ALEKSANDRA GÚZEVA, 14
DE FEVEREIRO DE 2021
O que esse ano significou para a história da Rússia, como eram as
pessoas e o que estava acontecendo nas ruas das cidades.
1. Após a Revolução de 1917, a Rússia se viu dividida pela Guerra Civil.
Em 1921, o confronto estava enfim perto de terminar. No entanto, ainda
aconteciam confrontos em diferentes partes do país. Uma das últimas tentativas
de lutar contra os bolcheviques foi a rebelião de Kronstadt de 1921, brutalmente reprimida após vários dias de cerco.
2. A principal figura no país era Vladímir Lênin. Além de participar de
intermináveis reuniões e conferências partidárias, ele fazia discursos por
todo o país.
3. A propaganda era a principal arma dos soviéticos. As autoridades
lançaram os chamados “agitprops”, que percorriam todo o país ensinando as
pessoas sobre como a Revolução e o novo regime eram bons. Os “agitprops” tinham
até tipografia própria e artistas.
4. Os bolcheviques lutaram pelos direitos das mulheres, incluindo o
direito de voto – no qual a União Soviética se tornou um dos primeiros países
do mundo. As mulheres eram um público importante para os soviéticos e, entre as
conferências, foi organizado um encontro internacional de mulheres
comunistas.
5. Aleksandra
Kollontai foi considerada um símbolo feminino da Revolução. Era membro do
Partido Comunista Bolchevique e responsável pela educação das mulheres em todo
o país. Lutou por sindicatos para o proletariado. Em 1922, tornou-se uma das
primeiras diplomatas do mundo e representou a nova nação soviética nos países
escandinavos e no México.
6. O progresso tecnológico seguia ritmo acelerado. A Rússia soviética
começou a desenvolver seu poderio militar, prejudicado pela Primeira Guerra
Mundial e Guerra Civil. A primeira escola de aviação foi inaugurada na cidade
de Iegorievsk, na região de Riazan.
7. Os soviéticos perceberam os benefícios do progresso tecnológico.
Tentavam fornecer eletricidade para todo o país e desenvolver novos horizontes,
como suas forças aéreas. Restauraram o famoso dirigível da Primeira Guerra
Mundial “Astra” e o renomearam como “Estrela Vermelha”. A máquina voadora gigante
completou seis voos antes de cair.
8. Ao mesmo tempo, a guerra, a política dura dos bolcheviques e a
apreensão de alimentos, além da colheita fraca, causaram fome em massa na
Rússia. A chamada “fome de Povoljie” (ou fome russa de 1921-22) ceifou a vida
de milhões de pessoas.
9. Após a Revolução, a capital voltou a ser Moscou, considerada a
“cidade vermelha”, e o governo se estabeleceu no Kremlin. As carroças do
Exército Vermelho passariam pela Praça Vermelha fornecendo mercadorias e
garantindo a defesa das novas autoridades.
10. Moscou se tornou centro internacional do comunismo e da luta pela
revolução mundial. O verão de 1921 foi marcado pelo 3º Congresso Mundial
do Comintern, que contou com a presença de partidos comunistas de mais de 50
países.
11. Depois de mudar a capital para Moscou, os bolcheviques começaram a
revitalizar a cidade velha – e uma das decisões mais importantes de 1921 foi
reconstruir o Teatro Bolshoi, que estava em mau estado, já que os teatros
imperiais de São Petersburgo eram mais preservados. Esta foi uma nova era para
o Bolshoi, que se tornou o mais famoso dos teatros da Rússia – e um dos mais
famosos do mundo, como é até hoje.
12. Petrogrado (atual São Petersburgo) ficou seriamente danificada pela
Revolução e confrontos de rua subsequentes. A cidade estava um caos, as pessoas
sofriam com motins e saques, bem como fome e frio. Casas de madeira eram
desmontadas para fornecer lenha.
13. Petrogrado foi salva pela Nova Política Econômica implementada em
1921, que permitia o pequeno comércio. Em 1921, os soldados do Exército
Vermelho foram, aos poucos, voltando da guerra para Petrogrado e
reestabelecendo a ordem local.
14. O novo poder soviético apoiava a arte de vanguarda, que rejeitava
todas as formas e gêneros antigos e clássicos. Nas primeiras exposições, foram
apresentados jovens artistas como, por exemplo, o lendário Aleksandr
Ródtchenko.
15. Para tornar a nova arte mais acessível para os proletários, os soviéticos lançaram a série de porcelana de agitação. Pratos, canecas e estatuetas, com logotipos soviéticos, foram projetados pelos melhores jovens artistas de vanguarda. A foto abaixo retrata Lênin e sua famosa frase “Quem não trabalha, também não come”.
*****
Como foi aúltima (e fracassada) chance de derrubar os bolcheviques na Rússia
BORIS EGOROV, 16 DE NOVEMBRO DE 2020
No outono de 1919, as
forças antibolcheviques quase triunfaram. Eles chegaram a centenas de
quilômetros do Kremlin, onde Lênin e outros líderes vermelhos residiam.
No verão de 1919, no auge da Guerra Civil, a jovem República Soviética
Russa vivia cercada de inimigos. No noroeste, Petrogrado (como São Petersburgo
era então chamada) era ameaçada pelo general Nikolai Iudenitch; no oeste, os
bolcheviques lutavam com as forças polonesas, enquanto no leste combatiam as
tropas de Aleksandr Koltchak, que haviam sido reconhecidas pelos brancos
(forças contrarrevolucionárias) como o governante supremo da Rússia. No sul, o
Exército Vermelho era enfrentado pelas Forças Armadas do Sul da Rússia (FASR)
sob o comando de Anton Denikin, que decidiu que acabaria com o bolchevismo com
um golpe decisivo, ou seja, a captura de Moscou.
Denikin assinou a Diretiva nº 08878 ordenando uma
“marcha sobre Moscou” em 3 de julho de 1919, poucos dias após a captura da
cidade de Tsaritsin (futura Stalingrado), um grande centro industrial e de
transporte no Volga. Os sucessos de suas tropas na primavera, bem como as
revoltas em grande escala dos cossacos e camponeses contra o regime soviético,
criaram o ambiente no sul do país para lançar uma ofensiva na Rússia central.
“Moscou era, é claro, um símbolo”, escreveu Denikin em suas memórias,
Turbulência Russa. “Todos sonhavam em ‘marchar sobre Moscou’.”
Mas não eram exatamente todos os
líderes da Guarda Branca que compartilhavam desse otimismo. O comandante do
Exército do Cáucaso, General Piotr Wrangel, acreditava que o pequeno
contingente das FASR (apenas 60.000 soldados) não estava à altura dessa
campanha. Segundo Wrangel, as forças deveriam ter reforçado suas posições e se
unido a Koltchak, cujos exércitos derrotados estavam recuando para além dos
Urais. Anos depois, em autoexílio, descreveu a diretiva “militarmente
incompetente” de Denikin como “uma sentença de morte para os exércitos do Sul
da Rússia”.
Durante a rápida ofensiva das FASR no verão e no
outono de 1919, as cidades de Poltava, Odessa, Kiev, Voronej e Oriol foram
capturadas. Patrulhas de cossacos brancos chegaram à província de Tula, a
apenas 250 km de Moscou. Após furar a retaguarda da Frente Sul do Exército
Vermelho, o Quarto Corpo de Cavalaria do Don, sob o comando do General
Konstantin Mamontov, semeou por mais de um mês o pânico e o caos, queimando
armazéns e apreendendo armas e munições.
Reforçadas com soldados dos territórios
capturados, as FASR tinham agora 150 mil pessoas em suas fileiras. Cerca de 70
mil marcharam sobre Moscou, contra mais de 115 mil soldados do lado oposto –
apesar de superiores em quantidades, estes eram inferiores em treinamento de
combate. Além disso, o Exército Vermelho estava muito desmoralizado após uma
longa série de derrotas.
Em Moscou, Lênin instigou “Todos pela luta contra
Denikin!”, alertando se tratar de “um dos momentos mais críticos, com toda a
probabilidade, o momento mais crítico da revolução socialista”. Em suas
memórias, o comandante-chefe das Forças Armadas da República Soviética, Serguêi
Kamenev, cita o episódio: “Não consigo me lembrar de uma situação mais difícil
durante toda a Guerra Civil”.
No início de outubro,
começaram a chegar também notícias preocupantes de Petrogrado: em apoio à
ofensiva de Denikin no sul do país, o Exército do Noroeste, do general Iudenitch,
junto com as tropas da Estônia e a frota britânica, lançou a Operação Espada
Branca para tomar a antiga capital do Império Russo.
A ofensiva de Denikin
começou a perder força já em meados de outubro. Depois de tomar vastos
territórios desde o Mar de Azov até a cidade de Oriol, os brancos não tinham
forças suficientes para controlá-los efetivamente. Como resultado, no sudeste
da Ucrânia, o chamado Exército Insurgente Makhnovista, do anarquista Nestor
Makhno, rompeu repentinamente as posições enfraquecidas das FASR e se aproximou
de Taganrog, onde o quartel-general do General Denikin estava baseado. No
momento mais decisivo da ofensiva branca em Moscou, alguns regimentos tiveram
que ser retirados da frente para salvar as posições na retaguarda.
Enquanto os brancos
estavam perdendo gente, os bolcheviques viam suas fileiras aumentarem – a ajuda
veio inesperadamente da frente polonesa.
O princípio de uma
“Rússia única e indivisível”, com o qual Denikin e outros líderes do Movimento
Branco estavam comprometidos, não era compatível com a ideia de um renascimento
nacional polonês. O líder polonês Józef Piłsudski acompanhava com apreensão o
sucesso das Forças Armadas do Sul da Rússia. Embora avançasse com sucesso na
Bielorrússia, o Exército Polonês selou inesperadamente uma trégua temporária
com os bolcheviques, o que permitiu que dezenas de milhares de soldados
poloneses fossem deslocados para Moscou.
Após um embate violento por Oriol em meados de
outubro, as tropas da Frente Sul do Exército Vermelho lançaram uma
contraofensiva em grande escala. Apesar da vantagem numérica dos vermelhos, os
brancos conseguiram recuar de forma ordenada, evitando ser cercados, e fizeram
contra-ataques ao inimigo. “Moscou já se desvaneceu para nós. (...) No fundo,
muitos sentiam uma sensação de condenação”, escreveu o oficial Anton Turkul em
suas memórias “Os Drozdovitas sob Fogo”.
Os exércitos brancos foram derrotados tanto no
sul quanto no norte (em novembro, Iudenitch foi vencido perto de Petrogrado). A
retirada ordenada das FASR gradualmente se transformou em uma fuga de pânico,
acompanhada por deserção em grande escala. A última linha de defesa branca no
sul foi a Crimeia, onde as tropas resistiram até novembro de 1920. O Movimento
Branco nunca mais teve outra chance de esmagar os bolcheviques como aquela em
outubro de 1919.
*****
Quatro rebeliões que abalaram a Rússia Soviética
BORIS EGOROV, 20 DE ABRIL DE 2019
Revoltas e protestos acompanharam o regime totalitário soviético por toda sua história. Alguns deles, porém, eram tão perigosos para o Kremlin que podiam realmente acabar com o comunismo na Rússia.
1. Rebelião de Tambóv (1920-1921)
No Império Russo, a província de Tambóv era uma das mais prósperas do
país, e seu campesinato estava entre os mais ricos. Mas quando os bolcheviques
aboliram o livre comércio e passaram a confiscar o pão para as “necessidades da
Revolução”, Tambóv rapidamente caiu na fome e na crise.
Intolerantes a isso, os camponeses locais pegaram em armas e iniciaram
uma guerra de partisans. Eles se intitularam de "verdes" e se opunham
tanto aos “vermelhos” quanto aos “brancos”.
No seu auge, a Rebelião de Tambóv contava com mais de 50.000 homens, que
formaram dois exércitos e controlavam enormes territórios ao sul de Moscou.
Percebendo o perigo desta situação crítica, os líderes soviéticos
convocaram todas as forças possíveis para reprimir a rebelião. Com a
assistência da aviação, da artilharia e de carros blindados e trens, 55.000
soldados cercaram os insurgentes.
Pela primeira vez na história, um exército usou gás venenoso contra seu próprio povo. Além disso, foram realizadas repressões generalizadas contra as famílias dos rebeldes. No verão de 1921, a rebelião foi reprimida e seu líder, Aleksandr Antonov, que estava escondido nas florestas, foi assassinado durante uma operação especial no ano seguinte.
2. Rebelião de Kronstadt (1921)
Este levante de marinheiros contra o governo bolchevique, ocorrido na
base da Frota do Báltico em Kronstadt, balançou profundamente a liderança
soviética. “O orgulho e a glória da Revolução”, como Leon Trótski chamava os
marinheiros, era o núcleo mais confiável das forças revolucionárias. Se o “mais
confiável” podia trair a causa, o que esperar dos outros?
Os marinheiros exigiam a cessação da ditadura bolchevique e a
restauração das liberdades políticas para todos os movimentos socialistas no
país. Como os camponeses da região de Tambóv, os marinheiros (cuja maioria era proveniente,
principalmente, do campesinato) exigiam a restauração do livre comércio.
O Exército Vermelho realizou dois grandes ataques à base, que resultaram
em milhares de vítimas de ambos os lados. No final da revolta, 8.000 rebeldes
conseguiram fugir para a Finlândia.
A revolta foi seguida por repressões, durante as quais mais de 2.100
pessoas foram executadas e 6.459 foram sentenciadas à prisão.
Mas a Rebelião de Kronstadt alcançou parcialmente seu objetivo. Apenas três dias após sua supressão, a Nova Política Econômica (NEP), permitindo o comércio livre e pequenos negócios privados, foi introduzida no país.
3. Revolta de Norilsk (1953)
Com mais de 30.000 presos envolvidos, esta foi a maior e mais longa
revolta na história do Gulag. Ela se iniciou em Gorlag, um campo principalmente
para presos políticos, próximo da cidade siberiana de Norilsk.
As razões para o levante eram as baixas rações alimentares, o exaustivo
dia de trabalho de 15 horas e a crueldade das autoridades do campo. O golpe
final foi a execução de um grupo de detentos por um guarda com um rifle de
assalto.
A revolta, que durou 70 dias, foi algo mais parecido com uma greve. Os
prisioneiros organizaram um governo próprio, sabotavam o trabalho do campo e
exigiam melhores condições de vida e uma troca na liderança do campo.
A supressão foi brutal e realizada com armas. Foram assassinados 150
presos e o campo foi fechado e desmantelado logo em seguida.
4. Massacre de Novotcherkassk
(1962)
No início dos anos 1960, o fracasso da política econômica da União
Soviética levou à escassez de bens e preços elevados, assim como uma
deterioração significativa nas condições de trabalho. Foram realizados
protestos em muitas cidades, em uma das quais as movimentações terminaram em
tragédia.
Mais de 5.000 manifestantes, principalmente trabalhadores da locomotiva
elétrica local, se reuniram na cidade de Novotcherkassk, em 1 de junho de 1962.
Os apelos para dispersar não tiveram efeito e as autoridades levaram tanques
para o local, o que revoltou ainda mais o povo.
Depois de duas advertências e sem conseguir impedir que a multidão fosse
para a prefeitura, a polícia abriu fogo contra os civis, matando 26 pessoas e
ferindo 87.
A liderança soviética ordenou que se encobrisse o incidente. Os corpos
das vítimas não foram entregues aos parentes e foram enterrados durante a noite
em diversos cemitérios distantes da cidade.
Sete pessoas foram acusadas como criminosas e executadas, enquanto 105
foram condenadas a 10 a 15 anos de prisão, que tiveram que cumprir.
*****
Por que houve tanta fome em diferentes períodos daURSS?
BORIS EGOROV, 22 DE
MAIO DE 2020
Secas, guerras e imprudência do governo resultaram até mesmo em
canibalismo. Os períodos de fome no país se transformaram em desastres em
escala nacional que custaram a vida de milhões de pessoas.
1. Fome de 1921
A primeira fome em massa atingiu a Rússia soviética logo depois do fim
da Guerra Civil. Mas o conflito, que havia destruído a economia do país, não
foi a única razão – a seca severa de 1921 arrasou quase 20% todas as plantações
da União Soviética.
Devido à escassez de produtos agrícolas, o governo intensificou a
expropriação de grãos da população, o que piorou ainda mais a situação. Em
pouco tempo, a fome atingiu mais de 90 milhões de pessoas em todo o território
do país, das estepes do Cazaquistão até o sul da Ucrânia e Crimeia.
O sociólogo Pitirim Sorokin, que visitou aldeias nas províncias de
Saratov e Samara no inverno de 1921, escreveu: “As casas estavam abandonadas,
sem tetos, sem janelas ou portas. Os telhados de palha foram removidos e
comidos há muito tempo. Na aldeia, obviamente, não havia animais – nem vacas,
nem cavalos, nem ovelhas, nem cabras, nem cães, nem gatos, nem mesmo corvos.
Tudo já tinha sido consumido. Um silêncio mortal pairava sobre as ruas cobertas
de neve”.
A população começou a fugir, abandonando suas casas. As pessoas venderam
ou jogaram fora todos os seus bens e fugiram para qualquer outro lugar, sem
qualquer plano consciente. O canibalismo se espalhou rapidamente em algumas
regiões. Matava-se transeuntes nas ruas. Em casas começaram a matar crianças
pequenas para as salvar da agonia e evitar que morressem de fome.
Durante muito tempo, o governo soviético escondeu a catástrofe, mas, no
verão de 1921, foi obrigado a abrir a situação ao mundo e pedir ajuda. Muitas
organizações de caridade responderam ao apelo. O explorador do Ártico Fridtjof
Nansen foi pessoalmente à Rússia com a ajuda humanitária. Esse apoio e a
colheita favorável de 1922 permitiram travar a catástrofe que custou mais de 5
milhões de vidas.
2. Fome de 1932
Quase 10 anos mais tarde, uma nova fome em massa se espalhou pela URSS.
O processo de coletivização – de transformação forçada de fazendas camponesas
privadas em fazendas coletivas, ou “kolkhózes” – e a desapropriação de
camponeses ricos forçaram milhões de camponeses a fugir para as cidades.
O governo soviético não deu muita atenção à crise nas aldeias e mandou
aumentar a colheita de grãos. Quaisquer protestos dos camponeses eram
considerados sabotagem e severamente punidos.
Como resultado, entre 1932 e 1933, a fome atingiu vastos territórios da
Ucrânia, Cáucaso, Cazaquistão, Bielorrússia, Sibéria ocidental e algumas
regiões da porção europeia da Rússia. Os horrores que o país tinha
experimentado no início dos anos 1920 voltaram com tudo. Segundo as lembranças
dos moradores da região de Kuban, “ninguém prestou atenção aos mortos, não
havia forças, só indiferença completa”. Foram registrados novos casos de
canibalismo e suicídios.
“O meu pai saiu em busca de pão e
não voltou. Logo, o meu irmão também saiu e desapareceu. Ficamos sozinhos com a
minha mãe”, lembrou o ucraniano Aleksêi Stepanenko, da região de Kherson. “A
minha mãe, sentindo que a morte estava chegando, me disse ‘quando for morrer,
vou sufocá-lo para que não sofra e não morra de fome’”, contou Aleksêi. “Na noite
daquele dia, ela, pobre, entregou a alma a Deus. Eu, com sete anos, fui levado
para um abrigo rural.”
A fome de 1932 e 1933 resultou em mais de 7 milhões de mortes.
3. Cerco a Leningrado
Mais de 630 mil habitantes de Leningrado (atual São Petersburgo) morreram
de fome durante o Cerco a Leningrado pelas tropas da Alemanha nazista, Itália e
Finlândia durante a Segunda Guerra Mundial, que durou 872 dias. Os moradores
locais comeram todos os cães e gatos, especiarias, comida para pássaros,
remédios, farelo de girassol, e até cola de madeira, peles de animais e cintos
cozidos.
Aos poucos, as pessoas foram se desumanizando. “Eu estava atravessando
uma ponte, um homem alto caminhava lentamente à frente. Um passo, outro – ele
cai. Eu, estupidamente, passo por ele morto – e não me importo. Entro no prédio
onde moro, mas não consigo subir as escadas. Então pego um pé com as duas mãos
e coloco no degrau, depois o outro”, lembrou a moradora de Leningrado, Tatiana
Aksiónova.
Fome de 1946
A fome de 1946 e 1947 foi consequência direta da Segunda Guerra Mundial
e da seca de 1946, que resultou em colheita fraca.
No entanto, a URSS tinha vastas reservas de grãos e era possível evitar
o desastre, mas o governo decidiu aumentar as exportações de grãos para o
exterior, para quase o dobro do nível pré-guerra. Além disso, temendo o risco
de uma nova guerra com os ex-Aliados, o governo quis manter as reservas
agrícolas e se recusou a distribuir alimentos para as regiões. Com isso, até
1,5 milhão de pessoas morreram de fome.
“Percorríamos as aldeias, pedimos
esmolas, não ganhávamos quase nada, porque todos viviam mal”, lembra Aleksandra
Lójkina, que morava na região do Volga. “Voltei para casa um dia com um pouco
de comida que consegui achar, a minha mãe e irmão estavam deitados. Dei um
pedaço de pão à minha mãe, ela comeu e se levantou. Preparamos uma sopa. Ela
nos alimentou e disse: ‘Chura [apelido para Aleksandra], me dê outro pedaço de
pão’. Ela nunca tinha pedido pão antes, sempre deu tudo para nós. Só ganhamos
vida quando apareceram os primeiros vegetais: ervas, urtiga, azeda, depois
cogumelos e frutos silvestres.”
*****
Coletivização da URSS: destruição do campesinato ou mal necessário paraindustrialização?
BORIS CHIBANOV, 28 DE OUTUBRO DE 2018
A coletivização, ou a transformação de fazendas individuais em
coletivas, foi um ataque às antigas tradições do campesinato russo. No entanto,
acelerou a industrialização e deu ao recém-nascido Estado soviético um rumo
firme ao desenvolvimento econômico.
A década de 1920 foi um momento difícil para a Rússia. Além de palco de
uma devastadora guerra civil, teve que lidar com a intervenção estrangeira, uma
profunda crise agrícola e o fracasso das reformas econômicas.
O recém-formado Estado soviético precisava dar passos significativos e
radicais para consolidar seu desenvolvimento – e a coletivização foi uma dessas
medidas.
A coletivização implicou uma série de reformas importantes no setor
agrícola da União Soviética.
A partir de 1927, o objetivo da coletivização era fazer com que as
terras e mão de obra individuais passagem para fazendas coletivas, chamadas
kolkhozes. Os trabalhadores não recebiam salário, mas recebiam parte do que
produziam na fazenda, para apenas cobrir suas necessidades e as de suas famílias.
Os líderes soviéticos esperavam que a coletivização aumentasse
significativamente a oferta de alimentos para a população urbana. Isso era de
suma importância, uma vez que o processo de industrialização estava
simultaneamente começando.
Se havia mais trabalhadores nas fábricas, isso significava que havia
demanda maior por comida.
A coletivização se converteu em um processo em grande escala em 1929,
quando Iossef Stálin publicou o artigo “O Ano da Grande Ruptura”. O líder
soviético confirmou que os processos de coletivização e industrialização eram o
principal meio de modernizar o país. Paralelamente, Stálin declarou a
necessidade de liquidar a classe de camponeses abastados conhecidos como kulaks
(“punhos”, em russo).
As kolkhozes estavam destinadas a se tornar um marco na ideologia
socialista soviética: tratava-se de comunidades de pessoas felizes trabalhando
juntas em um ambiente harmônico para o benefício de um Estado maior.
No entanto, a realidade não era assim tão feliz.
A coletivização gerou um trauma profundo para o campesinato russo. O
confisco forçado de carne e pão levou a tumultos. Havia até camponeses que
preferiram sacrificar seu gado em vez de entregá-lo às fazendas coletivas. Às
vezes, o governo soviético usava o Exército para reprimir as revoltas.
As antigas tradições do campesinato russo acabaram sendo destruídas em
meio ao processo. Os camponeses, que costumavam se interessar pelos frutos de
seu trabalho, foram perdendo esse interesse nos kolkhozes. Os primeiros anos de
coletivização se mostraram catastróficos. Em 1932 e 1933 houve uma grande fome
no país que ceifou com a vida de oito milhões de pessoas, devido, em grande
parte, à coletivização.
Até a década de 1970, um camponês de uma fazenda coletiva – chamado
kolkhósnik – não tinha o direito de obter um passaporte. Sem esse documento, um
fazendeiro não poderia se mudar para a cidade e estava oficialmente atado à sua
fazenda.
Nem tudo foi negativo nesse período, contudo.
A maioria dos camponeses que não sofreram coletivização mudaram-se para
cidades e se tornaram a força motriz por trás do processo de industrialização.
A coletivização permitiu que o Estado assumisse o controle do setor
agrícola e a distribuição de mantimentos. Isso teve especial importância depois
com o começo da Segunda Guerra Mundial.
*****
Como o recém-nascido Estado soviético obteve ajuda capitalista e depoisrenegou
BORIS EGOROV, 27 DE
JULHO DE 2018
A indústria pesada
soviética, que ajudou o país a vencer a Segunda Guerra Mundial e se tornar uma
superpotência, foi criada em grande parte com a ajuda dos EUA. Mas as
autoridades soviéticas fizeram o que puderam para manter tudo em segredo.
Em meados da década de 1920, o jovem Estado soviético, após o batismo de
fogo na longa e devastadora Guerra Civil (1918 a 1922), era um país
enfraquecido, com um enorme setor agrícola, alto desemprego e indústria
atrasada. Como se isso não fosse ruim o suficiente, o território soviético
estava cercado por outras nações hostis.
Diante de tais circunstâncias, a liderança soviética percebeu a
necessidade urgente de transformar a URSS em um Estado forte – econômica e
militarmente –, ainda que fosse preciso fazê-lo do zero e em alta velocidade.
“Estamos 50 a 100 anos atrás dos principais países. Precisamos recuperar esse
prejuízo em dez anos”, declarou Stálin.
Teoria à parte, havia problemas práticos para superar. Especialistas
soviéticos tinham recursos, mas nenhuma experiência de construção industrial
moderna. Por isso, tomou-se a decisão de envolver os profissionais estrangeiros
do mundo capitalista.
“Arquiteto da Ford” na “terra dos soviéticos”
Diversas empresas estrangeiras renomadas foram convidadas a participar
da industrialização stalinista, entre elas a Siemens-Schuckertwerke AG, a Ford
Motor Company e a General Electric. Mas a marca mais significativa foi feita
pelo arquiteto industrial Albert Kahn e sua firma Albert Kahn Associates, com
sede em Detroit.
Os arquitetos industriais da Kahn Associates projetaram e construíram instalações
industriais usando “correias transportadoras”. Dezenas de fábricas foram
construídas com esse sistema, acelerando o processo de construção e com custos
mínimos. Foi a Kahn Associates que projetou a sede da General Motors e quase
todas as fábricas de automóveis de Henry Ford, o que lhe rendeu o apelido de
“arquiteto da Ford”.
Kahn e sua metodologia foram uma verdadeira descoberta para a URSS, já
que no novo Estado soviético as decisões sobre a construção industrial eram, em
geral, não sistemáticas e espontâneas. A abordagem individual dos especialistas
soviéticos, sem uma visão geral de coisa, significava que as fábricas levavam
dois anos para ser construídas, enquanto Albert Kahn fazia o trabalho de em 3 a
6 meses. Foi o “pontapé inicial” que a industrialização soviética
precisava.
O nascimento dos
gigantes industriais
Em 1928, dezenas de engenheiros da firma de Kahn chegaram à URSS sob a
direção de seu irmão Moritz. Embora o próprio Albert nunca tenha visitado a
“terra dos soviéticos”, ele via sua missão na Rússia como algo mais do que
apenas negócios.
“Não acredito que o mundo possa se recuperar até que os outros povos
ajudem os russos a transformar seu país em uma sociedade industrial moderna que
se desenvolva em harmonia com o resto do mundo”, escreveu o norte-americano.
Entre 1929 e 1932, em colaboração com especialistas soviéticos
interessados em adquirir experiência estrangeira, engenheiros dos EUA
construíram 571 instalações industriais em todo a União Soviética: de fábricas
gigantescas, como a planta de tratores em Tcheliabinsk, a oficinas menores.
Foram os arquitetos da Kahn que projetaram e construíram uma das
primeiras grandes empresas industriais da URSS – a famosa fábrica de tratores
de Stalingrado, que produzia e consertava os tanques T-34 durante a Grande
Guerra Patriótica. A fábrica foi construída nos EUA, desmontada e transportada
para a URSS, e depois remontada em solo soviético no intervalo de 6 meses com
supervisão de engenheiros americanos.
O sucesso foi tão grande que, em 1930, a empresa de Kahn se tornou a
principal projetista e consultora do governo em construção industrial. Mas esse
favoritismo não durou muito e logo a liderança soviética decidiu se livrar de
empresas estrangeiras.
O adeus não tão longo
Em 1932, a URSS enfrentou as consequências da política mal calculada de
venda descontrolada de grãos no exterior para quitar a rápida industrialização.
A crise financeira e a fome que se seguiram obrigaram o governo a rescindir
contratos com empresas ocidentais, incluindo a Albert Kahn Associates.
Além disso, as fábricas civis soviéticas estavam sendo gradualmente
militarizadas. De acordo com o plano, as fábricas de construção de tratores
deveriam produzir não apenas máquinas agrícolas, mas também tanques, que se
mostraram eficazes na guerra subsequente contra a Alemanha nazista. Sob nenhuma
circunstância, os estrangeiros poderiam testemunhar a militarização secreta da
indústria soviética.
“Eles estão construindo fábricas
militares, mas não querem que saibamos disso”, escreveu Moritz Kahn a seu
irmão.
A ideologia também começou a desempenhar seu papel. A ajuda das
potências imperialistas ocidentais na criação da indústria pesada era cada vez
mais subestimada.
Expressões anteriormente comuns como “portão ferroviário do tipo norte-americano”
ou “coluna metálica do tipo americana” foram apagadas de artigos científicos e
documentos oficiais em meados dos anos 1930, quando as empresas já haviam
saído.
A União Soviética tentou esconder a assistência inestimável prestada por
especialistas ocidentais, proclamando: “Fizemos tudo isso sozinhos e faremos
ainda mais”.
Fonte: coletânea de textos extraídos do site Russia Beyond
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