China:
o “socialismo de mercado” e o XIX Congresso do PCCh
No último dia 18 de Outubro, na
cerimônia de abertura do XIX Congresso do Partido Comunista Chinês (PCCh), o
presidente Xi Jinping, num discurso de quase quatro horas e meia, antecipou uma
suposta “nova era”, na qual promete uma China moderna e próspera sob o controle
do Partido.
Foi um discurso recheado de lugares
comuns, um discurso genérico, vago e impreciso em questões cruciais, mas que
mostrou o grau da crise e os rumos. Xi Jinping chegou a falar na construção do
socialismo, no modelo chinês, fez várias referências ao marxismo-leninismo
embora nada disso tenha conexão com a realidade chinesa.
O chamado “socialismo de mercado” na
China, não passa de uma máscara para encobrir a dominação da camada burocrática
burguesa que controla o País. A China hoje funciona fundamentalmente como um
capitalismo de estado com regime de partido único, contra os operários (que
somam mais de 300 milhões), os camponeses (que somam mais de 700 milhões) e os
trabalhadores em geral.
A abertura econômica da China começou no
início da década de 1971 com a visita do então presidente dos Estados Unidos,
Richard Nixon, e foi colocada efetivamente em prática por Deng Xiaoping, após a morte de Mao Tse Tung. Os
instrumentos de poder dos trabalhadores, mesmo que se trata de um estado
operário deformado foram sendo desmontados até o ponto de hoje terem
praticamente desaparecido. Mas a Revolução de 1949 possibilitou o
fortalecimento do estado que hoje é responsável por grandes empresas que atuam
nos setores de energia, construção petróleo e armas fundamentalmente. O grosso da
produção chinesa é controlado por monopólios que na década de 1980 pagavam em
torno a US$ 30 mensais aos operários chineses mortos de fome. Hoje, esse
salário aumentou em quase quinze vezes, nos três principais polos industriais
da China (Pequim, Xangai e Canton) e se converteu num dos mecanismos que
levaram à implosão das políticas neoliberais em 2008.
Uma
aula prática de “etapismo”
A burocracia burguesa exerce o poder em
benefício próprio, obviamente, apesar da propaganda demagógica de que estaria
provendo o necessário progresso econômico capaz de liberar as forças produtivas
e o desenvolvimento sustentável para permitir um avanço no sentido de
conquistar autonomia plena, possibilitando então o socialismo. De fato, é uma
exposição prática de para onde conduz o “etapismo”, a ideia de que a luta pelo
socialismo, hoje na época do imperialismo, deve ser antecedida por uma etapa
anterior.
No discurso de Xi Jinping não há lugar
para a luta de classes, a ditadura do proletariado, o imperialismo etc. Fala do
estado chinês como se este fosse um ente absoluto, sem caracterizá-lo como
elemento proveniente da luta de classes e do avanço do processo revolucionário,
mas como se fosse um semi-deus a conduzir o povo chinês. Não há a diferenciação
entre as classes sociais com tarefas determinadas no progresso material e no
desenvolvimento político. Não há distinção entre burguesia e proletariado. Demagogicamente,
faz referência à famigerada palavra de ordem do tempo da revolução, de unidade
de operários e camponeses na implantação e consolidação de um regime
socialista.
O documentário “China Blue”, por
exemplo, expões de maneira bastante reveladora a crueldade e a ganância dos
patrões, que trabalham para os monopólios, as condições precárias e insalubres
a que são submetidos os trabalhadores nas linhas de manufatura, principalmente
nas regiões mais pobres do País.
“Socialismo”
de mentirinha
O discurso de Xi JInping lança mão de um
palavrório bonito, com referências a categorias do marxismo para embelezar e
glamourizar a política da camada dominante. O Congresso do Partido acontece de
cinco em cinco anos, com muita pompa, foice e martelo imensos atrás de um palco
de enormes proporções. Mas o comunismo, na China, se tornou um fato longínquo e
o uso dos símbolos só se justificam como outdoor para esconder uma dura
realidade. desbotada, e deixou apenas um pouco de sua simbologia.
O estado chinês não é operário, não está
em benefício da maioria da população, dos trabalhadores, não representa a
ditadura do proletariado contra a burguesia. Em O Estado e a Revolução, o líder
bolchevique, Vladimir Ilich Lenin, orientava tomar de assalto o Estado para
colocá-lo primeiro a serviço da política da classe operária, contra a burguesia
de conjunto, e depois, progressivamente, esvaziá-lo de sentido à medida que o
poder fosse completamente transmitido aos conselhos populares.
É o contrário do que acontece na China,
onde o estado, aparatado por uma camarilha de usurpadores, nega o poder ao povo
e governa para a apropriação de riquezas de uma elite capitalista. E isso por
longas décadas, subvertendo o sentido da revolução e do poder operário. O
Exército acabou sendo profissionalizado e burocratizado, tendo liquidado com as
milícias operárias e camponesas. Os órgãos de poder soviético, que tinham sido
impostos de maneira burocrática após 1949, começaram a ser liquidados após a Revolução
Cultural, no início da década de 1970. O Partido Comunista, que liderou a
grande revolução de 1949, como um partido-exército, é um organismo que pertence
a burocracia burguesa, que está integrado ao estado e que tem como função
aplicar a política do chamado “socialismo de mercado” em benefício dessa mesma
camada burguesa.
O que está colocado para a burocracia
chinesa não é a superação das forças do capital em vista de uma apropriação
coletiva da produção, mas a apropriação privada, valendo-se do autoritarismo
proveniente de uma revolução degenerada; uma revolução que não apenas parou em
determinado limite, mas que retrocedeu e traiu escandalosamente a maior classe
trabalhadora do mundo.
Mais
uma vez, a “luta contra a corrupção”
Xi Jinping, de 64 anos de idade, se
transformou na maior liderança política das últimas décadas na China; foi
reconduzido à presidência por mais cinco anos, quando poderá novamente ser
reeleito.
Uma das tônicas do discurso foi o
combate à corrupção no partido, em suas diversas instâncias. Um discurso
previsível, para fazer média com a população. “Atualmente, o combate à
corrupção permanece severo e complexo. Por isso, temos de manter a nossa
determinação firme como rocha para consolidar o ímpeto avassalador e conquistar
a vitória esmagadora contra a corrupção.” Mas além do discurso foi a política
que lhe permitiu controlar os demais grupos políticos na cúpula do PCCh.
A “luta contra a corrupção” é a política
aplicada pela direita em todo mundo, desde sempre, para avançar na direção de
golpes de estado, quando os mecanismos parlamentares se esgotam. Um papel
similar tem cumprido na China. O Partido Comunista Chinês tem mais de 80
milhões de filiados. É uma máquina poderosíssima, que aumentou ainda mais a
centralização do poder a partir do Comitê Central burocrático com o objetivo de
fortalecer o regime perante o crescente contágio do aprofundamento da crise
capitalista mundial.
A
China não é um estado operário
Alguns grupos de esquerda consideram que
a China seria, supostamente, um estado operário. Essa é falsa é até mesmo
ridícula.
Na China, o estado operário acabou faz
tempo. Nem sequer há previdência privada. As leis trabalhistas começaram a
valer há menos de cinco anos. A especulação financeira está gigantesca, assim
como a integração com o mercado mundial.
Há lojas do MacDonald’s em vários
lugares; Starbucks em grandes quantidades. O que há na China, é um forte setor
estatal, fundamentalmente, e não unicamente, na construção civil e a indústria
armamentista. A integração ao mercado de grandes petrolíferas e outras grandes
empresas que disputam o mercado em concorrência com o imperialismo é cada vez mais
absoluta.
A burocracia estatal chinesa tem um peso
grande na economia, mas mantém acordos com as empresas imperialistas e
nacionais. No período mais recente, tem atingido um caráter muito mais
bonapartista com a entrada de Xi Jinping no governo, como presidente, como
figura política número um. Xi Jinping tem barrado outros setores dessa
burocracia, fortalecendo o bonapartismo, e tem imposto uma série de condições
com o objetivo de apertá-la e fortalecer a frente necessária para fazer frente
ao aprofundamento da crise. A China é uma potência regional em acelerado
crescimento.
O grosso das manufaturas é controlado
pelos monopólios e tem estado no centro da política econômica das últimas
décadas com o objetivo de conter a queda da taxa de lucro.
Da
censura ao nacionalismo
Uma série de aplicativos e sites não
funcionam como, por exemplo, o YouTube e o Facebook. O Estadão e o Jornal El
Pais da Espanha estão bloqueados. O site da Globo funciona de maneira muito
lenta. Muitos estrangeiros costumam usar VPNs (Virtual Private Network) para
ter esse acesso, mas a população em geral usa os aplicativos alternativos
disponibilizados pelo governo. Por exemplo, em vez de WhatsApp eles usam o
WeChat que é amarrado a vários outros aplicativos, como o Alipay. O Alipay
permite a realização de pagamentos a partir do celular inclusive em comércios
pequenos e barracas de rua. A China é o país onde menos se usa dinheiro físico.
Portanto, a espionagem e a censura do
imperialismo, que acontece a partir das redes sociais, por meios de aplicativos
como o Facebook, o YouTube e o WhatsApp tem um impacto muito menor na China.
O aprofundamento da crise capitalista
não aparece muito na China por conta do desenvolvimento tendencial nos últimos
anos, e, também, da política do governo de movimentar o consumo por meio de
recursos públicos. A população está pacificada no geral; não existem grandes
movimentações, apesar da greve da Foxconn, em setembro de 2014, ter passado por
cima dos sindicatos do governo.
O sindicalismo é diretamente atrelado ao
governo. Não existem sindicatos independentes; também não existem partidos
políticos independentes. O partido que existe é o Partido Comunista Chinês que
faz toda uma campanha a favor do socialismo, da democracia, com grandes
cartazes pelas ruas etc. A população não acredita muito, mas vai levando.
A
pacificação do movimento de massas na China e região
Na China, o sindicalismo é estatal. O
movimento operário foi atrelado ao estado e se encontra praticamente
paralisado, assim como acontece em todo o mundo. Eventualmente essa burocracia
é ultrapassada por movimentos espontâneos dos trabalhadores, como aconteceu em
2013 na enorme greve da FoxConn, a empresa taiwanesa localizada no sul do País,
e nos protestos contra a contaminação ambiental.
O único partido político legalizado é o
Partido Comunista Chinês que, na propaganda, flerta com a democracia, a justiça
social e inclusive com o socialismo.
As massas se encontram pacificadas por
causa da geração de empregos que tem acontecido nas últimas décadas. Mais
recentemente, na base, se encontra um gigantesco programa público de obras
públicas que tem gerado, como efeito colateral, um gigantesco endividamento.
Neste momento, a China se encontra numa
situação estável, da mesma maneira que acontece com os demais países na região
Ásia-Pacífico, começando pelo Japão e a Coreia do Sul. Por exemplo, o governo
Chinês tem evitado ao máximo atacar os trabalhadores e tem se esforçado em
manter o nível de emprego com o objetivo de manter as massas pacificadas.
A mesma política pode ser vista no Japão
em relação à questão da subida de impostos ao consumo, que passou, nos últimos
dez anos, de 2,5% para 7%, apesar do governo querer aumenta-los para 15%. A
movimentação tem sido extremamente cautelosa.
A Coreia do Sul é um país bastante
estável e desenvolvido, mas está inundado de bases militares norte americanas,
da mesma maneira que o Japão; há 50 mil soldados norte-americanos no Japão e 30
mil na Coreia do Sul.
Houve uma tentativa do imperialismo de
colocar o Vietnã como uma alternativa à China, devido aos salários menores,
principalmente com a entrada na OMC (Organização Mundial do Comercio) em 2007.
Mas com a integração ao mercado mundial, os preços das commodities (matérias
primas) têm disparado, impactando em cheio a capacidade de compra dos
trabalhadores. Os salários saíram de US$ 40 e, hoje em dia, já se encontram
acima dos US$ 200 e US$ 300 dependendo da região do País. O aumento dos
salários também aconteceu no Camboja, que é um país hiper atrasado e onde há
muito investimento chinês, mas que também está submetido às mesmas pressões do
mercado mundial.
Na Tailândia, que é o país mais
desenvolvido do Sudeste Asiático, a situação se encontra bastante estabilizada
apesar do golpe militar. A origem do “sucesso” tailandês remonta à guerra do
Vietnam, quando os Estados Unidos usaram o País como plataforma de bombardeio
do Vietnam, Laos e Camboja. Após o colapso capitalista de 2008, e,
principalmente, após o desastre de Fukushima, importantes plantas industriais
japonesas migraram para a Tailândia, assim também como para a Malásia, para as
Filipinas e para a Indonésia, onde os salários são muito menores que no Japão
ou na Coreia do Sul.
Agora a bola da vez é Myammar, a antiga
Birmânia, como alternativa de mão de obra barata, para a política do
imperialismo de semi escravizar os trabalhadores com o objetivo de estabilizar
as taxas de lucro. Os chineses também estão envolvidos para tentar manter a
lucratividade e se consolidar como plataforma de exportação a partir do Novo
Caminho da Seda. Eles poderão aprofundar ainda mais essa política quando o
impacto da robótica na China começar a aparecer. O que ainda deverá ser visto é
se, no contexto da piora generalizada da crise capitalista, a China conseguirá
transformar-se numa economia que gire fundamentalmente em cima do próprio
consumo interno e qual será o impacto disso.
Mas a dúvida fundamental, neste momento,
sobre a Ásia é para onde vai essa “pax asiática”, que também envolve a Índia.
Sem dúvida, neste momento, a China representa um dos grandes pontos de
estabilidade do capitalismo mundial. Se bem o capitalismo nos países europeus,
no Japão e nos Estados Unidos apresenta a economia um pouco engasgada, na China
o que tem acontecido e continua acontecendo é um grande desenvolvimento
capitalista, que agora começou a engasgar um pouco, em cima de um brutal
endividamento generalizado. Mas num comparativo de hoje para 40 anos atrás, há
um desenvolvimento descomunal.
O mesmo, mas em proporção muito menor,
se poderia falar do Vietnã, um pouco menos de Camboja, um pouco menos sobre a
Tailândia e a Malásia.
Portanto, há ainda uma certa gordura a
ser queimada, com a qual o capitalismo poderia continuar funcionando com uma
relativa pacificação das massas durante um período. Mas, por outra parte, a
continuidade dessa situação é imprevisível. O que fez detonar a crise de 2008
foi a crise na especulação imobiliária, em um setor específico da especulação
financeira, que acabou se espalhando para o mundo. Para onde vai o capitalismo
mundial? A avaliação deve ser realizada conforme o desenvolvimento da própria
crise. O grau de parasitismo é enorme. Somente os nefastos derivativos
financeiros movimentam dez vezes mais que o PIB mundial. Continua a crescer o
parasitismo especulativo.
A relação entre o desenvolvimento do
parasitismo e o fator de estabilização da China na economia mundial, se
relaciona com até que ponto as massas continuarão paralisadas e pacificadas,
principalmente os operários chineses e os operários dos países desenvolvidos.
É quase impossível que os operários se
mantenham paralisados por um longo período. Isso significaria que não existem
mudanças qualitativas, apenas mudanças quantitativas, o que seria um absurdo. O
desenvolvimento social não é assim. Em algum momento, um grande colapso
capitalista vai estourar. E quanto mais demorar, o estouro tende a ser maior.
Isso é uma das leis da dialética. O estouro de 2008 esteve relacionado com o
acúmulo da crise, com a queda das taxas de lucro, com as guerras do Vietnã e do
Iraque etc. Todos os problemas de crise estrutural estão na base do
desenvolvimento da crise capitalista mundial, que temos como tarefa analisar em
perspectiva no próximo período.
Os
negócios da China
Como ficou claro no 19º Congresso do
Partido Comunista Chinês, que aconteceu em outubro, o governo irá abrir ainda
mais a China para a especulação financeira a partir de Xangai e de Hong Kong,
que é uma zona especial, que foi devolvida pelos ingleses em 1998 junto com
Macau (que era colônia de Portugal), neste caso em 1997. Estas duas cidades,
durante 30 anos, irão manter o regime, mas depois se integrarão à China
Continental.
Os chineses para estabilizar a taxa de
lucro, como uma burguesia menor, são obrigados a se integrar ao mercado
capitalista mundial. Eles tentam aumentar a participação no verdadeiro coração
da economia capitalista, a especulação financeira, internacionalizando o iuane.
O problema que enfrentam é que o mercado mundial se encontra dividido e o foi
por meio de sangrentas guerras.
Não por acaso, os Estados Unidos têm
alocados no Mar do Sul da China e região a metade do orçamento do Pentágono,
com o principal motivo de conter o expansionismo chinês. Trata-se de uma
questão de vida ou morte tanto para o imperialismo norte americano quanto para
os chineses. O Estreito de Malacca, entre a Malásia e a Indonésia, por exemplo,
é controlado pelos porta-aviões norte-americano e por lá trafega mais de 70% do
consumo de petróleo da China. Há também as bases militares na Coréia do Sul, no
Japão e em Guam, assim como a tentativa de acirrar as disputas territoriais no
Mar do Sul da China, principalmente, para justificar a política belicista.
Um
canteiro de obras com os pés de barro
Na China, os salários hoje, dependendo
da região, podem ser de várias centenas ou até milhares de dólares. Por
exemplo, em Xangai, a principal cidade da China, em Beijing, a capital, ou em Canton
e Shenzen, os salários têm disparado sob a pressão do aumento do custo de vida
que se relaciona, em grande medida, com o aumento dos preços dos alimentos e
das matérias primas, por causa da especulação financeira, assim como ao alto
custo da moradia por causa da especulação imobiliária. Ao mesmo tempo que
ganham salários equivalentes a R$ 1000 ou até R$ 600 os trabalhadores chineses
vêm as contradições aumentarem.
No entanto, elas ainda não chegaram a
explodir devido às monumentais obras que são realizadas em todas as partes do
país, que mais se parece à um canteiro de obras. As principais cidades são
limpas e organizadas. O centro de Xangai apresenta uma urbanística
impressionante, de prédios futurísticos etc., que poderia lembrar Singapura,
Kuala Lumpur (Malásia) ou mesmo Dubai. A pobreza nas ruas, nas principais
cidades, aparece pouco, diferente do que acontece no Brasil.
Por meio de um investimento muito grande
a China tem feito desde 2009, através de
um programa de recursos públicos para gerar obras públicas, uma grande
movimentação da economia. O primeiro grande direcionamento de recursos públicos
para obras de infraestrutura aconteceu
em 2009, com US$ 800 bilhões de dólares. O objetivo era minimizar o impacto da
crise capitalista mundial que tinha provocado a sensível redução das
exportações. Mas nada na vida e na sociedade está isento de um custo.
A partir de 2012, com o novo
aprofundamento da crise mundial e o esgotamento do investimento de 2009, o
governo chinês, por uma série de mecanismos, liberou recursos gigantescos para
uma nova onda de obras públicas. O orçamento das províncias chegou a depender
em 40% na média, das concessões de terras públicas por 99 anos, que eram
destinadas à construção de aeroportos, prédios de apartamentos etc. Devido ao
descontrole da especulação imobiliária, o governo tem buscado minimizar o
problema disparando a especulação com títulos públicos regionais.
A China acabou atuando como um grande
canteiro de obras e movimentando a economia mundial. Tanto por meio da
importação de matérias primas como, por exemplo, a importação do ferro
brasileiro, cobre chileno, petróleo do Oriente Médio, quanto da alta tecnologia
de empresas como Erickson, Siemmens, empresas de informática e de vários outros
setores que têm exportado muito para a China.
O governo chinês continua avançando na
abertura da economia por meio de políticas “neoliberais”. Os investimentos nas
obras de infraestrutura e na indústria têm diminuído. O endividamento dos
governos locais continuou aumentando e o governo central tem sido obrigado a
crescer os repasses de recursos. As pressões inflacionárias pressionam os
preços e os salários. Sobre esta base, as exportações de produtos baratos
continuam a perder a prioridade das políticas públicas.
O movimento grevista tem crescido, mas
somente no setor privado. As políticas repressivas colocadas para “blindar” as
empresas públicas ainda conseguem conter o movimento operário no setor, mas por
quanto tempo?
As reformas do mercado financeiro
aplicadas em Xangai, a principal cidade do País, continuam avançando, assim
como a liberalização da taxa de câmbio do iuane. Mas, conforme a especulação
financeira avançou, a Bolsa de Xangai foi submetida a “solavancos”.
Alguns setores estratégicos da economia,
até agora controlados pelas empresas públicas, como o setor de refino do
petróleo, começaram a ser abertos às empresas estrangeiras.
A capacidade de absorção de matérias
primas continua reduzida, impactando os países atrasados. Às cidades fantasmas
e à dificuldade para financiar as obras de infraestrutura e para escoar os
imóveis novos, se soma ao crescente esgotamento da especulação financeira em
cima das matérias primas. Até o ano passado, grande parte das fianças para a
obtenção de empréstimos era realizada por meio de matérias primas. Estas eram
simplesmente estocadas durante longos períodos, ou referenciadas por meio de
títulos financeiros, como os ETFs, das bolsas futuro de mercadorias, com o
objetivo de aplicá-los na especulação financeira. Agora, o aumento da recessão
industrial coloca um freio sobre este tipo de operações.
Enormes
reservas cambiais, enorme crise
As enormes reservas em dólares da China
não são páreo para enfrentar a escalada da crise capitalista. Depois de terem
crescido de US$ 142 bilhões, em 1997, para US$ 4 trilhões, em 2014, caíram em
mais de US$ 500 bilhões, em 2015, e em aproximadamente mais US$ 350 bilhões, em
2016. E mais. Os US$ 3,2 trilhões restantes representam pouco mais de 25% da
base monetária.
A China, assim como acontece com o capitalismo
em escala mundial, não consegue implementar uma política alternativa ao
neoliberalismo. Por esse motivo, deverá avançar na imposição de mais políticas
neoliberais; ou seja, mais do mesmo. A política da burguesia chinesa ligada às
empresas públicas enfrenta a forte queda de recursos. A livre mobilidade dos
trabalhadores, que hoje é restrita, o “hukou”, seria uma delas, mas é muito
difícil de aplicá-la, pois atualmente as pessoas se registram nas prefeituras e
recebem delas os serviços sociais. Uma migração em massa do campo para as
cidades poderia levá-los ao colapso. Portanto, tratam-se dos mesmos problemas
que acontecem em escala mundial. Na Europa, eles se expressam no aumento do
nacionalismo. Na China, deverão se propagar, cada vez mais, no aumento das
contradições entre as regiões e as províncias.
O
custo da aceleração produtiva chinesa
O custo da aceleração produtiva chinesa
se relaciona, em primeiro lugar, com um alto grau de endividamento,
principalmente das empresas. Segundo estatísticas do final de 2017, o
endividamento das empresas chinesas é de aproximadamente US$ 18 trilhões de
dólares, ou seja, 179 % do PIB. Somando a dívida das províncias e municípios,
que aparece de uma maneira meio camuflada por meio da especulação de títulos
públicos, financeira, o número ultrapassa os 250% da produção anual. Esse
grande endividamento, por enquanto, não está se manifestando na
desestabilização social. A título de exemplo, na China, a polícia não anda
armada nas principais cidades, num país que tem uma população de 1,3 bilhões de
habitantes. O comportamento da polícia na rua é totalmente diferente do
comportamento super agressivo que acontece no Brasil; seria um comportamento
quase europeu. Ainda, segundo a campanha da imprensa imperialista, a China
estaria à beira da insurreição, com greves acontecendo em todos os lados. Isso
não é verdade, a teoria de que a população estaria à beira de uma insurreição
não é fato. Apesar das contradições sociais e diversos outros problemas, a
movimentação da economia garante a estabilidade social. De vez em quando,
estoura alguma greve como a que aconteceu, em 2013, na FoxConn, a empresa de
Taiwan que monta os Iphone, da Apple. Mas essa notícia não vazou para a
população em geral porque há uma censura grande na China, inclusive na
Internet. A legislação trabalhista existe no país há apenas cinco anos e não há
previdência social.
Disputas
e acordos intercapitalistas
Ao mesmo tempo em que há o acirramento
das contradições, também existem os acordos. O capitalismo funciona como uma
espécie de ninho de cobras que disputa um bolo de ratos (as cobras comem
ratos); conforme o bolo vai ficando cada vez menor por conta da crise, essa
disputa se torna cada vez maior.
Os chineses tentam entrar no setor de
tecnologia, compram empresas europeias, tentam comprar empresas americanas. O
imperialismo europeu e americano tenta barrá-los valendo-se da espionagem, como
a NSA (Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos), e os controle dos
organismos internacionais, como a OMC (Organização Mundial de Comercio). Ainda
não validaram que a China entrasse na OMC de maneira oficial, reconhecendo-a
como uma economia de mercado o que aumentaria as dificuldades para imposições
de sanções.
Essa política ficou muito evidente com
as medidas contra a Huawei e ZTE, que são grandes produtoras de equipamentos
eletrônicos. Há havido também a tentativa de impedir a compra de empresas de
microcondutores e de robótica na Alemanha. Mas a China comprou grandes empresas
do setor de alimentos.
A
China no contexto da crise mundial
Um componente muito importante para
compreender o aprofundamento da crise capitalista mundial é entender claramente
o papel da China no mundo. Nesse sentido, se falam muitas coisas e a maior
parte do que se fala não tem absolutamente nada a ver com a realidade. Há
várias teorias, como, por exemplo, se diz que a China seria um estado operário
deformado. Outros falam que a China é uma ditadura feroz. Outros falam que a
China é subdesenvolvida. Outros falam que o povo está à beira de uma rebelião.
Após a visita do então presidente dos
Estados Unidos, Richard Nixon, à China, em 1971, no pico da crise entre a China
e a União Soviética, a aproximação com o imperialismo começou a se consolidar.
Em 1968, chegaram a acontecer confrontos armados na fronteira e, em 1977, houve
confrontos armados com o Vietnam, na época um aliado muito próximo da União
Soviética, por conta da intervenção deste no Camboja. A China foi um dos
pilares para a implantação do neoliberalismo no mundo, com as zonas industriais
francas, que não pagavam impostos e onde os trabalhadores chineses ganhavam um
salário de aproximadamente US$ 30 mensais.
A
crise e o aumento das contradições com o imperialismo
A abertura econômica ao imperialismo tem
na base o esgotamento do investimento em obras de infraestrutura para manter em
movimento na economia, em cima de grandes repasses de recursos públicos. Essa
foi a política aplicada a partir de 2009, quando foram repassados mais de US$
750 bilhões. Os repasses foram mantidos por meio de vários mecanismos e têm
gerado enormes bolhas financeiras, além de um gigantesco endividamento: o
equivalente a US$ 18 trilhões em dívidas das empresas (ou 170% do PIB) e mais
US$ 10 trilhões em dívidas públicas, segundo as estatísticas oficiais.
O chamado Novo Caminho da Seda é a saída
chinesa para enfrentar a crise. Mas se trata de uma “saída” que aumenta as
contradições do capitalismo. Numa crise de superprodução, essa política
representa a aceleração da circulação de mercadorias por meio de criação de
vias rápidas da China à Europa, o grande centro consumidor, incorporando os
países da região, da Ásia do Sul e Central e do Oriente Médio. A Rússia
funciona como pivô dessa política.
Mas a política da abertura para a
especulação financeira avança a passos largos a partir de Xangai, desde o XVIII
Congresso do PCCh. Não há como levar a cabo uma política alternativa ao grande
capital, que controla o mundo, sem derruba-lo nos grandes centros. O mercado é
altamente globalizado. Por isso, a revolução operária somente pode ter uma
caráter mundial.
O imperialismo norte-americano busca
impedir a expansão imperialista da China, principalmente limitando o acesso às
compras de empresas de alta tecnologia e criando um bloqueio militar. O Pentágono
alocou a metade do orçamento nos porta-aviões e nas bases que mantêm na região
Pacífico da Ásia. Os chineses têm sido obrigados a dispararem os gastos
militares para fazerem frente à ameaça e para defender as novas posições
econômicas em vários países.
Mar
do Sul da China, uma zona de risco
O aprofundamento da crise também se
revela na crise do imperialismo no Mar do Sul da China. Existem várias
reivindicações territoriais dos países da região. A reivindicação da China
sobre essas águas se intercepta com as reivindicações do Vietnã, de Taiwan, de
Brunei, da Malásia, do Japão, das Filipinas, etc. O caos aumenta por causa da
presença maciça da máquina de guerra dos Estados Unidos na região tentando
controlar a situação, o que acontece de uma maneira extremamente complicada, em
cima de grandes contradições.
A China depende, em grande medida, para
seu abastecimento de gás e de petróleo, da passagem da energia pelo Estreito de
Málaca, que fica localizado entre a Península da Malásia e a Ilha de Sumatra e
que é a principal passagem marítima entre os oceanos Índico e Pacífico. Esse
estreito tem apenas 30 km e é controlado pelos porta-aviões norte americanos. E
o que significa esse controle? Que a China poderia ser enforcada com relativa
facilidade. Isso tem muito a ver com a política do chamado Novo Caminho da Seda
chinês, que visa aumentar as vias de fornecimentos de produtos manufaturados
para a Europa, por meio de várias vias. Por exemplo, por meio da via que passa
pelo Cazaquistão, a partir do extremo oeste do território chinês, a Província
de Xinjiang (região autônoma da República Popular da China), e que vai para
Moscou, e daí para Alemanha, Inglaterra, etc. Por meio de integração de trens, trens-bala, etc., a
China já consegue mandar produtos para Londres em 22 dias, tendo baixado o
prazo que era de 35 dias, e continua diminuindo.
Essa política é de extrema crise, porque
a China está sofrendo uma alta dos salários enorme, que passaram de US$ 30 na
década de 1980 para aproximadamente, hoje, dez ou vinte vezes mais, que é o que
ganha o trabalhador chinês numa grande empresa. Ao mesmo tempo, o enorme
aumento da robotização significa que a composição orgânica do capital tem
criado e criará em médio prazo enormes problemas.
Qual
é o impacto da China sobre o Brasil?
O Brasil é uma potência regional em
decadência, principalmente devido ao grande ataque do imperialismo que está
destruindo as empresas nacionais e tentando colocar um governo completamente
pró imperialista.
A China tem funcionado como um receptáculo
de matérias primas brasileiras, mas a tendência geral é que, com a crise, as
exportações brasileiras possam ser afetadas, como aconteceu com o minério de
ferro após a crise de 2008, por conta da menor capacidade de absorção do
mercado chinês.
Hoje, há liquidez nos mercados mundiais
devido à inundação com moeda podre pelos bancos centrais dos países
imperialistas, principalmente os Estados Unidos. O Brasil se encontra cada vez
mais apertado pela especulação financeira, assim como acontece com toda a
América Latina, que é considerada pelo imperialismo norte-americano como seu
próprio quintal. Esse aperto tende a repetir, em forma de espiral dialética, a
crise dos anos 1980. A qualquer momento, o Brasil poderá enfrentar uma nova
crise de capacidade de pagamento, de rolagem dos serviços da ultra corrupta e
nunca auditada dívida pública. Um novo colapso capitalista mundial, que aparece
de maneira cada vez mais clara no horizonte, tende a potencializar, e muito,
este processo.
Fonte: Gazeta Revolucionária