por Jean Pires de Azevedo Gonçalves
Hoje
fui assistir “Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé, e confesso que o filme
superou todas as minhas expectativas. Sou suspeito para falar, pois estudei o “Prestes
Maia”, ocupado pelo Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC), de 2003 a 2012, quando
desenvolvi minha dissertação de mestrado, “Ocupar e resistir: problemas da
habitação no centro pós-moderno (SP)”, e minha tese de doutorado, “Ocupar,
resistir, construir, morar” (disponível neste blog AQUI), e, por isso, tenho um
enorme apreço pelos militantes sem-teto. Mas considero o longa de Eliane Caffé um dos
melhores filmes que assisti nos últimos anos (os outros são “As montanhas se
separam” e “Lion – uma jornada para casa”). Surpreendentemente, “Era o Hotel
Cambridge” foge das fórmulas totalitárias e repetitivas dos folhetins globais
que servem de modelo a todos os filmes nacionais, e que, no entanto, muito
agradam a massa de coxinhas oligofrênicos formada pelo Grande Irmão Globo. Isso
já é um ponto positivo. Mas “Era o Hotel Cambridge” vai além. No filme, Eliane
Caffé teve a ótima ideia de colocar moradores sem-teto para contracenar com
atores profissionais, o que tornou a interpretação bastante realista e
contundente. Um dos pontos altos é quando a coordenadora Carmem Silva vai às
lágrimas diante da falta de solidariedade de alguns moradores que não participam
de uma “festa” (ocupação de um prédio abandonado). Outros momentos de muita
sensibilidade são proporcionados pelo poeta palestino Isam Ahmad Issa. Muitos
outros estrangeiros também narram seus dramas oriundos do exílio, da guerra e
de perseguições. Embora tais narrativas sejam de fato muito impactantes, o
filma acaba negligenciando o flagelo vivido pelos próprios brasileiros. Este é
seu ponto fraco. Mas há algo que une tanto brasileiros como estrangeiros e que
é dito durante uma assembleia de moradores por Isam Ahmad Issa e por Carmem,
logo no início do filme: “Aqui, somos todos refugiados”. E isso fica muito claro
numa passagem do filme quando fascistas destilam ódio e preconceito no fórum de
discussão do Vlog do Hotel Cambridge - MSTC. Enfim, “Era o Hotel Cambridge” não
é um documentário, mas uma mistura de ficção e realidade, e supera em muito a
banalidade dos filmes que são produzidos às pencas pela indústria cultural. “Era
o Hotel Cambridge” é, sobretudo, um filme de arte.
Quando
eu estudei o movimento sem-teto, embora a luta por moradia datasse do final dos
anos 1970, percebi que as políticas de austeridade iniciadas pelo governo Marta
Suplicy (PT) na cidade de São Paulo jogou muitos moradores dos cortiços nas
ruas. Estes vieram a engrossar as fileiras dos movimentos de moradia e, por
conseguinte, as ocupações. Diante das reformas que se vislumbram pelo atual
governo golpista, é certo que o fenômeno das ocupações se tornará cada vez mais
presente e intenso. O movimento sem-teto não é uma questão conjuntural, mas, sim,
estrutural. Por isso, o filme “Era o Hotel Cambridge” é imprescindível para
aqueles que almejam estudar a problemática urbana nos tempos atuais.
FICHA
TÉCNICA - Era o Hotel Cambridge
Direção:
Eliane Caffé
Produzido
por: Rui Pires, André Montenegro, Edgard Tenembaum e Amiel Tenenbaum
Diretora
de arte: Carla Caffé e estudantes da Escola da Cidade
Direção
de fotografia e câmera: Bruno Risas
Montagem:
Márcio Hashimoto
Elenco:
José Dumont, Carmen Silva, Isam Ahamad Issa e Guylain Mukendi
Atriz
Convidada: Suely Franco
Participação
Especial: Lucia Pulido e Ibtessam Umran
Gênero:
Drama
Produção:
Aurora Filmes
Coprodução:
Tu Vas Voir (França), Nephilim Producciones (Espanha) e Apoio (Brasil)
Distribuição: Vitrine
Filmes
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