sexta-feira, 1 de maio de 2020

COLETIVIDADES LIBERTÁRIAS NA ESPANHA - GASTÓN LEVAL


Governo e partidos


A colaboração política



(tradução: Jean Fecaloma)

Muito embora o objetivo deste livro seja a descrição, tão exata quanto possível, das realizações socioeconômicas da revolução libertária espanhola no período de 1936-1939, o autor crê necessário expor, ainda que de modo muito resumidamente - para facilitar a melhor compreensão de alguns fatos - as condições políticas dentro das quais estas realizações têm sido levadas a cabo. Já entramos neste aspecto no capítulo intitulado Materiais para uma revolução, mas é necessário acrescentar, especialmente para os leitores correntes das ideias e doutrinas libertárias, algumas precisões indispensáveis.

Temos insistido repetidas vezes que esta revolução expressava a resistência da extrema esquerda ao ataque fascista. Esta extrema esquerda, composta, nesse caso, pela CNT e FAI, havia professado, e continua a professar, um antigovernamentalismo e um anti-estatismo intransigentes. Todavia, pela primeira vez na história, vemos a organização libertária mais poderosa do mundo, que sempre havia proclamado a superioridade da ação direta e que, portanto, havia rechaçado como uma piada de mau gosto a hipótese de um dia tomar parte de um ministério governamental, enviar ao governo quatro ministros: Juan Peiró, ministro da Indústria; Federica Montseny, ministra da Saúde; Juan Garcia Oliver, Ministro da Justiça; e Juan Lopes, Ministro do Comércio Exterior.

Sem dúvida, anteriormente, outros três ministros, chamados conselheiros, já haviam entrado no governo Catalão residente em Barcelona, chamado Generalidad.

Quando estas decisões foram tomadas, o autor deste livro não se encontrava na Espanha, já que residia na República da Argentina, e não teve a menor responsabilidade nessa extraordinária metamorfose. Quando pôde desembarcar em Gibraltar, e transladar-se logo a Málaga, com vários meses de atraso, causado pela situação ilegal perante as autoridades consulares de seu país, os novos ministros já haviam tomado posse de seus cargos. Portanto, esta contingência confere ao autor maior objetividade para desenvolver uma explicação que lhe parece necessária. Pois, a colaboração ministerial e a participação até então inédita na administração dos municípios têm exercido uma influência negativa – sobretudo, no primeiro caso - ou positiva - no segundo caso -, tendo sido, frequentemente, decisiva no movimento libertário e no curso da revolução.

Digamos, então, que o que motivou a organização libertária a tomar parte do governo espanhol foi a guerra propriamente dita, o ataque franquista e o temor ante a consolidação na Espanha de um governo fascista cujas consequências catastróficas podiam ser facilmente prevista, como de fato se verificou depois.

Com efeito, apesar das mentiras e dos excessos retóricos a que se davam os governantes republicanos, os oradores, os periodistas, os porta-vozes dos partidos e, também, certos tribunos libertários – acredito que para conceder algum alento à resistência -, a dúvida sobre a vitória final vicejou em certos espíritos antes mesmo das forças franquistas chegarem a Madrid, ao aeroporto de Gatafe, e, ao norte, tomado certas cidades ou sitia-las. É bem verdade que foram bloqueadas na Sierra de Guadarrama; mas a posição dos antifascistas era defensiva e carecia dos elementos de ataque necessários para intentar uma contraofensiva vitoriosa. Por outra parte, a ajuda da Itália fascista e da Alemanha nazista às tropas de Franco fez com que surgissem numerosas interrogações a todo espírito reflexivo sobre o êxito das forças antifascistas.

Era perfeitamente lógico que a grande maioria da população da Espanha republicana estivesse dominada pelo temor da vitória franquista, e não compreendesse que as forças políticas e sociais organizadas em partidos e setores revolucionários antifascistas não constituiam uma frente única necessária para fazer frente ao assédio fascista. Indiferente aos problemas de índole filosófica, desejava que a CNT e a FAI - esta última muito menos poderosa - entrassem no governo a fim de assegurar a união de um bloco que podia assegurar a vitória.

Os líderes da CNT e, depois, os da FAI, que frequentemente eram os mesmos, começaram por resistir a dar passo nessa direção; sem dúvida alguma, inspirados por sua oposição tradicional a todo governamentalismo e, por conseguinte, à política partidária. Mas como, com efeito, ante o perigo cada vez maior, e, daí, a mais ampla unificação parecia se impor, imaginaram eles uma solução revolucionária: o governo deixaria de existir e seria substituído por um conselho de defesa composto por cinco membros da CNT, cinco da UGT e quatro membros dos partidos políticos. Isso estabeleceria a supremacia das organizações sindicais sobre todos os partidos, matando dois coelhos com uma cajadada só.

Baseada nas forças numéricas dos distintos setores, esta representação podia parecer justificada. Mas também era verdade que, se os partidos políticos tinham, comparativamente, pouquíssimos aderentes, tinham com eles o apoio de seu eleitorado. Numa Espanha em que metade de seu território encontrava-se invadido pelo fascismo, a CNT e a UGT contavam ainda com 1.200.000 aderentes cada uma - talvez o número nas fileiras da UGT era menor. No entanto, os militantes da UGT estavam, em sua grande maioria, sobre a influência de seus quadros socialistas. Já a CNT contava com quadros libertários e a maioria de seus aderentes não aceitariam uma manobra tão demasiadamente explícita, pelo qual significaria uma capitulação de princípios.

Tampouco aceitariam se submeter a homens de estado, políticos, profissionais do governo, republicanos, socialistas e regionalistas - catalães ou bascos -, cuja influência perdurava sobre a maioria da população regional ou nacionalmente considerada. A participação no governo estava fadada ao fracasso.

Todavia, a necessidade de um bloco unificado se impunha inclusive a certos libertários ou sindicalistas revolucionários. Um deles, Horácio Pietro – que, então, era secretário da CNT e que se encontrava em Madrid - decidiu convencer os seus companheiros da necessidade de dar um passo que lhe parecia necessário, aderindo ao gabinete de união antifascista. Com efeito, tomou contato com Largo Caballero, a quem acabava de ser nomeado presidente do Conselho porque era considerado, nas altas esferas políticas, como o homem que - por sua verbosidade revolucionária – podia melhor incitar as massas para a luta. E Largo Caballero, velho profissional do poder e da politicagem, que, para manter sua popularidade nas massas, havia tomado atitudes de um esquerdismo intransigente no Partido Socialista antes do ataque franquista, pensou que poderia formar uma aliança com os ministros cenetistas contra seus adversários do momento, que eram especialmente comunistas, cuja influência crescia rapidamente após a Rússia (URSS) enviar armas... devidamente vendidas mediante pagamento adiantado em ouro do Banco da Espanha.

Assim, os dois homens se puseram de acordo. A CNT decidiu então integrar o governo e ocupar cargos (dois sindicalistas revolucionários e dois militantes faístas). Por outra parte, dois anarquistas e um sindicalista cenetista haviam entrado no governo Regional de Catalunha.

Pode se atribuir, esse abandono de princípios, a razões subjetivas, de caráter discutível. Contudo, quem analisa os fatos com o desejo sincero de compreender e explicar o que realmente aconteceu, deve reconhecer que a situação era sumamente complexa. O único modo de escapar ao dilema da colaboração governamental ou enfraquecimento da resistência perante o franquismo seria a formação de uma organização autônoma de combate, ainda que solidária ao exército oficial republicano, mas mantendo uma força própria e aplicando o método de uma amplíssima guerra de guerrilha. Mas, digamos, sem ressalvas, faltavam as qualidades de organização, a envergadura e a preparação necessárias para tanto. Desde 1931, no livro Problemas Económicos de La Revoluçión Española, o autor destas linhas havia dedicado um capítulo referente à luta armada, de onde, sem querer dar lições de estratégia militar - pois nunca foi um soldado -, recordava a forma de combate pelo qual se distinguiam tantos caudilhos, como El Empecinado, durante a guerra antinapoleônica, na qual os mais destacados generais (Massena e outros "meninos mimados da vitória", como os chamava o Imperador) foram batidos por camponeses armados de foices e facões. Explicava aos companheiros o erro que implicaria adotar métodos dos exércitos modernos em lugar de recorrer às táticas da guerra revolucionária, nascidas muito antes que Mao-tse Tung houvesse intentado a definir à sua maneira.

Os que se improvisavam chefes e comandantes de tropa não tinham consciência formada sobre esses problemas e careciam de iniciativas. Deixou-se ao adversário tempo suficiente para aumentar o seu armamento, a possibilidade de ganhar terreno e o momento mais favorável para atacar. O gênio tático de um Makhno, que obrigou o general Denikin na Ucrânia interromper sua marcha sobre Moscou, faltou por completo.

E, desgraçadamente, os homens destacados pelo nosso movimento não puderam estar à altura no terreno político tanto quanto no terreno militar. Sendo quatro ministros contra doze, sua influência foi nula.

A única obra séria que se fez durante a guerra civil foi, precisamente, a revolução, à margem do poder. As coletivizacões industriais, as sindicalizacões da indústria e dos serviços públicos, a socialização agrária, enfim, tudo o que resistiu por cerca de três anos, sem o qual Franco teria triunfado em algumas semanas, tem sido obra dos libertários, que criaram e organizaram tais realizações sem se preocupar com os ministros e os ministérios. Do ponto de vista da dinâmica da guerra - a resistência a Franco - nossos ministros não puderam lograr nada de útil. E, às vezes, enganados por falsas notícias oficiais, fizeram eco à responsabilização dos nossos combatentes por derrotas inevitáveis provocadas pelo abandono deliberado das frentes de batalha, como foi o caso da queda de Málaga. Não puderam impedir a sabotagem da frente de Aragão, ao qual o governo de Madrid deixou sem artilharia, sem aviação, sem defesa antiaérea. Durante o primeiro ano da guerra era possível desfazer o ataque fascista; as forças militares inimigas se compunham de alguns milhares de homens, dirigindo suas caminhonetes, acudindo aqui e ali, onde o perigo surgia. Com cinquenta mil combatentes, devidamente equipados, seria possível conquistar Saragoça. E, precisamente, esta era a intenção de Durruti. Mas foi impossível, pela ausência de granadas e balas, o que impediu afrouxar o cerco de Madrid. As armas disponíveis, sempre pagas adiantado com ouro do Banco de Espanha, eram enviadas à frente do Centro - invulnerável, se temos em conta as posições estratégicas ocupadas pelos fascistas - mas de onde os generais russos ditavam a lei e de onde mandavam quase unicamente os comunistas. A mesma situação se produziu na frente andaluz e extremenho, onde as ofensivas tinham lugar, em condições tais, que estavam condenadas ao fracasso.  Frequentemente, nossas forças enviadas ao ataque se encontravam com as forças inimigas infinitamente mais numerosas que as obrigavam a abrir caminho à baioneta calada para evitar o aniquilamento, mas deixando assim inumeráveis companheiros tombados. Era como se os generais fascistas e stalinistas estabelecessem um acordo para desencadear tais matanças. Há de se reconhecer que Stalin era capaz disso e muito mais: muitos relatos da guerra permitem conjeturar esta hipótese. Recordemos também o pacto firmado com Hitler.

Outro aspecto da sabotagem que contribuiu com a derrota foi a negativa do governo de Valência a prestar ajuda financeira a Barcelona para a compra armas ou o material para a sua fabricação. Este fato, ao qual fomos informados tão prontamente quando chegamos a Barcelona, nos fez duvidar da vitória derradeira, que não podia se assegurar com manifestações de rua cujos participantes desfilavam com o punho cerrado para o alto e gritavam: “Não passarão!”

Contra tais manobras e muito mais, nossos ministros nada puderam. Seus protestos caíram no vazio, e comprometidos pela solidariedade antifascista sabiamente explorada, evitaram “o espetáculo das nossas divergências”. Atitudes de homens como o stalinista Jesus Hernandes, que, por ordem de Moscou, derrubaram o ministro Largo Caballero, denunciavam, um pouco tarde demais, o modo como a política do governo era dirigida, por maioria, segundo as ordens do Komintern, e puderam assegurar que esses mestres da intriga não davam o menor caso aos desacordos e protestos dos nossos ministros. Enfim, esta inserção no mundo governamental oferece um balanço absolutamente negativo.

Nota sobre a tradução: Fiz uma tradução quase literal, alterando apenas os trechos de difícil compreensão. O prazo de entrega no Primeiro de Maio, a tradução feita na véspera e uma forte enxaqueca me impediram de fazer uma revisão. Peço desculpas de antemão. Jean Fecaloma

LEVAL, Gastón. Gobierno y partidos: La colaboración política in: “Colectividades libertarias en españa” - Tomo 2, Editorial Proyección: Buenos Aires.


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