por Brian Mier
O
que sabemos, o que não sabemos e o que podemos deduzir sobre o papel de
hegemonia geopolítica no “golpe suave” que retirou a Presidenta Dilma Rousseff
e seu governo.
Durante
uma visita recente a Porto Alegre, o professor e escritor cubano Raúl Antonio Capote
Fernandéz falou sobre o processo de 20 anos de recrutamento que resultou no
Projeto Gênesis da CIA. O objetivo da CIA era de fomentar um “golpe suave” em
Cuba, utilizando um aplicativo, parecido com Twitter, para gerar
descontentamento com o governo cubano e, através do financiamento e capacitação
para artistas, estudantes e professores (utilizando-se de ONG’s) criar um
partido de oposição de falsa esquerda. Fernandéz falou que estratégias
parecidas eram aplicadas na Venezuela, Irã e Líbia e continuavam a ser
implementadas em muitos outros países no terceiro mundo. Ele falou, também, que
uma estratégia-chave do “golpe suave” é solapar os pilares de um governo até
que ele imploda, gerando caos. “Com o país em caos,” ele disse, “é possível
recorrer a meios mais extremos.” Fernandéz relatou que o projeto Gênesis foi
baseado nas teorias de Gene Sharp sobre o “golpe suave”. No caso cubano, o
projeto da CIA enfraqueceu em 2006, quando Fidel Castro renunciou. De acordo
com Fernandéz, os fatores que causaram o fracasso do plano em Cuba foram: 1) O
Agente Darsi Ferrer desistiu dos seus planos de participar da geração de
notícias falsas sobre o “caos em Cuba” que seriam espalhadas nas companhias de
mídia americanas em 2006; 2) Os EUA subestimaram a inteligência do povo cubano;
3) a má compreensão sobre a revolução cubana, tida apenas como o culto à
personalidade construído sobre Fidel Castro ao invés da expressão da vontade
coletiva da grande maioria da população cubana; e 4) o fato de que a
inteligência cubana sabia sobre o projeto o tempo todo e a CIA,
inadvertidamente, contratou um agente duplo para gerenciar Projeto Gênesis.
Por
uma questão retórica vou supor que Fernandéz está falando a verdade e vou
procurar fazer alguns paralelos entre a tentativa de “golpe suave” fracassado
em Cuba e o “golpe suave” brasileiro de 2016, com o intuito de lançar alguma
luz sobre o possível envolvimento do estado norte americano em todo este
processo. Quando eu me refiro ao estado norte americano, penso no que
Buci-Glucksmann chama de o “estado expandido” - não apenas o governo e suas
instituições, mas a mídia comercial, o setor empresarial, partidos políticos e
instituições de ensino que suportam tal estado.
A
primeira pergunta que farei é: Como os Estados Unidos podem se beneficiar de um
golpe suave no Brasil? Algumas possíveis razões estão abaixo:
1)
Petróleo. Brasil tem enormes depósitos de petróleo na bacia de Santos, o
pré-sal, que antes do golpe de 2016 estavam nas mãos de uma empresa que, embora
seja de capital misto, continuava 100% brasileira, a Petrobras. Depois do
golpe, a Petrobras começou vender acesso aos seus depósitos de pré-sal para
empresas estrangeiras por preços abaixo do valor de mercado. O envolvimento do
José Serra, Ministério de Relações Exteriores pós-golpe, em articulações de
longo prazo com a empresa Chevron e o Departamento de Estado dos Estados
Unidos, encorajou a privatização e o abandono da lei do pré-sal, tudo
documentado aqui.
2)
Enfraquecimento dos BRICS. Antes do Brasil ser desestabilizado e as economias
da China e Rússia diminuírem o crescimento pareceu que os BRICS estavam se
transformando em um poderoso contrabalanço ao poder estadunidense no palco
mundial. Neste momento, as economias das nações que compõem o BRICS, somadas,
quase igualaram a norte americana, e o Brasil era seu segundo membro mais rico.
Os Estados Unidos tradicionalmente preferem negociações bilaterais às
negociações com blocos comerciais. Um argumento similar pode ser feito sobre o
desejo de enfraquecer Mercosul.
3)
Os Estados Unidos sempre intervieram em assuntos brasileiros. Em seu novo livro
best-seller, O Quarto Poder, Paulo Henrique Amorim documenta os 70 anos de
penetração norte-americana nos assuntos políticos e econômicos brasileiros. “US
Penetration of Brazil”, de Jan Black, conta em detalhes o apoio e envolvimento
estadunidense com a ditadura militar brasileira, incluindo treinamento em
técnicas de interrogação e tortura para milhares de policiais e militares
brasileiros, em lugares como a Escola das Américas. Apesar do fato de que China
ultrapassou os Estados Unidos como o maior parceiro comercial do Brasil em anos
recentes, ainda serve aos interesses do setor empresarial norte-americano que
os preços das commodities brasileiras se mantenham baixos e a produção industrial
interna seja limitada para encorajar compras dos produtos norte-americanos.
4.
Hegemonia. O governo petista foi caraterizado por uma economia política
neo-desenvolvimentista. Enquanto Lula manteve o tripé macroeconômico neoliberal
de FHC e a autonomia para o Banco Central (movimento livre de capital e
politicais fiscais rígidas), ele também implementou uma série de medidas
tradicionalmente desenvolvimentistas que se aprofundaram durante os primeiros 4
anos da presidência de Dilma Rousseff. Estas incluem aumentos anuais do salário
mínimo acima do nível de inflação, bilhões de reais de estímulos para produção
e consumo industrial interno, estabelecimento de um sistema de bem-estar social
e vinculação das pensões do INSS ao salário mínimo. Essas medidas redistributivas
criaram uma majoritária população de classe média, pela primeira vez na
história do Brasil, além de retirar o Brasil do Mapa Mundial da Fome da ONU.
Será que o fato de que o segundo maior país do hemisfério ocidental estava
caminhando bem e em um sistema que não era 100% neoliberal foi uma pedra no
sapato dos Estados Unidos? E se os norte-americanos começarem a exigir que,
como no Brasil, as universidades fossem 100% gratuitas? E se eles demandarem
que a comida das merendas escolares seja comprada exclusivamente dos pequenos
agricultores, como é no programa brasileiro do PAA? O que aconteceria se eles
exigissem que os pagamentos mínimos de pensão precisariam igualarem-se ao
salário mínimo? O fato que o Brasil estava andando bem e não seguindo ao pé da
letra a fórmula do FMI/Banco Mundial era uma tapa na cara do Consenso de
Washington e seu dogma da TINA (Não há alternativa/There Is No Alternative)
além de si.
Agora
que motivos possíveis foram estabelecidos vou olhar áreas possíveis em que o estado
norte-americano poderia ter “solapado os pilares” do governo brasileiro até que
ele implodisse, em 2015, quando o maior parceiro da coalizão política
governante, o PMDB, traiu Dilma Rousseff e fez o impeachment por uma infração
que foi legalizada pelo Senado dois dias depois do afastamento da presidenta do
cargo.
Apoio
para novos partidos da “esquerda”
Fernandéz
falou que uma das estratégias para solapar os pilares dos governos de esquerda
é a criação de uma falsa “nova esquerda”. Será que atores do estado
norte-americano apoiaram partidos políticos de uma falsa nova esquerda durante
a preparação para o golpe no Brasil?
Pode
ser que o Partido Verde tenha começado com boas motivações, mas ele foi
imediatamente sequestrado pela família Sarney, que são responsáveis pelo
desmatamento quase inteiro do estado do Maranhão. Com o Ministério do Meio
Ambiente durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, Sarney Filho, filho do
ex-presidente José Sarney, reduziu a percentagem de Mata Amazônica existente a
ser protegida de 50% para 25% em cada propriedade. O PV tradicionalmente se
alinha com a extrema-direita assim como o partido DEM apoia o conceito de
“capitalismo verde”. A rejeição do “capitalismo verde” foi o objetivo principal
dos ativistas do mundo inteiro que participaram do Fórum Alternativo ao Rio+20,
ocorrido também no Rio de Janeiro em 2012. Entretanto, a traidora ambiental
Marina Silva candidatou-se à presidência com uma pauta claramente de
capitalismo verde em 2010, com apoio de um dos maiores bancos brasileiros,
empresas de agroindústria e uma mídia internacional empolgada, com publicações
como o New York Times e Time a promovendo, quase até o status de uma deusa.
O
partido Solidariedade, criado pelo Paulinho da Força em 2013, apresenta-se como
uma nova alternativa para os trabalhadores organizados. Parece que depois das
acusações de fraude contra Paulinho da Força, o partido está enfraquecendo,
porém o fato dele compartilhar o nome com Solidarity (o mesmo do sindicato de
Lech Walesa apoiado pela CIA em Polônia no fim da época da União Soviética) faz
especular que, talvez, ele tenha sido criado para solapar o pilar sindicalista
do governo petista.
Marina
Silva, a queridinha da imprensa internacional liberal, tentou criar um partido
político novo em 2013 chamado REDE. De acordo com Marina, este seria “nem
esquerda nem direita”. Por conta de alegações de fraude na coleção das
assinaturas ele foi impedido de legalmente formar-se antes das eleições
presidenciais de 2014. Ela, então, foi convidada para ser vice-presidente com
Eduardo Campos, numa plataforma ideologicamente incoerente com o PSB. Logo
depois, Campos morreu num acidente de avião e Marina acabou candidatando-se a
presidente de novo. De novo falou sobre capitalismo verde e de novo recebeu os aplausos
da mídia norte americana. Depois que ela perdeu, a Rede conseguiu se legalizar
e juntou-se com Marina napoio para o tecnicamente ilegal impeachment.
O
PT nunca teve mais do que 22% da bancada no Congresso e foi obrigado para poder
governar a uma coalizão com um grupo de partidos corruptos e conservadores,
como o PMDB, legado de um dos dois partidos oficiais permitidos durante a
ditadura militar. Esta coalizão forçou o PT a sacrificar muitos dos seus
objetivos mais importantes, como acabar com a polícia militar, a reforma
agrária e a reforma política, e acabou afundando o partido na lama de uma série
de escândalos de corrupção, enquanto a mídia brasileira ignorava os principais
culpados e colocava toda culpa no PT. Isso alienou a corrente interna da esquerda
radical do partido, chamada “Socialismo ou Barbárie”. Liderada pela senadora
Heloísa Helena, muitos deles saíram e formaram o Partido de Socialismo e
Liberdade (PSOL). O PSOL foi uma força importante nas eleições presidenciais de
2006, quando Helena levou 7% dos votos no primeiro turno, forçando Lula para o
segundo turno contra governador conservador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Em
2010 o candidato a presidente do PSOL (e lenda da reforma agrária), Plínio
Arruda, não conseguiu mobilizar o apoio integral dos sindicatos e movimentos
sociais recebendo menos de 1% dos votos. Em 2014, Luciana Genro melhorou um
pouco, recebendo 1,5%, mas ela só ficou em quinto lugar nas eleições recentes
para prefeito, em Porto Alegre. Se você escutasse vários acadêmicos da esquerda
norte americana, imaginaria que PSOL era uma força crescente, representando a
verdadeira esquerda brasileira e não o que Gramsci chamou um “partido de
autoridade moral” sem plano sério de tomar o poder. Será que o PSOL recebeu
apoio indireto dos Estados Unidos e suas instituições de estado, expandindo-se
em sua apresentação como uma alternativa viável ao PT? Ele certamente é apoiado
por vários (aparentemente) bem-intencionados acadêmicos e publicações de
esquerda burguesa norte americana, que têm o costume de papagaiar sua
propaganda partidária sem análise crítica.
Transformando
a narrativa midiática para promover um senso de caos no Brasil
Em
sua entrevista ao jornal Sul 21, Fernandéz explicou como a CIA planejou criar
notícias falsas sobre “caos em Cuba” e espalhá-las pelas maiores companhias
midiáticas americanas, “como eles fizeram na Líbia”. Começando em 2013, a
cobertura mediática do Brasil transformou matérias geralmente positivas em
calúnias. O New York Times publicou uma matéria enorme cheia de fotos branco e
pretas de pessoas com rostos deprimidos e obras em construção inacabadas. As
manifestações, inicialmente sobre aumentos de tarifas de ônibus e contra
prefeitos e governadores, em 2013 foram quase totalmente transformadas em
manifestações anti-Dilma e durante meses matérias apareceram insinuando que
teriam enormes manifestações anti-governo durante a Copa do Mundo. Não
aconteceram. Em uma das tentativas mais óbvias de criar caos às vésperas da
Copa do Mundo, a produtora “Vice” dos Estados Unidos intitulou um documentário
sobre greves de professores no Rio e em São Paulo, “Caos no Brasil, nas ruas na
Copa do Mundo”.
Infiltração
na Media Social
Como
nos Estados Unidos, o bombardeamento de informações falsas na mídia social
contribuiu para o ressurgimento da extrema-direita e seus ataques contra
imigrantes, gays, mulheres, sindicatos e minorias étnicas. Em 2013, Aécio Neves
contratou a empresa que foi gerenciada pelo ex-coordenador da campanha de
Barack Obama, David Axelrod, para coordenar a sua campanha digital durante o
período eleitoral. Neste período, várias páginas de extrema-direita apareceram
no Facebook e Twitter, campanhas de difamação contra a Presidente Dilma
Rousseff, Lula e seu filho (que processou várias companhias da mídia por falsas
acusações de que ele era um bilionário e dono de Friboi). Duas destas páginas
mais populares, Movimento Brasil Livre e Estudantes pela Liberdade, receberam
financiamento dos bilionários petrolíferos da família Koch, que têm interesse
na privatização do pré-sal, por exemplo.
Desestabilização
econômica
Edward
Boorstein, no seu livro “Allende's Chile”, documentou como o governo
norte-americano e a empresa ITT causaram um boicote mundial ao cobre Chileno
para desestabilizar a economia às vésperas do golpe que colocou Augusto
Pinochet no poder. Durante o processo rumo ao golpe de 2016, o Juiz Sérgio
Moro, que, de acordo com documentos vazado do departamento do Estado dos
Estados Unidos, está recebendo apoio técnico do governo Americano para
investigar crimes de lavagem do dinheiro como parte do “Projeto Pontes” desde,
pelo menos, 2009, congelou operações das maiores companhias de construção civil
no pais, causando uma queda de 6,7% no setor de construção civil e, segundo
matéria da BBC, toda a lava à jato provocou uma queda de 2,5% no PIB do país .
Apesar de ter várias razões para a desaceleração da economia brasileira,
incluindo o erro do cálculo na taxa Selic feito pelo ex-Ministro de Fazenda
Guido Mantega, a paralisação das indústrias de construção e petróleo feita por
Moro foi um fator significante.
Apesar
de talvez não haver provas concretas suficientes e disponíveis para fazer um
argumento totalmente convincente sobre o envolvimento dos Estados Unidos no
golpe de 2016 contra Dilma Rousseff, certamente existem provas suficientes para
se especular sobre esta possibilidade. Será que os Estados Unidos se beneficiam
com as novas políticas deste governo? Com certeza. Ele tem motivos para apoiar
o golpe? Sim. Elementos do estado expandido norte-americano, como a imprensa
burguesa, solaparam os pilares do governo Brasileiro? Sim. Será que o governo
dos Estados Unidos foi diretamente envolvido nesta desestabilização? Neste
momento as únicas provas concretas são as correspondências do Departamento de
Estado dos EU implicando Sergio Moro, embora o nível deste envolvimento ainda
não é claro. Entretanto, sob o risco de ser acusado de um teórico de conspiração,
eu previno que com a passagem de tempo, como no caso do Golpe de 1964 no Brasil
e do golpe de 1973 em Chile, mais e mais provas de envolvimento dos Estados
Unidos na mudança de regime de 2016 vai subir até a superfície.
Brian
Mier é jornalista, escritor, geógrafo e produtor norte-americano, radicado no
Brasil há 20 anos. Foi ex-coordenador do Fórum Nacional de Reforma Urbana,
associado à União Nacional por Moradia Popular (UNMP). Morou em São Luís,
Recife, Salvador, Rio de Janeiro e atualmente reside na periferia de São Paulo.
Também é autor de um romance de viagem chamado “Slowride”. Durante 20 anos
contribuiu para “Lumpen Times”. É colaborador do blog norte-americano CEPR e
correspondente do programa de rádio “This is Hell”, de Chicago.
(Fonte: Conversa Afiada)
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