quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Socialistas e Anarquistas, por Malatesta

Malatesta e Kronstadt 1921

Socialistas e Anarquistas: a Diferença Essencial

Umanità Nova, 1921

Alguns buscam explicar a cisão entre socialistas e anarquistas por uma única dissensão. Os socialistas seriam acusados de querer de querer avançar demasiado lento, enquanto os anarquistas, sofrendo da loucura da revolução imediata, prometiam e prometem ir muito mais rápido.

É fato que, entre socialistas e anarquistas, sempre houve divergência profunda quanto à maneira de conceber a evolução histórica e as crises revolucionárias que a própria evolução engendra, de tal forma que eles quase nunca estiveram de acordo em relação aos meios a empregar e às oportunidades que se apresentaram de vez em quando de poder acelerar a marcha rumo à emancipação humana.

Todavia, essa é uma dissensão contingente e secundária. Sempre houve e ainda há socialistas apressados, do mesmo modo que houve e há anarquistas que querem avançar a passos lentos e, inclusive, os que não creem absolutamente na revolução. A dissensão essencial fundamental é outra bem diferente: os socialistas são autoritários, os anarquistas são libertários.

Os socialistas querem ir ao poder, pouco importa se de modo Pacífico ou violento, e, tornados governo, querem impor às massas, sob forma ditatorial ou democrática, seu programa. Os anarquistas creem que, ao contrário, todo governo é mau e, por sua própria natureza, destinado a defender uma classe privilegiada já existente ou criar uma nova . Em vez de sonhar em assumir o lugar dos governantes atuais, eles querem abater todo organismo que permita a alguns impor aos outros suas próprias ideias e interesses, e dar a cada um plena liberdade e, evidentemente, os meios econômicos para tornar a liberdade possível e efetiva. Eles também querem escancarar a via da evolução para suas melhores formas de vida social que surgirão da experiência.

Parece impossível que, ainda hoje, após o que se passou e se passa na Rússia, haja quem creia que a diferença entre socialistas e anarquistas é unicamente há de querer a revolução mais cedo ou mais tarde.

Lenin é, sem dúvida, um revolucionário e um revolucionário apressado, mas um autoritário, um fanático que a história situará ao lado dos Torquemada e dos Robespierre, e, malgrado suas divergências atuais com uma parte dos socialistas oficiais, ele é certamente um socialista fazendo o que os anarquistas, há cinquenta anos, vêm prevendo o que fariam os socialistas se eles conseguissem tomar o poder.

Escutar o que diz Maria Spiridonova, a mártir do regime czarista, em sua carta aberta Aos operários do Ocidente. Ela demonstra o quanto a revolução foi poderosa na Rússia antes que o bolchevismo a traísse. A revolução estendia-se a todo o território Russo porque era apoiada unanimemente pelos proletários dos campos e das cidades. Lenin, flanqueado por seus devotos e com um autêntico dogmatismo marxista, serviu-se dos proletários da cidade, que formam de 3 a 5% da população, contra as massas rurais não organizadas, e, para submetê-las, recorreu também à antiga burocracia, à velha casta militar, à polícia secreta do regime derrubado! Tendo cometido o erro, diz Spiridonova, de empregar os métodos e os instrumentos czaristas, o Partido Comunista (que é indubitavelmente socialista) erigiu a tirania em sistema para lograr esse resultado - ainda segundo Spiridonova - pelo qual hoje os 95% dos trabalhadores estão em revolta aberta ou secreta contra o governo. E ela acrescenta: a classe fundamental do país, os trabalhadores da terra, sem a qual nenhuma obra econômica criadora é possível entre nós, encontrou-se brutalmente rejeitada de toda participação na revolução. Os trabalhadores camponeses tornaram-se simplesmente um objeto de exploração por parte do Estado, fornecedores de matérias-primas, gêneros alimentícios, gado e homens, sem ter a mínima possibilidade de exercer qualquer influência política sobre o governo do país. A principal função do Exército Vermelho é aterrorizar a massa camponesa. E o mesmo Exército Vermelho aterrorizado e sustentado pelo fato bem conhecido segundo o qual, para toda deserção, a família do desertor é ferozmente punida.

Esta é uma questão completamente diferente daquela de fazer a revolução um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde!

A principal razão que fez nascer e durar o movimento anarquista é precisamente a previsão do que seria necessariamente um governo socialista, previsão que encontrou sua confirmação tão trágica na Rússia.

Isso não impediu que à dissensão fundamental viesse somar-se aquela relativa à maneira de julgar as diversas posições históricas e à necessidade de tentar ou não, em certas ocasiões, um movimento revolucionário. Tornaremos a falar disso.

MALATESTA, Errico. Escritos revolucionários. Organização e tradução: Plínio Augusto Coêlho. Editora Hedra: São Paulo, 2008.

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