No
dia 28 do mês passado, geógrafo britânico David Harvey ministrou a conferência
“As contradições do capital no século 21”, no Auditório Nicolau Sevcenko –
Departamento de História – FFLCH USP, com participação de Amélia Damiani, Berna
Menezes, Edson Carneiro e mediação de Ruy Braga.
Um
dos marxistas mais influentes da atualidade, Harvey é reconhecido
internacionalmente por seu trabalho de vanguarda na análise geográfica das
dinâmicas do capital e tem afirmado que um dos mais graves problemas da atualidade,
e que não tem sido devidamente debatido, é o endividamento no mundo. Segundo
Harvey, em algum momento, o Brasil vai precisar voltar ao FMI. Todavia, numa
perspectiva mais ampla, a classe trabalhadora ainda pode ser vanguarda da
mudança.
“Se
pegarmos o total da dívida e dividir pela população total, cada pessoa deve US$
80 mil. A lógica irônica do sistema financeiro, que controla as políticas
governamentais dos países, é que os ganhos são ‘socializados’ pelos mais ricos,
enquanto a sociedade como um todo paga a conta”, apontou Harvey, em palestra
promovida nesta segunda-feira (26) em São Paulo pelas editoras Expressão
Popular, ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e
Boitempo.
“Austeridade
fica para nós e o socialismo para o 1% das pessoas mais ricas, que controlam a
maioria das dívidas e lucram com ela”, criticou. “É preciso prestar atenção à
massa incontrolável da dívida. Eles usam isso para comprar terra e
propriedades. A terra custa caro porque o 1% mais rico tem muito dinheiro e
eles não sabem o que fazer com isso. A terra não é usada como deveria para
cuidar da nutrição e do meio ambiente.”
O
pensador afirmou que todos os secretários do Tesouro dos Estados Unidos, desde
o presidente Bill Clinton, são oriundos do Goldman Sachs, grupo financeiro
multinacional, sediado em Nova York. “Quem domina e governa o Estado? A gente
brinca que o Goldman Sachs é quem controla os Estados Unidos.” Embora Clinton
tenha tentado implementar políticas mais independentes, o mercado financeiro
não permitiu. “Tudo o que Clinton fez, foi o que eles queriam.”
Harvey
afirmou que o único país do mundo em que o governo controla o sistema
financeiro é a China. “Lá, os bancos fazem o que o Estado quer que façam.
Precisamos de uma política para ‘desempoderar’ o sistema financeiro, que é a
única coisa que ele não quer.”
Para
Harvey, a Grécia, nos últimos dez anos, é um exemplo emblemático do que
acontece com os países obrigados a adotar políticas de austeridade. “Naquele
país as pessoas perdem os bens e tudo que têm.”
Ele
avalia que, em algum momento, o Brasil vai precisar voltar a emprestar recursos
do Fundo Monetário Internacional (FMI), entidade à qual o presidente da
Argentina, Mauricio Macri, recorreu recentemente. O país vizinho passa por um
período de grave crise, com recessão, inflação muito elevada e o maior
desemprego desde 2006. O Produto Interno Bruto argentino recuou 2,5% em 2018 e
5,8% no primeiro trimestre de 2019.
A
política do campo progressista deveria privilegiar a luta para evitar que o
capital controle a terra, “que tem de ser controlada pelo povo”. “É um longo
caminho, mas tirar a terra do mercado de commodities é vital.”
O
geógrafo acredita que a classe trabalhadora ainda pode ser “a vanguarda da
mudança”, considerando que hoje ela é maior do que em qualquer outro momento da
história. De acordo com ele, nos anos 1980 eram 2 trilhões, e hoje os
proletários chegam a 3 trilhões de pessoas.
E
afirmou que, nos Estados Unidos, os sindicatos não compreendem o “poder imenso”
da nova classe trabalhadora. “A esquerda precisa começar a falar com essa nova
classe, que não está nas fábricas, mas na área de logística e outras semelhantes.”
Harvey
considera a educação uma área estratégica das sociedades hoje, e os detentores
do poder sabem disso. Nos Estados Unidos, lembrou, a educação “foi tomada pelos
interesses das corporações e dos liberais”. O motivo é que ela é usada para
promover a segregação entre pessoas “educadas” e “não educadas”.
“A
distinção entre trabalho intelectual e o trabalho manual é uma das maiores
distinções de classe que há. As universidades dos Estados Unidos não são mais
financiadas pelos estados, mas por corporações e grandes financiadores, como
Bill Gates. O interesse deles não é a sociedade, mas financiar pesquisa e
produtos que gerem lucro”, explicou. “Mas, afortunadamente, as universidades
não são totalmente controladas, e pessoas como eu podem florescer em alguns
cantinhos.”
Fonte:
Rede Brasil Atual
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