E chegamos a esse terrível lodaçal em que todos
os sentimentos são falseados, em que não se pode querer a justiça sem ser
chamado de interesseiro ou vendido. As mentiras se espalham, as histórias mais
tolas são reproduzidas pelos jornais sérios, a nação parece atingida de
loucura, quando bastaria um pouco de bom-senso para recolocar as coisas no
lugar. Ah! como seria simples, digo outra vez, no dia em que os mestres
ousarem, apesar da multidão amatilhada, ser homens corajosos! (Émile Zola, Eu acuso!).
Vivemos
em um país onde todos são suspeitos de cometer algum crime. Basta uma denúncia
e uma investigação forjada para confirmar as suspeitas, pois tudo é passível de
ser tipificado, para usar o jargão jurídico, um crime. No Brasil, atualmente, a
casta do judiciário assalta a sociedade e viola todas as leis, apesar da
Constituição. Perseguem implacavelmente seus “inimigos”, criminosos por decreto.
A justiça se coloca acima de tudo, até mesmo da justiça. Porém, ao contrário do
que dizem, não vivemos num estado de exceção, mas, diante da verdadeira
essência do Estado de direito quando, este, perde o controle da dominação das
leis. Lembro-me, muitos anos atrás, de que certa vez, ao precisar recorrer à
justiça, meu advogado ter me dito categoricamente: “Você não tem direito”. Sim,
meu defensor disse com todas as letras: “Você não tem direito”. Até o Maluf tem
direito; pelo menos direito a muitos advogados... Até o Escadinha tem
direito... O Al Capone... Mas eu, cidadão comum, honesto, trabalhador, não
tenho direito. Convicto, no entanto, dos meus direitos, e motivado por um
profundo sentimento de justiça, fui procurar outro advogado. Ao contratá-lo e alegar
minha ignorância a respeito de detalhes de um aspecto obscuro de uma legislação
específica, aquele replicou, em tom de censura: “A nenhum brasileiro é dado o
direito de desconhecer as leis”. Mesmo sendo leigo em assuntos jurídicos, tenho
curso superior completo, pós-graduação, especialização, proficiência em língua
estrangeira etc. Imagino então os milhões e milhões de brasileiros que não
tiveram a mesma oportunidade de estudar, por falta de recursos, num país tão
desigual, e sequer imaginam um dia cursar uma faculdade. Muitos analfabetos
funcionais. Muitos analfabetos, ainda. Infelizmente. A nenhum brasileiro é dado o direito de desconhecer as leis. A que
nível do ridículo pode chegar um ser humano! Como alguém pode falar tamanha
bobagem com tanta seriedade e orgulho? A
nenhum brasileiro é dado o direito de desconhecer as leis. Eis a utopia da
justiça: um mundo tal qual uma Torre de Babel habitada por juristas. Melhor não
seria dizer, presídio? A nenhum
brasileiro é dado o direito de desconhecer as leis. Ou seja, o único
direito de fato é vedado ao cidadão comum. A verdade é que ninguém conhece as
leis, nem mesmo os juristas. E mesmo que, supondo, estes acreditassem conhecer,
isto pouco importaria. A justiça é como um demônio que muda de forma toda vez
que é pega pelo rabo, enquanto prepara o bote fatal. A nenhum brasileiro é dado o direito de desconhecer as leis. Premissa do absurdo, se o único direito real é negado ao povo, então o que dirá os outros! Assim, toda
uma nação é condenada, por princípio. Não pelo seu suposto crime (o
desconhecimento das leis), mas pelo crime de seus juízes. A justiça não é para
todos, apenas para poucos. A justiça é a arma dos verdadeiros criminosos,
porque, na história da humanidade, só os assassinos são inocentes.
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