terça-feira, 1 de agosto de 2017

LULA: CULPADO OU INOCENTE? NA OPINIÃO DE UM ANARQUISTA


Por João Monti

Todas as manchetes dos jornalões do país repercutiram – com júbilo disfarçado – a sentença condenatória do juiz Sérgio Moro no processo do qual Lula é réu com a seguinte frase: pela primeira vez na história do Brasil um ex-presidente da república foi condenado pela justiça.

O que é surpreendente, em se tratando de um país onde a corrupção é regra e não exceção!

Não apenas surpreendente, revela um significado de cunho perverso próprio da realidade brasileira. A questão correta deveria ser: por que na história do Brasil apenas um presidente foi condenado por corrupção?

Pouco surpreendente, por sinal, é a sentença de Lula, que nada tem a ver com corrupção.

Lula foi condenado porque, como tantos outros brasileiros condenados, é de origem pobre. Não é de hoje que o senso comum reza o velho adágio, de tão verdadeiro: no Brasil, só vai para a cadeia pobre, preto e mulato. As oligarquias burguesas do sudeste “branco” jamais engoliram a presença de um trabalhador, nordestino e ex-retirante, no mais alto cargo mandatário do país. Por isso, estas elites, de mentalidade escravocrata, exigiam punição exemplar a Lula.

Lula foi condenado e seus bens confiscados. Para a casa grande, não basta apenas esquartejar, é preciso salgar a terra e amaldiçoar até a terceira e quarta geração.

Se então a condenação de Lula já era um pressuposto, qual o pretexto para justificá-la?

Ao que parece, seu crime foi ter supostamente comprado um apartamento triplex no decadente Guarujá. Pelo menos, este é o entendimento da maior parte da população. E a plebe faz coro aos senhores: Que ousadia, um ex-metalúrgico, um reles trabalhador, como nós, comprar um triplex! Nada mais odioso, um pobretão querer dar uma de magnata. Pobre é pobre... Rico é rico... Como água e óleo.

E assim o povo esbravejou: o apedrejamento, em praça pública!

Para quem tem um pingo de inteligência e não é muito invejoso, esse argumento não convence.

Na verdade, para configurar crime a suposta compra do apartamento, Lula deveria oferecer em contrapartida vantagens indevidas à empreiteira OAS, receber propina em troca e usar o imóvel para lavar dinheiro. Isso nunca foi comprovado durante o processo. Na sentença, apenas suposições e indícios (ou como disse o juiz, “provas indiretas”). De fato, Moro se valeu do depoimento de duas testemunhas (ignorando dezenas de outras que inocentavam Lula) para condenar o ex-presidente. No direito, o testemunho é a prova de menor credibilidade, a prova mais frágil, no jargão preconceituoso da advocacia, é a prostituta de todas as provas. Conheci um rapaz que teve problemas na justiça e comprou cinco testemunhas com garotas de programa. É abominável, mas é verdade. Resultado da sentença: ele foi absolvido, mesmo sendo culpado. Portanto, a condenação de Lula, que deverá ser confirmada em segunda instância, carece de qualquer fundamentação jurídica. (Acredito até que Lula poderá ser absolvido no Supremo, mas até lá já vai estar fora do páreo eleitoral e condenado em outros processos).

Assim, se paira alguma sombra de dúvida, no direito vale a máxima de Voltaire: Mas vale absolver um culpado do que condenar um inocente.

É ingênuo, no entanto, creditar ao judiciário a faculdade de justiça. O poder judiciário não é nada mais do que uma instância superior de polícia e, como tal, tem função de reprimir o povo, em defesa das classes endinheiradas. O direito é uma ficção, não é ciência, não é lógica, e está sujeito à interpretação de pessoas passíveis de crenças, paixões, convicções, ideologias políticas etc. Programas de computadores poderiam julgar com muito mais imparcialidade, rapidez, eficiência e, o que é extraordinário, a custo quase zero.

Todavia, o que seduz o poder judiciário não é o ideal da justiça, não sejamos ingênuos, mas o dinheiro, que faz pender o fiel da balança sempre para o lado dos cifrões. Não é à toa que escritórios de advocacia ganham tanto, geralmente driblando a lei, e a magistratura constituir-se por uma casta de marajás acima da lei.

A “justiça” está a serviço dos grandes interesses econômicos e do Estado, que, por sua vez, serve a estes.

Mas, se a estrutura é tão fechada, então por que deixaram Lula chegar à presidência da república e não mataram a erva daninha pela raiz?

Porque, apesar de tudo, Lula nunca foi um rebelde.

Lula fez nome não como um revolucionário, ao modo de um Che Guevara, mas como um grande apaziguador, um mediador, um negociador dos interesses do patronado e do operariado.

Na política, Lula acreditou que poderia conciliar classes antagônicas, através de um governo de frente popular capaz de realizar um pacto social, e sempre julgou contar com a benevolência da mídia monopolista. Afinal, Lula nunca foi comunista. Basta analisar sua trajetória de vida, suas declarações, entrevistas, mesmo nos anos 80. Vide seus filhos: todos optaram por ser patrão, não empregado. Nenhum deles militou em causa dos trabalhadores. Mesmo Lula chegou a ser um empresário bem sucedido. Sua empresa de palestras e eventos, a LILS, faturou entre 2011 e 2015 27 milhões de reais, realizando palestras no mundo todo, que chegavam ao valor de 300 mil a 800 mil reais (todas declaradas à receita federal), tendo por clientes as empreiteiras Odebrecht, OAS, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, UTC Engenharia e Queiroz Galvão, os bancos BTG Pactual, Itaú, Bancomer e Bank of America, as cervejarias Ambev e Petrópolis, além das empresas Microsoft, Grupo Globo, Nestlé, LG Electronics, Pirelli, Lojas Americanas, entre outras. (Perto do que a empresa de consultoria do Ministro Henrique Meirelles faturou apenas no ano de 2016, R$ 217 milhões de lucro, dos quais 50 milhões aplicados no exterior, tendo entre clientes a JBS [Friboi], a empresa de Lula é café pequeno. Mas, claro, vão dizer os moralistas, Meirelles recebeu honestamente, assim como FHC e suas palestras; já com Lula... é propina. Quer saber, só tonto acredita nisso).

É possível compreender um Lula deslumbrado por ter se tornado um novo rico. Mas ainda assim, um rico modesto. Nada de apartamentos na avenida mais cara de Paris, fazendas, contas na Suíça, empresas de fachada, malas de dinheiro...

Sem dúvida, em determinado momento, Lula era útil.

Lula jamais quis mudar nada. Para Lula, não importa que os bancos tenham lucros recordes e a classe média ganhe muito dinheiro se em compensação os trabalhadores puderem se reunir no domingo para assistir uma partida de futebol e, depois, fazer um churrasquinho na laje, regado a muita cerveja e ao som de uma boa batucada de samba. Na mentalidade de Lula, os pobres se contentam com pouco e todos podem ganhar cada um ao seu modo. Lula é, na verdade, um defensor de um capitalismo soft.

O próprio PT, um partido de dirigentes burocratas, brancos, de classe média alta ou ricos, como o playboy Haddad, entre outros, sem um único trabalhador de fato, com exceção de Lula (e Vicentinho), e uma legião de filiados sem nenhuma expressão, verdadeiro curral eleitoral, abandonou totalmente a bandeira da ética, que o estigmatizou nos anos 80, e participou de toda sorte de falcatruas em nome da permanência no poder e da governabilidade, isto é, da manutenção do establishment. Aparelhando os movimentos sociais e esvaziando suas reais reivindicações, por meio de programas sociais baratos, cargos e favores, em nenhum momento o PT pôs em questão a derrubada do capitalismo. Ao contrário, tentou encarnar um projeto desenvolvimentista estrangulado pelo capital rentista e fomentou um capitalismo como há muito não se via por estas bandas. Nem é preciso fazer menção ao fato do governo PTista não ter feito as reformas agrária, urbana, política – fim do financiamento de campanha e paridade entre os partidos – e tributária – taxação dos mais ricos –, a auditoria da dívida pública, o fim dos super salários de funcionários públicos etc. O PT fez aquilo que podia fazer no contexto da democracia burguesa. Ficar amargurando o que os governos de Lula e Dilma poderiam ter feito e não fizeram, como a lei de mídia, é meramente especulativo. Ao contrário, o fato é que o governo Lula salvou o Grupo Globo da falência, injetando dinheiro público, via BNDES, na empresa. No máximo, o PT é um partido reformista, dentro dos limites rígidos do Estado de bem estar social em um país de economia dependente, como o brasil.

O que pode escandalizar a classe média de direita e anticomunista é que o projeto PTista em essência é o mesmo dos neoliberais, evidentemente, sem o conteúdo moralista da meritocracia, a saber, pressupõe a utopia do mercado como solução para resolver todos os problemas da humanidade e do universo.

Agora pensemos por um outro ângulo. Mesmo sem provas e supondo-se, no entanto, que os indícios na sentença realmente indicam que Lula praticou crime, embora sem ter deixado rastros, será que isto é motivo para o perseguirem unicamente? Pois, se de fato houvesse um combate à corrupção no Brasil, não iria sobrar uma única instituição e empresa de pé. E, se tal comparação tiver algum valor ilustrativo, Lula seria como um batedor de carteira se comparado a outros políticos e notórios empresários, verdadeiros assaltantes de banco.

Seja como for, Lula é apenas um bode expiatório, que deve ser exterminado, para purgar todas as culpas da hipócrita sociedade brasileira.

Diante de tudo que foi dito, cabe ainda mais uma pergunta: se Lula agradava a gregos e troianos, então por que condená-lo?

A marolinha de 2008 com o tempo se tornou um tsunami devastador, e diante da grave crise, os setores que realmente mandam no país, em ato de desespero, abriram a caixa de pandora, de onde saiu uma legião de demônios, para tentar salvar os seus estimados lucros. Alguém tinha de pagar essa conta e, como diz o dito popular, a corda sempre quebra no lado mais fraco: os trabalhadores, para não variar, foram os escolhidos mais uma vez.

Portanto, um governo conciliador perdia a razão de ser.

Daí por diante, ao som das panelas enfurecidas, atropelou-se tudo, para a desilusão daqueles que acreditavam que, enfim, no Brasil, as instituições estavam funcionando. A presidenta Dilma foi afastada por um imbróglio político-jurídico que ninguém entendeu; enquanto os usurpadores, mesmo flagrados com malas de dinheiro e em conversas mafiosas grampeadas, dão as cartas no congresso, com o apoio do STF e da complacência das, agora, condescendentes classes médias.

Eis, o coup d’état de 2016: a máscara da democracia liberal cai e uma escrachada pornochanchada bem brasileira, típica de uma republiqueta das bananas, bem ao gosto das comédias hollywoodianas, dá sonoras gargalhadas macunaímicas.


Na verdade, na verdade, não interessa se Lula é corrupto ou não, a justiça e a política venais, a impunidade dos poderosos ou mesmo a conjuntura atual, de Estado de exceção e arrocho aos trabalhadores. O sistema é podre. Não tenhamos ilusões. Num mundo em que em que somente oito homens (Bill Gates, Amancio Ortega, Warren Buffett, Carlos Slim, Jeff Bezos, Mark Zuckerberg, Larry Ellison e Michael Bloomberg) concentram uma riqueza equivalente a mais da metade da população mundial (3,6 bilhões de pessoas) e 1% da população detém de uma renda compatível a dos 99% restantes, considerando-se que pelo menos 2,2 bilhões de pessoas vivem em estado de pobreza (um bilhão em estado de miséria extrema), não é apenas injusto, é moralmente deplorável. A corrupção não vai parar enquanto isso não mudar.

Mas Lula ainda merece a minha sentença.

Voltemos, enfim, à pergunta que intitula o texto.

Lula: culpado ou inocente?


Veredito: Inocente, daquilo que lhe acusam. Culpado, por ter se aliado àqueles que agora lhe acusam.

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