Proudhon, Marx e a propriedade privada: o sentido negativo de trabalho
por Jean Pires de A. Gonçalves
Quando Marx escreveu os Manuscritos ainda não havia rompido
definitivamente com Proudhon. Prova disso é que em um texto posterior escrito
em parceria com Engels, A sagrada família,
de 1845, Marx defende Proudhon dos ataques dos jovens hegelianos, os irmãos
Bauer, reconhecendo o socialista francês como “o primeiro socialista
científico”[1].
Nos Manuscritos, há algumas
referências a Pierre-Joseph Proudhon. Para entendermos a diferença fundamental
entre Marx e Proudhon é necessário compará-los. Vejamos, portanto, alguns
extratos selecionados do mais célebre memorial
da propriedade escrito pelo, como evocava Bakunin, “pai de todos”: O que é a propriedade? Tal
desenvolvimento vai nos ajudar a compreender o próprio conceito de propriedade
privada e do trabalho nos Manuscritos
econômico-filosóficos.
Na formulação do livro de Proudhon,
de 1840, que relançou o “slogan”
socialista de 1793, mais emblemático do XIX – “a propriedade é um roubo” –, o
autor analisa criticamente obras de economistas, juristas e dos utópicos, como
Say, C. Comte, Destutt de Tracy, Saint-Simon e outros, para depois refutá-los quase
à maneira de um casuísta que quer provar suas teses.
Tomaremos a liberdade de organizar os
extratos subscritos em “Tese” e “Antítese”, assim como faz Kant (antinomias),
apenas para tornar didático o sentido da dialética proudhoniana.
1.
Tese.
Que o trabalho, por si mesmo, não tem sobre as coisas nenhum poder de
apropriação:
“‘O problema está solucionado”, exclama Hennequin. ‘A propriedade, filha
do trabalho, apenas sob a égide das leis pode gozar do presente e do futuro.
Sua origem vem do direito natural; seu poder, do direito civil; a combinação
dessas duas ideias, trabalho e proteção, surgiram as legislações positivas...’”
(PROUDHON, 1988, p. 81).
“Say dá a entender que, caso o ar e a água não apresentasse natureza
fugidia, seriam também apropriados. Adiantarei que isso é mais que uma
hipótese, é uma realidade. O ar e a água
foram apropriados não direi tantas vezes quantas se pode, mas quantas foram
permitidas” (Ibidem, p. 82).
“No texto de Say, transcrito acima, não se percebe com clareza se o autor
faz depender o direito de propriedade da qualidade não-fugidia do solo ou do
consentimento que a seu ver foi dado por todos os homens a essa apropriação”
(Ibidem, p. 84).
“O direito de propriedade foi o início do mal na terra, o primeiro elo da
longa cadeia de crimes e misérias que o gênero humano arrasta desde o
nascimento; a mentira das prescrições é o encanto funesto atirado sobre os
espíritos, a palavra de morte bafejada às consciências para estancar o
progresso do homem rumo à verdade e manter a idolatria do erro” (Ibidem, p.
85).
“Mas toda propriedade necessariamente começou pela prescrição, ou como
diziam os latinos, pelo usucapião, isto é, pela posse contínua: pergunto então,
em primeiro lugar, como a posse pode tornar-se pela passagem do tempo
propriedade?” (Ibidem, p. 90).
“Vamos demonstrar, pelos próprios aforismos da economia política e do
direito, isto é, por tudo o que a propriedade pode objetar de mais especioso:
“1º. – Que o trabalho, por si mesmo, não tem sobre as coisas da natureza nenhum
poder de apropriação;
“2º. – Que ao reconhecer entretanto esse poder no trabalho seremos
conduzidos à igualdade das propriedades, quaisquer que sejam a espécie de
trabalho, a raridade do produto e a desigualdade das faculdades produtivas;
“3º. – Que na ordem da justiça o trabalho destrói a propriedade” (Ibidem,
p. 93).
“Dizer que a propriedade é filha do trabalho e depois atribuir ao
trabalho uma concessão por meio do exercício cria, se eu não me engano, um
círculo vicioso. As contradições vão aparecer” (Ibidem, p. 96).
“Para transformar a posse em propriedade, é preciso algo mais que o
trabalho, sem o que o homem cessaria de ser proprietário quando deixasse de
trabalhar; ora, segundo a lei, o que faz a propriedade é a posse imemorial,
incontestada, numa palavra, a prescrição; o trabalho é apenas o sinal sensível,
ato material pelo qual a ocupação se manifesta” (Ibidem, p. 97).
2. Antítese.
Que o trabalho conduz à igualdade das
propriedade:
“Concordemos, porém, que o trabalho confira um direito de propriedade
sobre a matéria: por que esse princípio não é universal? Por que o benefício
dessa pretensa lei, restrito à minoria, é negado à massa dos trabalhadores?”
(Ibidem, p. 98).
“Quem trabalha torna-se proprietário: fato inegável dentro dos atuais princípios
de economia política e direito. E quando digo proprietário não entendo apenas,
como os economistas hipócritas, o proprietário de seu soldo, salário,
estipêndio; refiro-me ao proprietário do valor que ele cria e do qual o dono é
o único a beneficiar-se” (Ibidem, p. 100).
“Minha posição é esta: O trabalhador conserva, mesmo após receber seu
salário, um direito natural de propriedade sobre a coisa que produziu” (Ibidem,
p. 100).
“Essa quantia paga não basta [o salário]: o trabalho dos operários criou
um valor; ora, tal valor é propriedade deles. Mas não o venderam, nem o
trocaram; e vós, capitalistas, de modo algum adquiristes. (...) O dinheiro com
que pagais as diárias dos trabalhadores mal cobriria a posse perpétua que eles
vos abandonam. O salário é a despesa que a manutenção e a restauração diária
dos que trabalham exige; estais errado vendo nisso o preço da venda. O operário
não vendeu nada: não conhece nem seu direito nem o alcance da cessão que vos
fez, nem o sentido do contrato que pretendeis ter lavrado com ele. De sua
parte, ignorância completa; da vossa, erro e surpresa, para não dizer dolo e
fraude” (Ibidem, pp. 100 e 101).
“O trabalhador precisa de um salário que lhe permita viver enquanto
trabalha, pois só produz consumindo. Quem emprega um homem deve-lhe alimentação
e manutenção, ou salário equivalente. É o primeiro passo da produção” (Ibidem,
p. 103 e 104).
“O salário do trabalhador não ultrapassa suas necessidades diárias e não
lhe assegura o salário do amanhã, ao passo que o capitalista encontra no
instrumento produzido pelo trabalhador uma garantia de independência e
segurança para o futuro” (Ibidem, p. 104).
“Ora, esse fermento reprodutor, esse eterno de vida, essa preparação de
um fundo e instrumentos de produção é o que o capitalista deve ao produtor e não
paga nunca: e essa denegação fraudulenta é que provoca a indigência do
trabalhador, o luxo ao ocioso e a desigualdade de condições. Nisso sobretudo é
que consiste aquilo que tão bem se denominou a exploração do homem pelo homem”
(Ibidem, p. 104, grifos nossos).
“De fato, se o trabalhador é o proprietário do valor que cria, conforme
se pretende e nós concordamos, segue-se:
“1º. – Que o trabalhador adquire a expensas do proprietário ocioso;
“2º. – Que, sendo toda a produção necessariamente coletiva, o trabalhador
tem direito, na proporção de seu trabalho, à participação dos lucros;
“3º. – Que, sendo todo o capital acumulado propriedade social, ninguém
pode ter sua propriedade exclusiva.
“Tais consequências são irrefragáveis; só elas bastariam para subverter
toda nossa economia, mudar nossas instituições e leis” (Ibidem, p. 105).
“Toda criação industrial possui um valor venal, absoluto, imutável,
portanto legítimo e verdadeiro? – Sim.
“Todo produto do homem pode ser trocado por produto do homem? – Ainda uma
vez, sim.
Quantos pregos valem um par de tamancos?
“Se pudéssemos resolver esse terrível problema, teríamos a chave do
sistema social que a humanidade vem buscando há seis mil anos. Diante desse
problema, o economista confunde-se e recua; o camponês não sabe ler nem
escrever, responde sem hesitar:
Tantos quantos se possa fabricar em tempo igual e com a mesma despesa.
“O valor absoluto de uma coisa é, então, o que ela custa em termos de tempo
e despesa: quanto vale um diamante que só custou o trabalho de ser apanhado na
areia? – Nada; não é um produto humano. – Quanto valerá depois de lapidado e
engastado? – O tempo e as despesas que terá custado ao operário. (Ibidem, pp.
121 e 121, grifos nossos).
Contrapondo tese e antítese, Proudhon
conclui em sua dialética negativa:
Que na ordem da justiça o trabalho
destrói a propriedade”.
Para em seguida afirmar: “A razão última dos proprietários, o argumento
fulminante cujo poder invencível os tranquiliza é que, segundo eles, a igualdade
das condições é impossível. (...) Se eu demonstrar que a propriedade é que é
impossível, que a propriedade é que é contradição, quimera, utopia; e se o
fizer, não por considerações de metafísica ou direito, mas pela razão dos
números, equações e cálculos qual não será o espanto do proprietário
embasbacado? (...) Axioma – A
propriedade é o direito de ganho que o proprietário se atribui sobre uma coisa
marcada com seu selo. (Ibidem, pp. 133 – 135).
Proudhon parte de duas teses
contraditórias, uma jurídica e outra liberal (econômica):
a) que a origem da propriedade não
está fundada no trabalho, mas no direito
de prescrição; b) que a propriedade não está fundada na prescrição, mas,
sim, no trabalho.
Ao contrapor estas teses opostas,
Proudhon chega a conceitos muito próximos da mais-valia, trabalho alienado,
etc., para em seguida suspender a contradição e, por fim, resolver a questão
pela impossibilidade da propriedade,
através de um “axioma”. A propriedade só se fundamenta no plano jurídico, por
força da lei; no plano econômico, a propriedade restitui o produto aos
produtores (trabalhadores). Se isto não ocorre é porque o Estado, pelo direito
da prescrição, justifica um roubo (rigorosamente, não-propriedade). “O proprietário, o ladrão, o herói, o soberano,
pois esses nomes são sinônimos, impõe sua vontade pela lei e não se sujeita nem
a contradições nem a controles, isto é, pretende ser poder legislativo poder
executivo ao mesmo tempo” (Ibidem, p. 239). Para Proudhon, o projeto
socialista, através do conhecimento trazido à luz pela ciência, inevitavelmente
corrigirá esta injustiça, demonstrando o absurdo do axioma da propriedade.
Pois, no fundo, como se percebe, para Proudhon, há “duas propriedades”: 1. a “propriedade injusta”, pressupondo a
desigualdade, tendo por princípio as determinações do direito (econômico),
fundada pelo “consenso universal”; e 2. a “propriedade
justa”, baseada no trabalho (economia liberal), que conduziria
necessariamente à igualdade. Por que a economia política mascara essa verdade?
Nesse sentido, para nós, a grande
contribuição de Proudhon se deu no plano político, pois insistiu que as
contradições da economia capitalista têm por instância reguladora o Estado.
Justamente ele, “uma contradição em pessoa”, nos dizeres de Marx. De origem
camponesa, na cidade, tornou-se operário (tipógrafo) e talvez contador: “o
camponês não sabe ler nem escrever, responde sem hesitar” (citação acima).
Autodidata, recebeu bolsa de estudo, mas, acabou expulso da Academia por suas
ideias subversivas[2]. Portanto, o socialista francês
sentiu na pele a exploração sofrida pelo proletariado. Sendo assim, acabou por
pressentir a mais-valia como trabalho não-pago, legitimado pela coerção do
Estado, e atribuiu a diferença entre salário e meios de subsistência a um “erro
de cálculo”, passível de ser corrigido.
Evidentemente, não entraremos aqui
nos episódios que levaram o rompimento das relações travadas entre Marx e
Proudhon, que só ocorrerá definitivamente em 1850[3].
Vejamos então qual o teor da crítica
de Marx a Proudhon, ainda nos Manuscritos,
e tentemos daí descobrir a própria noção de propriedade privada no texto de 44:
Que erro cometem os reformadores em détail, que ou desejam elevar o
salário e por este melhorar a situação da classe trabalhadora, ou consideram
(como Proudhon) a igualdade do salário como objetivo da revolução social?
(Marx, 2008, p. 30).
Vimos que para Proudhon, na medida
que o trabalho conduz à igualdade de propriedade (ou destruição da mesma), o
trabalhador também tem direito “à participação dos lucros”. Para Proudhon, o
“operário não vendeu nada” – preço de
venda de trabalho na forma de salário mal cobre as despesas mínimas do
trabalhador – pois ao alugar (vender) sua força de trabalho foi enganado pelo
proprietário ocioso, que o roubou. Marx, ao contrário, parte do trabalho alienado, como fundamento de
sua argumentação. E, como vimos, o trabalho aparece como a única propriedade do
trabalhador, que o vende como qualquer mercadoria:
Que significado tem, no desenvolvimento da humanidade, esta redução da
maior parte dela ao trabalho abstrato? (ibidem, p. 30).
A economia nacional considera o trabalho abstratamente como uma coisa; o
trabalho é uma mercadoria: se o preço é alto, a mercadoria é muito procurada;
se é baixo, [a mercadoria] é muito oferecida; como mercadoria, o trabalho deve
baixar cada vez mais de preço: o que força a isso é em parte a concorrência
entre capitalista e trabalhador, em parte a concorrência entre trabalhadores...
(ibidem, p. 35 e 36).
Em relação a Proudhon:
A economia nacional parte do trabalho como [sendo] propriamente a alma da
produção, e, apesar disso, nada concede ao trabalho e tudo à propriedade
privada. Proudhon, a partir dessa contradição, conclui em favor do trabalho [e]
contra a propriedade privada. Nós reconhecemos, porém, que esta aparente
contradição é a contradição do trabalho estranhado consigo mesmo, e que a
economia nacional apenas enunciou as leis do trabalho estranhado. (ibidem, p.
88).
Mesmo a igualdade de salários, como quer Proudhon, transforma somente a
relação do trabalhador contemporâneo com seu trabalho na relação de todos os
homens com o trabalho. A sociedade é, nesse caso, compreendida como um
capitalista abstrato. (ibidem, p. 88).
E ao denunciar a negatividade do
trabalho alienado, Marx demonstra simultaneamente a positividade da propriedade
privada, que legitima o trabalho como propriedade (dos não-proprietários):
Através do trabalho estranhado, exteriorizado, o trabalhador engendra,
portanto, a relação de alguém estranho ao trabalho – do homem situado fora dele
– com este trabalho. A relação do trabalhador com o trabalho engendra a relação
(ou como se queira nomear o senhor do trabalho) com o trabalho.
A propriedade privada é, portanto, o resultado, a consequência necessária
do trabalho exteriorizado, da relação externa (äusserlichen) do trabalhador com
a natureza e consigo mesmo.
A propriedade privada resulta portanto, por análise, do conceito de trabalho
exteriorizado, isto é, de homem exteriorizado, de trabalho estranhado, de vida
estranhada, de homem estranhado. (p. 87).
De fato, da contradição Marx descobre
uma relação:
A relação (Verhältnis) da propriedade privada contém latente em si a
relação da propriedade privada como trabalho, assim como a relação dela mesma
como capital e a conexão (Beziehung) destas duas expressões uma com a outra. (ibidem,
p. 93).
A essência subjetiva da propriedade privada, a propriedade privada
enquanto atividade sendo para si, enquanto sujeito, enquanto pessoa, é o trabalho.
(ibidem, p. 99).
Neste sentido, a propriedade privada
não tem valor intrínseco, objetivo, mas é resultado de uma relação social subjetiva, isto é, resultado da
atividade que constitui seu próprio mundo. “Quanto vale um diamante que só
custou o trabalho de ser apanhado na areia? – Nada; não é um produto humano. –
Quanto valerá depois de lapidado e engastado?” (Proudhon, citado acima).
Encontrar um diamante, lapidá-lo, aí reside o seu valor. Não é a beleza em si
do diamante, ou a sua raridade (oferta e demanda), que lhe torna valioso, mas o
processo que demandou um tempo necessário para produzi-lo enquanto produto
humano. O direito de propriedade aufere valor ao diamante não para aqueles que
trabalharam para fazer torná-lo um produto humano. A propriedade privada é a
forma legal do estranhamento.
Trabalho decompõe-se em si e no salário. O trabalhador mesmo [como sendo]
um capital, uma mercadoria. (ibidem, p. 99).
Portanto, em Proudhon o trabalho é negativo, “destrói a propriedade”
(formal, jurídica), de um lado, e, por outro, positivo, afirma a igualdade,
do trabalhador. Em Marx, o inverso: o
trabalho (positivo) constitui a propriedade privada e nega o trabalhador (negativo). Proudhon
não compreendeu o sentido negativo do
trabalho; percebe, no entanto, a negatividade, mas não de modo intrínseco, o
que o impediu de fazer a crítica do
trabalho, e por isso, sem o saber, reafirma a categoria do capital que
espolia o trabalhador[4]. Isto porque Proudhon interpretou
com boa fé a premissa do liberalismo clássico, isto é, o trabalho enquanto
direito natural gerador de riqueza. Notou que, se de um lado, a classe
capitalista enriquecia, de outro, o proletário amargava a mais triste miséria.
Tentou descobrir então o que estava errado na economia política e apontou suas
contradições. Encontrou no direito à propriedade o “x” da questão. Por sua vez,
Marx, ao contrário, descobre o negativo
no próprio trabalho – como fonte de
riqueza privada apropriada pelo capital. Marx assim o explicita numa fórmula:
“o trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto
mais a sua produção aumenta em poder e extensão” (ibidem, p. 80). A exploração
se dá pelo trabalho, enquanto mercadoria. Este é o sentido da propriedade
privada nos Manuscritos, isto é, a
legitimidade de uma relação de acúmulo de riqueza ou de valor em si e para si.
Mas o trabalhador tem a infelicidade de ser um capital vivo e, portanto, carente,
que, a cada momento em que não trabalha, perde seus juros e, com isso sua
existência. Como capital, o valor do trabalhador aumenta no sentido da procura
e da oferta e, também fisicamente, a sua existência (Dasein), a sua vida, se
torna e é sabida como oferta de mercadoria, tal como qualquer outra mercadoria.
O trabalhador [produz] o capital; o capital produz o trabalhador. (ibidem, p.
91).
Tal compreensão do trabalho alienado é fundamental e vai
atravessar toda obra de Marx. Em última análise: “o trabalho enquanto a única essência
da riqueza” (Idem, p. 100). Ora, por ser o ser humano um ser carente, isto é, um ser com necessidades (físicas, fisiológicas
etc.), ele é obrigado por força das coisas a converter-se em trabalhador e
oferecer-se no mercado de trabalho; e neste ato, que não é por livre e
espontânea vontade nem é plenamente consciente, seu trabalho se volta contra
ele, trabalhador.
Fonte: Fragmento da tese de doutorado
“Ocupar, Resistir, Construir, Morar” (Depto. de Geografia, FFLCH–USP, 2012), de
autoria de Jean Pires de Azevedo Gonçalves (Laboratório de Geografia Urbana –
LABUR - USP), disponível integralmente neste blog. Consultar bibliografia diretamente na tese.
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[1]
“Para terminar as origens do pensamento de Marx, diremos que o jovem Marx deve
a Proudhon mais do que se admite geralmente, devido à ruptura dos dois e aos
ataques virulentos que se lhe seguiram. Como Marx, Proudhon foi fortemente
influciado por Saint-Simon, e, como Marx, dialetizou o pensamento de
Saint-Simon por um lado, e por outro tornou-o revolucionário. O que não pode
deixar de chamar a atenção do jovem Marx, mais moço que Proudhon nove anos – um
nascera em 1809, o outro em 1818. As primeiras obras de Proudhon “La
célebration du dimanche”, 1938, “O que é a propriedade?” 1840 (que o
celebrizou) e o volume “Memóire sur la propriété”, 1841, saíram num momento em
que Marx não tinha escrito ainda nada; “La création de l’odre dans l’Humanité”
saiu do prelo em 1843, alguns meses antes da chegada de Marx em França. (...)
Ninguém se surpreenderá pois que as primeiras apreciações de Marx sobre
Proudhon tenham sido entusiastas. Desde 16 de outubro de 1842 falava ele, no
“Journal Rhénan”, dos ‘trabalhos tão penetrantes de Proudhon’ e, numa carta da
mesma época, celebrou ‘Proudhon como o pensador francês mais ousado’. Após ter
mencionado Proudhon várias vezes numa obra inédita, ‘Economie Politique’,
1843-1844, Marx dedica-lhe quase sessenta páginas em “A sagrada família”
publicado em 1845; defendendo-o contra a incompreensão e as críticas de Edgar
Bauer, irmão de Bruno. E Marx escreve: ‘Proudhon submete a base da economia
nacional, a propriedade privada... ao primeiro exame sério e científico. Eis o
grande progresso científico que realizou, um progresso que revoluciona a
economia nacional e propõe pela primeira vez a possibilidade de uma verdadeira
ciência econômica. A obra de Proudhon “O que é a propriedade?” tem para a
economia social moderna a mesma importância que a obra de Sieyès “O que é a
teoria do Estado” para a política moderna’. ‘Proudhon levou a sério o aspecto
humano (isto é, social) das relações econômicas, e o opôs nitidamente à sua
realidade não humana’. ‘Opôs igualmente às tendências hierárquicas de
Saint-Simon um igualitarismo operário’. Demonstrou que o ‘proletariado não pode
suprimir as suas próprias condições de existência sem suprimir todas as
contradições de existência inumanas da sociedade atual’. E Marx conclui:
‘Proudhon não escreve somente nos interesses dos proletários; ele próprio é
proletário, operário. A sua obra é um manifesta científico do proletário
francês, e apresenta pois uma importância histórica muito diferente da
elucubração literária de uma crítica ‘qualquer’”(GURVITCH, 1960. pp. 39-41).
[2]
Proudhon recebeu bolsa de estudo instituída por Madame Suard da Academia de Besançon, à qual recebeu
dedicatória no “O que é a propriedade?”. A Academia diante da publicação do
livro escreveu o seguinte: “Um membro chama a atenção da Academia para uma
brochura no mês de junho último pelo titular da bolsa Suard, sob o título “O
que é a propriedade?” e dedicada pelo autor à Academia. Pensa que esta
sociedade deve à justiça, ao exemplo e à sua própria dignidade rejeitar por uma
desaprovação pública a responsabilidade pelas doutrinas anti-sociais que tal
reprodução encerra Pede em consequência: 1º. Que a Academia desaprove e condene
da maneira mais formal a obra do bolsista Suard, como tendo sido publicada sem
sua autorização, atribuindo-lhe opiniões inteiramente opostas aos princípios de
todos os seus membros; 2º. Que seja exigida do bolsista, no caso de segunda
edição, a anulação da dedicatória; 3º. Que este julgamento da Academia seja
consignado em suas publicações. As três propostas, postas em votação, foram
adotadas” (Proudhon, p. 6).
[3]
Estas oposições doutrinárias devem provocar a ruptura em 1846 e suscitar a
redação da Miséria da Filosofia em resposta a “Os sistemas das contradições
econômicas”. Como inicialmente Marx havia negligenciado as oposições que o
separavam de Proudhon, negligenciará desta vez os pontos que o aproximam dele.
(...) É interessante confrontar “Os sistemas das contradições econômicas” não
com a obra que lhe responde, “Miséria da filosofia” mas “O capital”. O livro de
Proudhon aparece desde então como um momento importante na evolução do
pensamento de Marx, ocasião de uma formulação metodológica, descoberta de uma
tentativa que fornecerá um modelo à redação de “O Capital” (VlLAIN, 2001,
p.145).
[4]
Este já era o sentido da crítica de Marx a economia política e a Hegel: “Hegel
se coloca no ponto de vista dos modernos economistas nacionais. Ele apreende o trabalho como a essência, como a essência do homem que se confirma; ele vê somente
o lado positivo do trabalho, não seu [lado] negativo” (MARX, 2008, p. 124).
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