quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Do Comunismo de Guerra ao capitalismo de Estado

URSS

Como era a Rússia em 1921

ALEKSANDRA GÚZEVA, 14 DE FEVEREIRO DE 2021

O que esse ano significou para a história da Rússia, como eram as pessoas e o que estava acontecendo nas ruas das cidades.

1. Após a Revolução de 1917, a Rússia se viu dividida pela Guerra Civil. Em 1921, o confronto estava enfim perto de terminar. No entanto, ainda aconteciam confrontos em diferentes partes do país. Uma das últimas tentativas de lutar contra os bolcheviques foi a rebelião de Kronstadt de 1921, brutalmente reprimida após vários dias de cerco.

2. A principal figura no país era Vladímir Lênin. Além de participar de intermináveis ​​reuniões e conferências partidárias, ele fazia discursos por todo o país.

3. A propaganda era a principal arma dos soviéticos. As autoridades lançaram os chamados “agitprops”, que percorriam todo o país ensinando as pessoas sobre como a Revolução e o novo regime eram bons. Os “agitprops” tinham até tipografia própria e artistas.

4. Os bolcheviques lutaram pelos direitos das mulheres, incluindo o direito de voto – no qual a União Soviética se tornou um dos primeiros países do mundo. As mulheres eram um público importante para os soviéticos e, entre as ​​conferências, foi organizado um encontro internacional de mulheres comunistas.

5. Aleksandra Kollontai foi considerada um símbolo feminino da Revolução. Era membro do Partido Comunista Bolchevique e responsável pela educação das mulheres em todo o país. Lutou por sindicatos para o proletariado. Em 1922, tornou-se uma das primeiras diplomatas do mundo e representou a nova nação soviética nos países escandinavos e no México.

6. O progresso tecnológico seguia ritmo acelerado. A Rússia soviética começou a desenvolver seu poderio militar, prejudicado pela Primeira Guerra Mundial e Guerra Civil. A primeira escola de aviação foi inaugurada na cidade de Iegorievsk, na região de Riazan.

7. Os soviéticos perceberam os benefícios do progresso tecnológico. Tentavam fornecer eletricidade para todo o país e desenvolver novos horizontes, como suas forças aéreas. Restauraram o famoso dirigível da Primeira Guerra Mundial “Astra” e o renomearam como “Estrela Vermelha”. A máquina voadora gigante completou seis voos antes de cair.

8. Ao mesmo tempo, a guerra, a política dura dos bolcheviques e a apreensão de alimentos, além da colheita fraca, causaram fome em massa na Rússia. A chamada “fome de Povoljie” (ou fome russa de 1921-22) ceifou a vida de milhões de pessoas.

9. Após a Revolução, a capital voltou a ser Moscou, considerada a “cidade vermelha”, e o governo se estabeleceu no Kremlin. As carroças do Exército Vermelho passariam pela Praça Vermelha fornecendo mercadorias e garantindo a defesa das novas autoridades.

10. Moscou se tornou centro internacional do comunismo e da luta pela revolução mundial. O verão de 1921 foi marcado pelo 3º Congresso Mundial do Comintern, que contou com a presença de partidos comunistas de mais de 50 países.

11. Depois de mudar a capital para Moscou, os bolcheviques começaram a revitalizar a cidade velha – e uma das decisões mais importantes de 1921 foi reconstruir o Teatro Bolshoi, que estava em mau estado, já que os teatros imperiais de São Petersburgo eram mais preservados. Esta foi uma nova era para o Bolshoi, que se tornou o mais famoso dos teatros da Rússia – e um dos mais famosos do mundo, como é até hoje.

12. Petrogrado (atual São Petersburgo) ficou seriamente danificada pela Revolução e confrontos de rua subsequentes. A cidade estava um caos, as pessoas sofriam com motins e saques, bem como fome e frio. Casas de madeira eram desmontadas para fornecer lenha.

13. Petrogrado foi salva pela Nova Política Econômica implementada em 1921, que permitia o pequeno comércio. Em 1921, os soldados do Exército Vermelho foram, aos poucos, voltando da guerra para Petrogrado e reestabelecendo a ordem local.

14. O novo poder soviético apoiava a arte de vanguarda, que rejeitava todas as formas e gêneros antigos e clássicos. Nas primeiras exposições, foram apresentados jovens artistas como, por exemplo, o lendário Aleksandr Ródtchenko.

15. Para tornar a nova arte mais acessível para os proletários, os soviéticos lançaram a série de porcelana de agitação. Pratos, canecas e estatuetas, com logotipos soviéticos, foram projetados pelos melhores jovens artistas de vanguarda. A foto abaixo retrata Lênin e sua famosa frase “Quem não trabalha, também não come”.

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Como foi aúltima (e fracassada) chance de derrubar os bolcheviques na Rússia

BORIS EGOROV, 16 DE NOVEMBRO DE 2020

No outono de 1919, as forças antibolcheviques quase triunfaram. Eles chegaram a centenas de quilômetros do Kremlin, onde Lênin e outros líderes vermelhos residiam.

No verão de 1919, no auge da Guerra Civil, a jovem República Soviética Russa vivia cercada de inimigos. No noroeste, Petrogrado (como São Petersburgo era então chamada) era ameaçada pelo general Nikolai Iudenitch; no oeste, os bolcheviques lutavam com as forças polonesas, enquanto no leste combatiam as tropas de Aleksandr Koltchak, que haviam sido reconhecidas pelos brancos (forças contrarrevolucionárias) como o governante supremo da Rússia. No sul, o Exército Vermelho era enfrentado pelas Forças Armadas do Sul da Rússia (FASR) sob o comando de Anton Denikin, que decidiu que acabaria com o bolchevismo com um golpe decisivo, ou seja, a captura de Moscou. 

Denikin assinou a Diretiva nº 08878 ordenando uma “marcha sobre Moscou” em 3 de julho de 1919, poucos dias após a captura da cidade de Tsaritsin (futura Stalingrado), um grande centro industrial e de transporte no Volga. Os sucessos de suas tropas na primavera, bem como as revoltas em grande escala dos cossacos e camponeses contra o regime soviético, criaram o ambiente no sul do país para lançar uma ofensiva na Rússia central. “Moscou era, é claro, um símbolo”, escreveu Denikin em suas memórias, Turbulência Russa. “Todos sonhavam em ‘marchar sobre Moscou’.”

Mas não eram exatamente todos os líderes da Guarda Branca que compartilhavam desse otimismo. O comandante do Exército do Cáucaso, General Piotr Wrangel, acreditava que o pequeno contingente das FASR (apenas 60.000 soldados) não estava à altura dessa campanha. Segundo Wrangel, as forças deveriam ter reforçado suas posições e se unido a Koltchak, cujos exércitos derrotados estavam recuando para além dos Urais. Anos depois, em autoexílio, descreveu a diretiva “militarmente incompetente” de Denikin como “uma sentença de morte para os exércitos do Sul da Rússia”.

Durante a rápida ofensiva das FASR no verão e no outono de 1919, as cidades de Poltava, Odessa, Kiev, Voronej e Oriol foram capturadas. Patrulhas de cossacos brancos chegaram à província de Tula, a apenas 250 km de Moscou. Após furar a retaguarda da Frente Sul do Exército Vermelho, o Quarto Corpo de Cavalaria do Don, sob o comando do General Konstantin Mamontov, semeou por mais de um mês o pânico e o caos, queimando armazéns e apreendendo armas e munições.

Reforçadas com soldados dos territórios capturados, as FASR tinham agora 150 mil pessoas em suas fileiras. Cerca de 70 mil marcharam sobre Moscou, contra mais de 115 mil soldados do lado oposto – apesar de superiores em quantidades, estes eram inferiores em treinamento de combate. Além disso, o Exército Vermelho estava muito desmoralizado após uma longa série de derrotas.

Em Moscou, Lênin instigou “Todos pela luta contra Denikin!”, alertando se tratar de “um dos momentos mais críticos, com toda a probabilidade, o momento mais crítico da revolução socialista”. Em suas memórias, o comandante-chefe das Forças Armadas da República Soviética, Serguêi Kamenev, cita o episódio: “Não consigo me lembrar de uma situação mais difícil durante toda a Guerra Civil”.

No início de outubro, começaram a chegar também notícias preocupantes de Petrogrado: em apoio à ofensiva de Denikin no sul do país, o Exército do Noroeste, do general Iudenitch, junto com as tropas da Estônia e a frota britânica, lançou a Operação Espada Branca para tomar a antiga capital do Império Russo.

A ofensiva de Denikin começou a perder força já em meados de outubro. Depois de tomar vastos territórios desde o Mar de Azov até a cidade de Oriol, os brancos não tinham forças suficientes para controlá-los efetivamente. Como resultado, no sudeste da Ucrânia, o chamado Exército Insurgente Makhnovista, do anarquista Nestor Makhno, rompeu repentinamente as posições enfraquecidas das FASR e se aproximou de Taganrog, onde o quartel-general do General Denikin estava baseado. No momento mais decisivo da ofensiva branca em Moscou, alguns regimentos tiveram que ser retirados da frente para salvar as posições na retaguarda.

Enquanto os brancos estavam perdendo gente, os bolcheviques viam suas fileiras aumentarem – a ajuda veio inesperadamente da frente polonesa.

O princípio de uma “Rússia única e indivisível”, com o qual Denikin e outros líderes do Movimento Branco estavam comprometidos, não era compatível com a ideia de um renascimento nacional polonês. O líder polonês Józef Piłsudski acompanhava com apreensão o sucesso das Forças Armadas do Sul da Rússia. Embora avançasse com sucesso na Bielorrússia, o Exército Polonês selou inesperadamente uma trégua temporária com os bolcheviques, o que permitiu que dezenas de milhares de soldados poloneses fossem deslocados para Moscou.

Após um embate violento por Oriol em meados de outubro, as tropas da Frente Sul do Exército Vermelho lançaram uma contraofensiva em grande escala. Apesar da vantagem numérica dos vermelhos, os brancos conseguiram recuar de forma ordenada, evitando ser cercados, e fizeram contra-ataques ao inimigo. “Moscou já se desvaneceu para nós. (...) No fundo, muitos sentiam uma sensação de condenação”, escreveu o oficial Anton Turkul em suas memórias “Os Drozdovitas sob Fogo”.

Os exércitos brancos foram derrotados tanto no sul quanto no norte (em novembro, Iudenitch foi vencido perto de Petrogrado). A retirada ordenada das FASR gradualmente se transformou em uma fuga de pânico, acompanhada por deserção em grande escala. A última linha de defesa branca no sul foi a Crimeia, onde as tropas resistiram até novembro de 1920. O Movimento Branco nunca mais teve outra chance de esmagar os bolcheviques como aquela em outubro de 1919.

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Quatro rebeliões que abalaram a Rússia Soviética

BORIS EGOROV, 20 DE ABRIL DE 2019

Revoltas e protestos acompanharam o regime totalitário soviético por toda sua história. Alguns deles, porém, eram tão perigosos para o Kremlin que podiam realmente acabar com o comunismo na Rússia.

1. Rebelião de Tambóv (1920-1921)

No Império Russo, a província de Tambóv era uma das mais prósperas do país, e seu campesinato estava entre os mais ricos. Mas quando os bolcheviques aboliram o livre comércio e passaram a confiscar o pão para as “necessidades da Revolução”, Tambóv rapidamente caiu na fome e na crise.

Intolerantes a isso, os camponeses locais pegaram em armas e iniciaram uma guerra de partisans. Eles se intitularam de "verdes" e se opunham tanto aos “vermelhos” quanto aos “brancos”.

No seu auge, a Rebelião de Tambóv contava com mais de 50.000 homens, que formaram dois exércitos e controlavam enormes territórios ao sul de Moscou.

Percebendo o perigo desta situação crítica, os líderes soviéticos convocaram todas as forças possíveis para reprimir a rebelião. Com a assistência da aviação, da artilharia e de carros blindados e trens, 55.000 soldados cercaram os insurgentes.

Pela primeira vez na história, um exército usou gás venenoso contra seu próprio povo. Além disso, foram realizadas repressões generalizadas contra as famílias dos rebeldes. No verão de 1921, a rebelião foi reprimida e seu líder, Aleksandr Antonov, que estava escondido nas florestas, foi assassinado durante uma operação especial no ano seguinte.

2. Rebelião de Kronstadt (1921)

Este levante de marinheiros contra o governo bolchevique, ocorrido na base da Frota do Báltico em Kronstadt, balançou profundamente a liderança soviética. “O orgulho e a glória da Revolução”, como Leon Trótski chamava os marinheiros, era o núcleo mais confiável das forças revolucionárias. Se o “mais confiável” podia trair a causa, o que esperar dos outros?

Os marinheiros exigiam a cessação da ditadura bolchevique e a restauração das liberdades políticas para todos os movimentos socialistas no país. Como os camponeses da região de Tambóv, os marinheiros (cuja maioria era proveniente, principalmente, do campesinato) exigiam a restauração do livre comércio.

O Exército Vermelho realizou dois grandes ataques à base, que resultaram em milhares de vítimas de ambos os lados. No final da revolta, 8.000 rebeldes conseguiram fugir para a Finlândia.

A revolta foi seguida por repressões, durante as quais mais de 2.100 pessoas foram executadas e 6.459 foram sentenciadas à prisão.

Mas a Rebelião de Kronstadt alcançou parcialmente seu objetivo. Apenas três dias após sua supressão, a Nova Política Econômica (NEP), permitindo o comércio livre e pequenos negócios privados, foi introduzida no país.

3. Revolta de Norilsk (1953)

Com mais de 30.000 presos envolvidos, esta foi a maior e mais longa revolta na história do Gulag. Ela se iniciou em Gorlag, um campo principalmente para presos políticos, próximo da cidade siberiana de Norilsk.

As razões para o levante eram as baixas rações alimentares, o exaustivo dia de trabalho de 15 horas e a crueldade das autoridades do campo. O golpe final foi a execução de um grupo de detentos por um guarda com um rifle de assalto.

A revolta, que durou 70 dias, foi algo mais parecido com uma greve. Os prisioneiros organizaram um governo próprio, sabotavam o trabalho do campo e exigiam melhores condições de vida e uma troca na liderança do campo.

A supressão foi brutal e realizada com armas. Foram assassinados 150 presos e o campo foi fechado e desmantelado logo em seguida.

4. Massacre de Novotcherkassk (1962)

No início dos anos 1960, o fracasso da política econômica da União Soviética levou à escassez de bens e preços elevados, assim como uma deterioração significativa nas condições de trabalho. Foram realizados protestos em muitas cidades, em uma das quais as movimentações terminaram em tragédia.

Mais de 5.000 manifestantes, principalmente trabalhadores da locomotiva elétrica local, se reuniram na cidade de Novotcherkassk, em 1 de junho de 1962. Os apelos para dispersar não tiveram efeito e as autoridades levaram tanques para o local, o que revoltou ainda mais o povo.

Depois de duas advertências e sem conseguir impedir que a multidão fosse para a prefeitura, a polícia abriu fogo contra os civis, matando 26 pessoas e ferindo 87.

A liderança soviética ordenou que se encobrisse o incidente. Os corpos das vítimas não foram entregues aos parentes e foram enterrados durante a noite em diversos cemitérios distantes da cidade.

Sete pessoas foram acusadas como criminosas e executadas, enquanto 105 foram condenadas a 10 a 15 anos de prisão, que tiveram que cumprir.

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Por que houve tanta fome em diferentes períodos daURSS?

BORIS EGOROV, 22 DE MAIO DE 2020

Secas, guerras e imprudência do governo resultaram até mesmo em canibalismo. Os períodos de fome no país se transformaram em desastres em escala nacional que custaram a vida de milhões de pessoas.

1. Fome de 1921

A primeira fome em massa atingiu a Rússia soviética logo depois do fim da Guerra Civil. Mas o conflito, que havia destruído a economia do país, não foi a única razão – a seca severa de 1921 arrasou quase 20% todas as plantações da União Soviética.

Devido à escassez de produtos agrícolas, o governo intensificou a expropriação de grãos da população, o que piorou ainda mais a situação. Em pouco tempo, a fome atingiu mais de 90 milhões de pessoas em todo o território do país, das estepes do Cazaquistão até o sul da Ucrânia e Crimeia.

O sociólogo Pitirim Sorokin, que visitou aldeias nas províncias de Saratov e Samara no inverno de 1921, escreveu: “As casas estavam abandonadas, sem tetos, sem janelas ou portas. Os telhados de palha foram removidos e comidos há muito tempo. Na aldeia, obviamente, não havia animais – nem vacas, nem cavalos, nem ovelhas, nem cabras, nem cães, nem gatos, nem mesmo corvos. Tudo já tinha sido consumido. Um silêncio mortal pairava sobre as ruas cobertas de neve”.

A população começou a fugir, abandonando suas casas. As pessoas venderam ou jogaram fora todos os seus bens e fugiram para qualquer outro lugar, sem qualquer plano consciente. O canibalismo se espalhou rapidamente em algumas regiões. Matava-se transeuntes nas ruas. Em casas começaram a matar crianças pequenas para as salvar da agonia e evitar que morressem de fome.

Durante muito tempo, o governo soviético escondeu a catástrofe, mas, no verão de 1921, foi obrigado a abrir a situação ao mundo e pedir ajuda. Muitas organizações de caridade responderam ao apelo. O explorador do Ártico Fridtjof Nansen foi pessoalmente à Rússia com a ajuda humanitária. Esse apoio e a colheita favorável de 1922 permitiram travar a catástrofe que custou mais de 5 milhões de vidas. 

2. Fome de 1932

Quase 10 anos mais tarde, uma nova fome em massa se espalhou pela URSS. O processo de coletivização – de transformação forçada de fazendas camponesas privadas em fazendas coletivas, ou “kolkhózes” – e a desapropriação de camponeses ricos forçaram milhões de camponeses a fugir para as cidades.

O governo soviético não deu muita atenção à crise nas aldeias e mandou aumentar a colheita de grãos. Quaisquer protestos dos camponeses eram considerados sabotagem e severamente punidos.

Como resultado, entre 1932 e 1933, a fome atingiu vastos territórios da Ucrânia, Cáucaso, Cazaquistão, Bielorrússia, Sibéria ocidental e algumas regiões da porção europeia da Rússia. Os horrores que o país tinha experimentado no início dos anos 1920 voltaram com tudo. Segundo as lembranças dos moradores da região de Kuban, “ninguém prestou atenção aos mortos, não havia forças, só indiferença completa”. Foram registrados novos casos de canibalismo e suicídios.

 “O meu pai saiu em busca de pão e não voltou. Logo, o meu irmão também saiu e desapareceu. Ficamos sozinhos com a minha mãe”, lembrou o ucraniano Aleksêi Stepanenko, da região de Kherson. “A minha mãe, sentindo que a morte estava chegando, me disse ‘quando for morrer, vou sufocá-lo para que não sofra e não morra de fome’”, contou Aleksêi. “Na noite daquele dia, ela, pobre, entregou a alma a Deus. Eu, com sete anos, fui levado para um abrigo rural.”

A fome de 1932 e 1933 resultou em mais de 7 milhões de mortes.

3. Cerco a Leningrado

Mais de 630 mil habitantes de Leningrado (atual São Petersburgo) morreram de fome durante o Cerco a Leningrado pelas tropas da Alemanha nazista, Itália e Finlândia durante a Segunda Guerra Mundial, que durou 872 dias. Os moradores locais comeram todos os cães e gatos, especiarias, comida para pássaros, remédios, farelo de girassol, e até cola de madeira, peles de animais e cintos cozidos.

Aos poucos, as pessoas foram se desumanizando. “Eu estava atravessando uma ponte, um homem alto caminhava lentamente à frente. Um passo, outro – ele cai. Eu, estupidamente, passo por ele morto – e não me importo. Entro no prédio onde moro, mas não consigo subir as escadas. Então pego um pé com as duas mãos e coloco no degrau, depois o outro”, lembrou a moradora de Leningrado, Tatiana Aksiónova. 

Fome de 1946

A fome de 1946 e 1947 foi consequência direta da Segunda Guerra Mundial e da seca de 1946, que resultou em colheita fraca.

No entanto, a URSS tinha vastas reservas de grãos e era possível evitar o desastre, mas o governo decidiu aumentar as exportações de grãos para o exterior, para quase o dobro do nível pré-guerra. Além disso, temendo o risco de uma nova guerra com os ex-Aliados, o governo quis manter as reservas agrícolas e se recusou a distribuir alimentos para as regiões. Com isso, até 1,5 milhão de pessoas morreram de fome.

 “Percorríamos as aldeias, pedimos esmolas, não ganhávamos quase nada, porque todos viviam mal”, lembra Aleksandra Lójkina, que morava na região do Volga. “Voltei para casa um dia com um pouco de comida que consegui achar, a minha mãe e irmão estavam deitados. Dei um pedaço de pão à minha mãe, ela comeu e se levantou. Preparamos uma sopa. Ela nos alimentou e disse: ‘Chura [apelido para Aleksandra], me dê outro pedaço de pão’. Ela nunca tinha pedido pão antes, sempre deu tudo para nós. Só ganhamos vida quando apareceram os primeiros vegetais: ervas, urtiga, azeda, depois cogumelos e frutos silvestres.”

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Coletivização da URSS: destruição do campesinato ou mal necessário paraindustrialização?

BORIS CHIBANOV, 28 DE OUTUBRO DE 2018

A coletivização, ou a transformação de fazendas individuais em coletivas, foi um ataque às antigas tradições do campesinato russo. No entanto, acelerou a industrialização e deu ao recém-nascido Estado soviético um rumo firme ao desenvolvimento econômico.

A década de 1920 foi um momento difícil para a Rússia. Além de palco de uma devastadora guerra civil, teve que lidar com a intervenção estrangeira, uma profunda crise agrícola e o fracasso das reformas econômicas.

O recém-formado Estado soviético precisava dar passos significativos e radicais para consolidar seu desenvolvimento – e a coletivização foi uma dessas medidas.

A coletivização implicou uma série de reformas importantes no setor agrícola da União Soviética.

A partir de 1927, o objetivo da coletivização era fazer com que as terras e mão de obra individuais passagem para fazendas coletivas, chamadas kolkhozes. Os trabalhadores não recebiam salário, mas recebiam parte do que produziam na fazenda, para apenas cobrir suas necessidades e as de suas famílias.

Os líderes soviéticos esperavam que a coletivização aumentasse significativamente a oferta de alimentos para a população urbana. Isso era de suma importância, uma vez que o processo de industrialização estava simultaneamente começando.

Se havia mais trabalhadores nas fábricas, isso significava que havia demanda maior por comida.

A coletivização se converteu em um processo em grande escala em 1929, quando Iossef Stálin publicou o artigo “O Ano da Grande Ruptura”. O líder soviético confirmou que os processos de coletivização e industrialização eram o principal meio de modernizar o país. Paralelamente, Stálin declarou a necessidade de liquidar a classe de camponeses abastados conhecidos como kulaks (“punhos”, em russo).

As kolkhozes estavam destinadas a se tornar um marco na ideologia socialista soviética: tratava-se de comunidades de pessoas felizes trabalhando juntas em um ambiente harmônico para o benefício de um Estado maior.

No entanto, a realidade não era assim tão feliz.

A coletivização gerou um trauma profundo para o campesinato russo. O confisco forçado de carne e pão levou a tumultos. Havia até camponeses que preferiram sacrificar seu gado em vez de entregá-lo às fazendas coletivas. Às vezes, o governo soviético usava o Exército para reprimir as revoltas.

As antigas tradições do campesinato russo acabaram sendo destruídas em meio ao processo. Os camponeses, que costumavam se interessar pelos frutos de seu trabalho, foram perdendo esse interesse nos kolkhozes. Os primeiros anos de coletivização se mostraram catastróficos. Em 1932 e 1933 houve uma grande fome no país que ceifou com a vida de oito milhões de pessoas, devido, em grande parte, à coletivização.

Até a década de 1970, um camponês de uma fazenda coletiva – chamado kolkhósnik – não tinha o direito de obter um passaporte. Sem esse documento, um fazendeiro não poderia se mudar para a cidade e estava oficialmente atado à sua fazenda.

Nem tudo foi negativo nesse período, contudo.

A maioria dos camponeses que não sofreram coletivização mudaram-se para cidades e se tornaram a força motriz por trás do processo de industrialização.

A coletivização permitiu que o Estado assumisse o controle do setor agrícola e a distribuição de mantimentos. Isso teve especial importância depois com o começo da Segunda Guerra Mundial.

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Como o recém-nascido Estado soviético obteve ajuda capitalista e depoisrenegou

BORIS EGOROV, 27 DE JULHO DE 2018

A indústria pesada soviética, que ajudou o país a vencer a Segunda Guerra Mundial e se tornar uma superpotência, foi criada em grande parte com a ajuda dos EUA. Mas as autoridades soviéticas fizeram o que puderam para manter tudo em segredo.

Em meados da década de 1920, o jovem Estado soviético, após o batismo de fogo na longa e devastadora Guerra Civil (1918 a 1922), era um país enfraquecido, com um enorme setor agrícola, alto desemprego e indústria atrasada. Como se isso não fosse ruim o suficiente, o território soviético estava cercado por outras nações hostis.

Diante de tais circunstâncias, a liderança soviética percebeu a necessidade urgente de transformar a URSS em um Estado forte – econômica e militarmente –, ainda que fosse preciso fazê-lo do zero e em alta velocidade. “Estamos 50 a 100 anos atrás dos principais países. Precisamos recuperar esse prejuízo em dez anos”, declarou Stálin.

Teoria à parte, havia problemas práticos para superar. Especialistas soviéticos tinham recursos, mas nenhuma experiência de construção industrial moderna. Por isso, tomou-se a decisão de envolver os profissionais estrangeiros do mundo capitalista.

“Arquiteto da Ford” na “terra dos soviéticos”

Diversas empresas estrangeiras renomadas foram convidadas a participar da industrialização stalinista, entre elas a Siemens-Schuckertwerke AG, a Ford Motor Company e a General Electric. Mas a marca mais significativa foi feita pelo arquiteto industrial Albert Kahn e sua firma Albert Kahn Associates, com sede em Detroit. 

Os arquitetos industriais da Kahn Associates projetaram e construíram instalações industriais usando “correias transportadoras”. Dezenas de fábricas foram construídas com esse sistema, acelerando o processo de construção e com custos mínimos. Foi a Kahn Associates que projetou a sede da General Motors e quase todas as fábricas de automóveis de Henry Ford, o que lhe rendeu o apelido de “arquiteto da Ford”.

Kahn e sua metodologia foram uma verdadeira descoberta para a URSS, já que no novo Estado soviético as decisões sobre a construção industrial eram, em geral, não sistemáticas e espontâneas. A abordagem individual dos especialistas soviéticos, sem uma visão geral de coisa, significava que as fábricas levavam dois anos para ser construídas, enquanto Albert Kahn fazia o trabalho de em 3 a 6 meses. Foi o “pontapé inicial” que a industrialização soviética precisava. 

O nascimento dos gigantes industriais

Em 1928, dezenas de engenheiros da firma de Kahn chegaram à URSS sob a direção de seu irmão Moritz. Embora o próprio Albert nunca tenha visitado a “terra dos soviéticos”, ele via sua missão na Rússia como algo mais do que apenas negócios.

“Não acredito que o mundo possa se recuperar até que os outros povos ajudem os russos a transformar seu país em uma sociedade industrial moderna que se desenvolva em harmonia com o resto do mundo”, escreveu o norte-americano.

Entre 1929 e 1932, em colaboração com especialistas soviéticos interessados ​​em adquirir experiência estrangeira, engenheiros dos EUA construíram 571 instalações industriais em todo a União Soviética: de fábricas gigantescas, como a planta de tratores em Tcheliabinsk, a oficinas menores.

Foram os arquitetos da Kahn que projetaram e construíram uma das primeiras grandes empresas industriais da URSS – a famosa fábrica de tratores de Stalingrado, que produzia e consertava os tanques T-34 durante a Grande Guerra Patriótica. A fábrica foi construída nos EUA, desmontada e transportada para a URSS, e depois remontada em solo soviético no intervalo de 6 meses com supervisão de engenheiros americanos.

O sucesso foi tão grande que, em 1930, a empresa de Kahn se tornou a principal projetista e consultora do governo em construção industrial. Mas esse favoritismo não durou muito e logo a liderança soviética decidiu se livrar de empresas estrangeiras.

O adeus não tão longo

Em 1932, a URSS enfrentou as consequências da política mal calculada de venda descontrolada de grãos no exterior para quitar a rápida industrialização. A crise financeira e a fome que se seguiram obrigaram o governo a rescindir contratos com empresas ocidentais, incluindo a Albert Kahn Associates.

Além disso, as fábricas civis soviéticas estavam sendo gradualmente militarizadas. De acordo com o plano, as fábricas de construção de tratores deveriam produzir não apenas máquinas agrícolas, mas também tanques, que se mostraram eficazes na guerra subsequente contra a Alemanha nazista. Sob nenhuma circunstância, os estrangeiros poderiam testemunhar a militarização secreta da indústria soviética.

 “Eles estão construindo fábricas militares, mas não querem que saibamos disso”, escreveu Moritz Kahn a seu irmão.

A ideologia também começou a desempenhar seu papel. A ajuda das potências imperialistas ocidentais na criação da indústria pesada era cada vez mais subestimada.

Expressões anteriormente comuns como “portão ferroviário do tipo norte-americano” ou “coluna metálica do tipo americana” foram apagadas de artigos científicos e documentos oficiais em meados dos anos 1930, quando as empresas já haviam saído.

A União Soviética tentou esconder a assistência inestimável prestada por especialistas ocidentais, proclamando: “Fizemos tudo isso sozinhos e faremos ainda mais”.

Fonte: coletânea de textos extraídos do site Russia Beyond

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