por Arthur Stabile, Paloma Vasconcelos e Maria Teresa
Cruz
A
Justiça de São Paulo decretou a prisão preventiva de 9 líderes de movimentos de
luta por moradia, que atuam na capital paulista. Além disso, manteve a prisão
de 4 lideranças – Janice Ferreira Silva, a Preta, Sidney Ferreira Silva,
Angelica dos Santos Lima e Ednalva Silva Franco. A juíza Érika Soares de
Azevedo Mascarenhas, titular da 6ª Vara Criminal, aceitou a denúncia
apresentada pelo Ministério Público estadual na última terça-feira (6/8).
Os
participantes de movimentos sem-teto com prisão decretada são: Ananias Pereira
dos Santos, Andreya Tamara dos Santos de Oliveira, Hamilton Coelho Rezende,
Josiane Cristina Barranco, Carmen da Silva Ferreira, Maria Aparecida Dias,
Liliane Ferreira dos Santos, Adriana Aparecida França Ferreira e Manoel Del Rio
Blas Filho.
No
dia 11 de julho, o promotor Cássio Roberto Conserino denunciou 19 pessoas
ligadas a diversos grupos do movimento de luta por moradia de São Paulo por
extorsão e enriquecimento ilícito devido a supostas cobranças de taxas para
viver nos prédios ocupados mediante grave ameaça ou violência. Para o promotor,
há evidências de que os ativistas têm ligação direta com o crime organizado ao
supostamente receberem auxílio de integrantes do PCC (Primeiro Comando da
Capital) nos prédios em que ocupam. Conserino também procura atrelar os
movimentos ao PT (Partido dos Trabalhadores).
Na
decisão, Érika Mascarenhas chamou a investigação de exemplar e destacou que os
“crimes denunciados foram elucidados, com a identificação dos responsáveis, que
previamente ajustados planejaram e constituíram verdadeiro movimento criminoso,
que rotularam de movimento social, objetivando dar roupagem lícita às ações que
passaram a praticar”.
A
magistrada utiliza longos trechos de conversas pelo celular interceptadas pela
investigação e apresentados como prova na denúncia do MP, bem como destaca que
as “várias testemunhas” – todas anônimas – ouvidas ao longo do processo provam
o crime de extorsão.
Além
disso, afirma que as lideranças cometeram “delitos de extrema gravidade” e que
ficou evidenciado a existência de um “poder paralelo” ao Estado, “cujo objetivo
maior é a desgraça humana, com a finalidade única de vantagem financeira
indevida, em detrimento de pessoas extremamente carentes e vulneráveis”,
escreveu.
“A
ganância desvairada ligada à ambição desmedida e ao egoísmo excessivo, dentre
outros elementos desviados da personalidade humana, podem provocar danos
irreparáveis à sociedade organizada e à ordem econômica, de forma a provocar
repugnância ao restante da população”, aponta Erika Mascarenhas em outro trecho
da decisão.
Sobre
a denúncia
Na
denúncia (leia a íntegra clicando aqui), o promotor traçou uma linha de
raciocínio a partir do primeiro denunciado, Ananias Pereira dos Santos, líder
da ocupação então presente no edifício Wilton Paes de Almeida, onde 7 pessoas
morreram no ano passado após incêndio e desabamento do prédio. A partir de
Ananias, ele tenta implicar lideranças de diversos movimentos da luta por
moradia, como mostrou a Ponte em reportagem publicada em julho, alguns dias
após a denúncia do MP.
Ananias
é apontado como líder do MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia),
responsável pela ocupação do prédio que ficava localizado no Largo do
Paissandu, onde aconteceu a tragédia, no centro da capital paulista. Conserino
utiliza a informação da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) sobre o
ocorrido para destacar que na ocupação “várias famílias pagavam aluguel de R$
150,00 (cento e cinquenta reais) a R$ 400,00 (quatrocentos reais)” e quem não
pagava era expulso do prédio. Na sequência, informa que uma testemunha afirmou
que “isto acontece em todos os prédios invadidos”. Conserino escreve isso em
negrito e em letras maiúsculas.
Em
linhas gerais, o promotor utilizou esse fato para construir a argumentação de
que os valores eram cobrados mediante violência, caracterizando o primeiro
crime presente na denúncia: extorsão. E não só no Wilton Paes, mas em todos os
prédios em que há ocupações dos movimentos por moradia citados na denúncia, que
são: MMPT (Movimento de Moradia Para Todos); MMCR (Movimento Moradia Centro e
Região); FLM (Frente de Luta por Moradia) e MSTC (Movimento do Sem Teto do
Centro).
A
partir daí, o promotor Cesarino desenvolve uma espécie de “árvore genealógica
do crime”, elencando diversos movimentos e suas respectivas lideranças. Utiliza
interceptações telefônicas para mostrar a suposta ligação entre essas
lideranças e, consequentemente, entre os próximos movimentos. O termo “irmãos”
que aparece mais de uma vez na denúncia é interpretado pelo promotor como a
forma com que o PCC identifica seus integrantes. Dessa forma, cria uma ligação
entre os líderes citados e a facção criminosa.
O
que dizem as defesas
Para
Ariel de Castro Alves, advogado e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), a investigação foi tendenciosa, e, por
essa razão, a magistrada errou na decisão. “A magistrada foi provavelmente
induzida a erro por uma investigação seletiva da Polícia Civil de São Paulo. As
prisões são ilegais e a polícia não apresentou provas de que os acusados
estivessem coagindo ou ameaçando testemunhas para justificar as prisões
cautelares”, explicou Alves, que ao lado de Lúcio França, advoga para Carmen
Silva Ferreira e o MSTC.
Os
defensores destacaram, em nota, que os investigados sempre colaboraram com as
investigações e compareceram na delegacia quando chamados, durante o ano
passado, bem antes da decretação das prisões. “Eles prestaram todos os
esclarecimentos necessários e apresentaram documentos. Os policiais não
apresentaram provas de extorsão, já que as contribuições coletivas são
aprovadas em assembleias dos moradores das ocupações. A polícia não comprova
também nenhuma associação criminosa, já que os militantes inclusive integram
movimentos diferentes”, concluem.
Ao
jornal O Estado de S. Paulo, Augusto de Arruda Botelho, que defende Preta
Ferreira, afirmou que a denúncia “mais se assemelha a uma peça de ficção, já
que interpreta unilateralmente fatos e ignora solenemente sólidos depoimentos
prestados” e que a inocência de Preta será demonstrada ao longo do processo.
“Há clara intenção de criminalizar os movimentos sociais pela moradia da cidade
de São Paulo”, apontou.
Também
ao jornal, o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, defensor de Liliane Ferreira,
afirmou que vai entrar com pedido de habeas corpus e que a cliente é inocente.
A
defesa de Ananias Pereira dos Santos já havia informado a Ponte que “não ia
mais comentar o caso”. O advogado de Edinalva abandonou sua defesa no caso.
A
reportagem também procurou o PT para se pronunciar sobre as acusações que
envolvem o nome do partido, mas até o fechamento da reportagem não houve
retorno.
Fonte:
Ponte, em 9/8/2019
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