Autores: Ranajit
Das, Paul Wexler, Mehdi Pirooznia e Eran Elhaik*
Recentemente, as
origens geográficas dos judeus asquenazes (AJs) e sua língua nativa, o iídiche,
foram investigadas aplicando a Estrutura Geográfica da População (GPS) a uma
coorte [1] de AJs multilíngues e de língua exclusivamente iídiche. O GPS
localizou a maioria dos AJs ao longo das principais rotas comerciais antigas no
nordeste da Turquia, adjacentes a aldeias primitivas com nomes que lembram a
palavra “Ashkenaz”. Essas descobertas foram compatíveis com a hipótese de uma
origem iraniano-turco-eslava para AJs e uma origem eslava para o iídiche em
desacordo com a hipótese da Renânia, que defende uma origem levantina para os
AJs e origens alemãs para o iídiche. Discutiremos como essas descobertas
promovem três debates em andamento sobre: (1) o significado histórico do termo
“Ashkenaz”; (2) a estrutura genética dos AJs e suas origens geográficas,
conforme inferidas a partir de vários estudos que empregam DNA moderno e antigo
e análises originais de DNA antigo; e (3) o desenvolvimento do iídiche.
Fornecemos validação adicional para a origem não levantina dos AJs usando DNA
antigo do Oriente Próximo e do Levante. Devido à crescente popularidade das
ferramentas de geolocalização para resolver questões de origem, discutiremos
brevemente as vantagens e limitações das ferramentas populares com foco na
abordagem GPS. Nossos resultados reforçam as origens não levantinas dos AJs.
Contexto
A origem geográfica dos
“Ashkenaz” bíblicos, dos judeus asquenazes (AJs) e do iídiche estão entre as
questões mais antigas da história, da genética e da linguística.
As incertezas sobre o
significado de “Ashkenaz” surgiram no século XI, quando o termo mudou de uma
designação dos citas iranianos para se tornar o de eslavos e alemães e,
finalmente, de judeus “alemães” (ashkenazic) nos séculos XI ao XIII (Wexler,
1993). A primeira discussão conhecida sobre a origem dos judeus alemães e do
iídiche surgiu nos escritos do gramático hebraico Elia Baxur, na primeira
metade do século XVI (Wexler, 1993).
Está bem estabelecido
que a história também se reflete no DNA através das relações entre genética,
geografia e linguagem (por exemplo, Cavalli-Sforza, 1997; Weinreich, 2008). Max
Weinreich, o decano do campo da linguística iídiche moderna, já enfatizou e
avidência de que a história do iídiche reflete a história dos seus falantes.
Essas relações levaram Das et al. (2016) a abordar a questão da origem iídiche
analisando os genomas de AJs de língua iídiche, AJs multilíngues e judeus
sefarditas, utilizando-se da Estrutura Geográfica da População (GPS), que
localiza os genomas que experimentaram o último grande evento de mistura. O GPS
rastreou quase todos os AJs até as principais rotas comerciais antigas no
nordeste da Turquia, adjacentes a quatro aldeias primitivas cujos nomes se
assemelham a “Ashkenaz”, a saber: İşkenaz (ou Eşkenaz), Eşkenez (ou Eşkens),
Aşhanas e Aschuz. Avaliados à luz das hipóteses da Renânia e do
Irão-Turco-Eslavo (Das et al., 2016, Tabela 1), os resultados apoiaram esta
última, implicando que o iídiche foi criado por comerciantes judeus
eslavos-iranianos que operavam nas Rotas da Seda. Discutiremos essas
descobertas a partir de perspectivas históricas, genéticas e linguísticas e
calculamos a semelhança genética de AJs e populações do Oriente Médio com
genomas antigos da Anatólia, do Irã e do Levante. Por último, revisamos
brevemente as vantagens e limitações das ferramentas de biolocalização e sua
aplicação na pesquisa genética.
O
significado histórico de Ashkenaz
“Ashkenaz” é um dos topônimos
bíblicos mais controversos. Aparece na Bíblia Hebraica como o nome de um dos
descendentes de Noé (Gênesis 10:3) e como uma referência ao reino de Ashkenaz,
profetizado para ser convocado junto com Ararate e Minnai para travar guerra
contra a Babilônia (Jeremias 51:27) . Além de rastrear AJs até as antigas
terras iranianas de Ashkenaz e descobrir as aldeias cujos nomes podem derivar
de “Ashkenaz”, a origem parcial iraniana de AJs, inferida por Das et al.
(2016), foi ainda apoiada pela semelhança genética dos AJs com os judeus
sefarditas da montanha e os judeus iranianos, bem como a sua semelhança com as
populações do Oriente Próximo e as populações “nativas” da Turquia e do
Cáucaso.
Há boas razões,
portanto, para inferir que os judeus que se consideravam Ashkenazic adotaram
este nome e falavam das suas terras como Ashkenaz, uma vez que se consideravam
de origem iraniana. O fato de encontrarmos evidências variadas do conhecimento
da língua iraniana entre judeus e caraítas marroquinos e andaluzes antes do
século XI é um ponto de referência convincente para avaliar as origens
iranianas compartilhadas pelos judeus sefarditas e asquenazes (Wexler, 1996).
Além disso, os judeus de língua iraniana no Cáucaso (os chamados Juhuris) e os
judeus de língua turca na Crimeia, antes da Segunda Guerra Mundial,
autodenominavam-se “Ashkenazim” (Weinreich, 2008).
A hipótese da Renânia
não pode explicar por que um nome se referia aos “citas” [2] e estava associado
ao Oriente Próximo tornou-se correlacionado a terras alemãs entre os séculos XI
e XIII (Wexler, 1993). Aptroot (2016) sugeriu que os imigrantes judeus na
Europa transferiram nomes bíblicos para as regiões em que se estabeleceram.
Isto não é convincente. Os nomes bíblicos eram usados como nomes de lugares
apenas quando tinham sons semelhantes. Não apenas a Alemanha não compartilha de
sons semelhantes a Ashkenaz como já era denominada “Germaina” ou “Germamja”, no
Talmud iraniano (“babilônico”) (concluído no século V d.C.), e, não menos
surpreendente, referia-se a Gomer, neto de Noé (Talmud, Yoma 10a). A adoção de
nomes também ocorreu quando havia dúvida das denominações exatas dos lugares,
como no caso de Sefarad (Espanha). Mas não é o caso aqui, como também observa o
Aptroot, uma vez que “Ashkenaz” possuía uma afiliação geográfica conhecida e
clara (Tabela 1). Finalmente, a Alemanha era conhecida por estudiosos
franceses, como RaDaK (1160–1235), por “Almania” (Sp. Alemania, Fr. Allemagne)
em homenagem às tribos Almani, um termo que também foi adotado por estudiosos
árabes. Se o estudioso francês Rashi (1040?-1105) tivesse interpretado aškenaz
como “Alemanha”, isso teria sido conhecido por RaDaK, que usava a simbologia de
Rashi. Portanto, a proposta de Wexler de que Rashi usasse aškenaz no
significado de “eslavo” e que o termo aškenaz assumiu um significado isolado
nas “terras alemãs” somente após o século XI na Europa Ocidental, como
resultado da ascensão do iídiche, é mais razoável (Wexler , 2011). Isto também
é apoiado pelas principais descobertas de Das et al. A respeito das únicas
aldeias primitivas conhecidas cujos nomes derivam da palavra “Ashkenaz”
localizadas nas antigas terras de Ashkenaz. Nossa inferência é, portanto,
apoiada em evidências históricas, linguísticas e genéticas, legitimada por uma
causa simples que pode ser facilmente explicada, em oposição a um cenário
complexo que envolve múltiplas extrapolações para se justificar.
A
estrutura genética dos judeus asquenazes
Os AJs foram
localizados na Turquia moderna e considerados geneticamente mais próximos das
populações turcas, do sul do Cáucaso e iranianas, sugerindo uma origem comum
nas terras “Ashkenaz” iranianas (Das et al., 2016). Tais descobertas são mais
compatíveis com uma origem irano-turco-eslava para AJs e uma origem eslava para
o iídiche do que com a hipótese da Renânia, que carece de suporte histórico,
genético e linguístico (Tabela 1) (van Straten, 2004; Elhaik, 2013). Ademais, destacam
os fortes laços socioculturais e genéticos do judaísmo Ashkenazic e iraniano e
as suas origens iranianas partilhadas (Das et al., 2016).
Até agora, todas as
análises destinadas para a geolocalização (Behar et al., 2013, Figura 2B;
Elhaik, 2013, Figura 4; Das et al., 2016, Figura 4) identificaram a Turquia
como a origem predominante dos AJs, em que pese o uso de abordagens e conjuntos
de dados diferentes em apoio à hipótese iraniano-turco-eslava (Figura 1A,
Tabela 1). A existência de ancestrais importantes do sul da Europa e do Oriente
Próximo nos genomas de AJ também são fortes indicadores da hipótese irano-turco-eslava
fornecida pela história greco-romana da região ao sul do Mar Negro. (Baron,
1937; Kraemer, 2010). Recentemente, Xue et al. (2017) aplicaram o GLOBETROTTER
a um conjunto de dados de 2.540 AJs genotipados em 252.358 SNPs. O perfil de
ancestralidade inferido para AJs foi de 5% da Europa Ocidental, 10% da Europa
Oriental, 30% do Levante e 55% do Sul da Europa (uma ancestralidade do Oriente
Próximo não foi considerada pelos autores). Elhaik (2013) retratou um perfil
semelhante para os judeus europeus, consistindo em 25-30% de ancestrais do
Oriente Médio, grande Oriente Próximo-Cáucaso (32-38%) e da Europa Ocidental
(30%). Notavelmente, Xue et al. (2017) também inferiu um “tempo de mistura” de
960–1.416 DC (≈24–40 gerações atrás), que corresponde à época em que os AJs
experimentaram grandes mudanças geográficas à medida que o reino Khazar
judaizado diminuía e suas redes comerciais entravam em colapso, forçando-os a
se mudarem para Europa (Das et al., 2016). O limite inferior dessa data
corresponde à época em que o iídiche eslavo se originou, até onde sabemos.
A origem não levantina
dos AJs é ainda apoiada por uma antiga análise de DNA de seis natufianos e um
neolítico levantino (Lazaridis et al., 2016), alguns dos mais prováveis
progenitores judeus (Finkelstein e Silberman, 2002; Frendo, 2004). Numa análise
de componentes principais (PCA), os antigos levantinos agruparam-se
predominantemente com os palestinos e beduínos modernos e marginalmente
sobrepuseram-se aos judeus árabes, enquanto os AJs agruparam-se longe dos
indivíduos levantinos e adjacentes e próximos dos neolíticos da Anatólia e
europeus do Neolítico Final e da Idade do Bronze. Para avaliar essas
descobertas, inferimos os antigos ancestrais dos AJs usando a análise de
mistura descrita em Marshall et al. (2016). Resumidamente, analisamos 18.757
SNPs autossômicos genotipados em 46 palestinos, 45 beduínos, 16 sírios e oito
libaneses (Li et al., 2008) ao lado de 467 AJs [367 AJs analisados
anteriormente e 100 indivíduos com mãe AJ) (Das et al., 2016) que se
sobrepuseram tanto ao GenoChip (Elhaik et al., 2013) quanto aos dados de DNA
antigo (Lazaridis et al., 2016). Em seguida, realizamos uma análise
supervisionada de ADMIXTURE (Alexander e Lange, 2011) usando três caçadores
coletores do Leste Europeu da Rússia (EHGs) ao lado de seis levantinos
epipaleolíticos, 24 anatólios neolíticos e seis iranianos neolíticos como
populações de referência (Tabela S0). Notavelmente, os AJs exibem um iraniano
dominante (88%) e levantino residual (3%) ancestrais, em oposição aos beduínos
(14% e 68%, respectivamente) e palestinos (18% e 58%, respectivamente). Apenas
dois AJs exibem ancestrais levantinos típicos das populações levantinas (Figura
1B). Repetindo a análise com qpAdm (AdmixTools, versão 4.1) (Patterson et al.,
2012), descobrimos que a mistura de AJs poderia ser modelada usando três
(anatólios neolíticos [46%], iranianos neolíticos [32%] e EHGs [ 22%]) ou ondas
de migração bidirecionais (iranianos neolíticos [71%] e EHGs [29%]) (Texto
Suplementar). Essas descobertas deveriam ser reavaliadas quando o DNA medieval
estiver disponível. No geral, os resultados combinados estão em forte
concordância com as previsões da hipótese irano-turco-eslava (Tabela 1) e
descartam uma antiga origem levantina para AJs, que é predominante entre as
populações levantinas modernas (por exemplo, beduínos e palestinos). Isto não é
surpreendente, uma vez que os judeus diferiam em práticas e normas culturais
(Sand, 2011) e tendiam a adotar costumes locais (Falk, 2006). Muito pouca
cultura judaica palestina sobreviveu fora da Palestina (Sand, 2009). Por
exemplo, o folclore e os costumes dos judeus no norte da Europa são
distintamente de origem alemã pré-cristã (Patai, 1983) e eslava, que
desapareceu entre estes últimos (Wexler, 1993, 2012).
O
debate linguístico sobre a formação do iídiche
A hipótese de que o
iídiche tem origem alemã ignora a mecânica da relexificação, o processo
linguístico que produziu o iídiche e outras línguas “judaicas antigas” (ou
seja, aquelas criadas entre os séculos IX e X). Compreender como funciona a
relexificação é essencial para compreender a evolução das línguas. Este
argumento tem um contexto semelhante ao da evolução do voo motorizado. Rejeitar
a teoria da evolução pode levar à conclusão de que as aves e os morcegos são
parentes próximos. Ao desconsiderar a literatura sobre a relexificação e a
história judaica no início da Idade Média, os autores (por exemplo, Aptroot,
2016; Flegontov et al., 2016) chegam a conclusões que têm fraco apoio
histórico. A vantagem de uma análise de geolocalização é que nos permite
inferir a origem geográfica dos falantes de iídiche, onde residiam e com quem
se misturavam, independentemente de controvérsias históricas, o que fornece uma
visão baseada em dados sobre a questão das origens geográficas. Isto permite
uma revisão objetiva das potenciais influências linguísticas no iídiche (Tabela
1), o que expõe os perigos da adoção de uma visão de “criacionismo linguístico”
na linguística.
A evidência histórica a
favor de uma origem iraniano-turco-eslava para o iídiche é fundamental (por
exemplo, Wexler, 1993, 2010). Os judeus desempenharam um papel importante nas
Rotas da Seda do século IX ao XI. Em meados do século IX, aproximadamente nos
mesmos anos, os comerciantes judeus em Mainz e em Xi'an receberam privilégios
comerciais especiais do Sacro Império Romano e da corte da dinastia Tang
(Robert, 2014). Estas estradas ligavam Xi'an a Mainz à Andaluzia, e
posteriormente à África Subsaariana através da Península Arábica e da
Índia-Paquistão. As Rotas da Seda forneceram a motivação para a colonização
judaica na Afro-Eurásia nos séculos IX ao XI, uma vez que os judeus
desempenharam um papel dominante nestas rotas como uma guilda comercial neutra,
sem agendas políticas (Gil, 1974; Cansdale, 1996, 1998). Assim, os comerciantes
judeus tiveram contacto com uma riqueza de línguas nas áreas que atravessaram
(Hadj-Sadok, 1949; Khordadhbeh, 1889; Hansen, 2012; Wexler TBD) que trouxeram
para as suas comunidades aninhadas em grandes centros comerciais (Rabinowitz,
1945, 1948). As Rotas da Seda Eurasiáticas centrais eram controladas pelos
governos iranianos, o que proporcionava oportunidades aos judeus de língua
iraniana, que constituíam a esmagadora maioria dos judeus do mundo desde a
época de Cristo até ao século XI (Baron, 1952). Não deveria ser uma surpresa
descobrir que o iídiche (e outras línguas judaicas antigas) contém componentes
e regras de uma grande variedade de línguas, todas faladas nas Rotas da Seda
(Khordadhbeh, 1889; Wexler, 2011, 2012, 2017) .
Além dos contactos
linguísticos, as Rotas da Seda também forneceram a motivação para a conversão
generalizada ao Judaísmo por parte de populações ansiosas por participar do
comércio extremamente lucrativo, que se tinha tornado um quase monopólio
judaico ao longo das rotas comerciais (Rabinowitz, 1945, 1948; Baron, 1957).
Estas conversões são discutidas na literatura judaica entre os séculos VI e XI,
tanto na Europa como no Iraque (Sand, 2009; Kraemer, 2010). O iídiche e outras
línguas judaicas antigas foram todas criadas pelos comerciantes peripatéticos
como línguas secretas que os isolariam de seus clientes e parceiros comerciais
não-judeus (Hadj-Sadok, 1949; Gil, 1974; Khordadhbeh, 1889; Cansdale, 1998;
Robert, 2014). O estudo da gênese do iídiche, portanto, necessita do estudo de
todas as línguas judaicas antigas deste período.
Há também uma
quantidade quantificável de elementos iranianos e turcos no iídiche. O Talmud
Babilônico, concluído no século VI d.C., é rico em influências linguísticas,
legalistas e religiosas iranianas. Do Talmud, um grande vocabulário iraniano
entrou no hebraico e no judaico-aramaico, e de lá se espalhou para o iídiche.
Este corpus é conhecido desde a década de 1930 e é de conhecimento comum aos
estudiosos do Talmud (Telegdi, 1933). No Império Khazar, os judeus eurasianos,
que navegavam nas Rotas da Seda, tornaram-se falantes do eslavo - uma língua
importante devido às atividades comerciais dos Rus' (pré-ucranianos), com os
quais os judeus eram, sem dúvida, aliados nas rotas que ligavam Bagdá e a
Baviera. Isto é evidente pela existência do hebroidismo recentemente inventado,
inspirado nos padrões eslavos de discurso em iídiche (Wexler, 2010).
Defendemos a
perspectiva de uma compreensão mais evolutiva na linguística. Isso inclui dar
mais atenção ao processo linguístico que altera as línguas (por exemplo,
relexificação) e obter mais competência em outras línguas históricas. Ao
estudar a origem dos judeus asquenazes e do iídiche, esse conhecimento deve
incluir a história das Rotas da Seda e das línguas irano-turcas.
Inferência
de Origens Geográficas
Decifrar a origem das
populações humanas não é um desafio novo para os geneticistas, mas apenas na
última década foram aproveitados dados genéticos de alto rendimento para
responder a estas questões. Aqui, discutimos brevemente as diferenças entre as
ferramentas disponíveis baseadas na identidade por distância. As abordagens
existentes de PCA ou semelhantes a PCA (por exemplo, Novembre et al., 2008;
Yang et al., 2012) podem localizar os europeus em países (entendidos como o
último local onde ocorreu um grande evento de mistura ou o local onde os quatro
ancestrais vieram de indivíduos “não misturados”) com menos de 50% de precisão
(Yang et al., 2012). As limitações do PCA (discutidas em Novembre e Stephens,
2008) parecem ser inerentes à estrutura onde as populações continentais
plotadas ao longo dos dois PCs primários se agrupam nos vértices de uma forma
semelhante a um triângulo e as populações restantes se agrupam ao longo ou
dentro das bordas (por exemplo, Elhaik et al., 2013). Há, portanto, razões para
questionar a aplicabilidade de métodos ambiciosos baseados em PCA (Yang et al.,
2012, 2014) com o objetivo de inferir múltiplas localizações ancestrais fora da
Europa. No geral, a localização precisa de indivíduos em todo o mundo continua
a ser um desafio significativo (Elhaik et al., 2014).
A estrutura do GPS
assume que os humanos são mistos e que a sua variação genética (mistura) pode
ser modelada pela proporção de genótipos atribuídos a qualquer número de
populações ancestrais supostas regionais fixas (Elhaik et al., 2014). O GPS
emprega uma análise supervisionada de ADMISTURA onde os componentes da mistura
são fixados, o que permite avaliar tanto os indivíduos de teste quanto as
populações de referência em relação às mesmas populações ancestrais putativas.
O GPS infere as coordenadas geográficas de um indivíduo combinando suas
proporções de mistura com as das populações de referência. Populações de
referência são populações conhecidas por residirem em uma determinada região
geográfica por um período substancial de tempo em um período de centenas a mil
anos e podem ser previstas para suas localizações geográficas enquanto
estiverem ausentes do painel populacional de referência (Das et al., 2016). ).
A localização geográfica final de um indivíduo de teste é determinada
convertendo a distância genética do indivíduo para m populações de referência
em distâncias geográficas (Elhaik et al., 2014). Intuitivamente, as populações
de referência podem ser pensadas como “puxando” o indivíduo em sua direção com
uma força proporcional à sua similaridade genética até que um consenso seja
alcançado (Figura S1). A interpretação dos resultados, especialmente quando a
localização prevista difere da localização contemporânea da população estudada,
exige cautela.
A estrutura
populacional é afetada por processos biológicos e demográficos como a deriva
genética, que pode atuar rapidamente em populações pequenas e relativamente
isoladas, em oposição a grandes populações não isoladas, e a migração que
ocorre com mais frequência (Jobling et al., 2013). Compreender as relações
geografia-mistura exige saber como o isolamento relativo e a história da
migração afetaram as frequências alélicas das populações. Infelizmente, muitas
vezes faltam informações sobre ambos os processos. O GPS aborda este problema
analisando as proporções relativas de mistura numa rede global de populações de
referência que nos fornecem diferentes “instantâneos” de eventos históricos de
mistura. Estes eventos de mistura globais ocorreram em momentos diferentes
através de diversos processos biológicos e demográficos, e o seu efeito
duradouro está relacionado com a nossa capacidade de associar um indivíduo ao
seu evento de mistura correspondente.
Em populações
relativamente isoladas, o evento de mistura é provavelmente antigo, e o GPS
localizaria um indivíduo de teste com a sua população parental com mais
precisão. Por outro lado, se o evento de mistura fosse recente e a população
não mantivesse relativo isolamento, a previsão do GPS seria errônea (Figura
S2). Este é o caso das populações caribenhas, cujas proporções de mistura ainda
refletem os enormes eventos de miscigenação dos séculos XIX e XX, envolvendo
nativos americanos, europeus ocidentais e africanos (Elhaik et al., 2014).
Embora o nível original de isolamento permaneça desconhecido, estes dois
cenários podem ser distinguidos comparando as proporções de mistura do
indivíduo testado e das populações adjacentes. Se esta similaridade for alta,
podemos concluir que inferimos a provável localização do evento de mistura que
moldou a proporção de miscigenação do indivíduo testado. Se o oposto for
verdadeiro, o indivíduo ou é misto e, portanto, viola os pressupostos do modelo
GPS ou as populações parentais não existem nem no painel de referência do GPS
nem na realidade. Na maioria das vezes (83%) o GPS previu indivíduos não
misturados para suas verdadeiras localizações, com a maioria dos indivíduos
restantes previstos para países vizinhos (Elhaik et al., 2014).
Para compreender como a
migração modifica as proporções de mistura das populações migratórias e
hospedeiras, podemos considerar dois casos simples de migração pontual ou
massiva seguida de assimilação e um terceiro caso de migração seguida de
isolamento. Os eventos de migração pontual têm pouco efeito nas proporções de
mistura da população anfitriã, especialmente quando absorve uma escassez de
migrantes, caso em que as proporções de mistura dos migrantes se assemelhariam
às da população anfitriã dentro de algumas gerações e seu local de descanso
representaria o da população anfitriã. Os movimentos demográficos massivos,
tais como invasões ou migrações em grande escala, que afetam uma grande parte
da população, são raros e criam mudanças temporais nas proporções de mistura da
população hospedeira. A população hospedeira apareceria temporariamente como
uma população mista bidirecional, refletindo os componentes das populações hospedeira
e invasora (por exemplo, europeus e nativos americanos, no caso dos
porto-riquenhos), até que as proporções miscigenadas homogeneizassem toda a
população. Se este processo for concluído, a assinatura de mistura desta região
pode ser alterada e a localização geográfica da população hospedeira
representaria novamente o último local onde o evento de mistura ocorreu tanto
para as populações hospedeiras como para as invasoras. O GPS iria, assim,
prever a localização da população hospedeira para ambas as populações. Prevê-se
que as populações que migram de A para B e mantêm o isolamento genético
apontarão A na análise populacional deixada de fora. Embora as migrações
humanas não sejam incomuns, manter um isolamento genético perfeito durante um
longo período de tempo é muito difícil (por exemplo, Veeramah et al., 2011;
Behar et al., 2012; Elhaik, 2016; Hellenthal et al., 2016), e as previsões GPS
para a grande maioria das populações mundiais indicam que estes casos são de fato
excepcionais (Elhaik et al., 2014). Apesar das suas vantagens, o GPS tem
diversas limitações. Primeiro, produz as previsões mais precisas para
indivíduos não misturados. Em segundo lugar, a utilização de populações
migratórias ou altamente mistas (ambas são detectáveis através da análise
populacional deixada de fora), como populações de referência, pode distorcer as
previsões. São necessários mais desenvolvimentos para superar estas limitações
e tornar o GPS aplicável a grupos populacionais mistos (por exemplo,
afro-americanos).
Conclusão
O significado do termo
“Ashkenaz” e as origens geográficas dos AJs e do iídiche são algumas das
questões mais antigas da história, genética e linguística. No nosso trabalho
anterior, identificamos a “antiga Ashkenaz”, uma região no nordeste da Turquia
que alberga quatro aldeias primitivas cujos nomes se assemelham a Ashkenaz.
Aqui, elaboramos o significado deste termo e argumentamos que ele adquiriu o
seu significado moderno somente depois que uma massa crítica de judeus
asquenazes chegou à Alemanha. Mostramos que todas as análises de biolocalização
situaram AJs na Turquia e que as origens não-levantinas dos AJs são apoiadas
por análises de genoma antigo. No geral, estas descobertas são compatíveis com
a hipótese de uma origem irano-turco-eslava para os AJs e uma origem eslava
para o iídiche e contradizem as previsões da hipótese da Renânia, que carece de
apoio histórico, genético e linguístico (Tabela 1).
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Figura 1. A localização dos AJs e suas antigas proporções de mistura em comparação com as populações vizinhas. (A) Previsões geográficas de indivíduos analisados em três estudos separados empregando ferramentas diferentes: Elhaik (2013, Figura 4) (azul), Behar et al. (2013, Figura 2B) (vermelho) e Das et al. (2016, Figura 4) (verde escuro para AJs que têm quatro avós AJ e verde claro para os demais). A média de correspondência de cores e o desvio padrão (barras) da longitude e latitude são mostrados para cada coorte. Como não tivemos sucesso na obtenção dos dados de Behar et al. (2013, Figura 2B), do autor correspondente, obtivemos 78% dos pontos de dados de sua figura. Devido à baixa qualidade dos seus números, não conseguimos extrair de forma confiável os restantes pontos de dados. (B) resultados de ADMISTURA supervisionada. Para resumir, as subpopulações foram reduzidas. O eixo x representa indivíduos. Cada indivíduo é representado por uma coluna vertical empilhada de proporções de mistura codificadas por cores que refletem as contribuições genéticas de antigos caçadores-coletores, da Anatólia, do Levante e do Irã.
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Tabela 1. Principais questões em aberto sobre a origem do termo “Ashkenaz”, AJs e iídiche conforme explicado por duas hipóteses concorrentes:
Questões em aberto
Hipótese da Renânia
Termo “Ashkenaz”
Originalmente associado às pessoas que viviam ao norte da Israel bíblica (Aptroot, 2016) ou ao norte do Mar Negro (Wexler, 1991). Usado em fontes hebraicas e iídiches a partir do século XI, para se referir a uma região ao que hoje é aproximadamente o sul da Alemanha (Wexler, 1991; Aptroot, 2016).
A origem ancestral dos judeus asquenazes
Judeus que viveram na Judéia até 70 d.C. foram exilados pelos romanos (King, 2001) e permaneceram em relativo isolamento das comunidades não-judaicas vizinhas durante e após a diáspora (Hammer et al., 2000; Ostrer, 2001). Este cenário não tem suporte histórico (Sand, 2009) nem genético (Figura 1B) (por exemplo, Elhaik, 2013, 2016; Xue et al., 2017).
A chegada dos judeus às terras alemãs
Após a chegada dos judeus palestinos às terras romanas, mercadores e soldados judeus chegaram às terras alemãs com o exército romano e ali se estabeleceram (King, 2001). Este cenário não tem suporte histórico (Wexler, 1993; Sand, 2009).
O surgimento do iídiche no século IX
Entre o século IX e X, imigrantes judeus de língua francesa e italiana adotaram e adaptaram os dialetos alemães locais (Weinreich, 2008).
Crescimento dos Judeus da Europa Oriental
Um pequeno grupo de judeus alemães migrou para a Europa Oriental e multiplicou-se através de um chamado “milagre demográfico” (Ben-Sasson, 1976; Atzmon et al., 2010; Ostrer, 2012), que resultou numa taxa de crescimento não natural (1,7- 2% anualmente) (van Straten e Snel, 2006; van Straten, 2007), ao longo de meio milênio, incidindo apenas em judeus residentes na Europa Oriental. Esta explicação não é comprovada pelos dados.
Hipótese Irã-Turco-Eslava
Termo “Ashkenaz”
Refere-se a um povo iraniano “próximo da Armênia”, presumivelmente os citas, conhecidos como aškuza, ašguza ou išguza nas inscrições assírias do início do século VII a.C. (Wexler, 2012, 2016).
A origem ancestral dos judeus asquenazes
Uma minoria de emigrantes judeus compôs-se a uma maioria de iraniano-turco-eslavos que se convertem ao judaísmo (Wexler, 2012).
A chegada dos judeus às terras alemãs
Judeus do Império Khazar e do antigo Império Iraniano que trabalhavam nas antigas rotas comerciais romanas (Rabinowitz, 1945, 1948) e nas Rotas da Seda começaram a se estabelecer nas terras mistas germano-sórbias [3] durante o primeiro milênio (Sand, 2009; Wexler, 2011).
O surgimento do iídiche no século IX
Ao chegarem às terras alemãs, os eslavos ocidentais e orientais passaram por uma relexificação para o alemão, criando o que ficou conhecido como iídiche (Wexler, 2012).
Crescimento dos Judeus da Europa Oriental
Durante o meio milênio (740-1.250 dC), as terras Khazar e iranianas abrigaram os maiores centros judaicos da Eurásia. Judeus Ashkenazic, Khazar e iranianos migraram suas ramificações para as terras eslavas (Baron, 1957; Sand, 2009).
Evidências a favor da hipótese Irã-Turco-Eslava
Termo “Ashkenaz”
A análise GPS descobriu quatro aldeias primitivas no nordeste da Turquia cujos nomes se assemelham a “Ashkenaz”, pelo menos uma das quais é anterior a qualquer grande colonização judaica na Alemanha (Das et al., 2016). “Ashkenaz” é, portanto, um nome de lugar associado ao Oriente Próximo e aos seus habitantes, tanto judeus como não-judeus. AJs exibem alta similaridade genética com populações que vivem na Turquia e no Cáucaso (Das et al., 2016). Todas as análises de biolocalização previram AJs para a Turquia (Figura 1A). Análises de DNA antigas fornecem fortes evidências da ancestralidade neolítica iraniana de AJs (Figura 1B) (Lazaridis et al., 2016).
A origem ancestral dos judeus asquenazes
Os judeus asquenazes foram previstos como um centro de antigas rotas comerciais do Oriente Próximo que ligavam a Europa, a Ásia e o norte do Cáucaso (Das et al., 2016). As conclusões implicam que a migração para a Europa ocorreu inicialmente através de rotas comerciais que iam para o oeste e mais tarde através de terras Khazar.
A chegada dos judeus às terras alemãs
O “tempo de mistura” inferido por Xue et al. (2017) de 960-1.416 DC corresponde a um período de tempo durante o qual AJ passou por grandes mudanças demográficas. Naquela época, especulava-se que os AJs teriam absorvido o povo eslavo, desenvolvido o iídiche eslavo e intensificado a migração para a Europa (Das et al., 2016).
Crescimento dos Judeus da Europa Oriental
A maioria dos judeus asquenazes foram previstos para o nordeste da Turquia e os indivíduos restantes agruparam-se ao longo de um gradiente que vai da Turquia às terras da Europa Oriental (Das et al., 2016). Isto está de acordo com as conversões registradas de populações que vivem ao longo da costa sul do Mar Negro ao Judaísmo (Baron, 1937). A origem alemã dos AJs não é apoiada pelos dados (Figura 1A).
(A evidência genética produzida por Das et al. (2016) é mostrada no último bloco). [4]
*****
Contribuições
do autor
Eran Elhaik concebeu o
artigo. Mehdi Pirooznia processou os antigos dados de DNA. Ranajit Das e Eran
Elhaik realizaram as análises. Eran Elhaik co-escreveu com Paul Wexler e Ranajit
Das. Todos os autores aprovaram o artigo.
Declaração
de conflito de interesse
Eran Elhaik é consultor
do Centro de Diagnóstico de DNA. Os demais autores declaram que a pesquisa foi
realizada na ausência de quaisquer relações comerciais ou financeiras que
pudessem ser interpretadas como potencial conflito de interesses.
O revisor Pavel
Flegontov declarou coautoria anterior com um dos autores ao Editor responsável,
que garantiu que o processo, no entanto, atendesse aos padrões de uma revisão
justa e objetiva.
Agradecimentos
Eran Elhaik foi
parcialmente apoiado pelo prêmio Royal Society
International Exchanges para Eran Elhaik e Michael Neely (IE140020), prêmio
MRC Confidence in Concept Scheme, 2014,
University of Sheffield para Eran
Elhaik (Ref: MC_PC_14115) e uma concessão da National Science Foundation
DEB-1456634 para Tatiana Tatarinova e E. E. Agradecemos aos muitos
participantes por doarem suas sequências de DNA para estudos científicos e ao
banco de dados do The Genographic Project
por nos fornecer seus dados.
Material
suplementar
O Material Suplementar
deste artigo pode ser encontrado online AQUI.
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*****
Palavras
chave: iídiche, Judeus asquenazes, Ashkenaz, estrutura
geográfica da população (GPS), Arqueogenética, Hipótese Renânia, DNA antigo
Como
citar: Das, R., Wexler, P., Pirooznia, M. e Elhaik, E.
(2017), As origens de Ashkenaz, judeus asquenazes
e o iídiche. Front. Genet. 8:87. doi:
10.3389/fgene.2017.00087
Recebido:
2 outubro de 2016.
Aceite:
7 de junho de 2017.
Publicado:
21 junho de 2017.
Editado
por:
Stéphane Joost, Escola Politécnica Federal de Lausanne, Suíça.
Revisado
por:
Pavel Flegontov, Universidade de Ostrava, República Tcheca; Lounès Chikhi, Centro
Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), França; Erika Hagelberg, Universidade
de Oslo, Noruega.
Copyright © 2017 Das,
Wexler, Pirooznia e Elhaik. Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob
os termos da Licença Creative Commons
Attribution (CC BY). O uso, distribuição ou reprodução em outros fóruns é
permitido, desde que o(s) autor(es) original(ais) ou licenciantes sejam
creditados e que a publicação original nesta revista seja citada, de acordo com
a prática acadêmica aceita. Não é permitido uso, distribuição ou reprodução que
não esteja em conformidade com estes termos.
Fonte:
Frontiers / Frontiers in Genetics
*Correspondência: Eran
Elhaik, e.elhaik@sheffield.ac.uk
*****
Notas
da Tradução
[1] Em Estatística,
coorte é um conjunto de pessoas que têm em comum um evento que se deu no mesmo
período; exemplo: coorte de pessoas que nasceram entre 1960 e 1970; coorte de
mulheres casadas entre 1990 e 2000; coorte de vítimas do terremoto do Haiti;
etc. Wikipédia
[2] Os citas eram um
antigo povo Iraniano de pastores nómadas equestres que por toda a Antiguidade
Clássica dominaram a estepe pôntico-cáspia, conhecida à época como Cítia. Na
Antiguidade Tardia os sármatas, povo com o qual os citas tinham forte parentesco,
acabaram por dominar a região. Wikipédia
[3] Sórbios ou sorábios
(em alto sorábio: Serbja, em baixo sorábio: Serby) são um povo eslavo ocidental
relativamente pequeno, vivendo como minoria na região conhecida como Lusácia
nos estados alemães da Saxônia e Brandemburgo. Também são conhecidos como
lusácios, wends, serbo-lusácios ou sérvios da Lusácia. Wikipédia
[4] A tabela 1 foi transposta para a forma de blocos
subdivididos em itens para facilitar a leitura.