por Casimiro de Castro dos Santos
Enquanto
a militância do PT empunha a honrosa bandeira “Lula 2018”, a cúpula do partido,
a portas fechadas, prepara-se para uma traição abominável.
O
objetivo é o êxito eleitoral no próximo pleito. Evidentemente, nesse sentido, o
partido não age por idealismo, mas por instinto de sobrevivência, por puro
cálculo político.
Para
lograr este objetivo, o partido precisa da anuência da Rede Globo e passar por
sua rigorosa sabatina. Ou, melhor dizendo, pedir a benção à poderosa emissora
de televisão da família Marinho.
Na
atual conjuntura, Lula é inviável. A classe média branca e “branca”, público
que compõe majoritariamente a audiência da Globo, tem verdadeira ojeriza pelo
ex-presidente sindicalista.
Diante
de tais circunstancias, não resta ao PT senão descartar o maior líder popular
da história recente do Brasil e apresentar um candidato palatável a essa mesma
classe média manipulada. Um candidato “mocinho de novela”, que seja um anti-Bolsonaro
e, ao mesmo tempo, ocupe o vácuo deixado por Doria e Hulk. Um candidato
razoável. Um Emmanuel Macron brasileiro. Numa palavra, um Collor do PT.
Para convencer suas bases, o PT mobiliza os ditos blogs
“progressistas”, todos, aliás, com o rabo preso ao PIG, remunerados pelo
próprio partido ou até mesmo financiados pela especulação internacional
(exceção feita ao Duplo Expresso), em torno de um “plano B”.
Para
o PT, não há escolha.
Apesar
do PT guardar traumas pelas eleições de 1989 e, recentemente, o golpe de 2016,
capitaneado, segundo a militância, pela Globo, em meio a cantos e palavras de
ordem “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” e “a verdade é dura, a Rede
Globo apoiou a ditadura” etc., os petistas ignoram – ou fingem ignorar – que
essa mesma Globo ajudou a eleger Lula em 2002.
Para
isso, a emissora de televisão acionou sua mais poderosa arma em prol da
campanha eleitoral de Lula: uma novela das nove.
Ao
fim do desastroso segundo mandato de FHC, foi ao ar em pleno horário nobre a
novela “Porto dos Milagres”, de 5 de fevereiro a 28 de setembro de 2001.
“Porto
dos Milagres” sinalizava o grande pacto nacional que se anunciava entre os
(antes) terríveis “comunistas” do PT e as classes dominantes do país.
A trama da novela girava em torno do vilão Felix Guerreiro
(Antônio Fagundes), um político corrupto, e o herói Guma (Marcos Palmeira), um simples pescador.
Diretamente inspirada nas obras de Jorge Amado “Mar Morto” e "A Descoberta da América pelos Turcos", mas com
direito a MUITA liberdade de criação do autor da novela, a novela apresentava
as peripécias do personagem Guma. Homem do povo, Guma é um marinheiro
respeitado na comunidade de pescadores da cidade ficcional de Porto dos
Milagres. Na verdade, filho do irmão gêmeo de Félix, o proprietário de terras Bartholomeu,
assassinado pela esposa daquele, para que o vilão assumisse os negócios da
família, Guma fora encontrado pelo pescador Frederico, já que, ameaçado pela
sua condição de herdeiro, para salvá-lo, sua mãe o deixou à deriva numa cesta
em pleno mar aberto. Para aumentar a carga de dramaticidade da novela, o
humilde pescador acaba ainda por se apaixonar por Lívia, nora de Felix. Entre
indas e vindas, o embate entre Felix e Guma é inevitável e culmina num
antagonismo político. Líder dos marinheiros, Guma se candidata à prefeitura da
cidade pelo Partido das Causas Trabalhistas, enquanto Felix disputa o governo
do Estado pelo Partido da Vanguarda Democrática. No último capítulo da novela,
ambos vencem as eleições, mas Felix é assassinado por sua amante, Rosa
Palmeirão, tendo fim seu passado de impunidade. Guma, ao contrário, inaugura
uma nova era prosperidade em Porto dos Milagres, na qual seu discurso de posse
deixa apenas entrever:
“Eu sou um homem de pouco estudo, que tive que muito cedo ir pro
mar trabalhar, mas aprendi a ser honesto e a sonhar com um mundo melhor. E é
com toda humildade que eu prometo um novo tempo pra nossa cidade, sem
corrupção, sem preconceito e com muita dedicação aos problemas do povo. Eu
conto com a ajuda de vocês meus amigos, nessa aliança entre a modernidade e a
tradição. Gostaria também de pedir a benção a Deus, a Iemanjá, e a todos os
credos e religiões, que protejam Porto dos Milagres, que protejam a Bahia, que
protejam o Brasil. Com muita trabalho e fé, eu tenho certeza que a gente vai
ter uma vida mais feliz e eu espero que o arco dessa aliança espalhe sua luz
por toda a terra. É isso que eu espero, gente”.
Muito revelador é também a caracterização maniqueísta dos dois
personagens.
Misto de Toninho Malvadeza com FHC, Felix aparece sempre de terno
e gravata, bem penteado, arrogante, maquiavélico.
Já Guma veste roupas modestas, é simplório em seu jeito e falar,
humilde, puro, mas de caráter transparente e honesto, cunhado pela vida árdua
de homem do povo, em que o trabalho é o único valor.
Se de fato, como ensina as técnicas de propaganda e comunicação,
mensagens subliminares podem influenciar tendências, não se pode subestimar os
efeitos desta caracterização no imaginário popular.
Neste mesmo sentido, tal é a referência direta entre o Partido dos
Trabalhadores (PT) e o Partido das Causas Trabalhistas ou, por outro lado, do
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido da Vanguarda
Democrática, que é óbvia demais.
Ainda mais surpreendente é a assonância, isto é, a semelhança
fonética, entre os nomes de Guma e Lula ou a aliteração das consoantes iniciais
de Félix e Fernando (Henrique Cardoso).
Muita teoria da conspiração?
A novela "Porto dos Milagres" terminou com um recorde de
audiência. O último capítulo teve média de 61 pontos no ibope e picos de 65
pontos (cada ponto equivale a 80 mil espectadores na Grande SP), obtendo a
melhor média de uma série de novelas passadas.
No ano seguinte, William Bonner fechou uma edição do telejornal JN
fazendo pesadas críticas ao Governo FHC e as privatizações generalizadas de sua
gestão (algo que na época me fez comentar à minha irmã: “Acho que a Globo está
apoiando o Lula”).
Depois veio a “Carta aos Brasileiros”, redigida por Antônio
Palocci sob o beneplácito e a aprovação de João Marinho, um dos proprietários
da Globo.
Já no governo Lula, Palocci, então chefe da casa civil, com
dinheiro do BNDS, teria salvado a Globo da falência, como sugeriu em depoimento
o mesmo Palocci ao juiz da Lava-Jato.
O Partido dos Trabalhadores não saiu de sintonia com o plim plim.
O legado de 13 anos de governo: o PT transferiu a dívida externa
a juros de 4% ao ano para a dívida interna a juros 19,5% ano; os bancos
obtiveram sucessivos lucros recordes; a auditoria da dívida pública, prevista
pela Constituição Federal, jamais foi cogitada; milhares de cargos foram
distribuídos a compadres, líderes sindicais e de movimentos sociais; os
movimentos sociais foram anestesiados, os sindicatos aparelhados e as massas
desmobilizadas; a reforma agrária e urbana não andou um palmo; a reforma
tributária, taxando os mais ricos, não saiu do plano da retórica, aliás, tarde
demais; a reforma política também ficou nas boas intenções; o partido se aliou,
em nome da governabilidade, aos gangsteres da política brasileira; uma elite
branca de milionários e nouveaux riches,
distantes das bases, monopolizou o partido e governou em causa própria; etc.
Por outro lado, o PT acertou na política externa e, do ponto de
vista econômico, no fomento à indústria nacional e na geração de empregos.
O maior mérito da gestão PT, porém, foi a denúncia, através de
políticas públicas, do nível de espoliação avassalador ao qual povo brasileiro
é submetido, ao “colocar o pobre no orçamento”.
Reservando uma ínfima parte do orçamento a políticas
compensatórias, houve uma transformação significativa na vida de milhares de pessoas
Brasil afora. Todavia, os 85 reais oferecidos por pessoa a famílias que vivem em
situação de pobreza, com rendimento familiar mensal de até R$ 170,00, o Bolsa
Família não alterou nem de longe a estrutura de desigualdade extrema da
sociedade brasileira, que também produziu, no mesmo período, um Eike e um Joesley
Batista.
Seus méritos foram também seus pecados. A crise econômica colocou
a política do PT em xeque e a geopolítica o tornou indesejável.
O grande acordo nacional, com o supremo, com tudo – o impeachment
fraudulento da presidenta Dilma – incluía também o Partido dos Trabalhadores. O
acordo implicava a subsistência política de todos os partidos. Daí o seu
silêncio.
No presente momento, no pacotão do acordo, o PT procura, de um
lado, salvar Lula da prisão e, de outro, um “plano B” que possa agradar a Rede
Globo: um candidato dos ricos.
Este candidato, que já articula alianças dentro e fora do partido,
é Fernando Haddad, o prefeito do bairro nobre dos Jardins – não da cidade de
São Paulo!!!
Sim, o prefeito que perdeu a reeleição nos bairros mais pobres da
cidade, antigos redutos do PT, para os segundo e terceiro colocados, obtendo
votação expressiva apenas no bairro nobre de Pinheiros, e que, fato inédito na
cidade de São Paulo, foi vencido no primeiro turno, em primeiro lugar, para a
abstenção e, em segundo, para o candidato da oposição.
O ex-prefeito que covardemente acusou o Movimento Passe Livre (que
não chega a ter 50 militantes) de derrubar o governo Dilma por causa de 20 centavos
quando, na verdade, abdicou de suas responsabilidades de negociação a uma reivindicação
justa. Talvez o ex-prefeito não sabe, talvez porque nunca andou de ônibus, como
é fundamental para um estudante de baixa renda, até mesmo para dar continuidade
aos seus estudos, o passe-livre. Que vá de bicicleta para a escola ou
faculdade, ainda que estas fiquem do outro lado da cidade!
O “plano B” do PT é mais uma de suas capitulações, e terá reflexo
direto nas próximas eleições. O partido será praticamente banido do cenário
político.
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