Socialistas
e Anarquistas: a Diferença Essencial
Umanità
Nova, 1921
Alguns buscam explicar
a cisão entre socialistas e anarquistas por uma única dissensão. Os socialistas
seriam acusados de querer de querer avançar demasiado lento, enquanto os
anarquistas, sofrendo da loucura da revolução imediata, prometiam e prometem ir
muito mais rápido.
É fato que, entre
socialistas e anarquistas, sempre houve divergência profunda quanto à maneira
de conceber a evolução histórica e as crises revolucionárias que a própria
evolução engendra, de tal forma que eles quase nunca estiveram de acordo em relação
aos meios a empregar e às oportunidades que se apresentaram de vez em quando de
poder acelerar a marcha rumo à emancipação humana.
Todavia, essa é uma
dissensão contingente e secundária. Sempre houve e ainda há socialistas
apressados, do mesmo modo que houve e há anarquistas que querem avançar a
passos lentos e, inclusive, os que não creem absolutamente na revolução. A
dissensão essencial fundamental é outra bem diferente: os socialistas são
autoritários, os anarquistas são libertários.
Os socialistas querem
ir ao poder, pouco importa se de modo Pacífico ou violento, e, tornados
governo, querem impor às massas, sob forma ditatorial ou democrática, seu
programa. Os anarquistas creem que, ao contrário, todo governo é mau e, por sua
própria natureza, destinado a defender uma classe privilegiada já existente ou
criar uma nova . Em vez de sonhar em assumir o lugar dos governantes atuais,
eles querem abater todo organismo que permita a alguns impor aos outros suas
próprias ideias e interesses, e dar a cada um plena liberdade e, evidentemente,
os meios econômicos para tornar a liberdade possível e efetiva. Eles também
querem escancarar a via da evolução para suas melhores formas de vida social
que surgirão da experiência.
Parece impossível que,
ainda hoje, após o que se passou e se passa na Rússia, haja quem creia que a
diferença entre socialistas e anarquistas é unicamente há de querer a revolução
mais cedo ou mais tarde.
Lenin é, sem dúvida, um
revolucionário e um revolucionário apressado, mas um autoritário, um fanático
que a história situará ao lado dos Torquemada e dos Robespierre, e, malgrado
suas divergências atuais com uma parte dos socialistas oficiais, ele é
certamente um socialista fazendo o que os anarquistas, há cinquenta anos, vêm
prevendo o que fariam os socialistas se eles conseguissem tomar o poder.
Escutar o que diz Maria
Spiridonova, a mártir do regime czarista, em sua carta aberta Aos operários do Ocidente. Ela demonstra
o quanto a revolução foi poderosa na Rússia antes que o bolchevismo a traísse.
A revolução estendia-se a todo o território Russo porque era apoiada
unanimemente pelos proletários dos campos e das cidades. Lenin, flanqueado por
seus devotos e com um autêntico dogmatismo marxista, serviu-se dos proletários da
cidade, que formam de 3 a 5% da população, contra as massas rurais não
organizadas, e, para submetê-las, recorreu também à antiga burocracia, à velha
casta militar, à polícia secreta do regime derrubado! Tendo cometido o erro,
diz Spiridonova, de empregar os métodos e os instrumentos czaristas, o Partido
Comunista (que é indubitavelmente socialista) erigiu a tirania em sistema para
lograr esse resultado - ainda segundo Spiridonova - pelo qual hoje os 95% dos trabalhadores
estão em revolta aberta ou secreta contra o governo. E ela acrescenta: a classe
fundamental do país, os trabalhadores da terra, sem a qual nenhuma obra econômica
criadora é possível entre nós, encontrou-se brutalmente rejeitada de toda
participação na revolução. Os trabalhadores camponeses tornaram-se simplesmente
um objeto de exploração por parte do Estado, fornecedores de matérias-primas,
gêneros alimentícios, gado e homens, sem ter a mínima possibilidade de exercer
qualquer influência política sobre o governo do país. A principal função do
Exército Vermelho é aterrorizar a massa camponesa. E o mesmo Exército Vermelho
aterrorizado e sustentado pelo fato bem conhecido segundo o qual, para toda
deserção, a família do desertor é ferozmente punida.
Esta é uma questão
completamente diferente daquela de fazer a revolução um pouco mais cedo ou um
pouco mais tarde!
A principal razão que
fez nascer e durar o movimento anarquista é precisamente a previsão do que
seria necessariamente um governo socialista, previsão que encontrou sua
confirmação tão trágica na Rússia.
Isso não impediu que à
dissensão fundamental viesse somar-se aquela relativa à maneira de julgar as
diversas posições históricas e à necessidade de tentar ou não, em certas
ocasiões, um movimento revolucionário. Tornaremos a falar disso.
MALATESTA, Errico.
Escritos revolucionários. Organização e tradução: Plínio Augusto Coêlho.
Editora Hedra: São Paulo, 2008.
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