente,
os conteúdos empíricos não podem ser “revelados” a partir da forma enquanto
forma, sendo preciso chegar aos fatos (!), o que faz com que Ana Fani, em certo
momento do seu artigo, como veremos, passe justamente a colecionar fatos!
Mas tal perspectiva idealista é no mínimo
estranha em se tratando de um texto que, supostamente, se apoiaria na obra de
Henri Lefebvre, pensador materialista que tanto bebeu na fonte de Marx e
Nietzsche. Este último, por sinal, desprezaria tal proposição de Ana Fani como
mais uma manifestação do execrável niilismo, na medida em que Ana Fani renuncia
a realidade empírica (pratica social), da vida, para encontrar respostas dentro
da caverna, no universo etéreo das ideais. O fato é que o próprio Henri
Lefebvre, tendo por base a filosofia nietzschiana, rejeitaria tamanha defesa da
espisteme (no caso, a lógica formal),
insistindo no valor do irredutível (ao conceito), isto é, à própria vida vivida, cotidiana (prática social
empírica), através de um conhecimento amparado na poiesis (ver a obra “Metafilosofia” do referido autor).
Tendo reconhecido, logo de partida, que
a problemática do espaço não é a do mundo mas, sim, do espaço celestial, Ana
Fani deixa claro seu entendimento sobre o trabalho intelectual que, conforme já
se percebe, é puramente contemplativo e especulativo. E então ela demonstra sem
meias palavras sua total indisposição com a pedra angular da filosofia marxista
(e por tabela, a lefebvriana): a práxis.
Diz ela: “O trabalho intelectual, (sic) preocupado com a interpretação do mundo
não produz sua transformação (...)” (p. 62). Só para que não restem dúvidas,
cito a célebre 11ª. tese de Marx contra Feuerbach: “Não se trata de compreender
o mundo, mas de transformá-lo”. Ao que parece, para Ana Fani, o trabalho
intelectual consiste somente em “‘desmistificar’ ou descobrir o sentido de
representações que permeiam a vida cotidiana no mundo moderno com seus modelos
de felicidade e bem-estar” (p 62). Tudo se passa como se o intelectual fosse um
ser superior e iluminado que, por mera generosidade, resolve ensinar às pessoas
comuns – que vivem imersas nas trevas e no caos do mundo profano do dia a dia –
a verdade que está, segundo Ana Fani, por trás de representações, como felicidade e bem estar. Realmente, Ana Fani parece sofrer, com essa afirmação,
de uma profunda recaída no iluminismo mais ingênuo.
Mas, após reabilitar a escolástica, Ana
Fani cita, curiosamente, outro autor materialista, desta vez, Walter Benjamin.
Citação gratuita que, aliás, aparece extemporânea, é intempestiva e
despropositada, e de caráter puramente ornamental. Pois, simplesmente, é
inaceitável que um livro inteiro de Walter Benjamin, no caso, “Rua de mão
única”, citado na bibliografia, mereça uma citação de apenas uma linha!
Tal citação de Benjamin aparece para
justificar a maneira como Ana Fani entende o trabalho intelectual, ao qual me
referi acima. Vejamos:
O
trabalho intelectual, preocupado com a interpretação do mundo, é um passo
importante na desmistificação ou descoberta das representações...
“Antes de mais nada, permite trazer à tona a questão formulada por Benjamin:
‘será que o gosto pelo mundo de imagens não se alimenta de uma resistência
contra o saber’” (p. 62).
A citação de Benjamim – autor que,
aliás, goza de grande reputação no meio acadêmico (e citá-lo [por citá-lo], sem
dúvida, é um bom capital simbólico na universidade) – é como a “ponta de
iceberg” que mostra a principal característica do artigo de Ana Fani, isto é,
uma coleção de fórmulas de autores (Henri Lefebvre, principalmente) transplantadas
pura e simplesmente para o seu texto, quase como um dever de casa, obrigatório,
uma profissão de fé.
O artigo também possui grandes problemas
estilísticos, cheio de jargões ao gosto acadêmico, também jogados gratuita e
demasiadamente nas frases, aos quais vou me ater de comentar em pormenores.
Com relação ao tema, a produção do espaço, o termo espaço, como
já foi assinalado acima, é totalmente acessório, e se fosse suprimido do texto
não faria a menor diferença, o texto não perderia em nada o seu sentido. Mais
uma vez pode se dizer que a inclusão da noção de espacialidade aparece
atendendo a fins exclusivamente corporativistas, do que um conceito
propriamente necessário. Se o “objeto” de estudo da geografia é o espaço, então
o espaço tem de aparecer a qualquer custo.
Depois de tomar como ponto de partida decifrar o entendimento
[dela] de espaço geográfico, Ana Fani toma outro ponto de partida (?), desta
vez a categoria trabalho, pois,
afinal, o tema do artigo é sobre “economia política do espaço”! Realmente, Ana
Fani se lembra, num único parágrafo, do trabalho, “considerado como processo
produtor do espaço geográfico”, para logo depois esquecê-lo no restante do
artigo.
Daí em diante, o texto até começa bem,
ao se referir ao argumento de Henri Lefebvre que distingue a produção em dois
sentidos, um restrito e outro amplo. Veremos que esta referência é um artifício
para fugir do tema em questão, a saber, “uma economia política do espaço”. Nas
palavras de Ana Fani:
“Em várias de suas obras, Lefebvre se
refere à importância de considerar os dois sentidos de produção: o stritu senso (sic), que se refere à
produção de bens e mercadorias, e o latu
sensu, que se liga à ideia de que o
que se produz também são relações sociais, uma ideologia, uma cultura, valores,
costumes, etc.” (p.63).
Antes de prosseguir, devo aqui fazer uma
reparação no uso incorreto da ortografia do latim, embora não seja de todo
comprometedora, diante do que está por vir. Porém, não posso deixar de chamar
atenção para um erro crasso que poderia despertar a ira de um latinista ciceriano
zeloso pelas tradições clássicas. Foi-se o tempo, aliás, em que um professor
universitário era versado não apenas em latim, mas no grego antigo também!
Naqueles tempos, citações de expressões latinas conferiam a um texto certa
elegância e erudição. Mas o que dizer do artigo de Ana Fani? O correto é stricto sensu.
De qualquer forma, afora o deslize
ortográfico do idioma que originou nossa flor do Lácio, depois dessa referência
muito apropriada, o texto se perde em um imbróglio tão espantoso, que chega a
ser difícil acreditar que alguém possa realmente levar a sério o que está nele
descrito.
Para se ter uma ideia do que estou
falando, analisemos, primeiramente, esta frase:
“A reprodução coloca a perspectiva de
compreensão de uma totalidade que escapa ao plano econômico, abrindo-se para o
entendimento da sociedade em seu movimento, o que pressupõe a totalidade” (p.
63).
Ora, essa frase não significa
absolutamente nada!
Vejamos, primeiro, o que Ana Fani quer
dizer com reprodução.
Mais acima está a resposta:
“...reprodução refere-se, de um lado, ao
processo de realização e acumulação de capital, por outro, sinaliza o processo
de desenvolvimento da sociedade humana” (p. 63)
Pois bem! Se a reprodução é, de um lado, o processo de realização e
acumulação de capital (...), como, então, a reprodução coloca, de outro lado, a
perspectiva de compreensão de uma totalidade que escapa ao plano econômico?
É preciso fazer muito malabarismo verborrágico para explicar como a reprodução,
sendo ela em parte econômica, escapa ao plano econômico.
Aliás, como definir uma totalidade em
que algo lhe escapa? Se o plano econômico lhe escapa, então, não é
rigorosamente totalidade.
Ora, só para não deixar as coisas no ar
e colocar os pingos nos is. A noção de totalidade
é própria da metafísica e da filosofia racionalista. Totalidade pressupõe uma sequência dedutiva que parte de um
princípio que engloba todo um encadeamento lógico, nos mínimos detalhes, sem
deixar nada escapar, e que já está desde sempre contido no princípio. Ou seja,
totalidade envolve a noção de sistema. Aqui Ana Fani pega a dialética hegeliana
pelo rabo, misturando alhos com bugalhos, já que tem por referência autores
materialistas, como são Marx e Lefebvre.
Ou seja, ouviu o galo cantar e não sabe onde.
Aliás, esse é o grande mistério do
artigo a ser decifrado. Como, através
de uma perspectiva idealista, tratar de pensadores notoriamente materialistas?
Essa proeza é o que estamos penosamente tentando descobrir em nossa crítica.
Continuemos.
Essa “perspectiva de compreensão de uma
totalidade [...]” abre (!!!) “para o
entendimento da sociedade em seu movimento [...]” .
Só para registrar: compreensão [...]
abre para o entendimento [...]. Ou será o inverso?! O entendimento abre para a
compreensão?! Ou a compreensão abre para o entendimento... Eis a questão!
Mas a tal perspectiva, como se diz, abre para o entendimento da sociedade em
seu movimento...
Que movimento? Não há uma única
referência desse movimento no texto, nem anteriormente nem posteriormente. Se
Ana Fani pensa que nos engana com um truque barato, envernizado por pretensa
dialética, ela pode tirar o cavalinho da chuva! Pois nem mesmo a dialética
hegeliana infere seus termos de modo dedutivo e arbitrário. Qual é o movimento
da sociedade? O espírito, a luta de classes? Simplesmente, Ana Fani não sabe! E
desafio alguém, tomando o texto em questão, dizê-lo.
Vejamos ainda um pouco mais dessa frase
no mínimo obscura:
“...uma totalidade [...] da sociedade em
seu movimento, o que pressupõe a totalidade” ou, o que dá na mesma,
“...totalidade [...] que pressupõe totalidade”, já que não sabemos que
movimento é esse.
Nada mais a dizer sobre isso: tautologia
pura!
Depois dessa fraseologia completamente
vazia, Ana Fani inicia outra frase com a conjunção “portanto”, que tem função
anafórica e indica ideia de conclusão. Portanto,
Ana Fani arremeda a frase anterior com uma frase ainda mais intrigante. Vamos a
ela:
“Portanto, a noção de produção
articulada àquela de reprodução das relações sociais latu sensu – num determinado tempo e lugar” (p. 63).
Ora, a produção, como vimos, já
implicava uma produção stricto sensu e
outra produção lato sensu. Não há
razão, ou melhor, não faz sentido a noção de produção estar agora desmembrada
numa reprodução das relações sociais lato sensu! Tanto a produção estrito
senso quanto a produção ampla envolvem reprodução. Quanto a estar determinado
num tempo e lugar, isso é óbvio; não estariam elas a vagar no vácuo! Quanto à
totalidade da totalidade, isso permanecerá sempre um mistério em seu movimento...
Depois, de maneira completamente
intempestiva, Ana Fani muda completamente de assunto, introduzindo, porém, um
“isto porque”, para explicar o que foi dito sem, no entanto, explicar nada. Se
formos condescendentes, no máximo, podíamos entender esse “isto porque” como um
infeliz recurso de retórica.
“Isto porque – como aponta Lefebvre -,
as relações sociais têm uma existência real enquanto existência espacial
concreta, na medida em que produzem, efetivamente, um espaço, aí se inscrevendo
e se realizando” (p. 63).
Ora, não precisamos do apontamento de
Lefebvre para saber que as relações sociais têm uma existência real enquanto
existência espacial concreta. Isso é o obvio ululante!
Descarte já ensinava, todo o corpo é
extenso, e, Kant, o espaço é continente (no caso, categoria a priori da intuição).
Porém, essa ideia, atribuída à lavra
lefebvriana, também é bastante intrigante, porque, no fundo, tem o mesmo teor
do velho paradoxo do quem nasceu
primeiro, ovo ou galinha? Vejamos:
“[...] as relações sociais têm uma
existência real [...]” – pergunta-se, como seria uma existência não real das
relações sociais? – ah, sim! só existem enquanto existência espacial concreta
[...]” – ou seja, choveu no molhado: as relações sociais existem, realmente,
como existência espacial concreta (!!!) – pergunta-se, existiriam sem
corporeidade, sem materialidade? Eu só existo porque tenho corpo! – “[...] na
medida em que produzem, efetivamente, um espaço, aí se inscrevendo e se
realizando [...]”.
Traduzindo: As relações sociais só
existem porque existem como espaço concreto ao produzir espaço (abstrato ou
concreto?) e, sendo espaço (concreto), ao se inscrever nele, se tornam reais!!!
Se não fosse um texto científico, bem
que seria um bom trava línguas:
Em um ninho de mafagafos havia sete
mafagafinhos; quem amafagafar mais mafagafinhos, bom amagafanhador será.
Ou uma charada:
Qual é a cor do cavalo branco de
Napoleão?
Perdoem-me a brincadeira; não pude
resistir: Ridendo castigat mores,
dizia Juvenal em bom latim!
Vejamos mais alguns exemplos:
“Assim o plano da produção articula a
produção voltada para dois planos” (p. 64).
“No primeiro caso – a reprodução de
mercadorias – envolve o reproduzível e o repetitivo, referindo-se, diretamente,
à atividade produtiva que produz coisas no espaço ao mesmo tempo que produz o
espaço, enquanto mercadoria” (p. 64).
“Como o processo de produção é contínuo,
como o é o processo de reprodução da sociedade como um todo, a análise sobre o
modo pelo qual as relações se reproduzem concretamente produzido, ou melhor,
reproduzindo o espaço, impõe-se no momento atual” (p. 64).
“As relações entre processo de produção-desenvolvimento
das forças produtivas, (sic) produzem no mundo moderno, (sic) novas
possibilidades de realizar a acumulação, que em sua fase atual, liga-se cada
vez mais à produção do espaço – produção que se coloca numa nova perspectiva,
onde novos lugares ganham valor de uso” (p. 64).
“O processo de reprodução do espaço a
partir do processo de reprodução da sociedade se realiza, hoje, produzindo
novas contradições – suscitadas pela extensão do capitalismo, o que nos coloca
diante da necessidade de aprofundar o debate em torno da contradição entre
espaço público e o privado, espaço do consumo-consumo do espaço, abundância
relativa da produção-novas raridades, fragmentação-globalização do espaço” (p.
64).
Não se preocupem em entender o que está
escrito, porque não há o que se entender aí. Prossigamos!
Produzir produzindo o reproduzível do
produzido produto... moderno, atual, novo, hoje, atualmente...
Tudo isso em menos de vinte linhas. Se
Ana Fani acredita que as mistificações do cotidiano serão desmistificadas
(perdoem-me a redundância!) através de seu texto, ela não tem a menor
consciência do que está a propor. Na verdade, ela só vai trazer mais confusão
na cabeça de seus pobres leitores!
E nesse quesito, Ana Fani é mestre na
arte de dizer a mesma coisa de modo diferente sem dizer nada.
Nota-se que não há nexo semântico nenhum
entre as palavras e as frases. Tudo vai sendo despejado num turbilhão de
palavras que parecem brotar de si mesmas.
E o texto prossegue nesta toada. Comentar
frase por frase seria, como alguém já observou, verdadeira tortura chinesa. O
que se sobressai é um texto construído em cima de um tedioso jargão acadêmico,
como, por exemplo: “o que significa”, “permeia”, “deve ser entendido”,
“suscitada”, “em última instância”, “isto posto”, “posto que” etc. etc. etc.,
que visa, por si, produzir (!!!) um
efeito de conteúdo pela aparência, ao que poderíamos chamar sem erro de fetiche
da linguagem.
O que Ana Fani parece não entender é que
um texto escrito é um tipo de linguagem e como tal deve ter função comunicativa.
Ou seja, deve ter feedback, ainda que
não instantâneo. O interlocutor deve participar, através da leitura, do
desenvolvimento do texto, compreendendo seu conteúdo, e não se prostrar, diante
da forma escrita, numa postura de completa alienação. Aliás, foi-se o tempo em
que as missas eram rezadas em latim!
Da minha parte, não há o que explicar
nesse artigo; quem tem de explicar o está escrito aí, em bom português, é única
e exclusivamente a autora.
Continuemos:
“Todavia o espaço geográfico é produto,
condição e meio para a reprodução das relações sociais no sentido amplo de
reprodução da sociedade, num determinado momento histórico – um processo que se
define como social e histórico; o que significa que há uma relação necessária
entre espaço e sociedade que é o cenário que encaminha a análise” (p. 63).
Mais acima eu havia mencionado que a
referência ao duplo sentido de produção em Lefebvre era um meio de se esquivar
do problema, a análise de uma economia
política do espaço. Se, de fato, o desafio era orientar a análise de uma
“economia política do espaço”, então caberia focar a produção no seu sentido
estrito, da produção de mercadorias. Ora, se o espaço geográfico é produto, condição e meio para a reprodução das
relações sociais no sentido amplo de reprodução da sociedade, então o
desafio é respondido como uma negativa e a análise desvirtuada. A produção em
sentido amplo é, rigorosamente, a produção da essência do ser humano, que não é
fixa, mas constituída historicamente. Ela começa no instante em que o ser
genérico liberta-se dos determinismos naturais. A produção em sentido restrito
refere-se às relações sociais mediadas pela troca de mercadorias (economia).
Nas sociedades capitalistas, a economia é o determinante
social; isto é, trata-se aqui da produção em sentido estrito, pela qual o ser
genérico é reificado, ou seja, transformado em coisa – mercadoria. Portanto,
orientar a análise do espaço dentro da economia política implicaria
necessariamente em se ocupar desta produção e não da outra.
Ao invés de encarar o desafio, Ana Fani
sai pela tangente. Veremos mais adiante o porquê.
Antes, nesta frase, Ana Fani escreve o
seguinte: “...cada vez mais o lazer e o flanar, o corpo e os passos são
restritos a lugares vigiados, normatizados, privatizados” (p. 64). Aqui chama a
atenção a palavra flanar, celebrizada
pelo ensaio de Charles Baudelaire “O pintor da vida moderna” (in Poesia e prosa, Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1995), bem como o ensaio bem conhecido de Walter Benjamin sobre
Charles Baudelaire e a cidade de Paris (em Obras
escolhidas: “Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo”, São
Paulo: Brasiliense, 1994). Sem entrar em detalhes no assunto, Baudelaire toma
como valor estético da modernidade o presente, transitório e fluído (ruptura
com o passado), e, a partir disso, cria sua lírica com base no prazer
embriagante em transitar sem destino pela cidade parisiense, em constante
transformação (“A velha Paris não existe mais [a forma de uma cidade/Muda mais
rápido, ah! que o coração de um mortal]” – O
Cisne), e, com isso, admirar a arquitetura dos edifícios, as diferentes
paisagens urbanas, a sua história, e também um certo voyeurismo, em observar, sem ser notado, os transeuntes imersos em
sua vida cotidiana; sensações que fazem o poeta pensar a cidade por metáforas
como espelho ou caleidoscópio. Grosso modo, segundo Benjamin, o flâneur é um fenômeno tipicamente
moderno, da sociedade industrial, e, como tal, dilacerado, não só por causa da
embriaguez extática que não extingue a solidão, o anonimato em meio à multidão,
do exílio num tempo que destrói e, ao mesmo tempo, recorda o passado, mas,
sobretudo, pelas imposições do mundo da mercadoria. Nesse sentido, cabe se
perguntar como Ana Fani transpôs, sem reservas, um conceito do século XIX para
o final do século XX e limiar do XXI. Como ela operou essa mágica? Caberia,
sim, refletir se ainda é possível o flanar nas metrópoles atuais, marcadas por
brutal impessoalidade e automatismo, reduzidas à condição de espetáculo (mercadoria) e, tomando-se a
própria tese de Ana Fani, sem história (espessura),
e, a partir daí, buscar na lírica poética uma experiência análoga à angústia do
flâneur, ou descobrir se só restou
desespero. O seja, no momento em que artigo esboça um instante de brilho, Ana
Fani se furta de seu cintilar efêmero. Assim, “o flanar”, no artigo de Ana Fani,
aparece apenas como positividade e de modo descontextualizado. Novamente, Ana
Fani cita apenas por citar, numa tentativa de auferir certa reputação de alto
nível ao seu artigo, mencionando indiretamente Baudelaire e Walter Benjamin. E,
assim, como citou, esquece “o flanar” antes de a poeira abaixar. Talvez, tudo
isso porque Ana Fani não compreenda que no capitalismo o espaço público não
passa de uma quimera.
O que, no fundo, Ana Fani quer dizer,
com melismas e coloraturas desafinadas, é que o espaço se torna mercadoria. O
que não é nenhuma novidade. Porém, complica ao tentar abordar o assunto pela
dupla determinação da mercadoria (enfatizando principalmente o valor de uso)
quando, na verdade, podia partir de uma perspectiva do capitalismo nascente e
descrever o processo em que a propriedade privada (imóvel) se torna
intercambiável por dinheiro (móvel). Aí, sim, poderia analisar o espaço sob a
forma da mercadoria em suas várias etapas. Porém, Ana Fani opera mal os
conceitos da economia política, daí sua recusa de encarar frontalmente o
desafio temático. Desconsiderando por completo a noção de propriedade privada,
talvez, por pura conveniência, Ana Fani quer convencer que o espaço se torna
mercadoria quando ele é ressignificado pelo turismo
e lazer e daí é privatizado.
“Nessa vertente de raciocínio e tomando
como pano de fundo da análise a metrópole de São Paulo, podemos afirmar que
existem profundas mudanças [quais?] nos espaços públicos da metrópole – tanto
no que se refere à sua diminuição, limitando as formas de acesso aos lugares
onde se desenrola a vida [à parte meu, a vida se desenrola ou enrola tanto no
espaço público quanto no privado], quanto ao seu uso com transformações nas
formas de apropriação do espaço; influenciando, como consequência, às (sic)
relações entre o cidadão e a metrópole.
“O processo de reprodução espacial na
grande metrópole é influenciado, hoje, pelo desenvolvimento de uma nova
atividade produtiva, um novo ramo econômico: o turismo e o lazer. Esta
atividade que se articula à tendência da transformação do espaço em mercadoria,
traz profundas mudanças, visto que é uma atividade que redefine singularidades
espaciais e reorienta o uso com novos modelos de acesso” (pp. 64 e 65).
E aqui é o que há de mais estarrecedor
neste artigo de Ana Fani: toda produção do espaço é reduzida à Disneylândia ou
a maçã (“Big Apple”) do ano novo em Nova Iorque!
Talvez, porque Narciso acha feio o que não é espelho, toda a teoria da produção do
espaço para Ana Fani se resume à experiência de vida pequeno burguesa. Tudo se
passa como se todas as pessoas do mundo pudessem fechar pacotes de turismo e
viajar alegremente pelo mundo afora. Ora, será que a autora ignora que metade
da população mundial vive abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com apenas 2
dólares por dia (3 bilhões, segundo a OIT [2015], sendo que 1 bilhão sobrevive
com menos de 1 dólar diário)? Será que esse contingente extremamente numeroso,
de que se compõe a prática social empírica, não interessa à análise do pensamento abstrato? No Brasil, segundo
dados do IBGE (2010), 115 milhões (60 % da população brasileira) sobrevivem com
menos de um salário mínimo; 50 milhões, com até meio salário mínimo por mês;
16,2 milhões, com 70 reais por mês; e quase 5 milhões não têm renda alguma. Infelizmente,
estas pessoas não podem se dar ao luxo de pôr o pé na estrada e borboletear ora
em Paris, ora em Nova Iorque, pois lutam sem cessar para garantir o pão nosso
de cada dia, o pagamento do aluguel, dos juros do agiota etc. Infelizmente,
para a análise, a teoria, a representação de felicidade e bem estar, o estado
miserável de mais da metade da população mundial não se constitui de “uma
interrogação”.
Porém, Ana Fani não está interessada em
pessoas, mas em apreciar e apontar os lugares, as formas, as aparências, as
paisagens etc.
“Mas por ter uma materialidade
indiscutível [alguém discute isso?], o processo espacial tem uma dimensão
aparente, visível na paisagem geográfica marcada pela heterogeneidade própria
dos lugares, mas também que aponta o reprodutível, e nesse caso também contém
um mundo das imagens, formas, aparências que apontam para a tendência à
homogeneização de nossa sociedade e que podem ser melhor apreciadas na paisagem
urbana da grande metrópole” (p. 65).
Sem dúvida...
“A metrópole em sua visão de
grandiosidade aparece em formas exuberantes, o símbolo do ‘moderno’, marcado
por construções arquitetônicas arrojadas – se bem que semelhantes – vias
expressas em grande quantidade – pontes, viadutos, túneis, sinalizando a
hegemonia do automóvel” (p. 65). [O que vem depois é mais um destes
trava-línguas que é desnecessário citar].
Nem sinal da favela, dos cortiços, dos
bairros de periferia, das construções em “broco”, do transporte público...
Favela, para Ana Fani, talvez, só se for na pacificada e feliz Rocinha!
Para Ana Fani, diferença, só mesmo
aquela entre usadores do espaço público
(“lugar da comunicação, do diálogo, de morar [na rua?], de brincar, de namorar,
de se expor, de conversar, de reivindicar”, p. 66) e usuários de equipamentos coletivos: “uma diferença fundamental” (p.
66).
E aí mais um batalhão de frases prolixas
e parágrafos sem nenhum nexo.
Continuemos:
“Por sua vez, as relações de produção
que engendram as atividades de repartição e consumo, (sic) se realizam sob a
égide de liberdade e igualdade, sob as leis do reprodutível, do repetitivo,
anulando diferenças no espaço e no tempo, destruindo a natureza e o tempo
social” (p. 66).
À parte: Às vezes, tenho a séria
suspeita de que Ana Fani escreve tudo o que vem à sua mente sem muito refletir
no que está fazendo. Honestamente, faz algum sentido esta afirmação extraída da
frase acima: as relações de produção que
engendram as atividades de repartição e consumo, se realizam sob a égide de
liberdade e igualdade! Quais são as leis do reprodutível, do repetitivo?!
Sob a égide de liberdade e igualdade? Essa pergunta não merece nenhuma resposta.
Mas como anular diferenças no espaço e no
tempo?! O que Einstein diria sobre isso!!!
Porém, deve ser importantíssimo o que
acaba de ser dito, pois está na origem da
discussão do espaço turístico e de lazer:
“Essa ideia está na origem da discussão
da origem dos espaços turísticos e de lazer produzidos a partir de estratégias
de reprodução, num determinado momento da história [ué, não é no fim do século
XX?] do capitalismo que se estende cada vez mais para o global, criando novos
setores de atividades, dentre elas o turismo, com extensão das atividades produtivas”
(p. 66).
“O turismo representa a conquista de uma
importante parcela do espaço que se transforma em mercadoria (e que entra no
circuito da troca), como é o caso das praias, montanhas e rios, tornando-se um
novo e rentável ramo da atividade produtiva, sob esta determinação” (p. 66).
Ora, se é mercadoria não entra no
circuito da troca, porque já está lá desde o início. (O que define a mercadoria
é justamente o fato de ser um objeto produzido para ser trocado).
Ademais, sei que em muitas regiões de
países europeus [apesar de nunca ter saído do Brasil], como a Riviera Francesa,
existem muitas praias particulares, mas, ao que me consta, no Brasil, todas as
praias são públicas. Talvez, Ana Fani, que tem uma predileção por tudo o que é
Reviera, confunda Brasil e França, e desconheça essa informação. Quantos as
montanhas (reservas, parques etc.) e rios estão sob a jurisdição da União.
“E nesse sentido os lugares passam a ter
existência real através de sua trocabilidade, através da atividade dos promotores
imobiliários que se servem do espaço como meio voltado à realização da
reprodução” (p. 66).
E antes desse sentido, esses lugares não
tinham existência real? Vamos supor que, sendo assim, Saint Tropez não existia
antes de sua trocabilidade!
“Desse modo, o espaço é produzido e
reproduzido enquanto mercadoria reprodutível” (p. 66).
O que vem a ser uma mercadoria
reprodutível? Uma mercadoria que se reproduz por osmose?
Ah, quanta imaginação!
“No contexto em que novas áreas adquirem
valor de uso, o processo de apropriação passa a ser determinado pelas leis do
mercado, isso é, definido pela sua trocabilidade. Neste contexto...” (p. 66).
Como novas áreas adquirem valor de uso?
Por decreto do faraó? O processo de apropriação não deveria vir primeiro?
Na verdade, uma mercadoria só tem valor de uso depois que passa pelo
circuito da troca. No processo de produção capitalista, quando se há apropriação,
isto é, quando se consome trabalho (o valor de uso do trabalho é produzir valor
de troca), e expropriação (mais-valia), a finalidade do produto não é, rigorosamente, o valor de uso. O
fundamental do capital é a produção de valor
de troca. Somente na esfera do consumo, o produto mercadoria passa a ter
valor de uso (deixa de ser, se não for colocado novamente à venda, mercadoria).
No cerne da produção capitalista, a materialidade da mercadoria é apenas
fenomênica; o essencial é a troca,
expressa na seguinte fórmula D-M-D’; ou seja, a valorização do valor. Lições básicas de economia política sob um
viés marxista!
“Neste contexto, as parcelas do espaço,
sob a forma de mercadoria, se encadeiam ao longo do circuito da troca – a
partir de uma estratégia e de uma lógica” (p. 67).
Que parcelas? Como se encadeiam? Que
estratégia? Que lógica?
Haja paciência!
“Por sua vez, o espaço dominado,
controlado, impõe não apenas modos de apropriação, mas comportamentos, gestos,
modelos de construção que excluem-incluem” (p. 67)
!!!!!!!!!!!!!!
“A criação de espaços turísticos e de
lazer a partir de novas estratégias [Ana Fani ainda não explicou o que são
essas estratégias] interfere na produção de novas centralidades, no sentido em
que produzem polos de atração que redimencionam (sic) o fluxo das pessoas num
espaço mais amplo” (p. 67).
!!!!!!!!!!!!!!!
“...em nome de um presente programado e
lucrativo...” (p. 67)
!!!!!!!!!!!!!!!
“O espaço reproduzindo na perspectiva do
eminentemente reprodutível, campo onde o homogêneo triunfa...” (p. 67).
!!!!!!!!!!!!!!!
“Na realidade, a natureza destruída aos
poucos pela técnica recria-se de forma artificial, produzindo-se enquanto
simulacros, base dos espaços turísticos” (p. 67).
Espera aí! Deixa-me ver se eu entendi.
Vamos por parte. Na realidade, isto é, nisso que chamamos de real e que não é o
irreal (é preciso frisar bem!), a natureza recria-se de forma artificial,
porque foi destruída aos poucos [não seria aos muitos?] pela técnica. Eu
particularmente (e acredito que todo mundo) desconhecia essa capacidade natural
da natureza se recriar de forma artificial. Se isso for verdade, quer dizer
então que um morango, por livre e espontânea vontade, pode ser tornar um
chiclete de sabor artificial de morango? E essa forma artificial é um
simulacro, base dos espaços turísticos, a natureza recriar-se a si mesma como
natureza artificial?
E eis que começa a viagem de Ana Fani.
Entendam isso como bem quiserem, até mesmo como um diário de férias.
“Os exemplos tendem a ser cada vez em
maior número. Pode-se pensar na Disneyworld, Miami, na Califórnia, que tem a
pretensão de se constituir enquanto ‘mundo em si’, com direito a um castelo que
só tem fachada, o que significa a redução suprema do espaço à imagem de
fachada, feita só para ser vista, a qual sem nenhum referencial, pretende copiar
a arquitetura do castelo de Neuschwanstein, na Baviera, feito para o rei Ludwig
II” (p. 67).
Afinal, Ana Fani é professora de sociologia,
não é? Não?! De geografia! Mas a Disneyworld não fica em Orlando, estado da
Flórida, assim como também fica a cidade de Miami?!
Sejamos condescendentes novamente e, para
não desconstruir o raciocínio, vamos supor que a Disneyworld foi para Miaimi,
que por sua vez foi para a Califórnia, e continuemos bravamente!
Com relação ao “mundo em si”, sempre
ouvi falar em consciência-de-si. O que seria um mundo em si? Um mundo
autossuficiente, sujeito, autônomo? O noumenon?
Mas atentemos para esta revelação! Quer dizer então que o
castelo da Disneyworld é de fachada? Cenário, igual aqueles dos filmes de
cinema? Estou chocado! Puxa vida, agora magoou; lá se foram por água abaixo
meus sonhos de infância!
Mas o que Ana Fani queria? Que o Mickey,
a Minei, o Pato Donald e o Pateta morassem em um castelo de verdade?!!!
E como assim não tem referencial? Ana
Fani dá a ficha completa: arquitetura do castelo de Neuschwanstein, na Baviera,
feito para o rei Ludwig II. (As informações procedem, acabei de checar na
Wikipédia. Só faltou dizer que o castelo foi construído na segunda metade do
século XIX, por Ludwig II, o rei “louco” da Baviera, por influência do compositor
romântico Richard Wagner. O que significa
que o referido castelo apenas remonta estilisticamente à tradição medieval,
pois foi construído em plena Era Moderna!).
“Pode ser um castelo como o de Hearst em
San Simeon, na Califórnia, EUA, [a geografia está correta agora, com direito a
um EUA!] construído a partir de pedaços de igrejas e mosteiros europeus, aonde
(sic) vieram se juntar construções recentes; simulando o passado e reunindo num
único edifício as mais diferentes épocas, como se fossem a mesma, cria um
espaço de representação” (pp. 67 e 68).
E o castelinho da Avenida Brigadeiro
Luis Antonio?!
“O pequeno cais – o “píer 39” –, em São
Francisco, é um outro possível exemplo (...)” (p. 68).
“Pode ser um centro de cidade
completamente simulado, como se vê em San Diego (...)” (p. 68).
“Um outro caso pode ser um pedaço de
estacionamento como o de ‘Mallory Square’, em Keys West (...)” (p. 68).
“Pode ser um hotel, que sozinho, se
transforma num lugarejo, como o caso de Portillo, no Chile” (p. 68).
“Para citar os casos brasileiros,
podemos elencar o Beto Carreiro World, em Santa Catarina, na esteira do sucesso
dos parques temáticos; Aquiraz, um cenário de novela da TV Globo, no Ceará, que
se transforma num “lugar”; os parques de dimensões na esteira do padrão
norte-amaricano, como o Parque da Mônica em São Paulo; ou mesmo lugares menores
dentro da metrópole, destinado ao lazer, como o restaurante Os Monges, ou a
casa de chá As Noviças, ou ainda a área das cantinas italianas no Bexiga” (p.
68).
Para tratar da produção do espaço,
despenca-se da teoria numa coleção de fatos!
Todos estes lugares (“lugares” ou não-lugares), por sinal, estão nas
Américas. A julgar pelos exemplos de Ana Fani, o espaço só se torna mercadoria no
Novo Mundo.
“Sem exceção, trata-se de espaços
dominados por estratégias de marketing e que só tem sentido o que lhe é
conferido pelo marketing na medida em que são vistos como uma imagem e um signo
de bem-estar e felicidade que apaga suas configurações de mercadoria, mas é
redutor da realidade que pretende representar” (p. 68).
As estratégias de marketing (de mercado)
ou de publicidade jamais apagam a configurações de mercadoria de um determinado
produto, seja uma lata de tomates, seja o ingresso em um parque temático. O
mais cruel no capitalismo é que somente pela aquisição de mercadoria pode-se
alcançar o estado de bem-estar e de felicidade; o que se apaga, assim como faz
o artigo de Ana Fani é, de fato, a mais-valia, a exploração e a miséria do trabalhador.
“Nesse caso, o espaço aparece sem
espessura (sem passado, sem identidade, isto é, sem história) geométrico,
visual, uma abstração vazia, onde o privado se reafirma e se impõe em
detrimento do público” (p. 68).
Só reproduzi esse fragmento, porque ele
será importante para o conceito formulado por Ana Fani de “não-lugar”. Nota-se,
por ora, o que a autora entende por “espessura”: sem passado, sem identidade, isto é, sem história. Mais adiante
farei um comentário a respeito.
“Os casos citados são a expressão do
movimento que transforma o espaço em mercadoria, produzindo o consumo do
espaço. Uma mercadoria que se constitui sob a égide da simulação e da mimésis,
posto que a produção de representações acompanha a criação desta nova atividade
econômica” (p. 68).
Fica claro que Ana Fani não define o que
é esse espaço. Ao que parece, para
ela, o espaço enquanto mercadoria restringe-se a estes grandes ou pequenos
empreendimentos, destinados ao lazer ou ao turismo, como, por exemplo, o Parque
da Mônica. Entretanto, nada fala sobre a propriedade privada, que subjaz e
ultrapassa todos estes negócios, e que está na base do surgimento do
capitalismo. Quanto ao conceito de mimesis,
há uma discussão bastante aprofundada, sobre a práxis, na obra já citada por mim,
“Matafilosofia”, de Henri Lefebvre. Não vou entrar em detalhes aqui, só
mencionar que o conceito de mimesis
reporta a Platão, que compreende a arte como imitação.
“Lugares que ganham sentido enquanto
centralidades de fluxos no plano global atraindo consumidores-turistas do mundo
todo, portanto lugares de acumulação, articulados às estratégias de reprodução,
cujo papel se redefine constantemente no plano das estratégias globais” (pp. 68
e 69).
Quem são esses consumidores-turistas?
Quem faz as estratégias globais? Quem são os promotores? Isso tudo fica no ar,
como numa teoria da conspiração; Ana Fani nunca explicita quem são estes
sujeitos. Seriam os burgueses, os capitalistas, os gestores, o capital? Quem?
Em seguida, o texto segue falando sobre
o papel da mídia em produzir estímulos que induzem os consumidores a frequentar
estes “lugares”.
E aí Ana Fani narra a passagem do ano em
Nova Iorque. Relato com uma riqueza de detalhes tão grande, que me faz ter
certeza de que mesma é testemunha ocular da história, tendo investigado o fato in loco. A citação é longa, mais vale a
pena (as observações entre colchetes são sempre minhas):
“O ano novo em Times Square, Nova York,
é o exemplo mais claro do poder da mídia em fabricar representações; mas aqui
ela vai mais longe, pois consegue vender ‘o nada’ (!!!). [Agora não adianta
reclamar e pedir o dinheiro de volta!]. Por volta das 10 horas do dia 31 de
dezembro, a massa de quase um milhão de pessoas começa a se acotovelar nas
avenidas Sétima e Oitava – em áreas pré-determinadas pela polícia de Nova York
[evidentemente, não seria a polícia de Londres ou de São Paulo], que coloca
cavaletes para sinalizar as áreas que podem ser ocupadas e com isso permitir a
evacuação imediata, pelas ruas transversais das avenidas que desembocam em
Times Square, depois da festa [nada como polícia de primeiro mundo!]. Nesta
praça apertada e de tamanho insignificante, há uma bola e um locutor que vai
anunciando os minutos que faltam para o ano novo. O interessante é que não se
vê absolutamente nada [não é verdade, alguém viu a bola e um locutor!]: a
multidão e o espaço exíguo não permitem [as cabeças na frente constituem
obstáculos; aí o conselho é esticar bem o pescoço ou subir na guia]. Também não
há muito o que ver [de fato, só a bola e um locutor], é só saber que se está
num lugar em que a mídia define como ‘o lugar’ [Obama definiu Lula de “o cara”;
a mídia não gostou muito e redefiniu “o cara” de Obama] estar na noite do dia
31 de dezembro em Nova York. A multidão, massa disforme de corpos, se aglomera
nas duas avenidas [gente suada, desodorante vencido...], voltada para a direção
de Times Square, quase sem se olhar [eles estão tentando enxergar a bola!].
Aqui parece não haver prazer, nem desejo, apenas a expectativa passiva da chegada
da meia-noite. [Mal posso esperar!]” (p. 69).
“À meia-noite [quer dizer, dez segundos
para a meia-noite], então, o que acontece? [O quê? O quê? – suspense no ar...]
O locutor faz a contagem regressiva [dez, nove, oito... ah, não! é em inglês:
ten, nine, eight, seven, six, five, four, three, two, one...], uma bola branca
é solta no ar [para onde foi a bola?! para onde foi a bola, alguém viu?!], mas
poucos podem ouvir ou ver [sem dúvida, quem chegou primeiro]. A massa
acotovelada nas avenidas [tem um gringo com um cotovelo no meu olho!] grita por
um ou dois minutos: “happy new year!” [tradução: “feliz ano novo!” – puxa, lá na
Praia Grande todo mundo grita também, só que não tem bola nem locutor], e
depois se dispersa ruidosamente [where is
the ball?], será que satisfeita? [não tenho a menor dúvida] Só uma poderosa
mídia consegue mobilizar tanta gente para o ‘nada’ [até tu, Brutus!]. Aqui se
trata indiscutivelmente de mais um espetáculo que representa a não-comunicação
em meio à massa de pessoas que se aglomera, olhando para um ponto distante [a
bola!] à sua frente onde está Times Square, como se fosse uma ‘Meca
(temporária) moderna’ que atrai os olhares e expectativas que não se realizam [estraga
prazer!]. O mais assustador é ação dos guardas da polícia que, aos bandos, agem
de forma violenta [tolerância zero, prefeito Giuliani], distribuindo cassetadas
em quem, segundo um padrão não identificável [então eles dão bordoadas em todo
mundo!], se comporta de forma inadmissível [bêbados felizes e inconvenientes –
o ser humano é igual em qualquer lugar do mundo!], ‘confinado’ num espaço
pré-determinado [famoso chiqueirinho; já apanhei muito também!]” (p. 69).
“Os americanos são mestres na arte do
espetáculo que produzem [e em dar borrachadas na cabeça de bagunceiros de
plantão]” (p. 70).
E nós, latinos americanos, não somos
americanos também? Só porque estamos aqui em baixo, no mapa, devemos ser ignorados?
E, como assim, os americanos são mestres na arte do espetáculo que produzem?
Isso é o mesmo que dizer que os americanos são mestres em produzir bolas
brancas e vender o “nada”?
Depois da passagem do ano em New York, aliás, um raro momento de
clareza no texto, é hora de curar a ressaca numa lanchonete, afinal, como diz o
dito popular, saco vazio não para em pé. No primeiro do ano, a odisseia de Ana
Fani por Nova Iorque vai levá-la a novas peripécias, inauditas para grande
parte de nós tupiniquins:
“A lanchonete da rede Planet Hollywood, na rua 52, em Nova
York, é um exemplo significativo de um comportamento imposto pelo cotidiano
programado. Antes mesmo de abrir suas portas, atrai filas imensas de gente que
se reveza, ao longo do dia, ininterruptamente, esperando – pacientemente e ordenadamente
– [que sufoco, heim Ana Fani?! Aqui em casa a gente come a sobra da farofa do Reveillon e ninguém fica estressado] não
só por um lugar para comer, mas também para comprar objetos com o logotipo da
lanchonete. Lá dentro a música alta e os programas, feitos especialmente para
passar nos telões instalados estrategicamente em vários pontos, mostram o glamour do cinema de Hollywood, onde
estrelas megalomaníacas, donas da rede, aparecem” (p. 70).
Na verdade, estas estrelas de Hollywood
não são nem um pouco megalomaníacas e, sim, muito espertalhonas.
“E, assim, lugares ganham uma
centralidade saturada de objetos, logo, vazias de sentido” (p. 70).
Eis uma construção de frase tipicamente
ao estilo de Ana Fani. Aqui a palavra logo
tem a mesma função de portanto,
indicando conclusão de um raciocínio. Não há nada intrínseca e semanticamente
em “centralidade saturada de objetos” que sugira carência ou esvaziamento de sentido. O leitor apenas
tem de aceitar isso e pronto.
“O espaço turístico se liga, diretamente,
ao plano do consumo do espaço enquanto lugar de acumulação, articulado às
necessidades de reprodução da sociedade” (p. 70).
Ana Fani já não tinha dito essa frase ipsis litteris antes?
“É consequência do fato de que hoje no
mundo moderno não se produz apenas mercadorias convencionais como mesa, roupas
ou cadeiras, mas o espaço voltado ao consumo” (p. 70).
É consequência do fato de que hoje no
mundo moderno se produza também sofá, prateleira, geladeira, fogão, automóvel,
computador, telefone... e uma infinidade de outros produtos. Quanto ao espaço,
há muito que se produzem casas, apartamentos, clubes, cinemas, parques, shopping center etc. que, ao que me
consta, são voltados para o consumo. Não é algo que diz respeito exclusivamente
ao mundo moderno de hoje.
“Aos espaços turísticos acrescentamos
aqueles destinados ao lazer – dentro da metrópole – são também lugares que
guardam ou produzem criando uma centralidade que direciona o fluxo de pessoas,
consumidores em potencial. No caso das áreas de lazer da metrópole paulista,
estas surgem como decorrência do processo de urbanização que adensa e amplia a
malha urbana, transformando periodicamente, áreas inteiras; muitas entram no
circuito de atração dos habitantes como polos de lazer pago – áreas de restaurante,
bares, casas noturnas, etc., e acabam se tornando meio de segregação espacial,
posto que o acesso pago restringe o público. Neste contexto, produz-se centros
na metrópole que ganham funções e significados diferenciados, em função da
construção e da necessidade de áreas lazer” (p. 71).
Puxa vida, agora até eu me perdi!
Vamos por parte:
“Aos espaços turísticos acrescentamos
aqueles destinados ao lazer (...)”. Ué, os espaços turísticos não são espaços
de lazer? O correto não seria dizer que os espaços de lazer não são
necessariamente espaços turísticos?
Os espaços de lazer, que estão dentro da
metrópole (podiam estar dentro de cidades médias e pequenas, ou mesmo fora, na
zona rural), “guardam ou produzem criando uma centralidade que direciona o
fluxo de pessoas (...)”. Os espaços de lazer guardam centralidades, produzem
criando centralidades? Direciona o fluxo de pessoas para onde, para as
centralidades? Sem comentários.
Com relação à metrópole paulista: os
espaços de lazer surgem “como decorrência do processo de urbanização que adensa
e amplia a malha urbana, transformando periodicamente, áreas inteiras”. Isso me
parece natural. A malha urbana é ampliada e adensada com o processo de
urbanização; afinal, o que é urbanização senão o aumento da população urbana em
relação à camponesa e a transformação de regiões campestres em urbanas? E que
nesse processo apareçam áreas de lazer, isso também me parece razoável, afinal,
“nem só de pão viverá o homem” (Deuteronômio 8:3).
Espaços de lazer que “entram no circuito
de atração dos habitantes como polos de lazer pago – áreas de restaurante,
bares, casas noturnas, etc., e acabam se tornando meio de segregação espacial,
posto que o acesso pago restringe o público”. Posto que o acesso pago restrinja o público, isso é evidente. Desde
o início do capitalismo, quando sequer existia o tempo livre ou a indústria do
entretenimento e a cultura de massa, e ainda nos tempos atuais, quem não tem
dinheiro (isto é, o proletariado) é segregado. Assim foram os bairros operário,
repletos de cortiços, doenças e penúria, no auge da Revolução Industrial; e
assim é até hoje. Não é o espaço de lazer que segrega, mas o capitalismo!
“As atividades produzidas no contexto
das atividades de lazer apontam para contradição entre espaço de
consumo-consumo de espaço. O que ilumina outra contradição: a capacidade de
cada vez mais o espaço se reproduzir no plano do mundial sem impedir sua
fragmentação em pequenas parcelas apropriadas individualmente, segundo as
exigências da reprodução, no plano local” (p. 71).
Ilumina a contradição?!!! Em primeiro
lugar, “espaço de consumo-consumo de espaço” não é uma contradição e, sim, uma
identidade. Se um parque temático é um espaço
de consumo, então é de se esperar que haja um consumo deste espaço, isto é,
uma certa clientela que paga para estar nele. Seria contradição se num espaço
de consumo as pessoas não consumissem este espaço: espaço de consumo-não
consumo de espaço. Aristóteles ensinou em sua lógica que o princípio de não-contradição,
que deve ser evitada pela lógica formal, é A é não-A, e que o princípio do
terceiro excluído, que também deve ser evitado, é A não pode ser A e não-A (isto
é, verdadeiro e falso ao mesmo tempo). E Hegel, pai da dialética moderna,
ensinou que uma contradição não é oposição (mesa não é telefone, branco não é
preto etc.), mas negação determinada
(homem não é mulher, claro não é escuro etc.). Também não ilumina a segunda
contradição: o fato do espaço se reproduzir no plano global sem impedir sua fragmentação
não indica contradição, pois pode haver aí justaposição. A contradição implica,
isto sim, uma relação reflexiva.
“Ou, ainda, a contradição entre a
abundância relativa de produtos e a constituição do que Lefebvre chama de novas
raridades, no caso da produção do espaço onde os lugares ganham novo sentido,
seja para o turismo, seja para o lazer – e com isso tornam-se escassos” (p.
71).
Não sei se Ana Fani descobriu um novo
método, que consiste em escrever a esmo até que, de repente, apareça do nada a
verdade revelada, ou se espera que por força de seus títulos (diplomas) suas
ideias sejam engolidas pelos seus leitores (diga-se, pós-graduandos ansiosos
por uma bolsa de pesquisa).
Onde está a contradição entre abundância
relativa e novas raridades? Ora, se a abundância é relativa, ela pode ser
abundância em meio à raridade, sem ser uma contradição. Para ser uma
contradição, o correto seria afirmar que a abundância absoluta é (ou coexiste
com a) raridade, ao mesmo tempo (é o que se passa no capitalismo). Em segundo
lugar, Ana Fani chama de novas raridades a produção de lugares que ganham novo
sentido (turismo e lazer) – onde está a raridade aí? Se fossem raros, seria
insignificante, reduzido em número, exatamente o inverso do que o texto quer
dizer. E o que dizer da proposição “ao ganhar novo sentido se tornam escassos”?
Isso, sim, é que é uma escassez de sentido!
Sempre li as novas raridades em Lefebvre
do seguinte modo: a produção nas sociedades pré-capitalistas sempre foi muito
escassa e dependente dos ciclos naturais. Para resumir, essas sociedades
produziam apenas o alimento, o vestuário, a residência etc. Mas a alimentação
era insuficiente, pobre e constituía-se basicamente de pão, ervas, enfim, pouca
carne; isso quando a fome não assolava, às vezes, continentes inteiros por
longos períodos. A moradia, a não ser para aqueles que viviam em castelos (não
de fachadas!), era pequena, precária, insalubre etc. A sociedade capitalista,
porém, inaugura uma nova fase em que a produção (a riqueza) é exponencialmente
infinita. No século XX, em países centrais do continente europeu, com seu
histórico imperialista, ocorreu uma superação quase completa do flagelo da
fome, algo que tornaria a frase da rainha Maria Antonieta (não a da geografia)
profundamente procedente: “se o povo não tem pão, que coma brioches”. Mas,
infelizmente, para Maria Antonieta, a França de seu tempo era um país
politicamente feudal e a burguesia ainda era a classe revolucionária e o povo
estava ao seu lado. Essa perspectiva de produção ilimitada levou a muitos
intelectuais, entre os anos de 1950 a 1970 (fase dourada do capitalismo), a cunharem
a expressão “sociedade da abundância”. Porém, é quase nessa mesma época, com as
crises do petróleo, nos anos 70, que se dá a crise dos recursos naturais. De
certa forma, a produção capitalista, dependente de petróleo e extremamente
poluidora e nociva à natureza, despertou a consciência do problema do colapso
do meio ambiente. É nesse sentido que entendo as novas raridades; a crise hídrica,
por exemplo, que assola o estado de São Paulo. Novas raridades: falta ar, falta
água, falta energia, falta habitação, falta natureza, falta espaço! Porém, é
preciso muito cuidado com a expressão, porque, se a produção é ilimitada, ela
também é superconcentrada, e, de fato, não suprimiu as antigas raridades. Aliás,
segundo organizações não governamentais e órgãos de organizações
internacionais, para se acabar com a fome no mundo (1 bilhão de pessoas passa
fome, conforme dados da FAO) seria suficiente um valor corresponde a 44 bilhões
de dólares, cerca de 1/5 da riqueza dos três maiores bilionários do planeta,
que têm a fortuna estimada em 202,8 bilhões de dólares. Segundo a revista
Forbes, existem hoje no mundo 1.826 bilionários, enquanto a população mundial é
de 7,2 bilhões de pessoas. (Todos esses dados são de 2015). A abundância só é
relativa no sentido que ela é apropriada por uma minoria; é da essência do
capitalismo a desigualdade político-social-econômica. Esses números fazem nos
questionar se Ana Fani realmente faz geografia crítica.
No parágrafo seguinte, Ana Fani analisa
o bairro do Bixiga como um “não-lugar”.
“O antigo bairro da metrópole paulista
(a 2km do centro), inicialmente habitado por imigrantes italianos que aqui
chegaram no fim do século passado, deixa hoje, como resquício desse passado,
uma área de restaurante que é cada vez menos ‘italiana’. Trata-se de um dos
lugares de lazer da metrópole, inscrito no circuito turístico gastronômico com
seus restaurantes, cantinas e pizzarias com toalhas xadrez, fitinhas com as
cores da bandeira italiana, garrafas de vinho e queijos pendurados nas paredes
e no teto, os indefectíveis posters de cidades italianas e, em alguns casos,
com sua música alegre. Na realidade, se assemelha a tantos outros no mundo,
como o ‘litle Italy’ de Nova York, ou o quadrilátero italiano em Amsterdan,
“North Beach” em São Francisco, ‘Nord Endle’ em Boston, que atraem uma grande
multidão nos finais de semana vindas de toda parte da metrópole e de fora dela”
(p. 71).
Ora, os italianos chegaram, em grandes
levas, num fluxo contínuo, com raras interrupções, em São Paulo, entre o final
do século XIX, (1880) e início do XX, mais ou menos os anos 20 e 30. É
evidente, que depois de quase 100 anos (o artigo foi publicado no ano de 1999)
findado o fluxo migratório, o bairro do Bixiga não abrigue mais italianos, pois
seus descendentes se tornaram brasileiros e, desses, muitos se mudaram para
outros bairros da cidade de São Paulo. Nesse sentido, não é porque uma pessoa
tem uma origem italiana que ela e os seus rebentos devam ser condenadas a
residir num bairro italiano para sempre. Quanto a dizer que o bairro do Bixiga,
que não se reduz a uma rua de restaurantes, se “assemelha” a tantos outros
bairros italianos pelo mundo, é ignorar o tecido social do Bixiga e as
diferenças históricas que separam todos estes bairros em cidades de países
muito diferentes.
“Essa área transformada em polo de
atração se realizou capturando o que havia ou dizia respeito à cultura do
imigrante italiano, reproduzindo-se enquanto simulacros” (p. 72).
Que o bairro do Bixiga, em São Paulo
(Brasil!), não é a Itália e nem poderia sê-lo, isso me parece uma questão, não
apenas histórica e geográfica, mas de sensatez. Agora, dizer que as cantinas do
Bixiga são simulacros é, no mínimo, desrespeitar pessoas que são, sim, de
origem italiana e tiveram sua história de vida marcada pelo bairro ou pela
imigração italiana. O que dizer daqueles donos de cantina, muitos deles,
senhores de idade, que passam de mesa em mesa para saber se o freguês está
satisfeito, como, por exemplo, o simpático seu Gianotti, da cantina que leva o
seu nome?
“Cada vez mais os lugares do turismo ou
lazer, nesta sociedade, produz-se como ‘não-lugares’” (p. 72).
Ora, tal afirmação deve antes pressupor
o que é “lugar”. Em nota, Ana Fani diz que esta ideia de produção de “não-lugares”
foi desenvolvida por ela em seu texto “A produção dos não-lugares” (ótimo,
faremos em breve uma crítica desse texto também). (Esta noção de “não-lugar” é
de Marc Augé; nada que valha muito a pena perder muito tempo em se entreter com
conceito, digamos, tão caprichoso).
“O que defino como não-lugar refere-se
ao espaço produzido pela indústria do turismo, um espaço destinado ao consumo,
que se transforma num espaço presente sem espessura, quer dizer, sem história,
sem identificação: o espaço do vazio, da ausência, que se realiza através dos
signos” (p. 72).
Vejamos. O uso corrente da palavra lugar é, antes de tudo, polissêmico e,
em contrapartida, muito vago, geral e abstrato. Lugar pode definir muitas coisas, desde uma posição hierárquica a
um trecho de página num livro. Nada indica, porém, que lugar deva, intrínseca e semanticamente, carregar um significado de
conteúdo histórico. Ao contrário. Por isso, a definição pressuposta no argumento
do “não-lugar” já de saída encontra problemas.
Dizer também que o espaço produzido pela indústria do turismo se transforma num espaço
presente é mais uma das redundâncias do artigo. Espaço (simultaneidade ou sincronia) é sempre presente, por mais
que seja resultado da ação do tempo (diacronia). É preciso extrapolar muito nas
metáforas para afirmar que um espaço sem
história e identificação é um espaço vazio, de ausência, que se realiza através
dos signos, isto é, referenciais supostamente alheias àquele lugar. Espaço vazio do quê? De pessoas, de
coisas, de história? Só poderia ser mesmo de história, como a própria Ana Fani
sustenta. O que é impossível. (Essa era justamente a discussão sobre Baudelaire
e Benjamin!). O fato é que a história é uma construção mental, do conhecimento,
a posteriori, e tem relação com a
memória. Por exemplo, se no início da modernidade, os renascentistas imitavam
em quase tudo a cultura greco-românica, e, a partir dela, criavam suas
representações, isso não significa que o Renascimento não teve história (o
termo Renascimento, aliás, foi
cunhado no fim do século XIX por Jacob Burckhardt). Seria o mesmo que dizer que
as obras de Michelangelo não passam de simulacros! Na verdade, há muitos outros
exemplos de representações do passado que guiaram ações no presente. Carlos
Magno se coroou imperador agraciado pelo Papa e representado como um general
romano, o mesmo fez Napoleão. Se a indústria do turismo usa de representações
históricas – nem sempre, afinal, que representação histórica em si haveria em um
lugar como os Lençóis do Maranhão, em que a representação de natureza é o
grande atrativo? –, é porque há um momento, na história do capitalismo, em que
isso se tornou bastante lucrativo.
Na verdade, Ana Fani agarra-se à lógica
formal e quer daí encontrar identidades, o ser primevo e autêntico, o paraíso
perdido, a tradição. Ana Fani quer um chinês preparando yakissoba em Hong-Kong,
e não um alagoano, em um restaurante delivery em São Paulo. Busca sem fim. O
próprio conceito de Estado-nação (nacionalidade), ao qual ela se prende, é uma
invenção da modernidade. No caso da Itália, exemplo que ela cita para falar do
Bixiga, não há qualquer identidade entre os “italianos” das várias regiões da
península. O arrogante “lombardo” de olhos castanhos é hostil ao “negro”
siciliano, de olhos azuis; a língua do toscano Dante é a língua oficial da
Itália; etc.
Mas a própria Ana Fani cai em
contradição ao falar do Bixiga: O antigo
bairro da metrópole paulista (a 2km do centro), inicialmente habitado por
imigrantes italianos que aqui chegaram no fim do século passado. Que ela
tenta remediar em seguida:
“Mas a construção destes simulacros não
ocorre no vazio, utilizam-se do fato de que nenhum momento da produção espacial
desaparece totalmente, seja através dos traços da paisagem, seja da cultura ou
do imaginário da sociedade” (p. 72)
Era vazio, depois não é mais. Ao invés
de dizer que tudo vira mercadoria e que a indústria do turismo é mais um
segmento da economia capitalista, Ana Fani tenta forçar uma teoria do espaço através
de um conceito impreciso com fachada de precisão, o de “não-lugar”.
Rigorosamente, um não-lugar simplesmente não existe empiricamente e só pode
existir como ideia indemonstrável numa teoria que propõe o divórcio com a
prática social empírica.
O tal de não-lugar é utopia. Na história
da literatura, as utopias eram ilhas distantes, perdidas e habitadas por povos
cuja organização social era perfeita, situadas no horizonte (futuro) e que
serviam de modelo para uma crítica sutil das sociedades do presente, marcadas
pela corrupção, ganância dos políticos, imoralidade, riqueza, avareza etc. Mas Ana
Fani quer dizer, por outros meios, que a indústria do turismo cria utopias, ou
melhor, espaços de ilusão. Ora, Marx, em O Capital, já descrevia que a “mercadoria
é, antes de tudo, um objeto exterior, uma coisa que, pelas suas propriedades,
satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. Que essas necessidades
tenham a sua origem no estômago ou na fantasia, a sua natureza em nada altera a
questão” (Karl Marx, “O Capital”, tomo I). Simples, é só aplicar isso ao espaço
e temos a teoria do não-lugar. Porém, como foi dito, Ana Fani não abandona a
geografia tradicional e crê em culturas e nacionalidades autênticas. Porém, a
realidade dos fatos, da prática social empírica, inacessível à teoria do espaço
de Ana Fani, contraria suas expectativas. Eis, enfim, o movimento! Tudo é,
desde sempre, devir. Além do mais, a
indústria do turismo não se alimenta apenas da venda de pacotes para a Disneyworld, o Jurassic Park, Beto Carreiro
World, Planet Hollywood etc. O
que dizer de passeios distantes das Américas, pela cidade de Veneza, ou para
Atenas, Nova Deli, Praga, Egito etc. Um turista diante da Muralha da China não
está diante de um simulacro!
O fato é que o consumidor quer comprar a
fantasia quando vai a um parque temático. Ninguém sai decepcionado de um parque
de dinossauros só porque não viu dinossauros de verdade!
Depois desses exemplos empíricos
(coleção de fatos), Ana Fani volta a teorizar e, aí, já sabemos, seu texto não
tem pé nem cabeça. Recuso-me a transcrever o parágrafo na íntegra, mas deixo
esta pequena amostra:
“A mimesis estabelece, no fictício, o
visual, o ótico privilegiado, ora simulando a natureza primeira, ora simulando
um passado, produzindo o imediato, a corporiedade. O espaço torna-se, neste
contexto, um espaço abstrato, que cria uma prática espacial homogênea,
coercitiva, enquanto produção do reprodutível através da imitação” (p.72).
O espaço torna-se espaço abstrato. Isso,
desde sempre, já nasceu abstrato.
Esse espaço abstrato cria uma prática
espacial homogênea!, coercitiva, enquanto produção do reprodutível através da
imitação. Não preciso dizer mais nada.
Em seguida, Ana Fani começa com uma
adversativa...
“Mas, por sua vez, o espaço pode se pensado
como lugar no qual o desejo poderia se manifestar e mesmo se desenvolver, e
isto tanto na praia, quanto na montanha, ou mesmo na metrópole” (p. 72).
Que desejo? Desejo necessita de alguém
que deseja. Desejo não está aí flutuando como nuvens brancas no céu, nem
tomando sol na praia, nem escalando montanha, nem esperando o transporte
público na metrópole.
O que Ana Fani quer dizer agora é tudo o
contrário que dizia até aqui.
“No caso dos bairros italianos, convém
lembrar que há momentos da festa (dentre outras que acontecem na metrópole)
ligados a uma tradição cultural que se mantém viva” (p. 72).
Convém lembrar, que há momentos de festa
quando a bola sobe no ano novo em Nova Iorque, no Planet Hollywood, diante da fachada de castelo da Disneyworld etc.
“No caso das áreas da festa, uma parte
da rua cheia de barracas de comidas italianas não impede o passo do flâneur que observa o panorama colorido
em meio a sons dissonantes de conversas alegres, misturadas à música que sai
dos auto-falantes (sic), rodeado pela comida típica que exala um cheiro
agradável e convidativo. Já a área restrita do restaurante improvisado com
mesas formadas com uma tábua sobre cavalete, é destinada apenas àqueles que
compraram convites vendidos com muita antecedência. Esse encadeamento do
público com o meio-público, e do privado descrevem o espaço social em sua
multiplicidade” (p. 73).
Leia e julgue você mesmo!
Agora tente ler rapidamente o parágrafo
abaixo:
“A existência da festa ajuda a
relativizar a massacrante tendência da sociedade à constituição do homogêneo
enquanto estratégia de poder ou vinculada à tendência de se ignorar os resíduos
que emergem juntamente no cotidiano programado, onde é possível pensar que
trabalho/festa não se separam, que o lazer, enquanto possibilidade de
manifestação-realização de desejos, relativiza programado” (p. 73).
Ótimo! Então está tudo muito bem e não
tratemos mais do assunto. (Por favor!)
“Na preparação que antecede o início da
festa de San Genaro, na Mooca (outro bairro italiano da metrópole), por
exemplo, encontram-se, nos bastidores da organização ou na cozinha, muitos que
já não moram mais na Mooca, aqueles que vêm, inclusive, de fora de São Paulo,
que retornam a cada ano para trabalhar na festa e são recebidos pelos antigos vizinhos.
São pessoas que se ligam num objetivo comum, renovam uma amizade, se
reencontram reafirmando uma identidade com o lugar e com a vida que nele se
desenrola. Na cozinha nem sempre barulhentas, posto que todos aí trabalham
muito, “as mammas” preparam os molhos, as massas, às vezes, sem se falar, mas
com grande ‘ar’ de cumplicidade. São a prova viva de que nem tudo implodiu ou
foi capturado. Na verdade, revelam a contradição do processo de produção do
espaço; marcam o limite das metamorfoses impostas ao espaço, pelo processo de
reprodução, revelam o sentido da presença que se realiza enquanto transgressão
numa ordem imposta” (p. 73).
Caspita!
“(...) Isto porque o espaço produzido
enquanto produto, meio e condição da reprodução entra em conflito com suas
próprias contradições, com seus próprios resultados, é aqui que ele é ocupado,
controlado e orientado em direção ao reprodutível, se realiza também,
realizando o não reprodutível” (p. 73).
O texto tem varias pérolas. Mas gostaria
de entender como o espaço entra em conflito com suas contradições?
“No espaço se estabelecem, se aprofundam
ou mesmo se renovam laços de amizade, solidariedade e vizinhança; na
efervescência das festas e encontros que pontuam a vida na metrópole podem
surgir a cada esquina, a cada momento – a grande cidade é o teatro da ação. E
isto só pode se realizar nos espaços públicos – o espaço do uso enquanto
apropriação possível” (p. 74).
Claro que laços de amizade,
solidariedade e vizinhança estão sobre um determinado espaço, não estariam no
nada, afinal! Mas dizer que amizade, solidariedade, vizinhança, festa e
encontros só podem ocorrem nos espaços públicos e nunca dentro de uma
residência é algo difícil de acreditar.
A melhor definição para este artigo de
Ana Fani pode ser encontrada no próprio artigo de Ana Fani: mimesis e simulacro. O texto de Ana Fani não passa de uma imitação, ou
melhor, uma macaqueação de textos de
outros autores, notadamente Henri Lefebvre, dos quais coleciona fórmulas (não
fatos) sem, no entanto, dominá-las por inteiro e que são reproduzidas avassaladoramente
sem explicação de conteúdos, talvez, na expectativa de levantar uma cortina de
fumaça e convencer pela incompreensão. Também o artigo pode ser encarado como
um simulacro de artigos científicos e acadêmicos.
No mais, o artigo de Ana Fani se
assemelha a uma bolha de sabão: superficial, frágil e vazio. Ana Fani parece
desconhecer os pressupostos teóricos dos autores que ela cita, se valendo
apenas, para interpretá-los, de uma avaliação superestimada de que faz de si
mesma, talvez, baseando-se única e exclusivamente na trajetória de sua carreira
acadêmica exitosa.
Sobre FHC, o genial Millôr Fernandes
avaliou o seguinte:
“O que me impressiona é que esse homem,
que escreve mal — se aquilo é escrever bem o meu poodle é bicicleta [sobre o
livro de FHC] — e fala pessimamente — seu falar é absolutamente vazio, as
frases se contradizem entre si, quando uma frase não se contradiz nela mesma, é
considerado o maior sociólogo brasileiro”.
O diria Millôr Fernandes de Ana Fani?
Só para constar, Ana Fani é professora
titular do departamento de geografia –FFLCH/USP.
Nota: Este texto faz parte de nossas
publicações nos blogs “Geografia – isso não serve para fazer nada”, “Geografia
X Anarquia” e “Atualidade da geografia”.
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