Governo e partidos
A colaboração política
(tradução: Jean
Fecaloma)
Muito embora o objetivo
deste livro seja a descrição, tão exata quanto possível, das realizações
socioeconômicas da revolução libertária espanhola no período de 1936-1939, o
autor crê necessário expor, ainda que de modo muito resumidamente - para
facilitar a melhor compreensão de alguns fatos - as condições políticas dentro
das quais estas realizações têm sido levadas a cabo. Já entramos neste aspecto
no capítulo intitulado Materiais para uma
revolução, mas é necessário acrescentar, especialmente para os leitores correntes
das ideias e doutrinas libertárias, algumas precisões indispensáveis.
Temos insistido
repetidas vezes que esta revolução expressava a resistência da extrema esquerda
ao ataque fascista. Esta extrema esquerda, composta, nesse caso, pela CNT e FAI,
havia professado, e continua a professar, um antigovernamentalismo e um anti-estatismo
intransigentes. Todavia, pela primeira vez na história, vemos a organização
libertária mais poderosa do mundo, que sempre havia proclamado a superioridade
da ação direta e que, portanto, havia rechaçado como uma piada de mau gosto a
hipótese de um dia tomar parte de um ministério governamental, enviar ao governo
quatro ministros: Juan Peiró, ministro da Indústria; Federica Montseny, ministra
da Saúde; Juan Garcia Oliver, Ministro da Justiça; e Juan Lopes, Ministro do
Comércio Exterior.
Sem dúvida, anteriormente,
outros três ministros, chamados conselheiros, já haviam entrado no governo
Catalão residente em Barcelona, chamado Generalidad.
Quando estas decisões
foram tomadas, o autor deste livro não se encontrava na Espanha, já que residia
na República da Argentina, e não teve a menor responsabilidade nessa extraordinária
metamorfose. Quando pôde desembarcar em Gibraltar, e transladar-se logo a
Málaga, com vários meses de atraso, causado pela situação ilegal perante as
autoridades consulares de seu país, os novos ministros já haviam tomado posse
de seus cargos. Portanto, esta contingência confere ao autor maior objetividade
para desenvolver uma explicação que lhe parece necessária. Pois, a colaboração
ministerial e a participação até então inédita na administração dos municípios
têm exercido uma influência negativa – sobretudo, no primeiro caso - ou
positiva - no segundo caso -, tendo sido, frequentemente, decisiva no movimento
libertário e no curso da revolução.
Digamos, então, que o
que motivou a organização libertária a tomar parte do governo espanhol foi a
guerra propriamente dita, o ataque franquista e o temor ante a consolidação na
Espanha de um governo fascista cujas consequências catastróficas podiam ser
facilmente prevista, como de fato se verificou depois.
Com efeito, apesar das
mentiras e dos excessos retóricos a que se davam os governantes republicanos,
os oradores, os periodistas, os porta-vozes dos partidos e, também, certos tribunos
libertários – acredito que para conceder algum alento à resistência -, a dúvida
sobre a vitória final vicejou em certos espíritos antes mesmo das forças franquistas
chegarem a Madrid, ao aeroporto de Gatafe, e, ao norte, tomado certas cidades
ou sitia-las. É bem verdade que foram bloqueadas na Sierra de Guadarrama; mas a
posição dos antifascistas era defensiva e carecia dos elementos de ataque necessários
para intentar uma contraofensiva vitoriosa. Por outra parte, a ajuda da Itália
fascista e da Alemanha nazista às tropas de Franco fez com que surgissem numerosas
interrogações a todo espírito reflexivo sobre o êxito das forças antifascistas.
Era perfeitamente
lógico que a grande maioria da população da Espanha republicana estivesse
dominada pelo temor da vitória franquista, e não compreendesse que as forças
políticas e sociais organizadas em partidos e setores revolucionários antifascistas
não constituiam uma frente única necessária para fazer frente ao assédio
fascista. Indiferente aos problemas de índole filosófica, desejava que a CNT e
a FAI - esta última muito menos poderosa - entrassem no governo a fim de
assegurar a união de um bloco que podia assegurar a vitória.
Os líderes da CNT e, depois,
os da FAI, que frequentemente eram os mesmos, começaram por resistir a dar
passo nessa direção; sem dúvida alguma, inspirados por sua oposição tradicional
a todo governamentalismo e, por conseguinte, à política partidária. Mas como,
com efeito, ante o perigo cada vez maior, e, daí, a mais ampla unificação
parecia se impor, imaginaram eles uma solução revolucionária: o governo
deixaria de existir e seria substituído por um conselho de defesa composto por
cinco membros da CNT, cinco da UGT e quatro membros dos partidos políticos. Isso
estabeleceria a supremacia das organizações sindicais sobre todos os partidos,
matando dois coelhos com uma cajadada só.
Baseada nas forças
numéricas dos distintos setores, esta representação podia parecer justificada.
Mas também era verdade que, se os partidos políticos tinham, comparativamente,
pouquíssimos aderentes, tinham com eles o apoio de seu eleitorado. Numa Espanha
em que metade de seu território encontrava-se invadido pelo fascismo, a CNT e a
UGT contavam ainda com 1.200.000 aderentes cada uma - talvez o número nas
fileiras da UGT era menor. No entanto, os militantes da UGT estavam, em sua
grande maioria, sobre a influência de seus quadros socialistas. Já a CNT
contava com quadros libertários e a maioria de seus aderentes não aceitariam
uma manobra tão demasiadamente explícita, pelo qual significaria uma
capitulação de princípios.
Tampouco aceitariam se
submeter a homens de estado, políticos, profissionais do governo, republicanos,
socialistas e regionalistas - catalães ou bascos -, cuja influência perdurava
sobre a maioria da população regional ou nacionalmente considerada. A
participação no governo estava fadada ao fracasso.
Todavia, a necessidade
de um bloco unificado se impunha inclusive a certos libertários ou
sindicalistas revolucionários. Um deles, Horácio Pietro – que, então, era
secretário da CNT e que se encontrava em Madrid - decidiu convencer os seus
companheiros da necessidade de dar um passo que lhe parecia necessário, aderindo
ao gabinete de união antifascista. Com efeito, tomou contato com Largo
Caballero, a quem acabava de ser nomeado presidente do Conselho porque era
considerado, nas altas esferas políticas, como o homem que - por sua
verbosidade revolucionária – podia melhor incitar as massas para a luta. E Largo
Caballero, velho profissional do poder e da politicagem, que, para manter sua
popularidade nas massas, havia tomado atitudes de um esquerdismo intransigente
no Partido Socialista antes do ataque franquista, pensou que poderia formar uma
aliança com os ministros cenetistas contra seus adversários do momento, que eram
especialmente comunistas, cuja influência crescia rapidamente após a Rússia
(URSS) enviar armas... devidamente vendidas mediante pagamento adiantado em
ouro do Banco da Espanha.
Assim, os dois homens se
puseram de acordo. A CNT decidiu então integrar o governo e ocupar cargos (dois
sindicalistas revolucionários e dois militantes faístas). Por outra parte, dois
anarquistas e um sindicalista cenetista haviam entrado no governo Regional de
Catalunha.
Pode se atribuir, esse
abandono de princípios, a razões subjetivas, de caráter discutível. Contudo,
quem analisa os fatos com o desejo sincero de compreender e explicar o que
realmente aconteceu, deve reconhecer que a situação era sumamente complexa. O
único modo de escapar ao dilema da colaboração governamental ou enfraquecimento
da resistência perante o franquismo seria a formação de uma organização autônoma
de combate, ainda que solidária ao exército oficial republicano, mas mantendo
uma força própria e aplicando o método de uma amplíssima guerra de guerrilha.
Mas, digamos, sem ressalvas, faltavam as qualidades de organização, a
envergadura e a preparação necessárias para tanto. Desde 1931, no livro Problemas Económicos de La Revoluçión Española,
o autor destas linhas havia dedicado um capítulo referente à luta armada, de
onde, sem querer dar lições de estratégia militar - pois nunca foi um soldado -,
recordava a forma de combate pelo qual se distinguiam tantos caudilhos, como El
Empecinado, durante a guerra antinapoleônica, na qual os mais destacados
generais (Massena e outros "meninos mimados da vitória", como os
chamava o Imperador) foram batidos por camponeses armados de foices e facões. Explicava
aos companheiros o erro que implicaria adotar métodos dos exércitos modernos em
lugar de recorrer às táticas da guerra revolucionária, nascidas muito antes que
Mao-tse Tung houvesse intentado a definir à sua maneira.
Os que se improvisavam
chefes e comandantes de tropa não tinham consciência formada sobre esses problemas
e careciam de iniciativas. Deixou-se ao adversário tempo suficiente para
aumentar o seu armamento, a possibilidade de ganhar terreno e o momento mais favorável
para atacar. O gênio tático de um Makhno, que obrigou o general Denikin na
Ucrânia interromper sua marcha sobre Moscou, faltou por completo.
E, desgraçadamente, os
homens destacados pelo nosso movimento não puderam estar à altura no terreno
político tanto quanto no terreno militar. Sendo quatro ministros contra doze,
sua influência foi nula.
A única obra séria que
se fez durante a guerra civil foi, precisamente, a revolução, à margem do
poder. As coletivizacões industriais, as sindicalizacões da indústria e dos
serviços públicos, a socialização agrária, enfim, tudo o que resistiu por cerca
de três anos, sem o qual Franco teria triunfado em algumas semanas, tem sido
obra dos libertários, que criaram e organizaram tais realizações sem se
preocupar com os ministros e os ministérios. Do ponto de vista da dinâmica da guerra
- a resistência a Franco - nossos ministros não puderam lograr nada de útil. E,
às vezes, enganados por falsas notícias oficiais, fizeram eco à
responsabilização dos nossos combatentes por derrotas inevitáveis provocadas
pelo abandono deliberado das frentes de batalha, como foi o caso da queda de
Málaga. Não puderam impedir a sabotagem da frente de Aragão, ao qual o governo
de Madrid deixou sem artilharia, sem aviação, sem defesa antiaérea. Durante o
primeiro ano da guerra era possível desfazer o ataque fascista; as forças
militares inimigas se compunham de alguns milhares de homens, dirigindo suas
caminhonetes, acudindo aqui e ali, onde o perigo surgia. Com cinquenta mil
combatentes, devidamente equipados, seria possível conquistar Saragoça. E,
precisamente, esta era a intenção de Durruti. Mas foi impossível, pela ausência
de granadas e balas, o que impediu afrouxar o cerco de Madrid. As armas
disponíveis, sempre pagas adiantado com ouro do Banco de Espanha, eram enviadas
à frente do Centro - invulnerável, se temos em conta as posições estratégicas
ocupadas pelos fascistas - mas de onde os generais russos ditavam a lei e de
onde mandavam quase unicamente os comunistas. A mesma situação se produziu na
frente andaluz e extremenho, onde as ofensivas tinham lugar, em condições tais,
que estavam condenadas ao fracasso. Frequentemente,
nossas forças enviadas ao ataque se encontravam com as forças inimigas
infinitamente mais numerosas que as obrigavam a abrir caminho à baioneta calada
para evitar o aniquilamento, mas deixando assim inumeráveis companheiros
tombados. Era como se os generais fascistas e stalinistas estabelecessem um
acordo para desencadear tais matanças. Há de se reconhecer que Stalin era capaz
disso e muito mais: muitos relatos da guerra permitem conjeturar esta hipótese.
Recordemos também o pacto firmado com Hitler.
Outro aspecto da
sabotagem que contribuiu com a derrota foi a negativa do governo de Valência a
prestar ajuda financeira a Barcelona para a compra armas ou o material para a
sua fabricação. Este fato, ao qual fomos informados tão prontamente quando
chegamos a Barcelona, nos fez duvidar da vitória derradeira, que não podia se
assegurar com manifestações de rua cujos participantes desfilavam com o punho
cerrado para o alto e gritavam: “Não passarão!”
Contra tais manobras e
muito mais, nossos ministros nada puderam. Seus protestos caíram no vazio, e
comprometidos pela solidariedade antifascista sabiamente explorada, evitaram “o
espetáculo das nossas divergências”. Atitudes de homens como o stalinista Jesus
Hernandes, que, por ordem de Moscou, derrubaram o ministro Largo Caballero,
denunciavam, um pouco tarde demais, o modo como a política do governo era dirigida,
por maioria, segundo as ordens do Komintern, e puderam assegurar que esses mestres
da intriga não davam o menor caso aos desacordos e protestos dos nossos
ministros. Enfim, esta inserção no mundo governamental oferece um balanço
absolutamente negativo.
Nota sobre a tradução:
Fiz uma tradução quase literal, alterando apenas os trechos de difícil compreensão.
O prazo de entrega no Primeiro de Maio, a tradução feita na véspera e uma forte
enxaqueca me impediram de fazer uma revisão. Peço desculpas de antemão. Jean
Fecaloma
LEVAL, Gastón. Gobierno y partidos: La colaboración política
in: “Colectividades libertarias en españa” - Tomo 2, Editorial Proyección:
Buenos Aires.
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