Por João Monti
Todas
as manchetes dos jornalões do país repercutiram – com júbilo disfarçado – a
sentença condenatória do juiz Sérgio Moro no processo do qual Lula é réu com a
seguinte frase: pela primeira vez na
história do Brasil um ex-presidente da república foi condenado pela justiça.
O
que é surpreendente, em se tratando de um país onde a corrupção é regra e não
exceção!
Não
apenas surpreendente, revela um significado de cunho perverso próprio da
realidade brasileira. A questão correta deveria ser: por que na história do
Brasil apenas um presidente foi condenado por corrupção?
Pouco
surpreendente, por sinal, é a sentença de Lula, que nada tem a ver com
corrupção.
Lula
foi condenado porque, como tantos outros brasileiros condenados, é de origem
pobre. Não é de hoje que o senso comum reza o velho adágio, de tão verdadeiro:
no Brasil, só vai para a cadeia pobre, preto e mulato. As oligarquias burguesas
do sudeste “branco” jamais engoliram a presença de um trabalhador, nordestino e
ex-retirante, no mais alto cargo mandatário do país. Por isso, estas elites, de
mentalidade escravocrata, exigiam punição exemplar a Lula.
Lula
foi condenado e seus bens confiscados. Para a casa grande, não basta apenas
esquartejar, é preciso salgar a terra e amaldiçoar até a terceira e quarta
geração.
Se
então a condenação de Lula já era um pressuposto, qual o pretexto para
justificá-la?
Ao
que parece, seu crime foi ter supostamente comprado um apartamento triplex no
decadente Guarujá. Pelo menos, este é o entendimento da maior parte da
população. E a plebe faz coro aos senhores: Que ousadia, um ex-metalúrgico, um
reles trabalhador, como nós, comprar um triplex! Nada mais odioso, um pobretão
querer dar uma de magnata. Pobre é pobre... Rico é rico... Como água e óleo.
E
assim o povo esbravejou: o apedrejamento, em praça pública!
Para
quem tem um pingo de inteligência e não é muito invejoso, esse argumento não
convence.
Na
verdade, para configurar crime a suposta compra do apartamento, Lula deveria
oferecer em contrapartida vantagens indevidas à empreiteira OAS, receber
propina em troca e usar o imóvel para lavar dinheiro. Isso nunca foi comprovado
durante o processo. Na sentença, apenas suposições e indícios (ou como disse o
juiz, “provas indiretas”). De fato, Moro se valeu do depoimento de duas
testemunhas (ignorando dezenas de outras que inocentavam Lula) para condenar o
ex-presidente. No direito, o testemunho é a prova de menor credibilidade, a
prova mais frágil, no jargão preconceituoso da advocacia, é a prostituta de
todas as provas. Conheci um rapaz que teve problemas na justiça e comprou cinco
testemunhas com garotas de programa. É abominável, mas é verdade. Resultado da
sentença: ele foi absolvido, mesmo sendo culpado. Portanto, a condenação de
Lula, que deverá ser confirmada em segunda instância, carece de qualquer
fundamentação jurídica. (Acredito até que Lula poderá ser absolvido no Supremo,
mas até lá já vai estar fora do páreo eleitoral e condenado em outros processos).
Assim,
se paira alguma sombra de dúvida, no direito vale a máxima de Voltaire: Mas
vale absolver um culpado do que condenar um inocente.
É
ingênuo, no entanto, creditar ao judiciário a faculdade de justiça. O poder
judiciário não é nada mais do que uma instância superior de polícia e, como
tal, tem função de reprimir o povo, em defesa das classes endinheiradas. O
direito é uma ficção, não é ciência, não é lógica, e está sujeito à interpretação
de pessoas passíveis de crenças, paixões, convicções, ideologias políticas etc.
Programas de computadores poderiam julgar com muito mais imparcialidade,
rapidez, eficiência e, o que é extraordinário, a custo quase zero.
Todavia,
o que seduz o poder judiciário não é o ideal da justiça, não sejamos ingênuos,
mas o dinheiro, que faz pender o fiel da balança sempre para o lado dos cifrões.
Não é à toa que escritórios de advocacia ganham tanto, geralmente driblando a
lei, e a magistratura constituir-se por uma casta de marajás acima da lei.
A
“justiça” está a serviço dos grandes interesses econômicos e do Estado, que,
por sua vez, serve a estes.
Mas,
se a estrutura é tão fechada, então por que deixaram Lula chegar à presidência
da república e não mataram a erva daninha pela raiz?
Porque,
apesar de tudo, Lula nunca foi um rebelde.
Lula
fez nome não como um revolucionário, ao modo de um Che Guevara, mas como um
grande apaziguador, um mediador, um negociador dos interesses do patronado e do
operariado.
Na
política, Lula acreditou que poderia conciliar classes antagônicas, através de
um governo de frente popular capaz de realizar um pacto social, e sempre julgou
contar com a benevolência da mídia monopolista. Afinal, Lula nunca foi
comunista. Basta analisar sua trajetória de vida, suas declarações,
entrevistas, mesmo nos anos 80. Vide seus filhos: todos optaram por ser patrão,
não empregado. Nenhum deles militou em causa dos trabalhadores. Mesmo Lula
chegou a ser um empresário bem sucedido. Sua empresa de palestras e eventos, a
LILS, faturou entre 2011 e 2015 27 milhões de reais, realizando palestras no
mundo todo, que chegavam ao valor de 300 mil a 800 mil reais (todas declaradas
à receita federal), tendo por clientes as empreiteiras Odebrecht, OAS, Camargo
Correa, Andrade Gutierrez, UTC Engenharia e Queiroz Galvão, os bancos BTG
Pactual, Itaú, Bancomer e Bank of America, as cervejarias Ambev e Petrópolis,
além das empresas Microsoft, Grupo Globo, Nestlé, LG Electronics, Pirelli,
Lojas Americanas, entre outras. (Perto do que a empresa de consultoria do
Ministro Henrique Meirelles faturou apenas no ano de 2016, R$ 217 milhões de
lucro, dos quais 50 milhões aplicados no exterior, tendo entre clientes a JBS
[Friboi], a empresa de Lula é café pequeno. Mas, claro, vão dizer os
moralistas, Meirelles recebeu honestamente, assim como FHC e suas palestras; já
com Lula... é propina. Quer saber, só tonto acredita nisso).
É
possível compreender um Lula deslumbrado por ter se tornado um novo rico. Mas
ainda assim, um rico modesto. Nada de apartamentos na avenida mais cara de
Paris, fazendas, contas na Suíça, empresas de fachada, malas de dinheiro...
Sem dúvida, em determinado momento, Lula era útil.
Lula
jamais quis mudar nada. Para Lula, não importa que os bancos tenham lucros
recordes e a classe média ganhe muito dinheiro se em compensação os
trabalhadores puderem se reunir no domingo para assistir uma partida de futebol
e, depois, fazer um churrasquinho na laje, regado a muita cerveja e ao som de
uma boa batucada de samba. Na mentalidade de Lula, os pobres se contentam com
pouco e todos podem ganhar cada um ao seu modo. Lula é, na verdade, um defensor
de um capitalismo soft.
O
próprio PT, um partido de dirigentes burocratas, brancos, de classe média alta
ou ricos, como o playboy Haddad, entre outros, sem um único trabalhador de
fato, com exceção de Lula (e Vicentinho), e uma legião de filiados sem nenhuma expressão,
verdadeiro curral eleitoral, abandonou totalmente a bandeira da ética, que o
estigmatizou nos anos 80, e participou de toda sorte de falcatruas em nome da
permanência no poder e da governabilidade, isto é, da manutenção do establishment. Aparelhando os movimentos
sociais e esvaziando suas reais reivindicações, por meio de programas sociais
baratos, cargos e favores, em nenhum momento o PT pôs em questão a derrubada do
capitalismo. Ao contrário, tentou encarnar um projeto desenvolvimentista
estrangulado pelo capital rentista e fomentou um capitalismo como há muito não
se via por estas bandas. Nem é preciso fazer menção ao fato do governo PTista
não ter feito as reformas agrária, urbana, política – fim do financiamento de
campanha e paridade entre os partidos – e tributária – taxação dos mais ricos
–, a auditoria da dívida pública, o fim dos super salários de funcionários
públicos etc. O PT fez aquilo que podia fazer no contexto da democracia
burguesa. Ficar amargurando o que os governos de Lula e Dilma poderiam ter
feito e não fizeram, como a lei de mídia, é meramente especulativo. Ao contrário, o fato é que o governo Lula salvou o Grupo Globo da falência, injetando dinheiro público, via BNDES, na empresa. No máximo,
o PT é um partido reformista, dentro dos limites rígidos do Estado de bem estar
social em um país de economia dependente, como o brasil.
O
que pode escandalizar a classe média de direita e anticomunista é que o projeto
PTista em essência é o mesmo dos neoliberais, evidentemente, sem o conteúdo
moralista da meritocracia, a saber, pressupõe a utopia do mercado como solução
para resolver todos os problemas da humanidade e do universo.
Agora
pensemos por um outro ângulo. Mesmo sem provas e supondo-se, no entanto, que os
indícios na sentença realmente indicam que Lula praticou crime, embora sem ter
deixado rastros, será que isto é motivo para o perseguirem unicamente? Pois, se
de fato houvesse um combate à corrupção no Brasil, não iria sobrar uma única
instituição e empresa de pé. E, se tal comparação tiver algum valor
ilustrativo, Lula seria como um batedor de carteira se comparado a outros políticos
e notórios empresários, verdadeiros assaltantes de banco.
Seja
como for, Lula é apenas um bode expiatório, que deve ser exterminado, para
purgar todas as culpas da hipócrita sociedade brasileira.
Diante de tudo que foi dito, cabe ainda mais uma pergunta: se Lula agradava a gregos e troianos, então por que condená-lo?
A
marolinha de 2008 com o tempo se tornou um tsunami devastador, e diante da
grave crise, os setores que realmente mandam no país, em ato de desespero, abriram
a caixa de pandora, de onde saiu uma legião de demônios, para tentar salvar os
seus estimados lucros. Alguém tinha de pagar essa conta e, como diz o dito
popular, a corda sempre quebra no lado mais fraco: os trabalhadores, para não
variar, foram os escolhidos mais uma vez.
Portanto,
um governo conciliador perdia a razão de ser.
Daí
por diante, ao som das panelas enfurecidas, atropelou-se tudo, para a desilusão
daqueles que acreditavam que, enfim, no Brasil, as instituições estavam
funcionando. A presidenta Dilma foi afastada por um imbróglio político-jurídico
que ninguém entendeu; enquanto os usurpadores, mesmo flagrados com malas de
dinheiro e em conversas mafiosas grampeadas, dão as cartas no congresso, com o apoio do STF e da
complacência das, agora, condescendentes classes médias.
Eis,
o coup d’état de 2016: a máscara da
democracia liberal cai e uma escrachada pornochanchada bem brasileira, típica de uma republiqueta das bananas, bem ao gosto das comédias hollywoodianas, dá sonoras gargalhadas macunaímicas.
Na
verdade, na verdade, não interessa se Lula é corrupto ou não, a justiça e a
política venais, a impunidade dos poderosos ou mesmo a conjuntura atual, de Estado de exceção e arrocho aos
trabalhadores. O sistema é podre. Não tenhamos ilusões. Num mundo em que em que
somente oito homens (Bill Gates, Amancio Ortega, Warren Buffett, Carlos Slim,
Jeff Bezos, Mark Zuckerberg, Larry Ellison e Michael Bloomberg) concentram uma
riqueza equivalente a mais da metade da população mundial (3,6 bilhões de
pessoas) e 1% da população detém de uma renda compatível a dos 99% restantes, considerando-se que pelo menos 2,2 bilhões de pessoas vivem em estado de pobreza (um bilhão em estado de miséria extrema), não é apenas injusto, é moralmente deplorável. A corrupção não
vai parar enquanto isso não mudar.
Mas
Lula ainda merece a minha sentença.
Voltemos,
enfim, à pergunta que intitula o texto.
Lula:
culpado ou inocente?
Veredito:
Inocente, daquilo que lhe acusam. Culpado, por ter se aliado àqueles que agora
lhe acusam.
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