sábado, 1 de março de 2025

A Grande Barganha: A Rússia e os EUA podem reescrever a história?

por Andrey Kortunov, Doutor em História, Membro da RIAC
por Andrey Kortunov, Doutor em História, Membro da RIAC

Durante anos, as relações russo-americanas pareciam estar em coma irreversível. A diplomacia estava morta, tomada pela hostilidade, sanções e um risco crescente de confronto militar. Muitos insistiam que nada poderia quebrar essa trajetória — Moscou e Washington estavam presos em um curso imutável de conflito.

No entanto, hoje, o ritmo da mudança é espantoso. A recente reunião de alto nível entre autoridades russas e americanas em Riad, seguida pelas últimas declarações de Donald Trump, sugere que nada na geopolítica é predeterminado.

Essa reviravolta nos eventos traz à mente uma cena icônica de Terminator 2, na qual Sarah Connor esculpe “Não há destino” em uma mesa de madeira. Seu filho, John, expande o pensamento: “Não há destino exceto aquele que criamos para nós mesmos.” A mensagem é clara — nosso futuro é moldado por escolhas, não pelo destino.

Durante anos, analistas e políticos tanto na Rússia quanto no Ocidente insistiram que o impasse EUA-Rússia era inevitável. Alguns estrategistas americanos viam a Rússia como um adversário irredimível, enquanto os “turbopatriotas” da Rússia alertavam que qualquer envolvimento com Washington seria uma armadilha. As vozes mais extremas de ambos os lados até sugeriram que o confronto só poderia terminar em catástrofe nuclear.

Mas os eventos que se desenrolam agora sugerem o contrário. Se não há destino senão o que fazemos, então as escolhas diante de Moscou e Washington hoje são de significância histórica.

A ilusão de um Ocidente monolítico

As negociações de Riad já começaram a desmantelar suposições de longa data sobre a suposta unidade do “Ocidente coletivo”. Durante anos, os formuladores de políticas russos acreditaram que a política global era controlada por uma única estrutura de poder “anglo-americana” centralizada, operando perfeitamente de Washington a Bruxelas. A realidade, como a era Trump demonstrou repetidamente, é muito mais fragmentada.

A América de Trump não é a América de Joe Biden. Mesmo dentro de Washington, divisões profundas são evidentes. Enquanto isso, a Europa Ocidental — há muito assumida como inabalavelmente alinhada com os EUA — agora se vê lutando com desacordos internos e ressentimento sobre a pressão americana.

Para a Rússia, essa fragmentação é uma oportunidade. O desmantelamento do consenso transatlântico apresenta aberturas que não existiam nem um ano atrás.

Compromisso vs. Capitulação

Claro, o ceticismo permanece. Os críticos argumentarão que qualquer acordo com Washington é uma armadilha — que os EUA farão grandes promessas apenas para renegá-las mais tarde, como aconteceu no passado. Que, uma vez que a Rússia baixe a guarda, o Ocidente retornará aos seus velhos hábitos de traição e acordos quebrados.

Esta não é uma preocupação infundada. A história ensinou a Rússia a ser cautelosa. Mas a diplomacia não é sobre garantias — é sobre oportunidades. Não existe acordo inabalável em geopolítica. Todo acordo pode ser quebrado, toda promessa pode ser revertida. A verdadeira questão é se a Rússia está preparada para aproveitar o momento em que uma rara oportunidade se apresenta.

E este momento pode ser exatamente isso.

Mesmo que os enviados de Trump — Marco Rubio, Mike Waltz e Steve Witkoff — sejam negociadores habilidosos, é difícil imaginar que eles possuam uma compreensão superior da diplomacia do que figuras como Sergey Lavrov ou Yury Ushakov. A Rússia tem diplomatas experientes que passaram décadas navegando nas complexidades da política de poder global. Se a equipe dos EUA acredita que pode superar Moscou, está muito enganada.

Um momento de oportunidade histórica

O caminho à frente é incerto, e haverá vozes insistindo que a Rússia deve rejeitar qualquer envolvimento com Washington de cara. Mas recusar-se a negociar por medo seria um erro. A Rússia não está na posição em que estava na década de 1990 — ela é mais forte, mais autossuficiente e reconhecida como uma potência global. Desta vez, Moscou entra nas negociações não como um suplicante, mas como um igual.

Oportunidades na diplomacia são raras. É fácil deixá-las escapar; muito mais difícil aproveitá-las. Se a Rússia e os EUA puderem avançar em direção a um compromisso razoável — um que garanta os interesses centrais de Moscou enquanto reduz as tensões — pode ser o momento que remodelará o cenário geopolítico nos próximos anos.

(*) Este artigo foi publicado originalmente pelo  Kommersant e foi traduzido e editado pela equipe da RT.

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