segunda-feira, 27 de março de 2017

ERA O HOTEL CAMBRIDGE



por Jean Pires de Azevedo Gonçalves

Hoje fui assistir “Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé, e confesso que o filme superou todas as minhas expectativas. Sou suspeito para falar, pois estudei o “Prestes Maia”, ocupado pelo Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC), de 2003 a 2012, quando desenvolvi minha dissertação de mestrado, “Ocupar e resistir: problemas da habitação no centro pós-moderno (SP)”, e minha tese de doutorado, “Ocupar, resistir, construir, morar” (disponível neste blog AQUI), e, por isso, tenho um enorme apreço pelos militantes sem-teto.  Mas considero o longa de Eliane Caffé um dos melhores filmes que assisti nos últimos anos (os outros são “As montanhas se separam” e “Lion – uma jornada para casa”). Surpreendentemente, “Era o Hotel Cambridge” foge das fórmulas totalitárias e repetitivas dos folhetins globais que servem de modelo a todos os filmes nacionais, e que, no entanto, muito agradam a massa de coxinhas oligofrênicos formada pelo Grande Irmão Globo. Isso já é um ponto positivo. Mas “Era o Hotel Cambridge” vai além. No filme, Eliane Caffé teve a ótima ideia de colocar moradores sem-teto para contracenar com atores profissionais, o que tornou a interpretação bastante realista e contundente. Um dos pontos altos é quando a coordenadora Carmem Silva vai às lágrimas diante da falta de solidariedade de alguns moradores que não participam de uma “festa” (ocupação de um prédio abandonado). Outros momentos de muita sensibilidade são proporcionados pelo poeta palestino Isam Ahmad Issa. Muitos outros estrangeiros também narram seus dramas oriundos do exílio, da guerra e de perseguições. Embora tais narrativas sejam de fato muito impactantes, o filma acaba negligenciando o flagelo vivido pelos próprios brasileiros. Este é seu ponto fraco. Mas há algo que une tanto brasileiros como estrangeiros e que é dito durante uma assembleia de moradores por Isam Ahmad Issa e por Carmem, logo no início do filme: “Aqui, somos todos refugiados”. E isso fica muito claro numa passagem do filme quando fascistas destilam ódio e preconceito no fórum de discussão do Vlog do Hotel Cambridge - MSTC. Enfim, “Era o Hotel Cambridge” não é um documentário, mas uma mistura de ficção e realidade, e supera em muito a banalidade dos filmes que são produzidos às pencas pela indústria cultural. “Era o Hotel Cambridge” é, sobretudo, um filme de arte.



Quando eu estudei o movimento sem-teto, embora a luta por moradia datasse do final dos anos 1970, percebi que as políticas de austeridade iniciadas pelo governo Marta Suplicy (PT) na cidade de São Paulo jogou muitos moradores dos cortiços nas ruas. Estes vieram a engrossar as fileiras dos movimentos de moradia e, por conseguinte, as ocupações. Diante das reformas que se vislumbram pelo atual governo golpista, é certo que o fenômeno das ocupações se tornará cada vez mais presente e intenso. O movimento sem-teto não é uma questão conjuntural, mas, sim, estrutural. Por isso, o filme “Era o Hotel Cambridge” é imprescindível para aqueles que almejam estudar a problemática urbana nos tempos atuais.



FICHA TÉCNICA - Era o Hotel Cambridge

Direção: Eliane Caffé
Produzido por: Rui Pires, André Montenegro, Edgard Tenembaum e Amiel Tenenbaum
Diretora de arte: Carla Caffé e estudantes da Escola da Cidade
Direção de fotografia e câmera: Bruno Risas
Montagem: Márcio Hashimoto
Elenco: José Dumont, Carmen Silva, Isam Ahamad Issa e Guylain Mukendi
Atriz Convidada: Suely Franco
Participação Especial: Lucia Pulido e Ibtessam Umran
Gênero: Drama
Produção: Aurora Filmes
Coprodução: Tu Vas Voir (França), Nephilim Producciones (Espanha) e Apoio (Brasil)
Distribuição: Vitrine Filmes

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