O OPERÁRIO NO MAR
Carlos Drummond de Andrade
Na rua passa um operário. Como vai firme! Não
tem blusa. No conto, no drama, no discurso político, a dor do operário está na
blusa azul, de pano grosso, nas mãos grossas, nos pés enormes, nos desconfortos
enormes. Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma
significação estranha no corpo, que carrega desígnios e segredos. Para onde vai
ele, pisando assim tão firme? Não sei. A fábrica ficou lá atrás. Adiante é só o
campo, com algumas árvores, o grande anúncio de gasolina americana e os fios,
os fios, os fios. O operário não lhe sobra tempo de perceber que eles levam e
trazem mensagens, que contam da Rússia, do Araguaia, dos Estados Unidos. Não
ouve, na Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando. Caminha no
campo e apenas repara que ali corre água, que mais adiante faz calor. Para onde
vai o operário? Teria vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca
foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza... Ou talvez seja
eu próprio que me despreze a seus olhos. Tenho vergonha e vontade de encará-lo:
uma fascinação quase me obriga a pular a janela, a cair em frente dele,
sustar-lhe a marcha, pelo menos implorar lhe que suste a marcha. Agora está
caminhando no mar. Eu pensava que isso fosse privilégio de alguns santos e de
navios. Mas não há nenhuma santidade no operário, e não vejo rodas nem hélices
no seu corpo, aparentemente banal. Sinto que o mar se acovardou e deixou-o
passar. Onde estão nossos exércitos que não impediram o milagre? Mas agora vejo
que o operário está cansado e que se molhou, não muito, mas se molhou, e peixes
escorrem de suas mãos. Vejo-o que se volta e me dirige um sorriso úmido. A
palidez e confusão do seu rosto são a própria tarde que se decompõe. Daqui a um
minuto será noite e estaremos irremediavelmente separados pelas circunstâncias
atmosféricas, eu em terra firme, ele no meio do mar. Único e precário agente de
ligação entre nós, seu sorriso cada vez mais frio atravessa as grandes massas
líquidas, choca-se contra as formações salinas, as fortalezas da costa, as
medusas, atravessa tudo e vem beijar-me o rosto, trazer-me uma esperança de
compreensão. Sim, quem sabe se um dia o compreenderei?
FÁBRICA
(Legião Urbana)
Nosso dia vai chegar
Teremos nossa vez
Não é pedir demais
Quero justiça
Quero trabalhar em paz
Não é muito o que lhe peço
Eu quero um trabalho honesto
Em vez de escravidão
Deve haver algum lugar
Onde o mais forte
Não consegue escravizar
Quem não tem chance
De onde vem a indiferença
Temperada a ferro e fogo?
Quem guarda os portões da fábrica?
O céu já foi azul, mas agora é cinza
O que era verde aqui já não existe mais
Quem me dera acreditar
Que não acontece nada de tanto brincar com fogo
Que venha o fogo então
Esse ar deixou minha vista cansada
Nada demais
AOS FUZILADOS NA CSN
(Garotos Podres)
Aos que habitam
Cortiços e favelas
e mesmo que acordados
pelas sirenes das fábricas
não deixam de sonhar
de ter esperanças
pois o futuro
vos pertence
Pois o futuro vos pertence! (coro)
Pois o futuro vos pertence! (coro)
Aos que carregam rosas
Sem temer machucar as mãos
pois seu sangue não é azul
nem verde do Dólar
mas vermelho
da fúria amordaçada
de um grito de liberdade
preso na garganta
Pois o futuro vos pertence! (coro)
Pois o futuro vos pertence! (coro)
Fuzilados da CSN
assassinados no campo
torturados no DEOPS
espancados na greve
A cada passo desta marcha
Camponeses e operários
tombam homens fuzilados
Mas por mais rosas que os poderosos matem
nunca conseguirão deter
a Primavera!
Pois o futuro vos pertence! (coro)
Pois o futuro vos pertence! (coro)
O GESTOR
(Fecaloma)
O barulho das máquinas
São gritos de ordens
Que impõe a submissão
De milhares de homens
A voz rouca da razão
Por justiça implora
Mas abafada pelo desinteresse
Ecoa apenas revolta
Humilhados e sujos
Entregam suas vidas
A quem não sabe distinguir
O suor das lágrimas
Aonde está o gestor?
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